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- -1 SAÚDE COLETIVA UNIDADE 3 - A SAÚDE E A DOENÇA NO ÂMBITO DA ATENÇÃO INTEGRAL Autoria: Averlândio Wallysson Soares da Costa – Revisão técnica: Patrícia Passos Simões - -2 Introdução Olá, caro estudante. Nesta unidade promoveremos uma discussão fundamental para sua formação como futuro profissional da saúde, mais precisamente no âmbito da Saúde Coletiva. Provavelmente você já deve ter se perguntando: afinal o que é saúde? O que é doença? São questões que permeiam o campo ideário das pessoas, grupos e civilizações há muito tempo, já que são totalmente relacionadas ao viver e, assim, motivo de preocupação e tentativas de explicação. Veremos que tais explicações são traduzidas nos diversos modelos explicativos da saúde e doença, que absorveram, no decorrer da história, as necessidades e situações do contexto social ao qual estavam inseridos. Assim, é sempre importante considerar essa situação ao analisarmos e considerarmos os modelos explicativos. Outra interrogação que talvez permeie sua consciência é: como o contexto social influencia a saúde e a doença? Para desenvolvermos essa pergunta iremos elucidar sobre determinação social do processo saúde-doença, e perceberemos como os modos produtivos e, mais precisamente, os modos de levar a vida estão relacionados às possibilidades, riscos e vulnerabilidade para a saúde e a doença. Por último, buscaremos responder a seguinte interrogação: como acontece ou deveria acontecer uma atenção à saúde que perceba o ser de forma integral? Para sanar essa dúvida, traremos uma discussão sobre Atenção Integral à Saúde e, logo em seguida, sobre as Práticas Integrativas e Complementares, assim, será possível perceber a importância de ver o ser como um todo, em todas as suas dimensões e necessidades. Bons estudos! 3.1 A saúde e a doença Neste tópico iremos abordar uma temática de extrema relevância para o profissional em Saúde Coletiva, que são as concepções sobre saúde e doença. Essas compreensões são fundamentais para o manejo e a atenção a ser desenvolvida nos diversos cenários que os profissionais da saúde estão inseridos. Para essa demanda, iremos promover uma construção histórica dos diversos entendimentos sobre saúde e doença proferidos no decorrer do tempo, já que esse sempre foi um tema muito comum, que gerou dúvidas e motivou a busca de explicações. Foi e é um tema que sempre permeou os diversos campos semânticos, de acordo com o contexto histórico-social em que esteve ou está inserido. Sobre o contexto histórico-social, é importante frisar tal condição, pois as explicações de saúde e doença sempre estiveram conectadas ao momento e às circunstâncias sociais. Figura 1 - A saúde e suas interconexões Fonte: GrAl, Shutterstock, 2020. - -3 Fonte: GrAl, Shutterstock, 2020. #ParaCegoVer: a imagem é uma representação abstrata de uma pessoa que tem seu sistema nervoso em destaque e que faz conexões com pontos que estão no meio externo. Para elucidar o conhecimento aqui construído, será apresentado um percurso histórico sobre os diversos entendimentos que se teve sobre saúde e doença, trazendo as concepções e o momento social relacionado. Por termos didáticos apresentaremos tais concepções a partir de modelos, isto é, os modelos explicativos de saúde e doença. • Modelo Mágico-religioso ou Xamanístico As tentativas de explicar o processo saúde-doença sempre estiveram presentes no inconsciente das pessoas e grupos, desde a Antiguidade. As explicações se davam de acordo com o que acreditavam e com a forma que organizavam suas explicações sobre o mundo, as pessoas e sobre si mesmos, o que perpassava por uma visão sobrenatural, espiritual e mágica. Nesse modelo, as populações da época compreendiam a causa das doenças como derivadas dos elementos naturais e espíritos sobrenaturais, sendo o adoecer como uma transgressão de origem individual ou coletiva. E, ao mesmo tempo, o retorno a uma condição saudável seria a (re)conexão com essas divindades, com a ajuda de sacerdotes, feiticeiros ou xamãs. Estavam imersos em uma cosmologia que envolvia deuses e espíritos do bem e do mal, havendo assim, essa dualidade e a referência aos aspectos religiosos sobre a saúde e a doença (CRUZ, 2011). • Modelo Holístico Modelo forte também na Antiguidade, sendo o embasamento da medicina chinesa e hindu. O ponto explicativo de tal modelo está na condição do equilíbrio. Nesse modelo, o organismo seria composto por elementos e humores, que em equilíbrio significaria a saúde, e o desequilíbrio desses elementos causaria a doença. A causa do desequilíbrio poderia ser devido a fatores do ambiente físico, como astros, clima, insetos, alimentos, havendo uma interação entre fatores internos e externos ao corpo do indivíduo. O cuidar, assim, seria a busca por reorganizar esses diversos elementos internos e externos em sua totalidade (CRUZ, 2011). • Modelo Empírico-racional (hipocrático) Tem sua origem no Egito (3000 a.C.), nesse modelo, há uma busca por explicações para as origens do universo e da vida que não estivessem ligadas ao sobrenatural, contrariando a lógica utilizada até então. Nas explicações sobre saúde e doença também se identificou essa tentativa. Hipócrates (século VI a.C.) instituiu, com a Teoria dos Humores, a relação entre homem e meio onde está inserido. Os elementos água, terra, fogo e ar seriam os fatores explicativos sobre a saúde e a doença, sendo a saúde entendida como o equilíbrio dos humores, já a doença o desequilíbrio desses humores (CRUZ, 2011). • Modelo de Medicina Científica Ocidental (biomédico) Modelo até hoje fortalecido, teve sua origem no contexto do Renascimento e em todas as mudanças oriundas desse período, a partir do século XVI. Embasado pelo Método Descartes, fundamenta que não se pode tratar como verdade aquilo que não se pode identificar como verdade, isto é, provar. A lógica estava em defender que um problema, para ser resolvido, precisa ser compartimentalizado, isto é, organizado em partes, partindo do simples ao mais complexo. Assim, a doença se daria pelo desajuste nos meios de adaptação do organismo. Tal compreensão percorreu o • • • • - -4 simples ao mais complexo. Assim, a doença se daria pelo desajuste nos meios de adaptação do organismo. Tal compreensão percorreu o tempo, passando pela visão dos miasmas, em que se compreendia que existiam partículas que estavam relacionadas às epidemias e adoecimento, para a era bacteriológica, em que se acreditou que para cada doença existia um microrganismo relacionado. Nesse modelo perde-se a perspectiva do todo para se analisar as partes. Com o incremento do capitalismo, o profissional da saúde passa a ser comparado a um mecânico e o conjunto de órgãos e sistemas corporais seriam peças de uma máquina, manipuladas por esse profissional cada vez mais especializado (CRUZ, 2011). • Modelo Sistêmico Esse modelo, que ganhou força a partir da década de 1970, parte do conceito de sistema, entendido como um conjunto de elementos que se conectam de uma forma que qualquer mudança em algum deles causaria alteração nos demais. Confrontando o modelo biomédico, fortalece a concepção do todo, considerando os diversos elementos do ecossistema do processo saúde-doença. Toda vez que um dos componentes é alterado, causa um desequilíbrio do ecossistema. Traz-se ainda, a ideia de sistema epidemiológico, formado pelo agente suscetível e pelo meio ambiente, sendo a saúde e a doença causadas por aspectos desses dois fatores (CRUZ, 2011). • Modelo da História Natural das Doenças (modelo processual) Também oriundo da década de 1970, esse modelo traz a concepção do transcorrer natural das doenças, que é compreendida como o conjunto de processos interativos que faz surgir o estimulo patológico no meio ambiente ou outro lugar, incluindo as respostas do homem a um desses estímulos ou uma situação que leva ao defeito, invalidez, recuperação ou morte. A concepção aqui construída é a de processualidade, existente entre todos os elementos que envolvem uma patologia: agente etiológico da doença (causador), hospedeiro,meio ambiente e o modo de desenvolvimento da patologia. O processo organiza-se em dois momentos: fase pré-patogênica e patogênica. A pré-patogênica envolve os fatores relacionadas ao agente etiológico, hospedeiro e o meio ambiente, nesse caso, como a doença não está instalada ainda é possível realizar a prevenção e promoção. Já na fase patogênica, o indivíduo apresenta sinais e sintomas e, consequentemente, a necessidade de um tratamento, a seguir esquematiza tal modelo (CRUZ, 2011). • • - -5 Figura 2 - História natural da doença Fonte: ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 2002. #ParaCegoVer: a imagem é uma representação de um organograma da história das doenças, parte da vertente epidemiológica para a vertente patológica, em que consta a cronicidade, sinais e sintomas, alterações etc. Na sequência, está a vertente desenlace, que pode ser a morte, invalidez ou a cura. Até agora, você já conseguiu visualizar a relação intrínseca entre os entendimentos de saúde-doença e o momento social que se passa, alocando o contexto histórico e as próprias compreensões sobre si, o outro e o seu meio. Nos próximos tópicos buscaremos dar outros enfoques sobre saúde e doença. 3.2 Determinação social do processo saúde-doença Com o conhecimento construído até aqui você já percebeu a diversidade de conceitos e modelos explicativos sobre saúde e doença. Até já adiantamos a explicação de saúde e doença como parte de um processo, mesmo que nem sempre isso foi assim. A compreensão de saúde e doença como parte de um processo, ou seja, o processo saúde-doença, é fortalecida justamente quando temos o estabelecimento da saúde e doença como parte do meio social que se encontram. Assim, as relações sociais são fatores decisivos para o constructo saúde e doença. - -6 Para compreender o processo saúde-doença em sua completude, precisamos trazer as compreensões da determinação social do processo saúde-doença, tal condição adentra o arcabouço teórico do materialismo histórico e dialético, corrente filosófica criada por Karl Marx e Friedrich Engels que, em contexto de Revolução Industrial, estruturou o modelo dialético de compreensão e análise da vida em sociedade, tendo a dinamicidade e intervenção/transformação social como uma das suas maiores características (RUAS, 2020). Figura 3 - Monumento em Parque de Berlin – Alemanha do Karl Marx e Friedrich Engels Fonte: Michael715, Shutterstock, 2020. #ParaCegoVer: a imagem mostra duas estátuas de bronze, que representam Karl Marx e Friedrich Engels. O processo saúde-doença na perspectiva da determinação social se dá por meio da produção e reprodução social, ou seja, da forma que os indivíduos intervêm e são afetados pela sociedade, transformando e sendo transformados. A produção social está relacionada ao ser ativo em sociedade, no contexto marxista seriam os processos produtivos, isto é, o trabalho que daria as condições suficientes para a reprodução social, os modos de levar a vida (RUAS, 2020). A saúde e a doença são, portanto, frutos dos modos de levar a vida, determinados pelas interações e manejos que o homem faz em sociedade, fruto da dinamicidade e da complexidade do vir a ser. Importante ainda frisar a indissociabilidade entre corpo e mente. Na perspectiva dialética, entende-se o homem e as suas interações de uma forma complexa e, para compreendê-lo, há a necessidade de inseri-lo em um panorama histórico e contextualizado (GARBOIS; SODRÉ; DALBELLO-ARAUJO, 2017). O processo saúde-doença, então, se configura como um processo dinâmico, complexo e multidimensional, VOCÊ O CONHECE? Karl Marx e Friedrich Engels, foram importantes teóricos, filósofos, sociólogos, seus estudos influenciaram e influenciam até hoje o modo de pensar e significar no mundo. Analisando a sociedade após Revolução Industrial conseguiram fazer importantes reflexões sobre a luta de classes e os modos de produção. - -7 O processo saúde-doença, então, se configura como um processo dinâmico, complexo e multidimensional, atrelado a aspectos biológicos, psicológicos, socioculturais, econômicos, ambientais e políticos, em todas as dimensões que envolvem o ser, em sua dimensão individual ou coletiva (CRUZ, 2011). Nessa perspectiva, constroem-se os entendimentos da epidemiologia social, que integra os processos saúde- doença dentro de um contexto das diversas formas de viver, uma vez que a epidemiologia busca compreender a relação do ser enquanto indivíduo, assim como no contexto de grupo e coletividade. As relações sociais que influenciam o processo saúde-doença são, portanto, determinadas pelas questões históricas, sociais, econômicas, culturais e biológicas, a partir de condições individuais ou coletivas. Aspectos como tempo, lugar e particularidades do grupo ou do indivíduo, influenciam no processo de produção e reprodução social, no que diz respeito aos modos de levar a vida, e a saúde e a doença (CRUZ, 2011). A partir daqui iremos promover uma discussão dos diversos conceitos e entendimentos da semântica sobre o que é saúde no decorrer do século XX, já que esse tema, como já levantado anteriormente, sempre acompanhou o contexto e as perspectivas que se tinha sobre isso na sociedade. Dentro de um contexto mecanicista e estático, o conceito de saúde até meados da década de 1950 entendia que “saúde é a ausência de doença”. Lógica essa que representa a influência que o modelo econômico mercantilista gerava na sociedade e, consequentemente, no entendimento sobre saúde. Contrariando a lógica que se tinha até então, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social” (WHO, 1948, p. 2). Essa mudança na definição representou importante marco no sentido de superar a lógica mecânica e trazer uma aproximação ao que mais tarde seria a visão complexa de saúde e doença. Coexistiu até a década de 1970 essa dualidade de conceitos, de um lado o modelo estático dual de um como ausente do outro, e a tentativa da OMS de ampliar a conceituação além dos aspectos físicos. A nível social, nesse momento, há um incremento das políticas capitalistas neoliberais que defendem um estado mínimo e uma conduta menos pessoal (GARBOIS; SODRÉ; DALBELLO-ARAUJO, 2017). VOCÊ QUER LER? Uma boa opção de leitura é o texto , deSaúde-doença: uma concepção popular da etiologia Maria Cecília Minayo. Nele é produzida uma importante reflexão à luz dos significados de saúde e doença por indivíduos de uma comunidade do Rio de Janeiro. Vale a pena a leitura! Confira em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- .311X1988000400003 - -8 Figura 4 - Saúde e doença Fonte: Elaborada pelo autor, com base em COBERTURA, 2018. #ParaCegoVer: a imagem representa a saúde e a doença em uma balança, como se uma estivesse sendo medida em relação a outra. Em 1986 aconteceu a 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, trazendo à tona o conceito de promoção à saúde. Como produto da Conferência, na Carta de Ottawa é fortalecido o conceito ampliado de saúde, atrelado à qualidade de vida. Reforça-se a responsabilidade e a necessidade de incorporar o cuidado individual e coletivo como partes conectadas que coexistem, ou seja, não se pode atuar no indivíduo sem colocá-lo dentro de uma perspectiva do coletivo. Dessa forma, as diversas nuances que permeiam o contexto de vida do ser precisam ser consideradas no intuito de oferecer saúde. É fortalecida a ideia de escolhas saudáveis, trazendo a necessidade de ambientes que favoreçam essas escolhas. Sendo imprescindível a garantia de condições sociais mínimas para se ter saúde, como: lazer, trabalho, moradia, segurança, afirmações sociais, entre outros (BASSINELLO, 2014). A promoção à saúde, nesse contexto, é análoga à qualidade de vida. Promover saúde seria oferecer qualidade de vida para indivíduos e coletividades em uma condição territorial, cultural e socioeconômico. A atuação, à luz da promoção da saúde, faz necessário o estabelecimento de acesso equitativo à saúde, por meio de uma rede de apoio em que o indivíduo e coletividadesão corresponsáveis e, ao mesmo tempo, autônomos no processo produtivo da saúde (BASSINELLO, 2014). No Brasil, também no ano de 1986, aconteceu a 8ª Conferência Nacional da Saúde, embasada nos ideais da Reforma Sanitária Brasileira e nas constantes lutas por estabelecimento de políticas sociais mais condizentes com as necessidades de saúde da população. Como produto da conferência, foi estabelecida a definição de que “Democracia é Saúde”, entendendo o conceito de saúde como políticas sociais de defesa da vida. Fortalecendo a necessidade da intersetorialidade e multiprofissionalidade como estratégias para se obter saúde. Embasados nessa perspectiva, em 1988, com a Constituição Federal há o estabelecimento de uma conceituação que merece destaque. Veja a seguir. VOCÊ QUER VER? O filme , 1989, dirigido por Jorge Furtado, traz uma discussão muitoIlha das Flores interessante sobre o modelo representativo da Determinação Social do Processo Saúde- doença. Assista em: .https://www.youtube.com/watch?v=KAzhAXjUG28 - -9 que merece destaque. Veja a seguir. “Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário à ação e serviço para sua promoção, proteção e recuperação”. (BRASIL, 1988, p. 118) Com o estabelecimento do SUS, a partir das Leis Orgânicas de Saúde, identifica-se o acréscimo dos determinantes do processo saúde-doença. Incluem-se, nessa condição, fatores como saneamento básico, moradia, trabalho, renda, transporte, educação, lazer e acesso a bens e serviços, sendo a saúde e a doença compreendidas como as condições de organização social e econômica de um país (CRUZ, 2011). Aqui, você conseguiu compreender o transcorrer semântico do processo saúde-doença, fundamental para a construção dos saberes do profissional em Saúde Coletiva. Diversas são as formas de atuar em saúde no intuito de aplicar os princípios do SUS. No próximo tópico já teremos uma aproximação nesse sentido, com as práticas integrativas e complementares. 3.3 Atenção Integral à Saúde: práticas integrativas e complementares Agora que já compreendemos os processos de produção de sentidos sobre saúde e doença, chegou um momento de extrema importância para a formação em Saúde Coletiva, que é a construção dos entendimentos necessários para a atenção às necessidades de saúde. Quanto estamos lidando com a Atenção Integral à Saúde precisamos superar os ideários tradicionais de uma mera assistência, já que aqui busca-se superar a condição fragmentada para dar espaço para uma atenção que veja o ser como um todo, em todas as suas possibilidades e necessidades. Em uma atenção integral, o ponto central é a adaptar-se às necessidades do público a que se destina o serviço. Isto é, parte-se das reais necessidades de saúde do indivíduo ou coletividade, ressaltando que tais necessidades são complexas e assim devem tratadas, já que abarca demandas biológicas, mas também sociais, culturais, psicológicas e demais situações intersubjetivas (FIGUEIREDO; TONINI, 2011). Percebe-se cada vez mais uma tentativa de tornar exequível a atenção integral na prática do trabalho em saúde, contrariando a lógica do modelo médico assistencial privatista. Fortalece-se aqui a concepção de um modelo que coloca as necessidades do indivíduo, família ou comunidade como prioridade, de forma integral, ou seja, como um todo indivisível e complexo. Nesse contexto, temos o incremento das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS). Mesmo que essas práticas derivam de ensinamentos milenares como a Medicina Tradicional Chinesa, por exemplo, temos um aumento dessas práticas devido ao momento social atual em que vivemos. Os reflexos da rotina e VOCÊ SABIA? O modelo médico assistencial privatista ganhou expressiva notoriedade no Brasil a partir da década de 1960, com o incremento das políticas previdenciárias e a economia da saúde. Nesse modelo defende-se que o setor privado seja prestador e o estado financiador, dando ênfase ao serviço médico-hospitalar e a medicalização. - -10 um aumento dessas práticas devido ao momento social atual em que vivemos. Os reflexos da rotina e organização capitalista neoliberal tornaram insuficientes os modelos clínicos, biologicistas e hospitalocêntrico, além do incremento das doenças crônicas. Figura 5 - Yin-yang Fonte: researcher97, Shutterstock, 2020. #ParaCegoVer: na imagem está representado o símbolo da Medicina Tradicional Chinesa Yin-yang em preto e branco. Desse modo, as PICS funcionam como instrumentos que buscam sanar as fragilidades dos modelos hegemônicos, servindo como instrumentos complementares que podem incrementar a clínica atual, enquadrando-se como Medicina Alternativa segundo a OMS. A partir daqui iremos promover uma discussão sobre as práticas integrativas e sua aplicabilidade no campo da saúde. As PICS são terapêuticas à luz de conhecimentos tradicionais, tendo seu uso atualmente ligado a problemas crônicos de saúde, que pelo perfil epidemiológico contemporâneo vem sendo uma demanda cada vez mais comum. No Brasil, desde 2006, por meio da Portaria GM/MS 971 de 3 de maio de 2006, foi estabelecida a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS (BRASIL, 2015). A PNPIC busca desenvolver as práticas integrativas em nível multiprofissional, implantando práticas em consonância com os serviços já ofertados pelo sistema em cada nível de atenção, além de fortalecer os serviços já existentes, contribuindo com a manutenção, por meio do apoio logístico e financeiro. Ainda busca o manejo das PICS com grupos minoritários, como a população indígena, por exemplo (BRASIL, 2015). - -11 Figura 6 - Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares Fonte: BRASIL, 2015. #ParaCegoVer: na imagem está escrito “PNPIC - Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares”. Há um organograma, no centro há o símbolo fogo da Medicina Tradicional Chinesa, e nas adjacências símbolos relacionados às práticas integrativas: símbolo da água, yin-yang, fitoterapia, farmacologia e manipulação de fármacos. Assim, a PNPIC busca fortalecer os princípios do SUS, possibilitando formas de prevenir agravos, promoção, manutenção e reabilitação da saúde. Permitindo um modelo de atenção humanizada e pautada na integralidade do indivíduo, considerando toda a sua complexidade. Em relação ao SUS, processualmente, as PICS estão entrando na caderneta de serviços das instituições. Hoje há - -12 Em relação ao SUS, processualmente, as PICS estão entrando na caderneta de serviços das instituições. Hoje há 29 procedimentos disponíveis à população. Os atendimentos acontecem nos diferentes cenários do sistema, seja de atenção primária, secundária ou terciária, tendo um acréscimo significativo no leque de serviços da atenção primária, a atenção básica para o SUS (BRASIL, 2020). No Brasil, a partir da década de 1980, há um aumento do uso e aplicabilidade das PICS, fomentado mais ainda com a criação do SUS em 1990, já que se estabeleceu a descentralização e participação popular, dando condições para os próprios municípios organizarem tais serviços. de acordo com seus contextos e necessidades. E, em 2006, tal prática foi normatizada em nível nacional. CASO Maria Letícia é uma profissional da saúde que recentemente foi alocada para trabalhar em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de um bairro periférico metropolitano. Como parte do trabalho de quem está buscando conhecer sua área e sua clientela, ela está analisando a carteira de serviços da unidade, assim como os dados epidemiológicos, de forma que se consiga ver os níveis de adoecimento e as possíveis causas. Focada em suas demandas, está sempre buscando compreender as necessidades de sua clientela, já que tem plena convicção que o seu papel como profissional da saúde é justamente atender as reais necessidades de seus pacientes. Ao analisar os dados produzidos nos últimos meses, ela identificou um grande acréscimo de doençaspsíquicas, como Transtorno de Ansiedade e Depressão. Além de já se ter um grande número de outras Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT), como Hipertensão e Diabetes. Ao analisar a caderneta de serviços da UBS ela não viu nenhuma Prática Integrativa e Complementar em Saúde (PICS) disponível. Ressalta-se que o bairro, por ser de periferia, está imerso a uma série de problemas e vulnerabilidades, como violência, miséria e etilismo. Como ela já teve uma experiência na outra unidade que trabalhou, ela decide conversar com a gerência da unidade com intuito de montar alguns serviços de PICS. A gerente aceitou a proposta e convidou-a para apresentar na reunião da equipe. Na reunião da equipe ela preparou uma seção de dança circular para fazer com os presentes e isso ajudou os membros da equipe a perceber a importância dessa prática na atenção à saúde. E, ao fim da reunião, todos concordaram e já montaram um cronograma de formação para se capacitarem nessas práticas. No primeiro momento, foi decidido criar uma agenda semanal de encontros em grupo com populares indicados pelos Agentes Comunitários de Saúde e lá seriam desenvolvidas a dança circular, a musicoterapia e a cromoterapia. As situações especificas seriam trabalhadas nas sessões individuais, em que poderiam ser empregadas outras técnicas como florais, acupuntura e meditação. Foram realizadas parcerias público-privadas, a fim de treinar o máximo de membros da equipe em outras PICS e a ideia é, cada vez mais, abranger a carteira de serviços da unidade nessas práticas. O primeiro encontro do grupo coletivo aconteceu e foi um sucesso, a aceitação da comunidade está muito boa. E, então, o que você acha? Tem tudo para dar certo, essas estratégias da Maria Letícia saíram justamente das necessidades que a própria população mostrou, e é esse o sentido de uma atenção integral. - -13 - -14 - -15 - -16 Figura 7 - Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares Fonte: BRASIL, 2020. #PraCegoVer: o quadro elucida as 29 práticas regulamentadas a nível SUS em todo o território nacional. A partir dessa discussão, você conseguiu ver a importância do desenvolvimento de uma atenção à saúde condizente com as necessidades de saúde da população, de modo que possa ser mantida e considerada a integralidade e a complexidade que envolve cada ser. Conclusão Conseguimos elucidar uma importante etapa do processo de formação em Saúde Coletiva no intuito de construir os entendimentos necessários para a conceituação de saúde e doença, fundamental para uma atenção à saúde ajustada às necessidades de indivíduos e coletividades. Nesta unidade, você teve a oportunidade de: • compreender a gama de modelos explicativos da saúde e doença;• - -17 • compreender a gama de modelos explicativos da saúde e doença; • perceber que cada modelo de explicação da saúde e doença está imbricado ao contexto social e histórico em que estava inserido; • compreender sobre a Determinação Social do Processo Saúde Doença; • perceber a importância da Atenção Integral à Saúde. Bibliografia BASSINELLO, G. . São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2014.Saúde Coletiva BRASIL. Ministério da Saúde. : quais são e para que servem.Práticas Integrativas e Complementares (PICS) 2020. Disponível em: https://saude.gov.br/saude-de-a-z/praticas-integrativas-e-complementares. Acesso em: 7 jun. 2020. BRASIL. : atitude de ampliação dePolítica nacional de práticas integrativas e complementares no SUS acesso. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. BRASIL. [Constituição (1988)]. . Brasília, DF:Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao . Acesso em: Acesso em: 7 jun. 2020./constituicao.htm CRUZ, M. M. Concepção de saúde-doença e o cuidado em saúde. : GONDIM, R; GRABOIS, V; MENDES JUNIOR, W.In V. (org.). . 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz/ENSP/EAD, 2011.Qualificação dos Gestores do SUS FIGUEIREDO, N. M. A.; TONINI, T. : práticas para o cuidado em saúdeSUS e saúde da família para enfermagem coletiva. São Paulo: Yendis, 2011. GARBOIS, J. A.; SODRÉ, F.; DALBELLO-ARAUJO, M. Da noção de determinação social à de determinantes sociais da saúde. , [ .], v. 41, n. 112, p. 63-76, mar. 2017. Disponível em: Saúde em Debate s. l http://dx.doi.org/10.1590 Acesso em: 20 jul. 2020./0103-1104201711206. RUAS, R. Teoria da Reprodução Social: apontamentos para uma perspectiva unitária das relações sociais capitalistas. , Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: Revista Direito e Práxis https://www.e-publicacoes.uerj.br . Acesso em: 4 jul. 2020./index.php/revistaceaju/article/view/46086/33034 MINAYO, M. C. S. Saúde-doença: uma concepção popular da etiologia. , Rio de Janeiro, v. 4, n. Cad. Saúde Pública 4, p. 363-381, dez. 1988. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- . Acesso em: 4 jul. 2020.311X1988000400003&lng=en&nrm=iso WORLD HEALTH ORGANIZATION. . Genebra, WHO, 1984. Disponível em: Health for all https://www.who.int/dg . Acesso em: 23 maio 2020./priorities/health-for-all/en/ • • • •
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