Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
História ModernaHistória Moderna AUTORIA Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini Bem vindo(a)! Olá, caro(a) aluno(a)! Seja bem-vindo aos seus estudos sobre a História Moderna. Nesta apostila você irá estudar assuntos e acontecimentos referentes a este período da História. Só para constar, e lembrá-lo(a), a separação cronológica da ciência histórica consiste em: Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea, a qual estamos presenciando. Portanto, a Idade Moderna sucede a Idade Média e precede a Idade Contemporânea. Até os dias atuais há um debate sobre quando se inicia o período Moderno e quando ele termina, no entanto, há o consenso em algumas datas: a Queda de Constantinopla, em 1453, e a Revolução Francesa, em 1789. Mas, você pode se perguntar, por que estudar História Moderna? Neste período os indivíduos produziram diversos avanços em várias áreas. Presenciamos o nascimento da modernidade. Diversas instituições que até hoje existem foram desenvolvidas e aperfeiçoadas na Idade Moderna: por exemplo, na política temos os Estados Modernos, início dos estados nacionais, dos países e da burocracia política que existe hoje. O Renascimento, o Iluminismo e a Reforma Protestante são o conjunto de ideias e re�exões que irão colocar à prova muitos dos dogmas e ideias hegemônicas da Idade Média, permitindo uma expansão do saber, da racionalização, da espiritualidade e do intelecto humano, constituindo o nosso modelo de pensamento até os dias atuais. Os exemplos de algumas instituições citadas são os temas de estudo desta apostila. Na Unidade I vamos conhecer sobre o Humanismo, Renascimento e o Estado Moderno. O professor Herculanum Ghirello Pires explica como a leitura e o renascimento dos clássicos, isto é, dos estudos dos antigos �lósofos greco-romanos foi importante para a expansão das ideias e possibilidades de modelos de vida diferentes, mais humanos, mais racionais. Essas novas formas de organização da vida vão produzir novas formas de organização política: assim nasce o Estado Moderno e o Mercantilismo. Já na Unidade II você irá saber mais sobre a Reforma Protestante. O professor Saulo Justiniano demonstra os principais aspectos das Transformações Religiosas na Modernidade. Quais os impactos da reforma, não só no campo religioso, mas também no social e político da Europa. Contextualizando-a com os aspectos sociais e econômicos do �nal da Idade Média. E situando os diferentes tipos de reforma e de religiosidade que surgiram do rompimento com a Igreja Católica. Na sequência, na Unidade III falaremos a respeito do Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias. O professor Willian Carlos Larini discorre inicialmente sobre os conceitos iluministas que tiveram considerável preponderância no século XVIII e os pensadores que as formularam. Relacionando-o ao processo de emancipação das treze colônias inglesas que levaria a constituição dos Estados Unidos no século XVIII. Neste tópico são abordados os diferentes acontecimentos, circunstâncias políticas e econômicas que fariam os habitantes das 13 colônias inglesas na América amotinaram-se em oposição a Grã-Bretanha e como se deu o êxito belicoso dos colonos em relação à nação europeia. Em nossa Unidade IV vamos �nalizar o conteúdo dessa disciplina com a Revolução Francesa no �nal do século XVIII. O professor William Carlos Larini expõe a conjuntura sociopolítica problemática da França antes do começo da insurreição dos franceses que se opunham à monarquia e às camadas sociais que tinham certas regalias. Assim como o período mais violento da Revolução Francesa, regido principalmente por Maximilien de Robespierre, que levaria à morte por decapitação vários franceses. É igualmente analisado neste tópico a etapa �nal do processo revolucionário francês que possibilitaria a subida de Napoleão Bonaparte como soberano. Caro(a) aluno(a), desejamos bons estudos! Sumário Essa disciplina é composta por 4 unidades, antes de prosseguir é necessário que você leia a apresentação e assista ao vídeo de boas vindas. Ao termino da quarta da unidade, assista ao vídeo de considerações �nais. Unidade 1 Humanismo, Renascimento e Estado Moderno Unidade 2 Transformações Religiosas na Modernidade Unidade 3 O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas Unidade 4 A Revolução Francesa Unidade 1 Humanismo, Renascimento e Estado Moderno AUTORIA Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini Introdução Olá, caro(a) aluno(a). Nesta unidade você verá sobre Humanismo, Renascimento e Estado Moderno. Eles são caracterizados por mudanças sociais e os primeiros acontecimentos que traçam um hiato entre a Idade Média e a Idade Moderna. Antes de mais nada, devemos lembrar que o período posterior à Antiguidade, conhecido como a Idade Média (V – XV), teve uma longa duração, em quase mil anos de sua dinâmica e queda apresentou diversos aspectos comuns em quase todos os séculos, assim como, concomitantemente, ocorreram mudanças em sua estrutura. Na Baixa Idade Média (XI – XV), o período medieval se viu em meio a mudanças rápidas, as quais o poder político da Igreja não podia conter as alterações sociais, culturais, mas principalmente as econômicas que passaram a se con�gurar, aos poucos, nas condições que dariam forma ao Humanismo, Renascimento e o Estado Moderno. Esses acontecimentos vão marcar a história e dar uma con�guração a novos modos de vida e organização social. Tais acontecimentos e novas formas de vida irão inaugurar um novo período, que denominamos de Idade Moderna. Alguns historiadores atribuem o início desse período à queda da cidade de Constantinopla, em 1453, até a Tomada da Bastilha durante a Revolução Francesa, em 1789. Fato é que foi um período de intensa produção social, econômica e cultural, onde sentimos a in�uência desses eventos até hoje: o Humanismo permitiu ao ser humano se interrogar sobre o seu lugar na terra e os dogmas da Igreja; o Renascimento foi um retorno aos clássicos, à �loso�a, a uma nova maneira de vida, que permitiu um renascer social, comercial e cotidiano na Europa; e, por �m, o Estado Moderno foi a instituição que promoveu a criação das nações, identidades nacionais, o aperfeiçoamento da máquina burocrática estatal e organização social. Portanto, sem eles, a concepção de vida que temos hoje provavelmente seria diferente. Plano de Estudo Humanismo Renascimento Estado Moderno Objetivos de Aprendizagem Conceituar e contextualizar o Humanismo, Renascimento e Estado Moderno Compreender a importância desses acontecimentos para os dias de hoje Estabelecer a importância econômica, social, política e cultural de ambos Humanismo AUTORIA Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini Podemos caracterizar o Humanismo em três principais aspectos: antropocentrismo, racionalidade e o cienti�cismo. Esses aspectos só foram possíveis graças a um retorno às obras clássicas de �loso�a e de literatura presentes na antiguidade, na Grécia e em Roma. A partir da leitura dessas obras o ser humano pode se distanciar cada vez mais dos dogmas da Igreja que tinham mais a função de organizar a sociedade, pautada nas leis de tradição da Idade Média, do que uma função espiritual. Essas leituras não foram feitas de uma vez ou em um único período. Aos poucos, os sábios do período medieval, principalmente monges da Igreja, foram tendo acesso a esses manuscritos e confeccionando traduções deles. Podemos classi�car em dois momentos: “O primeiro foi na época de Carlos Magno (747 - 814), quando autores latinos foram muito lidos e copiados, inspirando fortemente a produção literária da época carolíngia” (FUNARI, 2019, p. 10), principalmente para função educacional, pedagógica (CHARLE; VERGER, 1996). O segundo, “no século XII, auge do medievo houve novo retorno aos antigos, dessa vez com os aportes daliteratura grega, seja de forma direta (vinda de Bizâncio), seja por meio da leitura das traduções árabes de autores antigos” (FUNARI, 2019, p. 10). E a queda de Constantinopla para os turcos, no século XV, acentuou a redescoberta de textos gregos, pois nessas bibliotecas havia um manancial de manuscritos desses sábios antigos. A partir daí, começam a surgir as inovações, invenções, e mudanças que irão transformar a base do pensamento dos seres humanos e a sociedade @wikimedia E no mesmo século (XII), “esses textos passaram a ser cada vez mais procurados e difundiu-se, a partir da Itália, a ideia de que eles representavam algo diferente da cultura contemporânea (do período): eram a herança escrita dos antigos” (GUARINELLO, 2018, p. 18). As cruzadas aguçaram essa ebulição europeia pelo saber, pois possibilitou aos europeus o contato com os árabes e o seu aparato intelectual. Os árabes produziam traduções dos antigos autores e sábios do mundo grego. Por exemplo, Averrois (1126 - 1198), �lósofo árabe que teceu comentários à obra de Aristóteles e Platão, comentários que, em seguida, foram usados na Europa e por cristãos (LEVENE, 2013). Mas, essas leituras ainda �cavam sob o conhecimento dos homens de letras e sábios da época. Elas só vão passar a ser do conhecimento de todos, do povo, com o advento e a divulgação da imprensa, no século XIV. Assim, “os grandes livros do ‘mundo antigo’ foram reeditados e voltaram à vida. Autores como Homero, Virgílio, Aristóteles, Plutarco, Tito Lívio, Tácito e muitos outros (GUARINELLO, 2018, p. 18) passaram a fazer parte dos círculos e discussões no oeste europeu. Antropocentrismo O impacto dessas leituras veio com a noção de antropocentrismo, quando o homem passa a se colocar no centro do mundo. Ele passa a ser a medida de todas as coisas. Capaz de escolher o próprio destino. Agora, as perguntas partiam dele para interpretar o seu ser, e não mais de um dogma, de Deus ou da Igreja. O homem se tornará livre para pensar, mais uma vez, para fazer seus movimentos, suas técnicas, e, de suma importância, a sua arte: o Homem Vitruviano de Da Vinci (�gura que está no início desta seção) é um dos melhores exemplos do antropocentrismo na arte e na sociedade. Sendo o centro do mundo, ele consegue agora se perguntar sobre questões relevantes a sua ocupação na sociedade. Questões que interpretem o ser humano, não mais uma condição metafísica ou uma interpretação sobrenatural da vida. Para alguns historiadores e psicólogos, é neste momento que nós temos a invenção do psicológico (FIGUEIREDO, 2017), a emergência do indivíduo (DUBY, 2009) e aumento da individualidade e dos desejos e vontades pessoais de cada um. O homem havia obtido sua liberdade. Racionalidade e Cienti�cismo Com o homem no centro do mundo e das atenções, as questões feitas sobre a existência do ser humano passam a ter respostas baseadas na racionalidade e no cienti�cismo, ao contrário da Idade Média, em que muitas interpretações sobre a vida eram pautadas em dogmas e em forças metafísicas. Exemplo disso é Leonardo da Vinci e seus estudos em diversos campos, na arte, na física, na geometria entre outros. @wikimedia REFLITA “Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida” - Sêneca Em suma, uma interiorização maior, daí o nome humanismo, nos tornamos seres humanos capazes de pensarmos sobre nós: nossas ocupações, nossas emoções, nossos sentimentos; criamos consciência sobre nós e sobre os outros. Isso é expresso na arte, como veremos. Portanto, podemos a�rmar que o humanismo é um processo intelectual e cultural que tem seu início por volta do século VIII na Europa medieval, com as primeiras traduções de obras clássicas antigas, que eclode no século XIV e XV. O resultado da absorvição de todo esse conhecimento são as mudanças nas bases do pensamento e estímulos que organizavam a sociedade feudal, e que agora com essas inovações, passam a organizar a sociedade moderna. Renascimento AUTORIA Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini In�uenciados pela cultura humanista, os sábios do período interagem cada vez mais com as obras clássicas. A Europa presencia um renascer da cultura e revalorização da antiguidade entre os séculos XIV e XVI. Daí vem a origem do nome Renascimento. Esse movimento artístico e cientí�co foi in�uenciado pelo humanismo e eclodiu na Itália, em suas agitadas cidades comerciais: Milão, Gênova, Pisa e Veneza. A obra A Criação de Adão (desenho apresentado), de Michelangelo, é um exemplo do pensamento humanista: agora no centro do universo, o homem passa a (quase) tocar as mãos de Deus, do criador. Essas cidades mantinham rotas comerciais com o oriente. Como já explicado na seção anterior, os árabes foram responsáveis por muitas traduções de textos clássicos. Portanto, desse intenso contato entre ambos surgem novas técnicas, processos e invenções. O resultado disso se vê na arte e na arquitetura do renascimento. A Perspectiva na Arte De acordo com o historiador alemão Hans Belting (2012), os árabes, sem estarem submetidos aos dogmas da Igreja, encontram um terreno fértil para o aperfeiçoamento da matemática, geometria e astronomia. Ainda segundo Belting (2012), outra justi�cativa para o avanço nos estudos árabes, que também tem a ver com a religião, é o fato de que eles encaravam esses estudos como uma forma de glori�car a Alá. Dessa forma, adoravam a Alá por meio da matemática, geometria, física, isso possibilitou os enormes avanços nesses campos. De acordo com o historiador alemão Hans Belting (2012), os árabes, sem estarem submetidos aos dogmas da Igreja, encontram um terreno fértil para o aperfeiçoamento da matemática, geometria e astronomia. Ainda segundo Belting (2012), outra justi�cativa para o avanço nos estudos árabes, que também tem a ver com a religião, é o fato de que eles encaravam esses estudos como uma forma de glori�car a Alá. Dessa forma, adoravam a Alá por meio da matemática, geometria, física, isso possibilitou os enormes avanços nesses campos. Um dos estudos árabes mais profícuos e frutíferos foram os estudos sobre a perspectiva. Para eles, não era possível prestar objetividade ou duplicar uma representação física, isso era como se fosse um pecado. Alhacén (965 - 1040), revolucionou a ótica antiga com a câmera escura, uma espécie de aparelho óptico, uma caixa escura, que consiste no recebimento de luz e reprodução de uma imagem, através dessa câmera e desses estudos Alhacén escreve seu tratado, conhecido como perspectiva (BELTING, 2012). Pode parecer que não, mas quando essa perspectiva veio para o ocidente, para Florença, isso revolucionou a arte e a maneira de pensar dos renascentistas. Com a perspectiva era possível produzir desenhos antes impensáveis. Era capaz de produzir construções antes impensáveis. E da imagem, da arte, para sua dimensão cultural, a perspectiva muda o pensamento. Um salto quântico que moveu seu olhar para a imagem, como para o sujeito que a olha (BELTING, 2012). Ela, a perspectiva, permite um dos aspectos centrais do antropocentrismo, a visão de si como a visão do outro. Para Hans Belting (2012), tanto o humanismo quanto o renascimento só foram possíveis com o advento da perspectiva. Daí, nas cidades italianas, surgia a �gura dos mecenas, “burgueses ricos que buscavam projeção social ao �nalizar e viabilizar a produção artística na região” (ALVES; OLIVEIRA, 2016, p. 192). Isso possibilitou o desenvolvimento da arte renascentista, pois esses ricos comerciantes encomendavam obras e esculturas dos artistas, como também construção de grandes obras, como palácios e monumentos. Até hoje, a representação do ser humano, referencial de estética, do realismo, tem sua referência na arte renascentista, como, por exemplo, as obras de Caravaggio (1571 - 1610). Revolução Cientí�ca A racionalidade característica do humanismo provocará uma revolução cientí�ca durante o renascimento. “Entre os séculos XVI e XVII, uma série de descobertas,experiências cientí�cas e re�exões �losó�cas mudou radicalmente a maneira como as pessoas viam a natureza e o conhecimento” (ALVES; OLIVEIRA, 2016). O diferencial dessas descobertas era que elas eram produzidas de maneira empírica: através da observação e de uma possível experimentação. Ao contrário dos dogmas da Igreja. Essas descobertas formam o início da ciência moderna. Podemos citar alguns exemplos dessas: o heliocentrismo, teoria que argumenta que a Terra gira em torno do Sol, em contrapartida ao geocentrismo, teoria defendida pela Igreja, em que a Terra seria o centro do universo. Foi em 1543 que o “astrônomo e matemático polonês Nicolau Copérnico Sobre a revolução dos orbes celestes, com base em cálculos matemáticos e observações astronômicas” (ALVES; OLIVEIRA, 2016, p. 193). Com o italiano Galileu Galilei, no século XVII, esses cálculos de Copérnico puderam ser provados de forma empírica. Isso porque Galileu aperfeiçoou o telescópio. “Com o uso do telescópio, o alemão Johannes Kepler, na mesma época, descobriu que os planetas se moviam em torno do Sol, em órbitas elípticas, e não circulares, e que sua velocidade era proporcional a sua distância em relação ao Sol” (ALVES; OLIVEIRA, 2016, p. 193). Na educação essas mudanças foram sentidas: “no Renascimento, con�gurou-se um ideal de homem, completo, multifacetado, cujo objetivo era desenvolver harmonicamente todas as facetas da sua personalidade. Esse homem universal deveria ter cultura e erudição” (ALVES; OLIVEIRA, 2016, p. 191). As Grandes Navegações Um dos maiores re�exos dessas inovações tecnológicas foi a possibilidade de navegar em alto mar. Os portugueses foram os primeiros a conseguir essa proeza. Em 1415, conquistam a cidade de Ceuta, no norte da África. Ainda era uma pequena rota, mas inaugura o período das Grandes Navegações. Mais tarde, e por alguns motivos – como domínio do comércio mediterrâneo pelos sagazes venezianos e genoveses (DE LEMPS, 2015) e o monopólio de produção dos árabes em relação a esses produtos (como açúcar, canela e cravo) –, tanto os portugueses quanto os espanhóis “desejavam encontrar um caminho alternativo para as Índias, visando, principalmente, ao comércio de especiarias, até então dominado pelos venezianos, afetando diretamente seus concorrentes italianos” (MAGALHÃES, 1997, p. 193), que desde o século XIV, também passaram a apoiar e �nanciar pesquisas e viagens ibéricas. Neste sentido, com as Grandes Navegações e a descoberta das Índias Ocidentais, no século XV, os europeus acabam criando laços comerciais e expandindo seu poderio comercial ao Novo Mundo. Com a América, vieram também alguns produtos que passaram a ser, e a oferecer, uma simbologia de distinção ao cardápio e usos dos europeus, como o tabaco e o cacau. Logo, esse espaço recém colonizado começou a @artista em freepik Grande parte dos insumos, sejam vindos do além mar ou do Oriente Próximo e suas regiões fronteiriças, além de servirem às mesas, aos hábitos e usos dos europeus, também serviam como elemento de diferenciação social. Dessa forma, a busca por esses artigos, seja pela combinação de seus valores sociais ou econômicos, passa a ser cada vez maior. “No mundo dos ricos, porém, a quantidade não é tudo. O re�namento do preparo das comidas, exóticas ou estranhas, é acompanhado, na maior parte das vezes, por verdadeiras arquiteturas culinárias” (CALANCA, 2008, p. 108). Assim, “muitos bons historiadores consideraram a cozinha que utilizava a especiaria como uma forma de distinção social” (FLANDRIN, 2015, p. 479). servir para atender à demanda do Velho Mundo por tais produtos. “A partir do século XVI, mercadores, empreendedores e colonos europeus organizam no Novo Mundo economias agrícolas orientadas para a satisfação de uma demanda crescente de gêneros de consumo tropicais” (CALANCA, 2008, p. 108). Tais produtos iriam corresponder às vontades e desejos da aristocracia e de parte da burguesia europeia. Essas mercadorias passaram a ser incorporadas no dia a dia, nos usos cotidianos dos europeus. Em suma, temos que ter em mente, que foi um momento de ebulição e inovação cientí�ca, diretamente ligado ao humanismo e ao antropocentrismo, do homem no centro do mundo. Possibilitando um renascimento da cultura clássica na Europa, provocando mudanças na organização social. Possibilitando uma civilização do Renascimento (DELUMEAU, 1983). REFLITA “O objetivo mais alto do artista consiste em exprimir na �sionomia e nos movimentos do corpo as paixões da alma” - Leonardo da Vinci Estado Moderno AUTORIA Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini Podemos a�rmar que o Humanismo e o Renascimento foram processos que classi�camos como sendo parte das mudanças na sociedade obtidas no campo da cultura, do social, da mentalidade e do conhecimento. Já o Estado Moderno seria o impacto dessas mudanças, mas voltado para o campo político e econômico do período: podemos de�ni-lo como sendo a junção do rei com os comerciantes, a burguesia nascente. @artista em freepik Por volta do século XI, no início da Baixa Idade Média, a Europa conhece um grande avanço material, tecnológico e populacional. O sistema trienal de plantio, o uso de cavalos no arado e a charrua são algumas delas. Mas, a “ética paternalista cristã”, que era a sociedade repartida em três ordens (os que trabalham, os que guerreiam e os que oram), em conjunto com as ideias pertencentes a Igreja, não permitiam que o lucro se colocasse acima da caridade e das boas ações (HUNT; SHERMAN, 2017). A usura, que era a forma de empréstimo com juros, não era permitida (LE GOFF, 2007). Mesmo, ainda, não priorizando o lucro, essa melhora na produção permite aos camponeses comercializar o excedente. Poucos eram os artefatos que precisavam ser comprados, talvez sal e ferro (HUBERMAN, 1980). As feiras começam a surgir nos extraburgos das cidades. Pois ali os mercadores paravam para descansar e se abastecer também. Primeiramente, feiras semanais de troca de excedente. Depois, grandes feiras anuais. Passa a surgir a �gura do comerciante e mercador. A Figura do Mercador e o Consumo Esses mercadores e comerciantes se instalam nesses extraburgos e por ali se mantêm. As cidades começam a se tornar palco das vendas e das trocas, onde “se concentra também os prazeres, os da festa, o dos diálogos na rua” (LE GOFF, 1998, p. 25). Fora dos burgos, a vida se torna mais �uida e dinâmica. A política do arrendamento de terras, imposta pelos senhores feudais e pelo rei, da qual o imposto pago pelos camponeses a esses senhores por meio das banalidades (impostos medievais do senhor feudal sob os servos) e de uma taxa de sua produção tem uma perda de efeito. Às margens da cidade, o dinheiro, por meio das moedas, começa a deliberar um valor de troca. A partir desse período, séculos XI e XII, as relações comerciais estáticas e de baixa frequência começaram a se desenvolver. Um dos principais motivos para essa mudança econômica medieval foi a realização das cruzadas e aumento demográ�co da Europa no século X. As cruzadas desempenharam papel crucial no surgimento do mercador, pois muitos europeus se lançaram em território oriental para combater os muçulmanos e reconquistar a Terra Santa, com o objetivo, em geral, de conquistas terras, riqueza e títulos e a remissão dos pecados e garantia de salvação por parte da Igreja. Todavia, ao �m de cada cruzada os soldados que voltavam almejavam o luxo e requinte do oriente, as especiarias necessárias na preparação de alimentos mais saborosos, adornos �nos, seda, entre outras mercadorias orientais que interessavam aos ocidentais. Desse modo, e com excedente de produção agrícola, os séculos XI e XII são marcados pela realização de feiras locais, geralmente anuais em centros maiores, e semanais em localidades pequenas. Tendo um aumento considerável do consumo. Com o aumento da demanda de mercadorias, as feiras semanais, assim como as anuais, passaram a ser realizadas com maior frequência. Asfeiras anuais que duravam alguns meses, agora duravam permanentemente o ano todo, as semanais, de dois dias na semana, realizaram-se quase durante a semana inteira. Existiam leis próprias das feiras, tribunais especí�cos, até policiamento exclusivo para essas eventualidades, se ocorressem con�itos nestas, eram seus policiais que levavam os sujeitos em con�ito ao tribunal da feira, para serem julgados com suas próprias leis. Os senhores feudais, inicialmente, não viam nas feiras algo prejudicial ao seu poder, pelo contrário elas rendiam muito para estes. Dessa maneira, eles ofereciam aos comerciantes alguns privilégios para comercializar no feudo/cidade sob seu domínio. Eram ofertados aos comerciantes proteção em caso de saque, baixas ou nenhuma taxa de transporte pelas vias comerciais, e pequenos impostos populares entre comerciantes, os quais eram julgados justos. Mas, apesar da garantia de passagem livre para comercializar, ocorriam furtos, tanto por senhores feudais, quanto por ladrões comuns. Diante das di�culdades encontradas pelos comerciantes, aos poucos, eles se organizaram em guildas (espécie de corporações de ofício), para assegurarem sua segurança no transporte das mercadorias até as feiras, quando eles chegavam nelas, permaneciam em grupos, conquistando negócios mais produtivos e lucrativos. Após a formação das corporações de mercadores, estas ganharam força considerável dentro das cidades, quem não pertencia a uma corporação não conseguia comercializar com sucesso. Em algumas cidades, só era permitido aos que não pertenciam a uma guilda comercializar, quando nenhum comerciante da guilda da cidade comercializasse mais, ou seja, quem não pertencia a uma corporação tinha maus negócios. ATENÇÃO O desenvolvimento das feiras foi o ponto inicial para a criação da �gura do mercador, que viria a adquirir considerável autonomia nos séculos seguintes. As feiras eram realizadas nos arredores da cidade. Estas últimas tinham forti�cações circundando-as, denominadas como burgos, em que os mercadores se instalavam para descansar de suas viagens, adquirir provisões, entre outras necessidades. Com a realização de feiras com maior frequência e consequentemente com o aumento de comerciantes nos arredores dos burgos, instituiu-se os extraburgos, aqueles que �cavam aquém dos burgos das cidades, seus habitantes, os comerciantes, não tardaram a ser conhecidos como burgueses, os que vivem nos burgos. No decorrer das atividades comerciais das feiras, as cidades, concomitantemente ampliaram-se, muitos camponeses viam nas cidades a oportunidade de libertação das obrigações para com os senhores feudais, pois após um ano da estadia de um camponês ou escravo nas cidades, sem que fosse feita nenhuma reclamação de sua posse, o camponês ou escravo passaria a ser considerado um homem livre. Dessa maneira, houve um êxodo rural em grande escala, aumentando a extensão das cidades crescentes, proporcionando a estas artesãos e artistas, mestres sapateiros, ferreiros, marceneiros e �adores, que viriam, posteriormente a se organizarem em corporações, separadas pelas funções realizadas por cada artesão (HUBERMAN, 1980). Os comerciantes passam a exercer grande in�uência política, conquistaram, posteriormente, papéis políticos importantes no interior das cidades. Os primeiros direitos conquistados entre os comerciantes foram os de livre comércio, taxas comerciais reduzidas e proteções contra furtos, como já citado anteriormente. Mas apenas essas conquistas não atendiam à demanda econômica crescente. Além desse fator, consideremos que os comerciantes adquiriram muitos lucros com seus negócios, ou seja, quem detinha o poder, quanto aos tesouros, eram eles, assim, eles detinham o controle sobre a escolha de funcionários das cidades, quando não, os próprios comerciantes assumiram os cargos públicos. Os senhores feudais, acostumados com o poder absoluto sobre os feudos, tentaram resistir à concessão de direitos aos comerciantes, todavia, as corporações já dispunham de muita in�uência, e geralmente os próprios senhores feudais dependiam das atividades comerciais dos mercadores, principalmente a respeito das transações bancária e aquisição de moedas para a troca nas feiras. Nessa perspectiva, o dinheiro, a moeda, passa a ter um grande valor na sociedade, ele passa a ser cada vez mais requisitado e exercer valor de troca (compra e venda). Em contrapartida ao valor da terra, que era de onde o senhor feudal obtinha seu poder. Mas de que valia tanto a terra se ele não tinha dinheiro, que é, agora, o que passa permear as relações sociais? Nesse cenário, os senhores feudais passaram a ser “obrigados” a vender parte de suas terras para os cidadãos com grandes posses, possibilitando aos proprietários usufruírem da terra a seu gosto, podendo revender ela se desejasse. Assim, os comerciantes que já dispunham de cargos políticos nas cidades, adquiriam o poder sobre o uso da terra. Assim, as corporações comerciais detinham grandes poderes, elas organizavam os setores políticos das cidades, escolhiam funcionários de con�ança, ou assumiam os postos seus próprios “associados”. Dessa maneira, o mercador passou a ser uma �gura essencial no joguete político e econômico do novo Estado que se con�gurava, a burguesia emergente, posteriormente junto com a �gura do rei, dominariam o aparelho econômico e político europeu. As grandes famílias de banqueiros assumiram os postos de grupos cada vez mais in�uentes e ricos do período, os governantes, como reis, condes e senhores feudais necessitavam de seus �nanciamentos para empreender guerras ou forti�car as defesas do reino, �cando em dívida com essas famílias. O parlamento dos países e cidades passam a ter cada vez mais in�uência desses mercadores. Assim, o mercador emergiu como �gura crucial na dinâmica e estrutura do Estado Moderno: em suma, o rei entrava com o aparato e o prestígio político e o mercado com as �nanças, economias. A Corte Essa busca pelo novo, pelo requinte, pelo belo, que leva a individualidade teve seu protótipo nos primórdios das cortes e nos mosteiros, no século XII (DUBY, 2009) . Lá, nas cortes, também se inicia o jogo da sedução, o amor cortês, que leva a competição e dessa forma um tenta produzir um efeito melhor que o outro, para ganhar tal concurso de amor. Esse luxo, “obreiro infatigável do primeiro capitalismo moderno, começaria exatamente com as cortes principescas do Ocidente de que a corte pontifícia de Avignon foi o protótipo” (BRAUDEL , 1970, p. 147). De acordo com Norbert Elias (2011 a) houve uma mudança nos hábitos e nos comportamentos desde o século XII: do protótipo das Cortes cavalheirescas que vão civilizar as pessoas do feudo. No século XII já havia manuais que indicavam decoro social, principalmente à mesa. Esse decoro sugeria o jeito de se sentar, pegar nos talheres e de se portar. Comer e beber passa a designar distinção social, que envolve requinte e luxo. Esse processo civilizador modi�ca os gestos corporais, decoro social e o luxo, que passam a ser as marcas da distinção entre a Corte, que era constituída por membros da aristocracia, e a plebe, constituída pela população trabalhadora e a baixa burguesia, que eram os burgueses mais pobres. Essa Corte passa a ser o mecanismo de diálogo do rei com a aristocracia e a alta burguesia. Através dela, o rei fazia acordos políticos: e em troca ofertava títulos e posições de prestígio social na sociedade cortesã. De certa forma, a Corte funciona como uma ferramenta, um aparato que auxiliava o rei nas decisões e tomadas políticas de acordo com o interesse das partes envolvidas (ELIAS, 2001). Daí o tripé das instituições que dará a estrutura política. Portanto, o ideal do rei, é o rei SOL Nascimento do Estado De acordo com Norbert Elias (2001), o Estado Moderno surge do interesse e da negociação entre: rei, nobreza e burguesia. O rei representa a centralização do poder político, tomada das decisões em conjunto com os interesses da aristocracia e alta burguesia; a nobreza, composta por antigos senhores feudais,representa os exércitos, a força militar, a princípio, ela cedia seus homens para o rei em tempos de guerra; e a burguesia representava o estado, ela �nanciava as guerras, expedições e empreitadas econômicas do Estado. Dessa junção de interesses nasce o Estado Moderno absolutista. O maior exemplo de estado absolutista é Luís XIV (imagem no início da seção), que reinou entre 1643 a 171. Ficou conhecido como o Rei Sol, com sua famosa frase: “O Estado sou Eu”, que indicava que acima dele não havia ninguém, apenas o Sol. Mas o processo de uni�cação francês começa com Luís VI, no século XII, que, lutando contra uns senhores feudais e negociando com outros, conseguiu concentrar o poder em suas mãos e submetê-los ao seu mando. A partir daí seus descendentes irão cada vez mais monopolizar a força e as decisões nas mãos do rei (ELIAS, 2001). No século XIV, na França, a cobrança de impostos passa a ser institucionalizada. Segundo Phillipe Wolff (1986), esse momento é importante, pois o Estado passa a adquirir feições próprias, se constituindo como uma instituição, obtendo recursos para gerir seus interesses, como expedições para obter lucros e um exército próprio para as guerras, não precisando mais dos empréstimos de senhores feudais. O Mercantilismo O mercantilismo é o modelo econômico do Estado Moderno. As decisões comerciais eram tomadas pelo rei, isso signi�cava que a economia se mantinha atrelada a suas vontades, assim como a as decisões políticas. Metalismo é a crença na qual quanto mais ouro e prata uma nação possuísse, mais rica ela seria. Com base nessa crença, procurava-se acumular metais preciosos no país, também conhecido como bulionismo. Balança comercial favorável é o princípio que vinha do metalismo. Veja por que: na época, o dinheiro era feito de ouro e prata; assim, a forma de reter ouro e prata em um país era exportar o máximo e importar o mínimo, mantendo-se, assim, a balança comercial favorável, em suma, precisava exportar mais do que importar manufaturados Protecionismo é o incentivo à indústria interna, ao comércio e à manufatura nacionais, protegendo-os da concorrência estrangeira. Deste modo, havia o aumento dos impostos sobre os produtos estrangeiros a �m de torná-los mais caros, favorecendo os similares nacionais. E o exclusivo colonial consistia na obrigação que a colônia tinha de comercializar exclusivamente com sua metrópole. Por exemplo, os colonos do Brasil podiam comercializar apenas com Portugal, que era sua metrópole (HUBERMAN, 1980). SAIBA MAIS Você sabia que os gregos e os romanos já pensavam de maneira semelhante a nós? Na verdade, esse é o re�exo da in�uência que o pensamento deles tem sobre os dias atuais: somos nós que pensamos de maneira similar a eles. Prova disso, é que o �lósofo ateniense Sócrates já �losofava sobre o que é o amor, em O Banquete, durante o século IV a. C. E o �lósofo romano Sêneca já falava sobre ansiedade e como ter uma vida plena em, Sobre a brevidade da vida, no século I a.C. Ao olho nu, podemos pensar que essas questões só dizem respeito a nós, nossa sociedade e aos dias atuais. Esse é um dos motivos do porquê essas obras foram tão importantes para o humanismo e o renascimento. Fonte: JAEGER, Werner, 2013 SAIBA MAIS Hoje em dia quando pensamos em ter uma pro�ssão, seguir um trabalho para a vida, na maioria dos casos, pensamos em estudar e nos especializar em uma área especí�ca. Não era assim no século XVI. Por exemplo, você conseguiria enquadrar Leonardo da Vinci em uma única pro�ssão? Naquele momento, o ideal era o homem completo, que entendesse das diversas áreas, diversas artes: física, química, artes, matemática, biologia e assim por diante. Quem dominasse mais áreas do saber estava o mais perto de se tornar o homem completo Fonte: ROSSI, Paolo. 1997 Caro(a) aluno(a), devemos ter em mente que qualquer conclusão de�nitiva é precipitada. Até hoje os estudos históricos sobre a Idade Moderna estão avaliando e reavaliando o impacto do Humanismo, Renascimento e Estado Moderno para a humanidade ocidental. Mas podemos ter a certeza de a�rmar que essas instituições estabeleceram novas formas de pensamento e organização social. Não é à toa que a Idade Moderna leva esse nome: moderna. A modernidade surge neste período. A individualidade, o pensamento cientí�co e a forma de organização e política em que as sociedades ocidentais repousam hoje em dia, são in�uenciados por essas instituições, esses acontecimentos desse período. LEITURA COMPLEMENTAR Para saber mais sobre o Estado Moderno: ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista: São Paulo: Brasiliense Para saber mais sobre o mercantilismo: DEYON, Pierre. O mercantilismo. São Paulo: Perspectiva, 1992. Para saber mais sobre a cultura do Renascimento: BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália: um ensaio. Editora Companhia das Letras, 2009. Conclusão - Unidade 1 Livro Filme Unidade 2 Transformações Religiosas na Modernidade AUTORIA Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini Introdução Olá, aluno(a). Seja bem-vindo(a) a mais uma unidade da apostila de História Moderna. Neste capítulo intitulado Transformações religiosas na modernidade, estudaremos questões de extrema importância para se compreender as nuances do período da História denominado Idade Moderna. Iniciamos a unidade fazendo uma retrospectiva sobre as questões de produção na Europa durante a baixa Idade Média e como o renascimento comercial e urbano ocasionou uma crise sanitária do século XIV, conhecida como Peste Negra. Apesar de ter sido responsável pela dizimação de 1/3 da Europa, a recuperação demográ�ca da Peste foi tão rápida, que causou outra crise, a de abastecimento. A produção de alimentos não acompanhou o crescimento populacional e isso causou fome, miséria e medo. Nesse contexto de medo, a Europa passou por grandes transformações na questão religiosa que desembocaram na Reforma Protestante, em primeiro momento liderado pelo monge agostiniano Martinho Lutero, mas que posteriormente foi apropriado como instrumento político contra os interesses do papado pela nobreza da época. Após apresentar um pequeno per�l dos reformadores e suas principais contribuições, no �nal da unidade traçamos os principais acontecimentos envoltos à questão política da Europa após o impacto do surgimento do protestantismo e como a Igreja Católica Apostólica Romana restabeleceu sua superioridade no mundo moderno. Bons estudos! Plano de Estudo Economia As transformações religiosas na Europa e a Reforma Protestante A reforma luterana A “reforma inglesa” A reforma calvinista Situação política na Europa pós- reforma A contrarreforma ou reforma católica Objetivos de Aprendizagem Compreender as questões econômicas em �nais da Idade Média e início da Idade Moderna. Conceituar as diferentes Reformas Protestantes. Entender a Reforma em seu aspecto religioso, político e social. Economia AUTORIA Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini Os séculos que sucederam o XI foram, historicamente, conhecidos como Baixa Idade Média, este momento em grande medida, é marcado pelos renascimentos urbano e comercial e pelo surgimento de um novo segmento social, a burguesia. É nesse período que as antigas relações de servidão no interior do feudo, pautadas no ideal de Suserania e Vassalagem, dão lugar a uma vida mercantil e pujante, marcada pela possibilidade de ascensão econômica. Os centros urbanos se tornaram a encarnação dessas transformações históricas, impulsionando o renascimento comercial possibilitado pelo desenvolvimento de técnicas produtivas fortemente marcadas pelo uso do arado de rodas e da difusão de moinhos de vento e hidráulicos (VAINFAS, 2010). As cidades eram verdadeiros centros mercantis, o abrigo de marcadores, artesãos e toda espécie de gente que buscava ascensão social, impossibilitado pela antiga vida feudal. De fato, oar da cidade libertava. Os anos que se seguiram contaram com um impressionante aumento demográ�co. A população europeia ocidental, que, no início do século XI, contabilizava cerca de 22,1 milhões de habitantes, saltou para 25,8 milhões (FRANCO JUNIOR; ANDRADE FILHO, 1993), um crescimento signi�cativo que não parou, chegando a 50% entre os anos de 1200 a 1300. Os medievalistas Hilário Franco Júnior e Ruy de Oliveira Andrade Filho nos mostram um crescimento populacional de 34,65 milhões de habitantes no início do XIII para 50,33 milhões, cem anos depois (FRANCO JUNIOR; ANDRADE FILHO, 1993). De fato, o apogeu dessa nova realidade que se descortinava diante dos europeus, encontrou seu auge no século XIV. As estruturas sociais que engatinhavam no início da Baixa Idade Média encontraram maturidade no XIV, que já contava com uma burguesia que se aliava a nobreza em suas pretensões mercantis, possibilitado pelo comércio de longa distância que desenvolveu rotas de navegação entre o mediterrâneo e o mar negro, chegando a Constantinopla, principal acesso as especiarias do Oriente. Além desse pujante desenvolvimento comercial e crescimento demográ�co, o início do XIV fora marcado pelas chuvas intensas, as quais ocasionaram perda signi�cativa na produção alimentícia. Tais fatores elevaram, consideravelmente, o preço dos alimentos básicos da dieta do homem medieval, como o trigo utilizado na fabricação de pães. Não havia oferta para suprir a imensa demanda de citadinos e camponeses famintos, por isso, os anos de 1315 a 1317 são, historicamente, lembrados como os anos da “grande fome” (VAINFAS, 2010), que conferiu aos que sobreviveram enfraquecimento e baixa imunidade contra toda sorte de moléstias que pudessem vir a atacar. A principal moléstia desse tempo, sem dúvida, foi a Peste Negra, que dizimou parte da população europeia daquele tempo. O comércio com o Oriente, marcado, principalmente, pelas rotas que ligavam o Mediterrâneo ao Mar Negro, possivelmente tenha sido o propulsor deste evento. Acredita-se que “embarcações originárias de entrepostos comerciais genoveses no mar negro tenha trazido o mal para a Europa” (VAINFAS, 2010, p. 143). A única certeza é que a Peste seguia as rotas comerciais europeias, chegando a se alastrar por todo continente ainda na primeira metade do XIV. A contabilidade convencional sobre a Peste Negra aponta para a perda de um terço da população europeia. A população inglesa, por exemplo, estimada em 3,7 milhões de habitantes em 1348, caiu de forma drástica para 2,25 milhões trinta anos depois (VAINFAS, 2010). A Peste, atenuada por curtos intervalos, prosseguiu implacável adentrando o século XV. Figura 1 - Homem e mulheres com a peste bubônica com seus bubões característicos em seus corpos, pintura medieval de uma Bíblia em língua alemã de 1411 de Toggenburg, Suíça. Fonte: wikipedia O crescimento demográ�co foi retomado em meados do século XV, no entanto, ainda se via os ecos da Peste por muito tempo. A vida na Europa voltou a se recuperar a partir da segunda metade do século XV, como mostra-nos Tom Scott (2009, p. 18), no capítulo dedicado à Economia, na obra O Século XVI, que: Até 1470, a vida econômica da Europa Ocidental tenha sido dominada por fatores que determinavam uma contração, tendo como aspecto principal o catastró�co declínio demográ�co da segunda metade do século XIV, cuja recuperação não começou antes da segunda metade do século XV, na melhor das hipóteses. Como atestado por Scott (2009), a população europeia voltou a crescer durante os períodos de calmaria da Peste, chamados de calmaria porque ainda era possível ver alguns surtos da moléstia até meados do século XVI. A volta do crescimento populacional ocorrida na segunda metade do XV trouxe um saldo impressionante, segundo Jan de Vries (apud SCOTT, 2009, p. 36), de “60,9 milhões de habitantes na Europa em 1500”, no entanto, esse rápido crescimento populacional gerou outro grande problema, a chamada Revolução dos Preços (CAMERON, 2009). Os anos �nais do século XV foram marcados pela escassez das terras produtivas e, consequentemente, pelo abastecimento de alimentos que não acompanharam, com a mesma agilidade, as transformações demográ�cas do continente, com isso, houve um desequilíbrio entre população e recursos. Esse desequilíbrio trouxe um aumento considerável no preço dos mais diversos gêneros alimentícios, gerando uma grande segregação e desigualdade, dando origem a uma massa de esfomeados, que, muitas vezes, mesmo trabalhando, não conseguiam fazer com que os seus salários acompanhassem a alta dos preços (SCOTT, 2009). O que se podia observar era um crescente número de indigentes nas cidades que se viam apegados à religiosidade como única forma de salvação, esperando dos céus a ajuda que os tiraria daquele sofrimento. As Transformações Religiosas na Europa e a Reforma Protestante AUTORIA Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini Todos os fatos e acontecimentos, econômicos, políticos e territoriais, �zeram com que o início da Idade Moderna fosse um período marcado também por agitações no campo religioso. Enquanto a Idade Média foi marcada, em grande medida, pelo poder centralizador da Igreja, detentora o�cial da religiosidade cristã, a modernidade trouxe uma crise desses valores. Se no início do século XVI todos, ou grande parte, dos europeus se sentiam participantes de uma única igreja que era universal (CAMERON, 2009), na segunda metade deste mesmo século, pelo menos três ramos a mais de pretensos cristianismos se estabeleceram no cenário europeu. A reforma protestante empreendida por Lutero e seus seguidores coroou um período de intensas transformações na cristandade ocidental, visto que a Igreja Católica dos tempos modernos não tinha mais o mesmo vigor que a marcou durante a Idade Média, quando foi conhecida como a grande senhora feudal. O mundo em transformação era, em grande medida, consequência das alianças entre monarcas e burgueses, que possibilitaram o surgimento de uma nova política pouco dependente dos interesses da Igreja, a historiogra�a convencionou chamá- los Estados Nacionais Modernos. Nos Estados Modernos, o monarca era o próprio representante de Deus na terra, como a�rma o padre Jacques Bossuet, na França do século XVI, minimizando o poder da Igreja e separando a Monarquia da Instituição Igreja Católica, mas não do cristianismo que dava legitimidade às suas ações. Podemos apontar outras questões que contribuíram para a crise da cristandade como o cenário de profunda desesperança, marcado ainda pelos estragos ocasionados pela moléstia da Peste Negra e a maneira como parte dos religiosos viviam nesse contexto. Destacarei brevemente três papas que viveram entre o �nal do século XV e início do século XVI. Bórgia, apesar de homem da Igreja, teve ao menos quatro �lhos e usava os recursos da Igreja para sustentá-los. Os mais famosos foram César e Lucrécia, o primeiro, tem papel importante na história da �loso�a-política moderna, pois a famosa obra “O Príncipe” escrita Nicolau Maquiavel foi baseada em sua postura “violenta e inescrupulosa” (BOWN, 2013, p. 136). Figura 2: Rodrigo Bórgia - Papa Alexandre VI | Fonte: wikipedia O primeiro que vamos retratar é o aragonês Rodrigo Bórgia, arcebispo de Valência, que se tornou Papa em 1492, com o nome de Alexandre VI, ou Papa Bórgia, como foi chamado por seus contemporâneos. Os Bórgias era uma família nobre e rica do meio rural na Espanha medieval, que teve seu apogeu marcado pela eleição de Alonso Bórgia, tio materno de Rodrigo, ao papado em 1455, como o nome de Papa Calisto III. A carreira eclesiástica de Rodrigo se iniciou em 1456, quando seu tio o tornou cardeal, estudou Direito na faculdade de Bolonha, terminando o curso em apenas um ano, diferente dos cinco convencionais, sendo acusado de ter comprado o diploma (BOWN, 2013). Rodrigo era um exímio político e muito competente nos negócios, fazendo aumentar ano após ano sua fortuna, como nos relataStephen Bown (2013, p. 135): “Em 1490, dizia-se que Bórgia tinha mais ouro que todos os demais cardeais somados”. Suas habilidades �zeram com que Pio II o ordenasse vice-chanceler, um cargo de suma importância que só estava abaixo do Papa. No famoso Palazzo Bórgia, como �cou conhecida sua mansão, eram realizadas festas suntuosas, com banquetes, bailes e jantares marcados por talheres de ouro, iguarias e dançarinas exóticas (BOWN, 2013). Apesar de uma amante o�cial, digo amante porque já era vedado o direito de um clérigo se casar, Rodrigo mantinha tantas outras, com os mesmos luxos que rodeavam seu palácio em Roma. Em 1492, após a morte de Inocêncio VIII, Rodrigo por meio de muito ouro, que possibilitou in�ndáveis compras de votos, se elegeu Papa, com o nome, como já citado, de Alexandre VI. Uma das primeiras ações de Alexandre foi a nomeação de César, seu �lho, apesar das características já destacadas, a Cardeal Arcebispo de Valência, posto que �cara vago após sua eleição ao papado. Ser Papa não fez mudar a postura de Rodrigo, levando para o Vaticano suas famosas festas e orgias. Um mestre de cerimônia escreveu em seu diário, em 30 de outubro de 1501, que: Figura 3: Palazzo Bórgia - Roma, Itália Fonte. wikipedia [...] cinquenta prostitutas divertiram Alexandre, César, Lucrécia e seu séquito. “As mulheres depois do banquete, dançaram nuas. Em uma dança, elas tinham de correr nuas entre as velas acesas e apanhar nozes no chão”. Alexandre e Lucrécia, depois de assistir à dança das participantes nuas, distribuíram prêmios de roupas de seda aos servidores do Vaticano que tivessem mantido o maior número de relações carnais com as cortesãs (BOWN, 2013, p. 136). Ainda como Papa, leiloou diversos cargos da administração eclesiástica entre as grandes famílias burguesas da Itália e deixava aos cuidados de Lucrécia, sua �lha, “com quem se diz que Alexandre teve ligações incestuosas” (BOWN, 2013, p. 136), os negócios da Igreja quando estava fora de Roma. Conta-se ainda que o Papa Bórgia “mandou prender, executar e envenenar vários de seus colegas, ou suborno e pilhou as propriedades de outros” (BOWN, 2013, p. 137). Alexandre VI morreu em 1503 aos 72 anos de idade. Não se sabe exatamente o motivo de sua morte, para alguns por conta da malária (BOWN, 2013), doença comum em Roma nesta época, para outros por acidente, pois tomou o veneno que era destinado a outra pessoa (DREHER, 2007). Após a morte de Alexandre, assumiu o papado Francesco Todeschini-Piccolomini, como Pio III, que não permitiu “a tradicional missa no funeral do antecessor, alegando: ‘É blasfêmia rezar pelos condenados’” (BOWL, 2013, p. 148). Rodrigo tinha muitos inimigos dentro e fora da Igreja, o mais famoso foi Giuliano della Rovere, cardeal arcebispo de Avinhão. No entanto, é importante esclarecer que sua oposição à Bórgia não se fazia pelos métodos empregados pelo Papa, mas pela ambição que tinha de assumir o cargo. A Igreja, sob liderança de Júlio II, assumiu características bélicas, para ele “a salvação da Igreja estava na política e na guerra” (DREHER, 2017, p. 187). Ficou marcado nos anais da História como o Terrível, pois agia mais como um chefe político e militar do que um líder religioso. Sob seu comando a Igreja aumentou os territórios dos estados pontifícios, ou seja, estados que estavam sob controle da Igreja, destruiu a Basílica de São Pedro e iniciou a construção da atual. Júlio II morreu em 1513, passando o centro de Roma para o cardeal Giovanni de Médicis, que se tornou Papa, assumindo o título de Leão X. Leão X, diferente de seus antecessores, foi um papa ligado às questões intelectuais que circundavam a Península Itálica de seu tempo, era um defensor do Humanismo, altamente letrado e comprometido com o desenvolvimento da cultura Figura 4: Pio III | Fonte. wikipedia O ponti�cado de Pio III foi brevíssimo, tendo durado apenas 27 dias, neste mesmo ano foi eleito pelo colégio dos cardeais Giuliano della Rovere como Papa Júlio II. Assim como Alexandre VI, seu cargo foi comprado com muito ouro. A Igreja, sob liderança de Júlio II, assumiu características bélicas, para ele “a salvação da Igreja estava na política e na guerra” (DREHER, 2017, p. 187). Ficou marcado nos anais da História como o Terrível, pois agia mais como um chefe político e militar do que um líder religioso. Sob seu comando a Igreja aumentou os territórios dos estados pontifícios, ou seja, estados que estavam sob controle da Igreja, destruiu a Basílica de São Pedro e iniciou a construção da atual. O ponti�cado de Pio III foi brevíssimo, tendo durado apenas 27 dias, neste mesmo ano foi eleito pelo colégio dos cardeais Giuliano della Rovere como Papa Júlio II. Assim como Alexandre VI, seu cargo foi comprado com muito ouro. renascentista. Depois da eleição, quando foi assumir de�nitivamente o ponti�cado, fez uma grande procissão pelas ruas de Roma e estendeu uma grande faixa, onde podia ser lido: “Outrora governou Vênus, depois Marte; agora Palas Atenas detém o cetro” (DREHER, 2007, p. 187). Explicando a faixa, Martin Norberto Dreher (2007) escreveu: Com Vênus fazia-se referência a Alexandre VI, com Marte a Júlio II, com Palas Atenas saudava-se Leão X como mecenas e benfeitor de humanistas e artistas. A frase também descreve o caráter mundano e a frivolidade do ponti�cado de Leão X, durante o qual Lutero iniciou seu movimento (p. 187). As analogias aos deuses da mitologia grega era uma característica marcante do renascimento cultural, que tem esse nome pois pretendia fazer renascer a cultura clássica, grega e romana, que, segundo seus defensores, havia desaparecido durante a Idade das Trevas, como chamavam a Idade Média. O mais famoso coletor de dinheiro em prol da indulgência foi João Tetzel, “um frade dominicano que chegava às cidades alemãs saudado pelo som dos sinos das igrejas e fazia sermões convincentes” (BLAINEY, 2012, p. 174). Como forma de coerção, Tetzel usava peças teatrais, em que os personagens eram consumidos pelo fogo do inferno, ou mesmo agonizando no purgatório. Sabe-se hoje que homens, como o dominicano em questão, trabalhavam para ricas famílias alemãs, que �cavam com parte dos ganhos e mandava outra para Roma (BLAINEY, 2012). Figura 5: Leão X | Fonte. wikipedia O ponti�cado de Leão X não foi marcado pelos banquetes e orgias de Alexandre VI, muito menos pelas intensas atividades bélicas de Júlio II, mas pela “leviandade e esbanjamento em busca de hedonismo” (DREHER, 2007, p. 187). Sua história papal �cou marcada pela construção da nova Basílica de São Pedro, que, por mais que não tivesse começado em seu turno, recaiu sobre si o encargo. Para tanto, seria necessária uma quantia signi�cativa para o término de tão grandiosa e audaciosa obra, assim, iniciou-se uma venda de indulgências sem precedente. Foi em 1515, que Leão X lançou a bula papal para a construção da Basílica em Roma, mandando grandes persuasores para as mais longínquas regiões da Europa para a coleta das ofertas. A liberação de Indulgência, ou seja, perdão de pecados, foi uma prática comum ao longo da Idade Média, essa que geralmente era dada a pessoas que, por algum motivo, seja por lutas contra os in�éis e em favor da fé, ou mesmo benfeitorias à Igreja de Cristo, ou ao povo de Deus, passou a ser vendida sem a menor restrição, bastava pagar para tirar algum ancestral do purgatório ou se livrar dos mais inescrupulosos pecados. Foi a teologia do medo pregada por Tetzel que desencadeou em um jovem padre e professor de Teologia da Universidade Wittenberg, na Saxônia, um sentimento de revolta sem precedentes. Esse padre, chamado Martinho Lutero, escreveu em fevereiro de 1517: “Ah, os perigos do nosso tempo! Ah, os padres sonolentos!” e em outubro do mesmo ano apontou ser um “absurdo que o tilintar de uma moeda na caixa de coleta liberasse uma alma do doloroso purgatório” (BLAINEY, 2012, p. 174). No último dia deste mês, dia de Todos os Santos, Lutero pregou 95 Teses, um documento de argumentação geral com parágrafos numerados, na Igrejado castelo de Wittenberg. O documento era objeções contra a cobrança de indulgência, simonia e preceitos seguidos pela Igreja o�cial. A Reforma Luterana AUTORIA Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini Martinho Lutero nasceu em 1483, descendia de uma família modesta de Eisleben na região da Saxônia na atual Alemanha, seu pai um administrador de minas, alcançou certa prosperidade em seus negócios, fato que o fez, em um momento em que a vida acadêmica era reservada à nobreza ou à alta burguesia, enviar seu �lho para a Universidade Erfurt. Iniciou seus estudos aos 17 anos e aos 21 já era Mestre em Teologia, em 1505 iniciou o curso de Direito na mesma Universidade, mas não concluiu, optando, neste mesmo ano, pela vida monástica na Ordem dos Agostinianos. Em 1507 foi ordenado sacerdote e um ano depois passou a lecionar Teologia na Universidade de Wittenberg, onde obteve, em 1512, o título de Doutor em Bíblia, dois anos após exerceu a função de vigário agostiniano, sendo autoridade maior sobre alguns monastérios na Saxônia. Conta-se na história, que deve ser analisada com cuidado pelos leitores, visto que a maioria das biogra�as são organizadas com certa passionalidade, que em 1510 Lutero foi pela primeira vez a Roma, a sede da cristandade. Diz-se que �cou maravilhado com a formosura da cidade, seguindo todos os scripts de uma romaria a cidade papal, visitou os lugares sagrados, pagou penitência e rezou pelas almas de seus ancestrais no purgatório. Conta-se, também, que a viagem o deixou perturbado, pois os vícios e a ostentação de Roma nada tinha a ver com a devoção modesta das Igrejas que conhecia no Norte da Alemanha, apesar de viver em um contexto em que os mosteiros "abrigava um bocado de luxúria e excessos de comida e bebida. Em um mosteiro visitado por ele, cada monge consumia duas canecas de cerveja e 1 litro de vinho às refeições” (BLAINEY, 2012, p. 172). De�nitivamente, esse episódio não pode ser ignorado na biogra�a do reformador. Para além de uma vida religiosa pura e simples com seus afazeres diários enquanto monge, Lutero �cou famoso por estudos bíblicos relativos às questões vinculadas ao pecado e ao perdão. Como profundo estudante da Bíblia, o monge chegou à conclusão de que o perdão dos pecados e a salvação da alma estava no relacionamento sincero entre o crente e Deus, baseado na verdadeira fé, independente das obras. Essa teologia luterana �cou conhecida como Justi�cação pela Fé. Essa foi uma das primeiras bandeiras levantadas pelo então vigário agostiniano e que desencadeou uma série de críticas à instituição milenar católica. Se, para Lutero, a salvação vinha pela fé em Deus, não havia sentido algum o pagamento pela indulgência. Diante desse contexto de extrema consonância com os preceitos bíblicos, chegou a Saxônia Tetzel, sua oratória, seu teatro e principalmente seu poder de persuasão. Neste contexto, para conter os ânimos da pobre multidão que se viu obrigada a dar o que não tinha, Lutero �xou as famosas 95 teses na Igreja de Wittenburg. Lutero já era um famoso orador, excelente professor e um intelectual de relevância na Europa do século XVI e depois do episódio das 95 teses sua fama alcançou patamares ainda maiores, chegando seus escritos a serem impressos em regiões fora da Alemanha, como a Basiléia, na atual Suíça, e Estrasburgo, na atual França. As pregações de Martinho Lutero, cada vez mais in�amadas contra a Igreja e o clero, trouxeram algumas consequências, como prisões e disciplinas eclesiásticas, mas ao mesmo tempo angariavam uma imensa quantidade de seguidores, que ia das classes baixas à nobreza, que via no discurso do monge, uma possibilidade de se libertar dos pagamentos de dízimo a Roma, ou mesmo de se apoderar dos grandes latifúndios que estavam sob jurisdição da Santa Sé. Era claro no discurso de Lutero o caráter nacionalista, como em escritos em que bradara: “Pobre de nós, alemães. Fomos enganados! [...] o glorioso povo teutônico deve deixar de ser fantoche do pontí�ce romano” (BLAINEY, 2012, p. 175), ou ainda colocar em xeque, a autoridade papal, alegando não ter o pontí�ce “poder sobre o céu, o inferno e o purgatório, ou sobre a eliminação do pecado” (BLAINEY, 2012, p. 175). SAIBA MAIS Seguem algumas teses das 95 pregadas na Igreja do Castelo de Wittenberg em 31 de outubro de 1517. 6. [...] O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e con�rmando que ela foi perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo- a nos casos reservados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por inteiro. 23. [...] Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos. 24. Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magní�ca e indistinta promessa de absolvição da pena. 32. Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência. 81. [...] Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil, nem para os homens doutos, defender a dignidade do papa contra calúnias ou perguntas, sem dúvida argutas, dos leigos. 82. Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se redime um número in�nito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica - que é uma causa tão insigni�cante? 86 [...] por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos mais ricos Crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres �éis? Fonte: Portal Luteranos (2017). Lutero, de um lobo solitário do interior da Europa, se tornou, em 1520, uma força difícil de ignorar. Mas como a Igreja poderia ser tão desatenta ao avanço da pregação luterana? A resposta poderia ser que a Igreja vivenciava uma crise político- institucional sem precedentes, a Santa Sé estava preocupada com o avanço turco- otomano no oriente-médio e leste europeu, com as disputas de poder entre as famílias Valois, da França e Habsburgo, que tinha sob seu controle grande parte da Europa e a perda signi�cativa de poder do papa nas decisões políticas, passando paulatinamente para os reis e os príncipes. Diante destas questões globais, �ca fácil entender a morosidade papal frente ao “problema” luterano (DREHER, 2007). Figura 6 - Martinho Lutero (1483-1546), retrato por Lucas Cranach, 1529 Fonte. wikipedia En�m, Lutero foi formalmente excomungado da Igreja em 3 de janeiro de 1521, pela bula Decet Romanum Ponti�cem, expedida por Leão X. Depois da excomunhão o�cial, Lutero foi convocado a ir a Roma para ser julgado, o que nunca aconteceu, pois seu �el defensor Frederico III, o sábio, príncipe da Saxônia, impediu que lá fosse julgado (BLAINEY, 2012), ao contrário foi instaurada uma reunião na cidade de Wörms em território alemão para seu julgamento, essas reuniões aconteciam esporadicamente, contava com representantes do clero, a nobreza da região que envolvia o Sagrado Império Romano Germânico e era sempre presidida pelo Sagrado Imperador, que na época era Carlos V, da casa de Habsburgo. Essas reuniões recebiam o nome de Dieta. Em Wörms, Lutero rea�rmou seus posicionamentos, fez sua autodefesa em latim e terminou com as seguintes palavras, ditas em alemão: “Que Deus me ajude. Amém” (BLAINEY, 2012, p. 176). O reformador, orientado por Frederico III, não esperou a reunião acabar e se retirou para o palácio de Wartburg, onde passou algum tempo, ao que parece até a poeira baixar, a questão é que não baixou, e a cada dia aumentavam os seguidores da causa luterana. Protegida por Frederico III, o sábio, e de forte conotação nacionalista, a reforma empreendida por Lutero �oresceu, igrejas luteranas disseminaram na Europa ao ponto de que em menos de 30 anos monarcas de reinos, como Dinamarca, Suécia, Noruegae Transilvânia, já tinham aderido à causa. Lutero casou-se com a ex-freira Catarina Von Bora, teve uma vida marcada por uma produção literária de grandes proporções. Entre seus escritos importantes, atacou os judeus europeus, em sua obra Sobre os judeus e suas mentiras, de 1543, defendeu a autoridade política dos reis e príncipes, em sua obra Sobre a autoridade secular, de 1523, e traduziu a Bíblia Sagrada para o Alemão em 1534, um fato inédito, visto que existiam algumas traduções do novo testamento em língua vernácula, mas a Bíblia inteira era escrita em latim, fato que impedia os leigos desconhecedores dessa língua, já considerada morta, de terem acesso às escrituras sagradas. Até o �m de sua vida defendeu a justi�cação pela fé (salvação pela fé), o sacerdócio universal de todos os crentes (livre interpretação das escrituras) e a famoso slogan: solus Christus, sola Gratia, sola Fides, sola Scriptura (só o Cristo, só a Graça, só a Fé e só a Escritura). Lutero morreu em Eisleben, a mesma cidade onde nasceu, em fevereiro de 1546. REFLITA “Segundo Lutero, Deus não é um juiz in�exível. Ele doa aos pecadores a salvação pela graça, baseada na fé e por mérito exclusivo de Cristo. Isso exige a substituição da ritualidade descaradamente exterior pela íntima edi�cação pessoal; do poder temporal do papado pelo poder eterno do verbo divino, revelado através da Bíblia; da intermediação dos ministros do culto pela leitura e interpretação individuais das Sagradas Escrituras” (DE MASI, 2014, p.237). Na atualidade, podemos considerar as práticas que regeram a Reforma vivas nas Igrejas protestantes brasileiras? A Reforma Inglesa AUTORIA Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini Para compreender as transformações religiosas na Inglaterra no século XVI é de extrema importância compreender a política real britânica na passagem do século XV para o século XVI. Ao longo e após um con�ito encarniçado entre França e Inglaterra, conhecido como Guerra dos Cem Anos (1337 – 1453, apesar do nome a Guerra durou 116 anos), as sucessões dinásticas ao trono inglês estavam restritas a duas famílias reais, Lancaster e York, que se alternavam no trono. Enquanto uma reclamava o direito ao trono a outra exercia o poder de maneira a tentar eliminar seus adversários, isso se dava de forma inversamente proporcional. Esse período da História Inglesa �cou conhecido como Guerra das Rosas (1455 – 1485). Enquanto os con�itos internos ocorriam, uma terceira via foi apresentada no seio da família Lancaster, essa via foi representada por Henrique, que em 1485 derrotou o rei Ricardo III, da dinastia de York, na batalha de Market Bosworth e, no mesmo ano, casou-se com Elisabeth de York, sobrinha de Ricardo, se consolidou rei da Inglaterra, inaugurando uma vertente dinástica conhecida como Família Tudor. Henrique VII, como �cou conhecido, entendia claramente que as uniões matrimoniais poderiam ser instrumentos diplomáticos, de expansão e coalizão contra futuros inimigos, diante disso, casou sua �lha, Margarida, com o rei da Escócia, Jaime IV, e Arthur, herdeiro do trono inglês, com Catarina, �lha do rei Fernando, da Espanha. O casamento de Arthur e Catarina, no �nal de 1501, foi recebido com grandes honras e expectativas, tanto que o “dote espanhol atingiu a soma enorme de 200 mil coroas” (MAINKA, 2007a, p. 131). Apesar da grande expectativa, o casamento do herdeiro do trono inglês durou apenas cinco meses. Arthur morreu de repente em abril de 1502, com apenas 15 anos de idade. Para não perder o acordo com o monarca espanhol Henrique VII, tratou de buscar a anulação do casamento de Arthur e formalizar uma união com seu �lho mais novo, Henrique, que na época tinha apenas 11 anos. O casamento de Henrique e Catarina foi formalizado apenas em 1509, ano em que se tornou rei da Inglaterra, após a morte do pai, se consolidando como Henrique VIII. Muitas foram as tentativas de Henrique e Catarina para consolidar um herdeiro que pudesse assumir o trono inglês após sua morte, no entanto, dos cinco partos, apenas um bebê vingou. Os cinco partos foram de meninas, fato que preocupava Henrique, que, como sinal de virilidade, esperava um herdeiro masculino. Henrique, como convencionalmente era pensado no século XVI, acreditava que o “problema” do nascimento de meninas estava na mulher, hoje a ciência moderna avalia que a de�nição do sexo do bebê é em grande medida in�uenciada pelo gene masculino. Outra questão que assombrava Henrique VIII em relação ao casamento era o fato de estar casado com a esposa de seu irmão. Como citado por Michael Maurer (apud MAINKA, 2007a, p. 134) “Para um contemporâneo teologicamente formado, como Henrique, era quase inevitável atribuir o trecho da Bíblia (Lev 20) a si mesmo, no qual é ameaçado �car sem �lhos quem casa com a mulher do seu irmão”. Henrique VIII acreditava que a única forma de dar conta desse “problema” era a anulação do casamento, diante disso iniciou uma série de pedidos para a anulação do casamento junto à Santa Sé. O papa não pensava na possibilidade da suspensão do matrimônio por motivos óbvios, não queria problemas com a Espanha e não Enquanto o matrimônio não era suspenso, setores da burguesia e da nobreza inglesa tomavam contato com a Reforma de Lutero e imaginavam a possibilidade de desvincular-se da Igreja Romana, que detinha parte dos impostos pagos (no caso da burguesia e do campesinato) e vastas extensões territoriais no reino. Figura 7: Henrique VIII | Fonte: wikipedia Figura 8: Catarina de Aragão Fonte: wikipedia queria maiores discórdias com o Imperador Carlos V, que era sobrinho de Catarina. Em 1529, o parlamento reunido em Westminster, decretou a subordinação da Igreja ao Estado inglês. A partir de 1530, fez com que o clero jurasse �delidade ao rei acima dos interesses de Roma, quem não jurasse seria condenado à morte. Esses juramentos se tornaram obrigatórios depois de Thomas Cromwell, conselheiro de Henrique VIII, que informava à câmara baixa que “havia descoberto que os clérigos eram apenas ‘meio’ súditos, devido ao fato de eles prestarem juramento de obediência ao papado” (MAINKA, 2007a, p. 136). O parlamento, que �cou reunido em Westminster até 1534, ainda conseguiu abolir as canatas, uma taxa de um terço pago a Roma pela receita anual. Em janeiro de 1533 Thomas Cranmer foi nomeado arcebispo de Canterbury, o principal da Inglaterra. Neste mesmo mês, fez o casamento de Henrique VIII e a jovem dama de honra Ana Bolena, que já se encontrava grávida. Em março de 1533, uma lei [...] proibiu, em questões referentes aos matrimônios ou aos testamentos, recursos dos tribunais arcebispais aos tribunais em Roma. Com essa lei, o Direito Canônico �cava subordinado à coroa inglesa. O Arcebispo de Canterbury foi nomeado à instância mais alta para todo o reino da Inglaterra (MAINKA, 2007a, p. 137). Com essa lei, chamada Act of Restraint of Appeals, em tradução livre “ato de restrição de apelações”, os direitos da Igreja Romana foram totalmente abolidos do território inglês. Em 23 de maio de 1533, o casamento de Henrique VIII de Catarina de Aragão foi declarado ilegítimo e perdeu a validade. Em contrapartida, o casamento com Ana Bolena fora considerado legítimo e o futuro herdeiro, como detentor do direito de privilégio na sucessão do trono. Em setembro de 1534, Henrique VIII foi excomungado da Igreja Católica pelo papa Clemente VII e, em 30 de agosto de 1535, o papa Paulo III reforçou a excomunhão anterior, que foi de�nitivamente publicada em 1538. Ana Bolena deu à luz outra menina, batizada de Elizabeth, que posteriormente reinou por 45 anos. Agora Henrique tinha duas �lhas, Maria, do casamento com Catarina, e Elizabeth; não alcançando seu objetivo primeiro. Henrique viria a casar mais quatro vezes, sendo que da terceira esposa, Jane Seymour, teve um herdeiro varão, Eduardo. Em 1534, Henrique VIII publicou o Ato de Supremacia, inaugurando de�nitivamente a Igreja Nacional Inglesa, conhecidacomo Igreja Anglicana. Figura 9: Ana Bolena - Elizabeth (1533-36) | Fonte: wikipedia Em setembro de 1534, Henrique VIII foi excomungado da Igreja Católica pelo papa Clemente VII e, em 30 de agosto de 1535, o papa Paulo III reforçou a excomunhão anterior, que foi de�nitivamente publicada em 1538. Ana Bolena deu à luz outra menina, batizada de Elizabeth, que posteriormente reinou por 45 anos. Agora Henrique tinha duas �lhas, Maria, do casamento com Catarina, e Elizabeth; não alcançando seu objetivo primeiro. Henrique viria a casar mais quatro vezes, sendo que da terceira esposa, Jane Seymour, teve um herdeiro varão, Eduardo. Em 1534, Henrique VIII publicou o Ato de Supremacia, inaugurando de�nitivamente a Igreja Nacional Inglesa, conhecida como Igreja Anglicana. A Igreja que nascia era na prática, “um catolicismo sem papa” (MAINKA, 2007a, p. 140), Henrique e seus seguidores mantiveram, em primeiro momento, os mesmos princípios católicos, no entanto a historiogra�a tradicional trata o movimento inglês como reformista, pois aconteceu como consequência da reforma iniciada nos principados alemães. A Igreja Anglicana, ainda sofreu algumas transformações importantes durante o reinado da �lha de Henrique VIII, Elizabeth I, aproximando-se às perspectivas calvinistas, mas, de forma geral, os anglicanos ainda se assemelham aos católicos romanos. Ainda hoje a autoridade máxima da Igreja é a rainha da Inglaterra e os preceitos religiosos são ordenados segundo a visão do arcebispo de Canterbury. Figura 10 - REINO UNIDO - CIRCA, 1997: selo postal inglês em homenagem ao Rei Henrique VIII Fonte: Shutterstock A Reforma Calvinista AUTORIA Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini A reforma iniciada por João Calvino, em Genebra, foi tão importante quanto a de Lutero, mas o protestantismo calvinista imprimiu algo que o sociólogo Max Weber (2006) chamou de “Ética Protestante”, que contribuiu para o desenvolvimento do que o autor chamou de “Espírito do Capitalismo”, também essa modalidade teológica protestante foi majoritária entre os colonizadores dos Estados Unidos da América. De forma geral, não existe uma Igreja com o nome calvinista tal como a luterana, o próprio João Calvino não era simpático a este termo. Nos diversos países onde se estabeleceram recebem nomes distintos, como huguenotes na França, Presbiterianos na Escócia e Puritanos na Inglaterra. Entre 1536 e 1537 foi convidado por um amigo, Guillaume Farel, a assumir a reforma na cidade-estado de Genebra, na atual Suíça. Atuaram como pregadores durante dois anos na cidade, no entanto, entre 1538 e 1541, pregara apenas para alguns, porque foi expulso da cidade (BLAINEY, 2012; ENCICLOPÉDIA BARSA, 1995), para outros, porém, pregou porque foi convidado por outro amigo. Se mudou para Estrasburgo, onde foi pastor de uma pequena igreja de refugiados franceses. Figura 11: João Calvino | Fonte: wikipedia João Calvino nasceu em Noyon, cidade do norte da França, em 1509, �lho de um importante promotor da igreja local e uma burguesia enriquecida, em 1521, passou a receber uma pensão da diocese local, que lhe bene�ciou pelos 13 anos seguintes. Em 1523, foi para Paris estudar Latim e Teologia e, em 1528, passou a estudar leis, na Universidade de Orléans. Dali segue para Bourges, onde também estudou grego e, em 1531, ano da morte de seu pai – sua mãe morrera quando tinha apenas 5 anos –, regressa a Paris. Seus biógrafos atribuem sua conversão à fé protestante em 1533 e foi acusado de coautor do discurso proferido por Nicholas Cop, reitor da Universidade de Paris em favor da fé reformada, diante do clima criado entre seus colegas, foge para Angoulême e, no ano seguinte, regressa a Noyon, onde abdica do benefício eclesiástico. Em 1536, Calvino termina e publica sua obra-prima, Instituição da Religião Cristã. Conhecida como Institutas, foi escrito primeiro em Latim e depois ganhou uma versão em francês, foi a principal obra da teologia calvinista, onde se encontra parte signi�cativa de suas tendências religiosas. Retornou a Genebra em 1541 e, ao longo dos anos seguintes, tornou-se o homem mais importante da cidade. O temperamento de Calvino era calculista e reservado, em contraste com o de Lutero, ardente e emotivo. Firmemente convencido de que deveria pôr em prática sua religião, tentou transformar Genebra num Estado onde o governo teria a exclusiva �nalidade de fazê-la observar. Os cidadãos deveriam fazer uma pro�ssão de fé e viver de acordo com a mesma (ENCICLOPÉDIA BARSA, 1995, p. 508). É interessante perceber que, apesar da Reforma do século XVI ter se iniciado com Lutero, Calvino se diferencia em questões como a extrema reverência nas celebrações e a total não devoção a imagens e santos, além da total abdicação das bebidas, de jogos, a assistência aos pobres, a proibição das danças e trocas públicas de carícias e o não uso de instrumentos musicais nas celebrações. Sobre este último ponto, Blainey (2012, p. 198) explica que “A ideia parece severa demais, mas os visitantes estrangeiros que entravam na ampla igreja de Genebra e ouviam centenas de pessoas cantando juntas �cavam pasmos, ao perceber tanta força e sinceridade”. Sem dúvida a principal marca da doutrina calvinista foi a teologia da predestinação, pela qual atribui as ações da vida no mundo em total e absoluta vontade do criador. Deste modo, Deus, em seu in�nito poder, já predestinou o futuro da humanidade, sendo a vida uma corrida, cujo �m já foi decidido por Ele. O próprio Deus sabe se os homens foram predestinados à vida eterna ou à condenação. Não há possibilidade de saber se somos salvos, ou condenados, mas a justeza e integridade com a qual levamos a vida nos dá pistas sobre o futuro que nos espera. Figura 12: Max Weber | Fonte: wikipedia Muitos burgueses aderiram à causa calvinista, pois diferente do que era pregado pela igreja romana que condenava o lucro, para Calvino as aquisições �nanceiras ou não, advém de Deus, é Ele quem proporciona por meio do empenho do exercício de suas funções. Max Weber (2006), sociólogo do século XIX e início do XX, em sua obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, atribui ao ideal protestante de trabalho e riqueza como importante para o desenvolvimento do capitalismo, tanto que os países que adotaram o protestantismo, baseados em uma “ética” religiosa calvinista obtiveram sucesso econômico, sendo hoje as maiores potências mundiais. Calvino se tornou, depois da morte de Lutero, o principal líder protestante da Europa. Faleceu em Genebra em 1564, foi enterrado sem pompa e majestade, num túmulo simples com as iniciais de seu nome. SAIBA MAIS A Reforma não pode ser explicada a partir de um único acontecimento ou a partir de um único acontecimento ou a partir da ação de uma única pessoa. Queremos a�rmar categoricamente que a Reforma não iniciou com a divulgação das 95 teses de Lutero, em 31 de outubro de 1517. Muito antes de Lutero haviam sido criadas situações, haviam sido difundidas ideias, despertados sentimentos que provocaram e possibilitaram o com o con�ito com a Igreja de então. Podemos até dizer que tais sentimentos estavam a exigir o que acabou acontecendo no século XVI. Interessante é observar aqui um pequeno aspecto de grandes consequências. Na Idade Média surgiu, nos Países Baixos, movimento designado devotio moderna. Seus principais difusores foram os Irmãos da Vida Comum, pessoas que queriam viver a fé cristã sem se aliarem a Ocamismo ou a Tomismo ou à mística. Queriam ser cristãos na vida comum, simples. Um dos mais conhecidos é Thomas Kempis (1379/80 – 1471), autor da Imitação de Cristo. Eram copistas ou, simplesmente, professores. Entre os alunos dos Irmãos da Vida Comum encontramos Erasmo de Roterdã, Adriano de Utrecht (1459 – 1522), preceptor de Carlos V e mais tarde Papa Adriano VI (em 1522/23), Nicolau Copérnico (1473 – 1543), Martinho Lutero. Inácio de Loyola foi profundamente in�uenciado por Tomas Kempis
Compartilhar