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Introdução à Historiografia

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Prévia do material em texto

Historiografia
Vagner Carvalheiro Porto
Revisada por Vagner Carvalheiro Porto (setembro/2012)
É com satisfação que a Unisa Digital oferece a você, aluno(a), esta apostila de Historiografia, parte 
integrante de um conjunto de materiais de pesquisa voltado ao aprendizado dinâmico e autônomo que 
a educação a distância exige. O principal objetivo desta apostila é propiciar aos(às) alunos(as) uma apre-
sentação do conteúdo básico da disciplina.
A Unisa Digital oferece outras formas de solidificar seu aprendizado, por meio de recursos multidis-
ciplinares, como chats, fóruns, aulas web, material de apoio e e-mail.
Para enriquecer o seu aprendizado, você ainda pode contar com a Biblioteca Virtual: www.unisa.br, 
a Biblioteca Central da Unisa, juntamente às bibliotecas setoriais, que fornecem acervo digital e impresso, 
bem como acesso a redes de informação e documentação.
Nesse contexto, os recursos disponíveis e necessários para apoiá-lo(a) no seu estudo são o suple-
mento que a Unisa Digital oferece, tornando seu aprendizado eficiente e prazeroso, concorrendo para 
uma formação completa, na qual o conteúdo aprendido influencia sua vida profissional e pessoal.
A Unisa Digital é assim para você: Universidade a qualquer hora e em qualquer lugar!
Unisa Digital
APRESENTAÇÃO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................... 5
1 AS ESPECIFICIDADES DA HISTÓRIA ......................................................................................... 7
1.1 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................12
1.2 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................12
2 A HISTÓRIA COMO CONCEITO ................................................................................................... 13
2.1 Conceito Histórico, o que é? .....................................................................................................................................14
2.2 As Condições de Emergência da História dos Conceitos ..............................................................................15
2.3 Resumo das Escolas Historiográficas ....................................................................................................................16
2.4 Escola Russa ....................................................................................................................................................................16
2.5 Escola Italiana .................................................................................................................................................................17
2.6 Escolas Alemã e Espanhola .......................................................................................................................................17
2.7 Escola Anglo-Saxã ........................................................................................................................................................18
2.8 A Escola Francesa ..........................................................................................................................................................18
2.9 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................19
2.10 Atividades Propostas ................................................................................................................................................19
3 HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA: O EXEMPLO DAS RELAÇÕES ESCRAVISTAS...... 21
3.1 A Contribuição de Gilberto Freyre .........................................................................................................................22
3.2 Uma Crítica à Teoria do Escravo-Coisa ..................................................................................................................24
3.3 O Escravo como Sujeito Ativo das Relações Escravistas ................................................................................26
3.4 Resumo do Capítulo ....................................................................................................................................................29
3.5 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................29
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 31
RESPOSTAS COMENTADAS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS ..................................... 33
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................. 35
Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br
5
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a),
Este manual busca apresentar ao aluno do curso de História da Unisa, na modalidade a distância, 
os fundamentos da Historiografia como ciência, seus métodos de pesquisa, suas abordagens, o universo 
temático atual desta disciplina e sua relação com a prática do professor de História nos níveis fundamen-
tal e médio do ensino. A disciplina Historiografia tem como meta a análise e a discussão do processo de 
construção do pensamento histórico e dos fundamentos teóricos e metodológicos das várias correntes 
historiográficas brasileiras.
Muito do conteúdo trabalhado na disciplina Pesquisa em História II será rememorado, melhor, 
aprofundado, pois que temas como História Positivista, Marxista, Estruturalista e Nova História fazem 
parte da discussão das duas matérias em questão.
A apostila se divide em quatro partes. Primeiramente se apresentam à discussão conteúdos vincu-
lados ao fazer histórico, ao pensamento historiográfico que emerge no século XVIII, perpassa as filosofias 
da história do século XIX e culmina com as características que a Historiografia adotou ao longo do século 
XX. 
Segundo, discutem-se a história como conceito e, posteriormente a necessidade de se discutir 
e avaliar as condições para a emergência da História dos Conceitos. Terceiro, discutem-se as principais 
tendências historiográficas da Historiografia do século XX, destacando as escolas russa, italiana, alemã, 
espanhola, anglo-saxã e francesa. E quarto, dentre as tantas possibilidades de exemplificação de aborda-
gem historiográfica no Brasil, optamos por evidenciar a construção historiográfica referente aos negros 
escravos desde o pensamento historiográfico do início do século XX, os conceitos inovadores de Gilberto 
Freyre, a crítica à construção historiográfica do escravo-coisa, culminando com os estudos atuais, alicer-
çados especialmente na História Social.
Acreditamos que se você trabalhar conosco essas questões todas que nos propomos a apresentar, 
ao final do curso você estará potencialmente preparado para realizar uma excelente pesquisa em Histó-
ria. 
Bom estudo!!!
Vagner Carvalheiro Porto
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7
AS ESPECIFICIDADES DA HISTÓRIA1 
Os historiadores têm em sua vida cotidiana 
a necessidade de “encontrar” o passado. Assim, 
como não vivenciou o processo histórico estu-
dado, sua tarefa é procurar os fragmentos e, por 
meio destes, construir afirmações possíveis. Ao 
escolher determinado objeto de pesquisa, conse-
quentemente, há que se considerar que o méto-
do – a maneira na qual se movimenta em meio 
à documentação – não está separado da escrita 
– resultado do trabalho. E isso interfere na deter-
minação do que seja a História, pois, felizmente, 
não se faz um trabalho dividido em duas partes: 
na primeira, são descritas as referências teórico-
-metodológicas; na segunda, o “restante” da pes-
quisa composto pelo conteúdo.
Dessa maneira,as questões relativas à natu-
reza da História não devem ser pensadas somen-
te no resultado final do trabalho, mas sim de for-
ma múltipla, isto é, no olhar em conjunto lançado 
para os objetos, os métodos e a documentação.
A História deve ser perpassada de maneira 
reflexiva por estas análises, desta forma a Histo-
riografia deve ser entendida como um pool de es-
pecialidades como: dimensões (enfoques); abor-
dagens (modos de fazer a História) e domínios 
(áreas de concentração e objetos possíveis). Esse 
exercício deve ser feito com riqueza de problema-
tizações e com extensa bibliografia.
Entendendo desta forma, do Iluminismo 
para os nossos dias, por exemplo, uma enorme 
perda de uma formação mais humanística e com-
pleta ocorreu, pois as exigências da vida moderna 
vão estabelecendo mais e mais especializações, 
criando assim um universo fragmentado no que 
diz respeito à questão do saber. E sabemos que 
isso se acentuou definitivamente no século XX e, 
por dois caminhos, acabou contribuindo também 
para fragmentação da História: de um lado, a cres-
cente especialização e, de outro, a fragmentação 
de expectativas (não existe uma única forma de 
ver as coisas).
Isolado no seu pequeno mundo, o historia-
dor deve enfrentar os riscos de sua hiperespecia-
lização ao mesmo tempo que recebe estímulos 
sociais e institucionais para aprofundá-la cada vez 
mais. O historiador das últimas décadas do século 
XX viu-se assim autorizado, tanto pela tendência 
à hiperespecialização do homem moderno, como 
pelas novas modas historiográficas, a cuidar zelo-
samente de seu pequeno canteiro como se nada 
mais importasse além de uma rosa rara. 
Há muito já se discutiu as referências das su-
postas “divisões” em: História Econômica, História 
Social, História da Cultura, História das Mentalida-
des etc., mas a amplitude efetiva da vida humana 
e da realidade social não se “enquadra” somente 
numa dessas compartimentações, daí a necessi-
dade de que, embora cada campo tenha as suas 
especificidades, o historiador necessita buscar as 
“interconexões”; para tanto, não terá sucesso ple-
no se não conhecer todos os enfoques possíveis. 
A História Demográfica é uma dimensão 
importante a ser examinada pelos historiadores e 
tem trazido muitas contribuições, especialmente 
a partir da década de 1950, quando ocorreu um 
entrelaçamento com a História Regional. Os pio-
neiros foram os historiadores franceses, sobretu-
do Coubert e Pierre Vilar. É igualmente um campo 
rico em reflexões, pois, ao ter como prioridade de 
análise a “população”, essa noção já traz em si um 
grande leque de possibilidades. À medida que vai 
conectando os aspectos mais especificamente re-
lacionados às categorias populacionais (como a 
mortalidade ou a natalidade), com frequência ob-
Vagner Carvalheiro Porto
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8
tidos através de métodos estatísticos e de abor-
dagem quantitativa, para depois relacionar estes 
aspectos de modo a dar a perceber a vida social 
de uma determinada comunidade, a História De-
mográfica estabelece interfaces com a História 
Social. Para utilizar uma imagem mais eloquente, 
a História Demográfica vai se convertendo muito 
claramente em um tipo de História Social na razão 
direta em que a história da mortalidade vai deri-
vando para uma história da morte, mostrando-se 
também neste particular a possibilidade de uma 
interface ainda mais específica com a História das 
Mentalidades.
Nesse sentido, uma “boa” História Demo-
gráfica obriga-se a dialogar com outros aspectos 
que ultrapassam a sua própria dimensão. Ainda 
que parta dos fatos demográficos, o historiador 
não pode deixar à margem os fatos culturais, eco-
nômicos, políticos e antropológicos.
A História da Cultura Material dedica-se 
aos objetos materiais em sua interação como os 
aspectos mais concretos da vida, correlacionan-
do-os em seus usos e apropriações sociais. No-
vamente, verificamos a necessidade de fazer co-
nexões e a dificuldade de “enquadrar” os temas 
da História num único campo de conhecimento. 
Dessa forma, móveis, objetos decorativos, ferra-
mentas, máquinas, matérias-primas que darão à 
luz objetos manufaturados, veículos que os trans-
portarão ao longo de grandes avenidas e estradas 
com destino a determinados grupos de consumi-
dores que por estes bens terão de pagar em moe-
da sonante. Tudo isso pode ser objeto de uma His-
tória da Cultura Material. O historiador da cultura 
material estará com frequência estudando o do-
mínio da vida cotidiana, da vida privada, embora 
estes domínios também possam ser partilhados 
por historiadores voltados predominantemente 
para outras dimensões ou enfoques, como é tam-
bém o caso da História das Mentalidades. 
Ainda que exista uma materialidade cultu-
ral criada pelo homem, existe também uma mate-
rialidade natural. Ao considerar que a sociedade 
estabelece contato com o mundo material, não se 
pode esquecer que já existia um universo antes 
de sua intervenção. A Geo-História lida com esse 
aspecto. Os trabalhos de Fernando Braudel e Le 
Roy Ladurie se inscrevem nesta perspectiva.
Dadas as especificidades, as polêmicas teó-
rica e metodológica trazidas pela História das 
Mentalidades, podemos constatar que, apesar de 
tratar de temas abordados por outros campos, 
essa “forma” de fazer história tem uma particulari-
dade. É importante que tenhamos claro e enten-
damos que não são, portanto, os domínios pri-
vilegiados pelos historiadores das mentalidades 
que definem o tipo de história que fazem, mas 
sim a dimensão da vida social para a qual os seus 
olhares se dirigem: o universo mental, os modos 
de sentir, o âmbito mais espontâneo das repre-
sentações coletivas e, para alguns, o inconsciente 
coletivo.
Assim, os tratamentos que os historiadores 
das mentalidades têm empregado, como: abor-
dagem serial, eleição de um recorte privilegiado 
e abordagem extensiva das fontes, têm contribuí-
do para ampliar a concepção documental, o que 
propicia uma abertura aos modos de fazer Histó-
ria, deixando inclusive marcas na Historiografia 
brasileira dos anos de 1980.
Podemos também acrescentar aqui a dis-
cussão existente no campo da Psico-história: 
campo definido e atravessado pelas preocupa-
ções advindas da Psicologia. Citemos dois auto-
res: Wilhelm Reich e Erich Fromm. O primeiro se 
propõe a desenvolver uma interação entre a ideo-
logia e o inconsciente. O segundo manifesta-se 
em termos de “filtro condicionado socialmente” 
(FROMM, 1978, p. 56-57). Mas a necessidade de 
pensar a correlação entre a História e a Psicologia 
é propiciada, principalmente, por Norbert Elias. 
Para Elias, o psicólogo acredita que as estru-
turas psicológicas dos homens não sofrem mu-
danças. Em contrapartida, os historiadores, preo-
cupados com os fatos, pouco têm a dizer para os 
psicólogos. A sua proposta é superar essa incom-
DicionárioDicionário
Cultura Material: a cultura material está associada 
à arqueologia e inclui um conjunto de objetos: 
tecidos, utensílios, ferramentas, adornos, meios de 
transporte, moradias etc., que formam o ambiente 
concreto de determinada sociedade.
Historiografia
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9
preensão mútua. Introduzir simultaneamente 
uma abordagem social e uma profunda consciên-
cia histórica no âmbito da Psicologia é sua pedra 
de toque. 
A História Cultural, ao tratar de uma diver-
sidade de objetos (ciência, cotidiano, literatura, 
arte etc.); ao considerar os sujeitos produtores e 
receptores de cultura (sistema educativo, impren-
sa, meios de comunicação); ao abordar também 
práticas, processos e padrões, é totalmente rica 
e abriga em seu seio as diferentes formas de tra-
tamento destes objetos. Sem contar as possibili-
dades trazidas pelas noções que acoplam o seu 
universo como “linguagens”, “representações” e 
“práticas”.
Nesse sentido, pode-se pensar a História 
Cultural como: toda Historiografia que se tem vol-
tado para o estudo da dimensão cultural de uma 
sociedade historicamente localizada.Não é aleatoriamente que a História Cultural 
tem atraído o interesse de diversos historiadores 
no século XX. Assim, articulando a História Cultu-
ral, a História Social e a História Política, a Escola 
Inglesa do Marxismo (Thompson, Hobsbawm e 
Christopher Hill) repensa o materialismo histórico 
em suas noções de “infraestrutura” e “superestru-
tura”. Com os marxistas da Escola Inglesa, o mun-
do da cultura passa a ser examinado como parte 
integrante do “modo de produção” e não como 
mero reflexo da infraestrutura econômica de uma 
sociedade. 
A dimensão cultural de Thompson acres-
centou conceitos fundamentais ao materialismo 
histórico. Sua influência pode ser sentida na His-
toriografia Brasileira, dentro outros, por meio de 
João José Reis e Kátia Mattoso. Não se pode des-
considerar que os estudos de cultura correlacio-
nados com uma dimensão histórica e social atin-
giram maturidade nos anos de 1970, mas sua raiz 
deve ser buscada em intelectuais como Lukács 
(1885-1971) e Antonio Gramsci (1891-1937).
A Escola de Frankfurt – grupo que surgiu na 
Alemanha em 1924, sendo seus principais repre-
sentantes: Theodor Adorno, Erich Fromm, Hebert 
Marcuse, Walter Benjamin, Max Horkheimer – 
trouxe outras possibilidades de reflexão. Voltan-
do-se para a cultura de massas, o papel da ciência 
e tecnologia no mundo moderno, tem se aqui 
também um interesse pelas questões pertinentes 
à alienação, à perda da autonomia do sujeito e à 
sociedade industrializada. Para compreenderem 
todos esses objetos a partir de uma perspectiva 
aberta, os frankfurtianos expandem audaciosa-
mente os limites do Materialismo Histórico: fiéis 
aos textos primordiais de Marx – sobretudo àque-
les que abordam a alienação, a ideologia, o feti-
chismo (coisificação) da mercadoria e a dimensão 
cultural e filosófica tocada pelos Manuscritos de 
1844 –, eles também se tornam leitores atentos 
de Nietzsche, de Heidegger, de Freud. 
Para podermos entender a abrangência dos 
trabalhos sobre cultura, podemos citar ainda as 
contribuições de Mikhail Bakhtin e Todorov. Ao 
primeiro deve-se a noção de “circularidade cul-
tural” e ao segundo, o termo “choque de cultura”. 
Ambos são de extrema importância para aqueles 
que se dedicam a esta área. Acrescenta-se um 
outro grupo de historiadores que abarca essas 
discussões que é liderado por Roger Chartier e 
Michel de Certeau. Ambos atuam em consonân-
cia com o sociólogo Pierre Bourdieu, o qual tem 
grande importância para a conexão entre Histó-
ria Cultural e História Política. As noções de “prá-
ticas” e “representações”, as quais são primordiais 
para o historiador da Cultura, são explicitadas por 
Chartier. De acordo com este horizonte teórico, a 
Cultura (ou as mais diversas formações culturais) 
poderia ser examinada no âmbito produzido pela 
relação interativa entre estes dois polos. Tanto os 
objetos culturais seriam produzidos entre práti-
cas e representações, como os sujeitos produto-
res e receptores de cultura circulariam entre estes 
dois polos, que, de certo modo, corresponderiam 
respectivamente aos “modos de fazer” e aos “mo-
dos de ver”. 
AtençãoAtenção
A História Cultural e a História Antropológica 
também são importantes componentes da dis-
cussão historiográfica.
Vagner Carvalheiro Porto
Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br
10
Após dedicar nossa atenção aos conceitos 
e às noções que perpassam qualquer reflexão 
encaminhada pela História Cultural – ideologia, 
símbolo, representação e prática –, retomemos 
a abordagem pela noção de representação fei-
ta por Chartier. As representações para Chartier 
inserem-se em um campo de concorrências e 
de competições cujos desafios se enunciam em 
termos de poder e de dominação – em outras 
palavras, são produzidas aqui verdadeiras lutas 
de representações. E estas lutas geram inúmeras 
apropriações possíveis das representações, de 
acordo com os interesses sociais, com as imposi-
ções e as resistências políticas, com as motivações 
e as necessidades que se confrontam no mundo 
humano. 
Pensando em termos de História Política e 
História Social, identificamos problematizações 
que partem do uso dos termos “Político” e “Social”. 
No primeiro caso, o que permite classificar um tra-
balho historiográfico dentro da História Política é 
a prioridade no “poder”. Mas essa determinação 
é extremamente complexa como demonstra o 
autor: Mas que tipo de poder? Pode-se privilegiar 
desde o estudo do poder estatal até o estudo dos 
micropoderes que aparecem na vida cotidiana. 
O segundo caso é ainda mais complexo. No 
que tange à História Social, a grande questão que 
se coloca é se ela pode ser de fato considerada 
uma especialidade, com seus objetos próprios, ou 
se o “social” acaba coincidindo com a sociedade, 
o que consequentemente, faria com que este en-
foque a transformasse numa categoria transcen-
dente englobando todas as outras especialidades 
da História. 
É mister que saibamos que não existem fa-
tos políticos, econômicos ou sociais isolados. O 
autor demonstra que, se não problematizarmos 
as questões do passado, não conseguiremos en-
tender que nem toda História é Social. Assim, 
qualquer informação historicizada pode ser tra-
tada socialmente, é correto dizer, mas é também 
verdade que nem toda História é necessariamen-
te social. Se é possível elaborar uma História So-
cial das Ideias ou uma História Social da Arte que 
se restrinjam a discutir obras do pensamento ou 
da criação artística sem as reestruturar dentro do 
seu ambiente social mais amplo, desde que se 
problematizem as questões, é possível que haja 
uma História Social tanto do ponto de vista de 
uma “macro-história” quanto de uma “micro-his-
tória”, e não há limitações para o que seja tomado 
como fonte.
Quanto à História Econômica, dificilmente 
haverá dúvidas relativas aos objetos desta espe-
cialidade. Pode-se estudar qualquer um dos três 
aspectos envolvidos pelas atividades econômi-
cas: Produção, Circulação e Consumo. Contudo, 
há uma ressalva para aqueles que se dirijam para 
este caminho. Abordar os aspectos econômicos 
da História não pode significar apenas um traba-
lho de coleta de caráter quantitativo. Esse tipo de 
trabalho, para não cair na coleta anacrônica de 
fatos econômicos do passado, dever estar vincu-
lado a uma posição que é também filosófica, teó-
rica e metodológica. 
Todas essas questões que foram colocadas 
até agora nos instigam a pensar a História como 
um campo de possibilidades, em que as interco-
nexões com os diversos enfoques podem estar 
associadas a uma reflexão que veicula a impor-
tância dos conceitos, a relatividade das “divisões” 
e a necessidade de buscar um embasamento teó-
rico para cada objeto de estudo. 
Não nos esqueçamos que os “modos de fa-
zer a História” advindos da História Oral, da His-
tória do Discurso, da História Imediata, da Histó-
ria Serial e da História Quantitativa, da História 
Regional e da Micro-História – como já faláramos 
quando trabalhamos a disciplina Pesquisa em 
História II – também são aspectos que não se fur-
tam da construção historiográfica.
A História Oral se refere a um tipo de fonte 
produzida pelo próprio historiador ao trabalhar 
com os testemunhos orais. Suas preocupações 
neste âmbito estarão relacionadas ao tipo de 
entrevista que será utilizado na coleta de depoi-
mentos, ao uso ou não de questionários pré-dire-
cionados e assim por diante. 
Historiografia
Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br
11
No que tange à questão da História do Dis-
curso, pode-se haver uma abordagem qualitativa, 
quantitativa ou serial. Assim, os textos podem ser 
pensados como “objeto de significação” e “obje-
to de comunicação”. No primeiro caso, deve-se 
à organização interna do texto e, no segundo, à 
reflexão sobre o contexto histórico-social em que 
está inserido. De acordo com esta visão comple-
xa e multidimensional do texto que se mostra a 
mais adequada para o historiador, podemos dizer 
que a análise de um discurso deve contemplar si-
multaneamente três dimensõesfundamentais: o 
intratexto, o intertexto e o contexto. O “intratexto” 
corresponde aos aspectos internos de texto e im-
plica exclusivamente na avaliação do texto como 
objeto de significação; o “intertexto” refere-se ao 
relacionamento de um texto com outros textos; e 
o “contexto” corresponde à relação do texto com 
a realidade que o produziu e o envolve. 
Assim, a História do Discurso, a qual exami-
na os discursos associados ao universo em que 
foram produzidos, tem gerado diversos posicio-
namentos teóricos. As asserções de Foucault são, 
sem dúvida, o “fio condutor” de muitas discus-
sões. Ao estender à noção de discurso, o corpo, a 
sexualidade e a loucura são vistos como relações 
de poder. Priorizar a forma pela qual as socieda-
des se enxergam ou se apoderam dos discursos, 
um importante caminho para se entender as rela-
ções de poder em uma dada sociedade.
Ao abordar a temática da História Imediata, 
o autor a difere da História do Tempo Presente. 
Esta prescinde do envolvimento do historiador, 
já aquela não. Como exemplo, podemos afirmar 
que Leon Trotski, ao escrever uma História da Re-
volução Russa, ou Júlio César, ao discorrer sobre a 
história da guerra da Gália, cada qual a sua ma-
neira, fizeram uma História Imediata. Isso porque 
Trotski está inserido e escreve dentro de um res-
pectivo “tempo histórico”.
Já a História Serial introduziu, em meados 
do século XX, a possibilidade de constituir “séries” 
de fontes e abordá-las de acordo com técnicas es-
pecíficas. Assim, esta abordagem refere-se tanto 
ao tipo de fontes, quanto ao método de trabalhá-
-las. Relaciona-se intimamente com a História 
Quantitativa.
A História Regional por sua vez estuda um 
espaço específico e as relações sociais que nele 
se estabelecem. Dessa forma, podemos diferen-
ciar História Regional da Micro-História, pois esta 
é, metaforicamente falando, como enxergar algo 
do oceano inteiro através de uma simples gota 
d’água. Podemos utilizar as obras de Bakhtin – 
ainda que este não seja dado como micro-histo-
riador – e de Ginzburg para abordar a noção de 
“circularidade cultural”, ao invés da oposição en-
tre cultura erudita e cultura popular. 
Outro aspecto importante neste item, e 
que, novamente, reporta-nos à importância das 
definições, é a delimitação correta do campo his-
toriográfico enquanto abordagem ou forma de 
fazer a História. De fato, a Micro-História surgiu 
como um movimento de historiadores italianos 
associados a uma determinada linha editorial. Es-
tes historiadores foram os primeiros a apontarem 
para a riqueza de possibilidades proporcionada 
pela microanálise social. Também se interessa-
vam por determinados temas que escapavam ao 
lugar-comum dos tradicionais objetos da Macro-
-História tradicional. Contudo, a Micro-História 
deve ser definida como campo e não como uma 
corrente localizada de historiadores. E também 
não deve ser vista como restrita a uma determi-
nada temática. Na verdade, a princípio, qualquer 
tema seria passível de ser abordado a partir de 
um olhar micro-historiográfico. 
As temáticas e os objetos da História são de 
número infinito, pois podem se referir aos agen-
tes históricos, a ambientes sociais ou ambientes 
de estudo. Assim, existem domínios históricos 
que se prestam a historiadores que trabalham 
com diferentes dimensões históricas e as várias 
Saiba maisSaiba mais
A Universidade de São Paulo (USP) possui um nú-
cleo de estudos em História Oral chamado NEHO. 
Nele você pode acessar textos que discutem e de-
batem aspectos teóricos e metodológicos da Histó-
ria Oral. Confira no site: http://neho.vitis.uspnet.usp.
br
Vagner Carvalheiro Porto
Unisa | Educação a Distância | www.unisa.br
12
abordagens. Mas existe também domínios espe-
cíficos, a exemplo, a História da Arte ou a História 
da Literatura, que são subespecialidades da His-
tória Cultural.
Dentre outras, uma questão importante 
ainda deve ser tratada: refere-se à relação entre o 
conhecimento e a sociedade que o legitima. Des-
ta forma, é possível que algum campo que hoje 
seja tratado como “domínio” – dada a importân-
cia que lhe é atribuída – possa posteriormente 
ser tratado como uma “dimensão”. O giro do calei-
doscópio historiográfico, enfim, ocorre em conso-
nância com as motivações de uma época, com as 
suas necessidades sociais, com as suas nem sem-
pre perceptíveis imposições políticas, com a sua 
capacidade de colocar determinados problemas.
Enfim, essas poucas observações são ape-
nas uma parte das importantes asserções trazidas 
por esta apostila, mas é necessário destacar que 
a inspiração de um olhar crítico para a literatura 
concernente à Historiografia nos auxilia verificar 
as diversas possibilidades deste campo de conhe-
cimento, mas obviamente sem perder de vista 
o rigor das análises perpassadas pelas questões 
teóricas e metodológicas.
Cabe, ainda, ressaltar que duas obras - A 
Escrita da História: novas perspectivas, de Peter 
Burke, e À Beira da Falésia: a história entre certe-
zas e inquietude, de Roger Chartier -, dentre tan-
tas importantes obras, propiciam-nos uma visão 
ampla sobre o “Fazer História”, problematizando 
o diálogo que esta constrói com outras áreas de 
conhecimento, aliando, assim, os meandros que 
envolvem a prática e a escrita deste ofício às refle-
xões teóricas necessárias e promissoras.
1.1 Resumo do Capítulo
Caro(a) aluno(a), neste capítulo discutimos as seguintes questões:
1. Fazer da História uma ciência é desenvolver teoria e métodos de construção e análise.
2. O historiador necessita buscar as “interconexões” com os aspectos históricos abordados. Para 
tanto, não terá sucesso pleno se não conhecer todos os enfoques possíveis.
3. A História Demográfica.
4. A História da Cultura Material.
5. A História das Mentalidades.
6. Os “modos de fazer a História” advindos da História Oral, da História do Discurso, da História 
Imediata, da História Serial e da História Quantitativa, da História Regional e da Micro-História.
1.2 Atividades Propostas
Caro(a) aluno(a), agora que já iniciamos a discussão, vamos verificar a compreensão:
1. O que é a História Demográfica e a partir de quando começaram suas contribuições?
2. Em que contexto surgiu a Micro-História?
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13
A HISTÓRIA COMO CONCEITO2 
Discute-se, atualmente, muito mais a forma 
como a história é escrita do que se ela nos diz al-
guma coisa verdadeira sobre o passado. A certeza 
de que a História é um conhecimento de bases 
científicas capaz de reconstituir acontecimentos 
do passado tem sido a principal preocupação dos 
historiadores desde a consolidação desta disci-
plina. Diferenciar-se do modo romanceado de se 
narrar os acontecimentos tornou-se uma exigên-
cia da disciplina histórica e a sua consolidação só 
foi possível na medida em que se instituíram re-
gras para produzir o conhecimento histórico. 
A caracterização e sistematização destes 
procedimentos de pesquisa e investigação do 
passado, bem como as questões teóricas que en-
volviam a interpretação dos dados da pesquisa 
histórica fizeram com que surgissem inúmeras es-
colas historiográficas (que serão abordadas mais 
adiante). Já a partir do final do século XIX e início 
do século XX, os historiadores passaram a ser re-
conhecidos de acordo com os procedimentos de 
pesquisa e as orientações teóricas que eles ado-
tavam.
Essa é mais uma das questões que preten-
demos discutir nesta apostila: o problema do co-
nhecimento histórico tanto pelo ângulo de seus 
procedimentos de investigação, como também 
pelas suas orientações teóricas e, por fim, por suas 
preocupações literárias com a escrita da história. 
Para tanto, dividiremos esta seção em duas 
partes distintas, mas que se interligam na preo-
cupação de dar conta dos problemas que envol-
vem o conhecimento histórico no passado e no 
presente.
A primeira parte será dedicada à definição 
de nosso objeto de investigação, isto é, a proble-
matização do que é o conhecimento histórico nos 
dias de hoje. Nestesentido, procuraremos diag-
nosticar quais os problemas que mais incomo-
dam os historiadores. 
E, na parte seguinte, procuraremos delinear 
de que maneira estas questões que atormentam 
os historiadores atuais foram despertadas em um 
momento crítico para as Ciências Humanas, data-
do entre as décadas de 1950 e 160 do século XX. 
Dentro do quadro de indagações sobre as bases 
do conhecimento histórico, daremos ênfase a 
duas “escolas” historiográficas europeias que pro-
jetaram as suas referências por todo o mundo oci-
dental, inclusive o Brasil. Referimo-nos à “escola” 
dos Annales, um agrupamento de historiadores 
franceses que se reuniu em torno de uma revista, 
e à “escola” marxista inglesa, formada por militan-
tes e egressos do partido comunista inglês. Ainda 
que outras vertentes historiográficas tenham se 
manifestado nesse período, principalmente, em 
países de enorme tradição como a Alemanha e 
a Itália, durante essas décadas o debate históri-
co girou em torno das questões levantadas pelas 
Ciências Humanas da França e da Inglaterra.
Vagner Carvalheiro Porto
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2.1 Conceito Histórico, o que é?
Uma das marcas da Historiografia moderna 
foi a crescente troca do objeto na produção do 
conhecimento pelo sujeito. Invertia-se, assim, o 
primado do que caracterizou o cientificismo de 
fins do século XIX, pois não nos esqueçamos que, 
na construção História do século XIX, o que im-
portava era o objeto estudado, pouco se conside-
rando o sujeito histórico. Uma das consequências 
dessa fixação na dupla sujeito/objeto foi a simpli-
ficação da linguagem como campo de estudos da 
Historiografia. Ou a linguagem era mero veículo 
de comunicação de um mundo de objetos autô-
nomos, ou o exercício livre de uma subjetividade 
individual ou coletiva. O que a história dos con-
ceitos trouxe de novo foi considerar a linguagem 
como um fenômeno irredutível às demais dimen-
sões do real, ou seja, a partir desse novo olhar, a 
linguagem foi investida de uma autonomia rela-
tiva digna de tratamento teórico-metodológico 
específico.
Entender a linguagem como constituída e 
constituinte da realidade não seria suficiente para 
prover uma agenda de investigação historiográ-
fica. No interior da linguagem, os conceitos são 
os objetos de maior efetividade histórica, eles 
fazem a mediação entre experiência e expecta-
tiva, individual e social, o linguístico e o extralin-
guístico. Nos conceitos, a linguagem opera como 
força histórica, consolidando ou desfazendo 
configurações do mundo da vida. Um conceito 
histórico é sempre resultado da precipitação de 
um conjunto experiencial, surge no mundo tão 
materialmente quanto qualquer coisa, não como 
mera representação mental. Aqui não importa a 
divisão metafísica entre o material e o imaterial. 
Um conceito histórico é tão material quanto um 
processo produtivo, por isso não pode ser tratado 
apenas como representação. Em sua existência, 
um conceito realiza-se por atos de fala; não é uma 
ideia na mente de um autor, mas um conjunto 
rastreável de performances discursivas capaz de 
deixar vestígios concretos para a investigação his-
toriográfica, pois os autores/historiadores são ras-
treáveis. Afinal, não são eles frutos de seu tempo?
Um conceito histórico não é uma invenção 
livre da subjetividade do historiador, mas uma 
totalidade semântica produzida na contingência 
histórica. Portanto, cabe ao pesquisador recupe-
rar essas dimensões disponíveis nos vestígios e na 
própria continuidade histórico-cultural. Podemos 
chamar isso também de historicidade.
Recuperar os significados em disputa dos 
conceitos históricos exige uma reconstrução 
complexa de seus contextos de enunciação, tanto 
em sua dimensão sincrônica, quanto diacrônica. 
Essa exigência materializa-se em um novo olhar 
sobre os textos canônicos lidos e relidos pela His-
tória Intelectual e pela História das Ideias. 
Obras até então negligenciadas de gran-
des autores ou mesmo autores esquecidos pelas 
visões hegemônicas são recuperadas como mo-
mentos fundamentais para a compreensão do 
contexto discursivo. Jornais e panfletos, dicioná-
rios e vocabulários, assim como os debates parla-
mentares tornaram-se matéria-prima fundamen-
tal para a reconstrução dos contextos discursivos, 
ou seja, tornaram-se fontes indispensáveis para o 
historiador. 
A velha categoria da influência, cara à tradi-
cional História das Ideias, cede lugar a formas de 
transplantação e tradução de uma mesma expe-
riência histórica em diversos cenários nacionais, 
regionais e locais. A figura solar do sujeito-autor 
com sua intencionalidade é relativizada frente 
à nova concepção do texto enquanto aconteci-
mento e pragmática, bem como pela ênfase nos 
contextos e nos jogos de linguagem que têm 
como território não a mente autoral, mas os veí-
culos de circulação e os espaços de sociabilidade. 
Da mesma forma que o sujeito-autor, tam-
bém o sujeito-nação tem sua capacidade expli-
cativa relativizada quando nos damos conta das 
múltiplas territorialidades relacionais concreta-
mente produzidas em um determinado tempo-
Historiografia
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15
-espaço. Não é possível falar de conceitos nacio-
nais enquanto algo isolado das teias formadas na 
circulação entre o local, o regional e o global.
Os conceitos são sintomas e produtores 
de transformações sociais, portanto, mesmo que 
possamos e devamos articulá-los com as demais 
dimensões constitutivas da realidade, não po-
demos nos esquecer de seus movimentos autô-
nomos, capazes de produzir novas e imprevistas 
configurações.
Assim, um conceito não é uma ideia ou uma 
palavra, não é uma representação, nem parte de 
um imaginário coletivo. Os conceitos históricos 
são fenômenos reais que atuam em qualquer so-
ciedade humana, instrumentos cognitivos produ-
zidos na existência concreta. Os sujeitos históricos 
possuem graus de consciência variados e sempre 
polêmicos acerca dos conceitos. A definição dos 
conceitos históricos fundamentais é sempre ob-
jeto de disputa social, não cabendo ao historiador 
estabelecê-los normativamente como deve fazê-
-lo com suas categorias de análise, mas os descre-
ver em sua amplitude variável e narrá-los em sua 
dinâmica concreta. 
Recorrendo a um corpus documental repre-
sentativo, torna-se possível datar o momento em 
que um novo conceito nasce ou que novos sig-
nificados aderem a velhas palavras. Embora um 
conceito quase sempre esteja associado a um vo-
cábulo, ele não se reduz a uma palavra. Um con-
ceito é uma forma específica de lidar com campos 
da realidade ao mesmo tempo que os organiza, 
tornando-os instrumentais. Ele nos faz cegos para 
fenômenos desses mesmos campos que extrava-
sam ou contradizem a estrutura lógico-semântica 
que o conceito impõe. Por isso, uma mudança 
conceitual envolve, na maioria das vezes, a aber-
tura de uma nova experiência da realidade.
AtençãoAtenção
A leitura dos textos históricos deixa de ser apenas 
a busca de uma romântica simpatia pelo autor ou 
ainda a coleta de informações não intencionais 
como matéria-prima da História Social, das repre-
sentações coletivas ou da crítica das ideologias. 
Como testemunho histórico efetivo de mundos 
da vida não mais inteiramente disponíveis, os tex-
tos podem nos oferecer um acesso privilegiado 
às formas pelas quais determinada sociedade ex-
perimentou, concebeu e prefigurou a realidade.
2.2 As Condições de Emergência da História dos Conceitos
Como um produto intelectual do segundo 
pós-guerra, a História dos Conceitos surgiu em 
um cenário de profunda revisão do projeto mo-
derno. A concepção normativa de modernidade, 
forjada na segunda metade do século XVIII, per-
durou, não sem profundos questionamentos, 
até a década de 1950 do século XX. Os grandes 
relatos de uma modernização progressiva em 
curso linear na história do Ocidente esgotavam-
-se tanto do ponto de vista teórico, como em 
consequência das investigações que revelava 
uma nova complexidade para a chamadaHistória 
Moderna, em particular para o período entre os 
séculos XVIII e XIX.
A compreensão normativa da modernida-
de esteve sempre como fundamento da própria 
Historiografia desde o século XIX. Com a histo-
ricização do moderno, a Historiografia também 
receberia nova perspectiva. Desde então, e por 
diversas frentes independentes da História dos 
Conceitos, nossa compreensão da História Mo-
derna e da História da Historiografia transformou-
-se profundamente. 
 
Vagner Carvalheiro Porto
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16
2.3 Resumo das Escolas Historiográficas
Desde o nascimento da Modernidade, no 
final do século XVII, a Historiografia adquiriu con-
figuração antropológica, promovendo o advento 
do homem como principal referência das ciências 
empíricas e filosóficas. Dentro da Modernidade, 
a partir do esquema tripartite iluminista – que 
divide a História em Antiga, Medieval e Moder-
na –, a Contemporaneidade permaneceu, por 
muito tempo, apenas como um último período. 
Após críticas a essas concepções de devir e com 
influência do local de produção, iniciou-se uma 
nova reflexão sobre a periodização na História. O 
século XX viu emergir um redirecionamento entre 
a produção de dado conhecimento histórico, do 
centro de produção filosófica que foi, posterior-
mente, chamado de acadêmico; o que fez conver-
gir para a ruptura com a forma tradicional de se 
confeccionar História. 
A História Contemporânea nasce, então, 
com a necessidade de novas técnicas de análise, 
não lhe sendo cabíveis os métodos de estudo da 
História Medieval e Moderna. O excesso de do-
cumentação e a inexistência de um considerável 
distanciamento dos fatos caracterizam a Con-
temporaneidade e promovem diversos questio-
namentos sobre os acontecimentos que são ob-
jetos de estudo. Além disso, os estudos recentes 
de História Contemporânea buscam evitar uma 
visão geral da Contemporaneidade e a superação 
do Eurocentrismo. A documentação em demasia 
suscita, ainda, o problema da coerência da narra-
tiva, o que se tornou o principal ponto de disputa 
em torno da História Contemporânea.
Tais peculiaridades instigam diversos estu-
dos com base nas dificuldades de se fazer a His-
tória Contemporânea – vista por alguns como 
“História do Tempo Presente” –, uma vez que a 
Contemporaneidade está posta para o presente e 
a História para o passado, levantando a problemá-
tica de que o presente não deveria ser excluído da 
História. Assim, diversas escolas se propuseram a 
analisar a construção de uma História Contempo-
rânea, como é exposto por Osvaldo Coggiola em 
seu texto História e Contemporaneidade, no qual o 
autor discorre sobre a percepção das concepções 
e os direcionamentos das principais escolas histo-
riográficas nos dois últimos séculos.
DicionárioDicionário
Eurocentrismo corresponde a uma expressão que 
emite a ideia no mundo como um todo de que a 
Europa e seus elementos culturais são referência 
no contexto de composição de toda sociedade 
moderna. Essa ideologia de centralidade cultural 
europeia ganhou uma proporção tão grande que, 
dentro e fora da Europa, existe a visão de que esta 
representa toda a cultura ocidental no mundo.
2.4 Escola Russa
A História Contemporânea, para a Esco-
la Russa, é feita em cima de uma periodização 
ideológica, com recorte na época do capitalismo 
industrial. O período da Historiografia russa tem 
início em 1917, com a instauração da Revolução 
Russa, e estende-se até 1945. Seus pensamen-
tos conduzem a História como um apêndice da 
História Econômica, retrocedendo em relação à 
produção da Historiografia socialista. A História 
ganha caráter publicitário e tem como principais 
pensadores Lênin, Pokrovski, Stálin e Issac Deuts-
cher. 
Pokrovski e Lênin baseiam-se em métodos 
associativos entre teoria e prática. A História seria 
uma ciência política que deveria ser ensinada às 
Historiografia
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17
massas, dando a essas uma consciência de classe. 
Tais autores ainda pregam a valorização da parti-
cularidade concreta de cada momento histórico.
Para Stálin, a História da Contemporaneida-
de fica reduzida à história do desenvolvimento 
das forças produtivas, com a tarefa de desvendar 
as leis de produção e o desenvolvimento econô-
mico da sociedade. Sua interpretação do conceito 
de modo de produção é considera por Coggiola 
(2007) como linear-vulgar, com um esquema sim-
plista de sucessão cronológica em um “primitivis-
mo acorde com o deserto intelectual do Stalinis-
mo” (COGGIOLA, 2007, p. 143).
No período pós-Stálin, a velha Historiogra-
fia retorna através de uma guinada conservadora 
em direção à Historiografia ocidental, sendo re-
produzidos seus métodos, períodos e narrativas.
2.5 Escola Italiana
A Historiografia italiana está fortemente 
marcada pela dimensão nacional. Assim, o corte 
cronológico da Contemporaneidade é feito na 
Restauração Monárquica e não na Revolução De-
mocrática.
Nessa Escola, destacam-se Benedetto Cro-
ce – um dos mais ilustres representantes da cor-
rente italiana –, Antonio Gramsci e Caetano Boni-
fácio. Para Benedetto Croce, a história é sempre 
contemporânea. Já Antonio Gramsci, em embate 
travado no âmbito interno da Escola, considera 
como ponto crucial de entendimento da História 
Contemporânea a ruptura histórica no Settecen-
to (incluindo as lutas da época revolucionária e 
napoleônica na França) e o Risorgimento italiano.
Os métodos utilizados pela Escola Italiana 
baseiam-se na tradição marxista e os manuais di-
dáticos imperam com datação de 1815 ao final do 
século XIX, em um corte eurocêntrico de periodi-
zação que segue os recortes da História Contem-
porânea na Itália.
2.6 Escolas Alemã e Espanhola
Percebe-se que os objetos de estudos das 
duas escolas apresentam-se bastante distintos. 
A Escola Alemã entende a História a partir da Eu-
ropa; ao passo que a Escola Espanhola tenta par-
tir de uma reinterpretação dos acontecimentos 
recentes, numa perspectiva global, inserindo os 
países de periferia como participantes ativos do 
todo.
A Escola Alemã entende basicamente como 
Contemporâneo os acontecimentos do período 
da “Guerra Fria”. Tratados com erudição, os estu-
dos dessas questões acabam sofrendo um inevi-
tável parcelamento, pois se concentram nos estu-
dos sobre a Europa, sendo as demais regiões do 
globo tratadas de forma separada. Além do par-
celamento dos resultados, a exacerbada erudição 
leva a um detalhamento excessivo, que provoca 
confusão na interpretação dos dados. A escola 
busca entender o mundo numa visão extrema-
mente imersa em seu próprio estado de pós-se-
gunda guerra: um país que vivia a atmosfera dual 
da batalha “silenciosa” entre os regimes capitalis-
tas e socialistas.
Já a perspectiva espanhola é mais ampla. 
A Escola Espanhola busca o Contemporâneo em 
assuntos recentes, englobando os países consi-
derados de periferia. Aproxima-se aos pressupos-
tos da Escola Francesa, que entende a disciplina 
como a dialética entre passado e presente.
Os expoentes mais lembrados da Escola 
Alemã são Peter Gay e R. A. C. Parquer. O repre-
sentante da Escola Espanhola é Joseph Fontana.
Vagner Carvalheiro Porto
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A Escola Anglo-Saxã critica a História Tradi-
cional, uma vez que essa é escrita a partir de um 
ponto fixo do qual é traçado um desenvolvimen-
to contínuo. A História Contemporânea, ao con-
trário do que pregava a Historiografia praticada 
no restante da Europa, deve escolher um ponto 
final e não inicial, privilegiando a discussão com 
ênfase na narrativa, mais do que na estrutura e na 
história imediata.
Na tradição Anglo-Saxã, a Contemporanei-
dade limita-se geralmente ao período posterior à 
Primeira Guerra Mundial. A escola é marcada pela 
forma reacionária, anticoletivista e anticomunista, 
tendo como expoentes Eric Hobsbawm, Geoffrey 
Barraclogh e Arnold Toynbee. 
2.7 Escola Anglo-Saxã
Saiba maisSaiba mais
Os trabalhos de Eric Hobsbawm – A era do capital: 
1848-1875.9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. [Pu-
blicado originalmente em 1975]; A era dos extremos. 
São Paulo: Companhia das Letras, 1995. A era dos 
Impérios: 1875-1914. 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 
2003. [Publicado originalmente em 1987] e A era 
das revoluções: 1789-1848. Lisboa: Editorial Presen-
ça, 1986. [Publicado originalmente em 1962] – são 
muito importantes para a sua formação e cai muito 
em concurso público para professor de história.
2.8 A Escola Francesa
Mesmo mantendo o domínio sob o campo 
intelectual na produção do saber, a Escola France-
sa é bastante questionada. Como uma das princi-
pais fontes de críticas, podemos destacar o corte 
definidor entre História Moderna e Contemporâ-
nea. Este recorte colocava a Revolução de 1789 
como marco, o que, para alguns críticos, deixa o 
historiador muito próximo de seu objeto de estu-
do. Assim, o distanciamento necessário para evi-
tar a superficialidade diante da necessidade de 
confrontar fatos, acontecimentos e informações 
não é alcançado.
De várias ideias e dois conceitos básicos a 
respeito da História Contemporânea, a Escola 
Francesa surge com um conceito inicial mais tra-
dicional, que vê o Contemporâneo como objeto 
de estudo da História. Com corte definidor da 
História Contemporânea a partir do fim do Antigo 
Regime, tal vertente não possui grande número 
de historiadores dispostos a estudá-la. Já a dialé-
tica entre o passado e o presente é que agita a 
problemática do segundo conceito proposto. O 
historiador passa, assim, a valorizar o presente e 
a estudá-lo.
Existem, ainda, outras concepções dentro 
da Historiografia Francesa. Para alguns autores, 
como, por exemplo, Marc Ferro, o cinema é o ele-
mento definidor da Contemporaneidade, sendo 
a fonte documental específica da história con-
temporânea. Junto com René Remond e Louis 
Girard, Marc Ferro compartilha de uma visão eu-
rocêntrica da história. Já Marc Bloch e Lucien Feb-
vre, historiadores mais recentes, criticam a Escola 
Francesa Tradicional e propõem uma nova forma 
de “fazer” História, dando espaço às histórias das 
diversas sociedades.
Historiografia
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19
2.9 Resumo do Capítulo
Caro(a) aluno(a), neste capítulo discutimos as seguintes questões:
1. A História como conceito.
2. O que a História dos Conceitos trouxe de novo foi considerar a linguagem como um fenôme-
no irredutível às demais dimensões do real.
3. As Escolas Historiográficas.
Espero que a discussão tenha sido proveitosa...
2.10 Atividades Propostas
Agora vamos avaliar sua compreensão:
1. Como é feita a História Contemporânea para a Escola Russa?
2. Em alguns aspectos, a Escola Francesa é bastante questionada. Por quê?
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HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA: O 
EXEMPLO DAS RELAÇÕES ESCRAVISTAS3
Em meados do século XIX, tiveram início no 
Brasil as discussões acerca das questões raciais, 
mais intensamente no período final do Império, 
quando uma série de novas ideias chegaram ao 
Brasil. As teorias raciais importadas da Europa fo-
ram muito bem acolhidas em instituições científi-
cas de ensino e pesquisa do período, locais estes 
frequentados pela elite pensante da nação. Esses 
intelectuais consideravam o negro um ser inferior 
biologicamente e portador de toda a negativida-
de presente na sociedade brasileira. Acreditavam 
que a mestiçagem constituía-se como principal 
entrave para o desenvolvimento do país e para 
a construção da nação, posto que o empreendi-
mento tinha como modelo a civilização europeia. 
A problemática da mescla cultural na histó-
ria do Brasil foi colocada em nossos horizontes de 
investigação desde os começos da Historiografia 
nacional. Foi sob o rótulo da “miscigenação racial” 
que apareceu pela primeira vez como proposta 
vencedora do concurso promovido na década 
de 1840 pelo recém-fundado Instituto Histórico 
e Geográfico Brasileiro. Quem a formulou foi o 
alemão Karl von Martius, naturalista, botânico, 
viajante que deixou preciosos registros sobre a 
natureza e as gentes do Brasil no século XIX. Em 
Como se deve escrever a história do Brasil, Mar-
tius afirmou que a chave para se compreender a 
história brasileira residia no estudo do cruzamen-
to das três raças formadoras de nossa nacionali-
dade – a branca, a indígena, a negra –, esboçando 
a questão da mescla cultural sem, contudo, de-
senvolvê-la. Martius, como naturalista ilustrado, 
pensava o “hibridismo racial” do mesmo modo 
como pensava o cruzamento de plantas ou ani-
mais, porém sua relativa sensibilidade etnológica 
fê-lo ao menos rascunhar o que já se chamou de 
“sincretismo” cultural e atualmente se formula 
como circularidades ou hibridismos culturais.
Imagem de Von Martius
Fonte: http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edica
o=14&id=128
Uma leitura mais aprofundada sobre o tra-
balho de Von Martius e demais pensadores do sé-
culo XIX, e mais especificamente no que se refere 
às teorias racistas e à miscigenação no Brasil, pode 
ser feita no livro O espetáculo das raças: cientistas, 
instituições e questão racial no Brasil (1871-1830), 
de Lilia Moritz Schwarcz (ver referência completa 
da obra nas referências bibliográficas). 
Outro “homem de ciência” da época era 
Nina Rodrigues. Para ele, a raça negra no Brasil, 
por mais que tenham sido os seus incontestáveis 
serviços à nossa civilização, por mais justificadas 
que sejam as simpatias de que se cercou o revol-
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22
tante abuso da escravidão, por maiores que se 
revelem os generosos exageros dos seus turife-
tários, há de constituir sempre um dos fatores da 
nossa inferioridade como povo.
Oliveira Viana, apesar de atribuir o caráter 
negativo à presença do negro e à miscigenação, 
acreditava que o Brasil tinha futuro enquanto ci-
vilização moderna, pois a mestiçagem constituía-
-se em um dos caminhos para o branqueamento 
racial. Esse intelectual, permeado da tradição his-
toriográfica conservadora do Império, escreveu 
na década de 1920 do período republicano. Foi 
nesse cenário de negatividade que um sociólogo 
pernambucano promoveu uma guinada interpre-
tativa ao incorporar o viés culturalista de análise 
de Franz Boas em detrimento do determinismo 
geográfico e racial presente nessa Historiografia 
remanescente do período imperial.
3.1 A Contribuição de Gilberto Freyre
Considerado revolucionário por muitos his-
toriadores, Gilberto Freyre recriou radicalmente 
o Brasil. Nas palavras de Sandra Pesavento (2003, 
p. 54-55), “negritude, mestiçagem e lusitanismo” 
compunham “o tripé sobre o qual se apoiou o au-
tor pra ressignificar a alma da nação, valorizando-
-a e fornecendo dela uma imagem positivada, 
para os brasileiros e para o exterior”. Entre as de-
mandas da década de 1930, pode-se apontar, de 
forma sintética, a preocupação de harmonizar o 
“antigo” frente às demandas do “novo”. O “novo” 
pode ser traduzido como a necessidade de re-
construir ou inventar uma identidade nacional 
nova, sobretudo, havia a urgência de “uma positi-
vidade que permitisse a coesão social e inspirasse 
otimismo à nação” (PESAVENTO, 2004, p. 179).
O livro Casa-Grande & Senzala, publicado 
em 1933, constitui-se como principal expoente 
da obra de Gilberto Freyre. Para ele, a estrutura 
econômica brasileira alicerçada na monocultura, 
no latifúndio, na agroexportação e na escravidão 
provocou a bipolarização social: de um lado, se-
nhores e brancos, e de outro, escravos e negros. 
Entretanto, esse antagonismo social foi atenuado 
pelo tipo de relação estabelecida entre senhores 
e escravos, permitindo, assim, a miscigenação 
racial. Desse modo, a miscigenação acabou por 
atenuar as diferenças sociais entre os dois grupos. 
Em uma análise comparativa com a escravidão 
anglo-saxônica, Freyre conclui que foi a plastici-
dade do colonizador português aliada à empatia 
entre as raças que possibilitou a miscigenação no 
Brasil, processo este que, por sua larga recorrên-
cia, permitiu quese estabelecesse no Brasil uma 
“democracia racial”.
Entretanto, essa “democracia racial” não 
anulou as diferenças ou os antagonismos sociais. 
O mestiço, apontado como uma espécie de mar-
co de origem da sociedade brasileira e ponto 
convergente entre as metades conflitantes, não 
simbolizava a diluição das diferenças ou dos an-
tagonismos. A positividade da miscigenação, vi-
sualizada por Freyre, residia não no antagonismo 
ou no equilíbrio, mas no que conceituou de “equi-
líbrio de antagonismos”. A partir desse recurso, o 
sociólogo elaborou um método para pensar toda 
a dinâmica da sociedade brasileira.
A colonização brasileira era vista por Frey-
re (1987) como uma ação coletiva das raças que 
compunham o povo brasileiro: brancos, negros e 
índios e, sobretudo, mestiços. O “espírito patriar-
cal”, “patriarcalismo escravocrata” ou “patriarcalis-
mo brasileiro” era justificado por meio da concep-
ção de que a colonização, apesar de representar 
uma imposição imperialista tipicamente euro-
peia, por outro lado, significou uma adaptação do 
colonizador à nova situação e ambiente. Dessa 
forma, entendia que o empreendimento colonial 
português constituía-se como um sistema social 
novo, caracteristicamente brasileiro, não apenas 
um sistema de trabalho, mas de convivência so-
cial, de educação, de estilo político, de religião, de 
vida em família e intimidade.
Historiografia
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Capa do Livro Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre
O caráter patriarcal da sociedade escravista 
foi evidenciado pelo papel tutelar assumido pelo 
colonizador luso, posto que o negro, apesar de 
sua contribuição e participação na estruturação 
da sociedade brasileira alicerçada sob a família 
patriarcal lusa, foi visto por Freyre como um in-
divíduo passivo e incapaz de agir politicamente 
devido à mácula da escravidão. Dessa forma, ca-
bia ao branco, leia-se o português, regê-lo. Assim, 
segundo Gilberto Freyre, no caso dos escravos 
constituídos certamente em família, à sombra das 
casas-grandes e dos velhos engenhos, terá havi-
do, na adoção de nomes fidalgos, menos vaidade 
tola que natural influência do patriarcalismo, fa-
zendo pretos e mulatos, em seu esforço se ascen-
são social, imitarem os senhores brancos e ado-
tarem-lhe as formas exteriores de superioridade. 
A tese que perpassa a obra de Freyre, como 
visto, é a tentativa de atribuir positividade ao pas-
sado colonial e à herança lusitana que, por sua 
originalidade, proporcionou ao mundo, segundo 
ele, o único exemplo bem-sucedido de integra-
ção racial. Deve-se levar em conta que apesar do 
caráter revolucionário e inovador da obra, Frey-
re observou a sociedade escravista da janela da 
Casa-Grande. Freyre apesar de revolucionário no 
método e na originalidade de sua pesquisa e in-
terpretação, sob outro aspecto, foi conservador 
ao ressaltar em seu argumento a benignidade da 
escravidão, pensamento típico do conservadoris-
mo do século XIX.
Saiba maisSaiba mais
A autora Emília Viotti da Costa produziu a obra Da 
Senzala à Colônia. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. 
Essa obra é muito importante para se conhecer a 
situação histórica do negro no Brasil.
Vagner Carvalheiro Porto
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A obra de Freyre foi duramente criticada 
pela Historiografia de esquerda por eliminar o 
conflito e a violência nas relações sociais e, nes-
se sentido, foi caracterizada como “conservado-
ra, equivocada e não-científica” (PESAVENTO, 
2003, p. 62). Apenas nos anos 1990 que Freyre e 
sua obra foram reabilitadas em um contexto de 
emergências das discussões acerca da diferença 
cultural e da alteridade na globalização. Nesse 
cenário, Freyre ajuda a pensar questões como a 
delimitação de fronteiras e identidades em um 
mundo considerado fluido, mas que não elimi-
nou do imaginário social tais fronteiras (étnicas, 
identitárias, raciais). Freyre torna-se importante 
por tratar de temas que se situavam à margem da 
história (Brasil, mestiçagem e negros) por outras 
perspectivas. Do mesmo modo, converge com a 
preocupação contemporânea de recompor atra-
vés de outras fontes.
3.2 Uma Crítica à Teoria do Escravo-Coisa
Até o limiar dos anos de 1930, o que se po-
deria chamar de Historiografia brasileira tratava, 
pois, a miscigenação não como problema de in-
vestigação, mas como problema moral ou patoló-
gico que cabia resolver para o bem da nação.
Nas décadas 1930 e 1940, mudaria sensi-
velmente a maneira de lidar com a miscigenação 
racial e cultural que Von Martius sugerira estudar 
havia quase cem anos. Foi o tempo em que apa-
receram as três grandes sínteses de nossa Histo-
riografia, obras que Antônio Cândido destacou 
como livros-chave para se compreender o Brasil 
depois da Revolução de 1930 e que, no seu en-
tender, funcionam até hoje como referências do 
pensamento social brasileiro. A saber, Casa-gran-
de e senzala, de Gilberto Freyre, publicado em 
1933; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hol-
landa, publicado em 1936; e Formação do Brasil 
contemporâneo, de Caio Prado Jr., publicado em 
1942. Destes três, ateremos nossas atenções para 
a problemática que se faz presente para Freyre.
Parte da Historiografia brasileira foi conta-
giada pela positividade de Freyre, e a tendência 
comparativa da escravidão brasileira com a norte-
-americana influenciou historiadores dos dois paí-
ses. Na década de 1950, especialmente nos Esta-
dos Unidos, onde a luta pelo reconhecimento da 
igualdade dos negros emergia, as contestações a 
esse viés interpretativo surgiram. Para esses his-
toriadores, o escravismo foi bastante similar nos 
dois países e não foi mais brando em um ou outro 
lugar. 
No Brasil, Florestan Fernandes e Roger Bas-
tide, na década de 1950, foram incumbidos, pela 
Unesco, de coordenar um estudo. Dentre os ob-
jetivos, residia compreender como se deu a “in-
tegração racial” postulada por Freyre na tentativa 
de superar a realidade caótica em que se encon-
travam as relações raciais no contexto pós-guerra 
– contexto de efervescência política e emergên-
cia da Guerra Fria.
Foto de Florestan Fernandes, que disse: “Afirmo que iniciei 
a minha aprendizagem sociológica aos seis anos, quando 
precisei ganhar a vida como se fosse um adulto e penetrei, 
pelas vias da experiência concreta, no conhecimento do 
que é a convivência humana e a sociedade.”
O grupo era formado ainda por Emilia Viot-
ti da Costa, Octávio Ianni e Fernando Henrique 
Cardoso. Os historiadores procuravam identificar 
e analisar o caráter violento da instituição escra-
Historiografia
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vista, enquanto que os sociólogos investigavam 
vestígios acerca da manutenção da intolerância 
racial e da discriminação no Brasil. Oriundos da 
Escola Sociológica da USP, procuraram, sobretu-
do, demonstrar a face cruel da escravidão e incor-
porar o conflito social (ou a luta de classe) na aná-
lise das relações escravistas. Nesse cenário, vale 
lembrar, o marxismo foi revalorizado e largamen-
te utilizado para contestar a ordem mundial capi-
talista imposta pelos americanos, para denunciar 
as condições de trabalho nas fábricas, enfim, para 
legitimar a luta política. Assim, fica compreensível 
que as conclusões a que chegou o grupo oriundo 
da USP não convergiram com a proposta inicial, 
de tal modo que se constituiu como principal crí-
tico à teoria de Gilberto Freyre.
A coisificação jurídica do escravo foi apre-
sentada pela primeira vez na segunda metade do 
século XIX por Perdigão Malheiro, um importante 
jurista à época da discussão da Lei do Ventre Livre 
de 1871. Para ele, o escravo “reduzido à condição 
de cousa, sujeito ao poder e domínio ou proprie-
dade de outro, é havido morto, privado de to-
dos os direitos e não tem representação alguma” 
(VAINFAS; CARDOSO, 1997, p. 32).
Nessa perspectiva, a subjetivação da con-
dição de coisa pelo escravo fez com que este 
apenas espelhasse passivamente os significados 
sociais impostos pelos senhores;em outras pala-
vras, o negro era visto como um indivíduo inabi-
litado à ação e ao pensamento autônomo e mero 
receptor de valores e normas senhoriais. A teoria 
do escravo-coisa pode ser entendida enquanto 
reconhecimento social da condição de pessoa 
humana que era negado aos escravos, objetiva e 
subjetivamente, pelos homens livres. Além disso, 
graças aos mecanismos socializadores da ordem 
AtençãoAtenção
O lado cruel da escravidão, se poderíamos por 
assim dizer, foi evidenciado através da teoria do 
escravo-coisa, que se tornou tão forte quanto o 
mito da democracia racial e da amenidade nas 
relações escravistas.
escravocrata, às condições materiais de vida do 
escravo e às formas pelas quais os escravos se 
inseriam no processo de produção, as represen-
tações mantidas pelos senhores sobre a inferiori-
dade objetiva dos escravos e sobre a impossibili-
dade natural de o escravo reagir à sua condição 
eram aceitos em condições normais de funciona-
mento do sistema pelos próprios escravos.
O historiador Caio Prado Júnior, contempo-
râneo à Escola Sociológica da USP, também pos-
tulou acerca da coisificação do escravo em sua 
condenação ao legado colonial que Freyre per-
sistiu em defender. Para ele, o escravo foi vítima 
do cativeiro que lhe roubou toda a positividade, 
situação que afetou toda a sociedade brasileira. 
Sidney Chalhoub, historiador filiado à Historio-
grafia Social da escravidão, em uma crítica ao 
sociólogo Fernando Henrique Cardoso, aponta 
que a violência da escravidão não transformava 
os negros em seres “incapazes de ação autonômi-
ca” (CHALHOUB, 1996, p. 43-44), nem em passivos 
receptores de valores senhoriais, nem tampouco 
em rebeldes valorosos e indomáveis. Acreditar 
nisso pode ser apenas uma opção mais cômo-
da: simplesmente desancar a barbárie social de 
um outro tempo traz implícita a sugestão de que 
somos menos bárbaros hoje em dia, de que fi-
zemos realmente algum “progresso” dos tempos 
da escravidão até hoje. A ideia de que ela supõe 
ingenuidade e cegueira diante de tanta injustiça 
social é parte também da estranha crença de que 
sofrimentos humanos intensos podem ser de al-
guma forma pesados ou medidos. 
Além da teoria do escravo-coisa, havia tam-
bém a do escravo-rebelde, ou seja, aquele escra-
vo que reage à sua condição de coisa através da 
revolta e do desespero. Jacob Gorender (1978, 
p. 87) apontou que “o primeiro ato humano do 
escravo é o crime, desde o atentado contra seu 
senhor à fuga do cativeiro”. Fernando Henrique 
Cardoso (1977, p. 12-14) colocou que ao escravo 
restava “apenas a negação subjetiva da condição 
de coisa, que se exprimia através de gestos de 
desespero e revolta e pela ânsia indefinida e ge-
nérica de liberdade”. Suely Queiroz (2003, p. 51) 
aponta que a coerção e a repressão, como formas 
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de controle social, geravam “um círculo vicioso: 
a violência gerava a rebeldia do escravo, punida 
com mais violência. As punições, por sua vez, con-
duziam a maior rebeldia”.
Uma mudança de entendimento do negro 
se deu com a clássica obra Da Senzala à Colônia, 
de Emilia Viotti da Costa, que a escrevera em 1966. 
Em seu estudo, a autora não percebeu o escravo 
como coisa. Fugindo da análise estritamente eco-
nômica e sociológica, reconstituiu aspectos coti-
dianos da senzala, como os ritos, as crenças e as 
danças. A partir dessa análise, constatou a cruel-
dade presente na escravidão. A resistência escra-
va e as revoltas nas senzalas foram consideradas 
por ela chaves fundamentais para o entendimen-
to da falência da escravidão.
3.3 O Escravo como Sujeito Ativo das Relações Escravistas
A partir dos anos 1980, começou a ser de-
lineada uma outra linha interpretativa no campo 
da Historiografia da escravidão, especialmente 
por tratar-se da década em que se comemoraria o 
Centenário da Abolição. Essas pesquisas procura-
ram aprofundar os estudos acerca da escravidão 
para além do estruturalismo e das classificações 
em esquemas rígidos. Os autores filiados a essa 
matriz interpretativa eram influenciados pela 
Nova História francesa, pelo neomarxismo do in-
glês E. P. Thompson, por Eugene Genovese, den-
tre outros.
Essa Historiografia procurava inscrever o 
escravo com sujeito ativo nas relações escravis-
tas, procurando identificar e analisar, em fontes 
documentais, diversas indícios da inter-relação 
estabelecida entre senhores e cativos. Busca-se 
apreender nas fontes o cotidiano dos escravos, as 
brechas nas quais estes visualizavam espaços de 
autonomia, mobilidade e sociabilidade, as estra-
tégias de resistência ao trabalho compulsório e 
de acomodação como forma de diminuir a tensão 
e mesmo como forma de negociação e aquisição 
de privilégios com o senhor. 
Sidney Chalhoub, em sua dissertação de 
mestrado, de 1986, no que se refere à utilização 
de processos criminais como fonte para a pesqui-
sa historiográfica, aponta que é na análise de cada 
versão, no contexto de cada processo e na obser-
vação da repetição das relações entre as versões 
em diversos processos que podemos desvendar 
significados e penetrar nas lutas de contradições 
sociais que se expressam e, na verdade, produ-
zem-se nessas versões ou leituras. 
Senhores e escravos, apesar de se situarem 
em polos sociais divergentes, são vistos como 
sujeitos intrinsecamente relacionados. Para se 
entender a dinâmica existente na escravidão, 
torna-se importante compreender as relações de 
classe que se estabeleciam e não apenas os cri-
térios econômicos e raciais. Pode-se dizer, assim, 
que “uma classe dominante não se desenvolve 
simplesmente de acordo com as tendências ine-
rentes à sua relação com o meio de produção; 
desenvolve-se em relação à classe específica ou 
classes que ela domina” (CARDOSO, 1977, p. 32). 
Dessa forma, a complexidade presente nas rela-
ções escravistas teria engendrado uma psicologia 
especial, costumes, vantagens e desvantagens 
econômicas e problemas sociais que apareceram 
em toda sociedade escravocrata, mesmo que 
apenas como tendências fracamente manifesta-
das.
O conceito “paternalismo” utilizado por essa 
matriz interpretativa ampara-se na concepção 
acerca da escravidão no Sul dos Estados Unidos. 
Nessa perspectiva, o senhor compreendia o pa-
ternalismo como uma estratégia de dominação 
e uma forma de minar gradativamente a solida-
riedade existente entre os escravos, apesar de 
reconhecê-los como humanos. Já para os cativos, 
o paternalismo consistiu em um dispositivo para 
resistir ao processo de desumanização e para 
conquistar direitos e espaços de autonomia (for-
Historiografia
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mação de famílias nucleares, prática de cultos re-
ligiosos etc.). Assim, o paternalismo reforçou, de 
um lado, o racismo e a exploração, mas, de outro, 
permitiu ao escravo o reconhecimento de sua si-
tuação na ordem escravista.
No que se refere ao emprego do conceito 
paternalismo, para caracterizar um sistema de re-
lações sociais, o historiador inglês E. P. Thompson 
(1987, p. 13-14) alerta que “nenhum historiador 
sensato deve caracterizar toda uma sociedade 
como paternalista ou patriarcal”, posto que esse 
é um termo vacilante que subentende “um mo-
delo da ordem social visto de cima” (THOMPSON, 
1987, p. 15). O temo ‘paternalismo’ também está 
presente na obra do escritor e político Machado 
de Assis. Assim, nos contos machadianos, o pater-
nalismo anula os antagonismos sociais e traduz 
a visão senhorial vigente no século XIX, em que 
os dependentes deveriam perceber suas condi-
ções “somente a partir dos valores ou significados 
sociais gerais impostos pelos senhores, sendo 
assim inviolável o surgimento de solidariedades 
horizontais características de uma sociedade de 
classes” (SCHWARZ, 1990, p. 71). Entretanto, a 
existência de uma “ideologia paternalista não sig-
nifica a inexistência de solidariedades horizontais 
e, por conseguinte, de antagonismos sociais”, ou 
seja, “subordinação não significanecessariamen-
te passividade” (SCHWARZ, 1990, p. 72).
Ao tentar demonstrar a existência dos anta-
gonismos sociais, esse viés de análise acaba por 
ampliar o conceito de resistência em detrimento 
das posturas bipolares que permearam a Historio-
grafia da escravidão. A resistência foi incorporada 
ao dia a dia da instituição escravista, quer seja nas 
estratégias e nos espaços de autonomia conquis-
tados pelos escravos ou na leitura que estes fa-
ziam do paternalismo. Dessa forma, para o escra-
vo: resistir significava a utilização estratégica das 
normas sociais, a valorização de microscópicos e 
altamente significativos gestos e comportamen-
tos que não só tornavam a estúpida realidade do 
cativeiro suportável, como contribuíam decisiva-
mente para a corrosão desse sistema. 
A resistência podia ser abrandada com a 
acomodação, ou seja, a aceitação de certas nor-
mas tácitas de convivência mútua entre senhores 
e escravos. As ações de rebeldia e acomodação 
dependiam demasiadamente das circunstâncias, 
pois, ao lado da sempre presente violência, havia 
um espaço social que se tecia tanto de barganhas, 
quanto de conflitos. Assim, pode-se dizer que os 
escravos não foram vítimas nem heróis o tempo 
todo, situando-se na sua maioria e a maior par-
te do tempo numa zona de indefinição entre um 
polo e outro. Da mesma forma, compreende-se 
que para cada Zumbi existiu, com certeza, um 
sem número de escravos que, longe de estarem 
passivos ou conformados com sua situação, pro-
curaram mudar sua condição de acordo com as 
estratégias mais ou menos previstas na sociedade 
na qual viviam.
As brechas abertas nesse sistema de domí-
nio permitiam aos escravos o acesso a espaços de 
mobilidade, sociabilidade e autonomia. A “brecha 
camponesa”, por exemplo, pode ser apontada 
como um desses espaços onde o escravo via a 
possibilidade de ter uma economia independen-
te do seu senhor. Já nos domingos ou dias santos 
que o escravo tinha “para si”, podia sociabilizar-
-se, estabelecendo com outros cativos, libertos e 
mesmo livres, laços de solidariedade ou mesmo 
de conflito. A moradia independente, por sua vez, 
permitia ao escravo maior autonomia para desen-
volver suas atividades econômicas e menor vigi-
lância senhorial, o que pode ter contribuído “para 
a falência de significados sociais essenciais à con-
tinuidade da instituição da escravidão”.
Como visto, esses eram momentos onde 
se afrouxava a vigilância senhorial e que podem 
ser apontados como mecanismos de controle e 
manutenção da ordem escravista, pois forneciam 
uma válvula de escape para as pressões resultan-
tes da escravidão.
DicionárioDicionário
Zumbi, líder escravo (1655-20/11/1695). Símbolo 
da resistência negra contra a escravidão, é o último 
chefe do Quilombo dos Palmares.
Vagner Carvalheiro Porto
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A análise da sociedade escravista, pois, não 
pode partir apenas da ideia de que a vontade se-
nhorial determinava exclusivamente as relações 
pessoais e que o escravo, em troca de orientação 
e proteção, situava-se apenas como dependente 
ou subordinado ao domínio paternal. Pressupor 
que essa ideologia funcionou de forma orgânica 
significaria esquecer a complexa e ambígua re-
lação de classe existente nessa sociedade, bem 
como cair na armadilha de abrandar a violência 
presente na escravidão ao restringir essa institui-
ção às relações harmônicas estabelecidas entre 
senhores e cativos.
A Historiografia acerca da escravidão não 
se restringe ao que foi apresentado, mas como 
se trata de apontamentos acerca das diferentes 
formas de interpretar as relações escravistas ao 
longo da Historiografia brasileira, o que foi posto 
permite uma ideia geral.
Gilberto Freyre procurou evidenciar a posi-
tividade presente na miscigenação por meio do 
que conceituou de “equilíbrio de antagonismos”. 
Retratou a sociedade escravista como uma “de-
mocracia racial” regida pelo espírito patriarcal do 
colonizador de ascendência lusa. O escravo teria 
contribuído na formação da sociedade patriarcal 
através da técnica, dos hábitos alimentares, da 
dança, entretanto, era incapaz de reger-se poli-
ticamente, encontrando-se em uma situação de 
anomalia social.
A “escola uspiana” procurou discutir e refu-
tar a teoria da democracia racial e da amenida-
de nas relações escravistas demonstrando a face 
cruel da escravidão. Para tanto, incorporaram o 
conceito de “luta de classes” para analisar as re-
lações escravistas, caracterizadas pela violência, 
pela crueldade e pela dominação dos senhores 
sobre os escravos que, por sua vez, subjetivaram-
-se à condição de coisa. Ao postular a reificação 
do escravo, essa matriz interpretativa retirou des-
te a condição de sujeito histórico, colocando-o 
como um objeto na rede de opressão, dominação 
e subordinação senhorial. A rebeldia, nessa pers-
pectiva, compunha-se como uma reação e forma 
de negação da condição reificada.
Os estudos atuais, alicerçados especialmen-
te na História Social, rejeitam a teoria do escravo-
-coisa e do escravo-passivo através da análise 
densa das fontes documentais, onde se procura 
apreender e reconstruir aspectos do cotidiano 
escravista. O escravo, portanto, passa ser visto 
como sujeito histórico: negocia, resiste, estabele-
ce redes de sociabilidade, conquista espaços de 
mobilidade e autonomia em busca da liberdade 
ou de tornar a vida em cativeiro o menos árdua 
possível. A violência deixa de ser o vínculo essen-
cial entre senhores e escravos, muito embora não 
seja em momento algum negada ou atenuada. 
Entre os dois polos sociais existe, por outro lado, 
uma intrincada rede de relações e dependências 
que perpassa toda a sociedade escravista.
Formas diferentes de perceber o mesmo 
quadro permitem o enriquecimento da Histo-
riografia da escravidão. Casa Grande & Senzala, 
Da Senzala à Colônia, Capitalismo e Escravidão no 
Brasil Meridional, Visões da Liberdade são leituras 
importantes (e por que não indispensáveis?) aos 
que pretendem ingressar nos estudos acerca da 
escravidão negra no Brasil. Inúmeros autores e 
obras poderiam ser aqui arrolados e discutidos 
com maior profundidade, inclusive as fontes lite-
rárias e iconográficas, bem como as Historiogra-
fias regionais acerca do tema. É importante res-
saltar, como Machado de Assis já nos alertou, que 
cada matriz de análise está inserida em um con-
texto e procura responder às suas necessidades 
explicativas. Cabe ao pesquisador discernir uma 
da outra evitando anacronismos interpretativos.
Adicione-se que, em franca reação à visão 
reificadora do africano sugerida pelos estudos 
das décadas de 1960 e 1970, os historiadores 
buscaram mostrar o negro como sujeito da his-
tória, protagonista da escravidão, ainda que não 
aquilombado, quando não cúmplice do cativeiro. 
Avançou-se muito nesta linha de investigação, a 
começar pelo livro de Kátia Mattoso, Ser escravo 
no Brasil, que recolocou a importância do pater-
nalismo como mecanismo de poder senhorial e, 
por meio disso, negou a quase exclusividade do 
fator violência como explicação do sistema escra-
vista. Indicou também a importância de se estu-
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dar a África, o tráfico, as etnias, os mores, as reli-
giões para se entender a conformação da cultura 
negra no Brasil – cultura a que muitos chamaram 
de afro-brasileira.
A valorização ou a descoberta da África 
para o estudo da escravidão e da formação da 
cultura brasileira é um dos méritos da recente 
Historiografia sobre o assunto, o que de certo 
modo reabilita a obra de Gilberto Freyre, embora 
as motivações e inspirações sejam hoje, aparen-
temente, distintas das do mestre dos Apicucos. 
Mas é fato que Rebelião escrava no Brasil, de João 
Reis, livro sobre a Revolta dos Malês na Bahia de 
1834, praticamente inaugura nossa moderna His-
toriografia, que, para pensar a escravidão negra 
no Brasil, recorre também à história da África. O 
mesmo se poderia dizer de A paz das senzalas, de 
Manolo Florentino

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