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UM PANORAMA DAS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM ALICERÇADO NO LIVRO DIDÁTICO. Livro didático. Concepções de linguagem. Aprendizagem significativa.

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UM PANORAMA DAS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM ALICERÇADO NO LIVRO 
DIDÁTICO. 
 
 
 
RESUMO: O livro didático (LD) é um material pedagógico considerado o mais tradicional e, 
certamente, o mais utilizado nas escolas. Em função de sua importância, em 1985 criou-se o PNLD 
(Programa Nacional do Livro Didático), que consiste na distribuição gratuita de livros didáticos para os 
alunos das escolas públicas de ensino fundamental de todo o país. O Banco Mundial situa o livro em 
quarto lugar de importância na aprendizagem dos alunos. Observamos, assim, que o LD é um dos 
recursos mais aclamados e utilizados pelos professores em muitas escolas, porém esse recurso não é tão 
perfeito assim, pois muitas vezes é conciso, deixando o aluno sem problematizar muito. As questões, 
em sua maioria, não levam o aluno a refletir sobre o meio, sobre a sociedade e sobre a vida em si. Dentro 
disso, discutiremos as orientações filosóficas apresentadas no livro Marxismo e filosofia da linguagem, 
de Bakhtin/Volochinov (2010), embasados também em Geraldi (1984), Zanini (1999), Soares (1998), 
Travaglia (1996) e Perfeito (2005). Realizaremos essa discussão a partir de um livro didático de Língua 
Portuguesa do 8º ano. As questões analisadas serão de duas unidades distintas do livro: a primeira refere-
se à unidade 2: Língua e gramática normativa, a qual apresenta três capítulos; a segunda, refere-se à 
unidade 3: Ortografia e pontuação, a qual apresenta, também, três capítulos. Esta atividade surgiu diante 
da disciplina Ensino-aprendizagem do Português I, na qual a docente mostrou aos discentes a 
necessidade de se discutir sobre as concepções de linguagem, pois são elas que nos guiarão no ofício da 
docência. Diante da análise, chegamos à conclusão de que nas unidades selecionadas é predominante o 
uso da concepção que tem a linguagem como expressão do pensamento. 
 
Palavras-chave: Livro didático. Concepções de linguagem. Aprendizagem significativa. 
 
 
1. Considerações iniciais 
 
De acordo com Bakhtin (1986), a linguagem é o fenômeno social da interação verbal, 
realizada através da enunciação ou das enunciações, que constitui a realidade fundamental da 
linguagem, compreendida pelo princípio dialógico: “a palavra constitui justamente o produto 
da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro” 
(BAKHTIN, 1986, p. 113). Nessa concepção, o ser humano usa a linguagem para agir no 
contexto social, pois língua e linguagem são concebidas como atividades interativas, como 
forma de ação social, como espaço de interlocução possibilitando a prática social dos mais 
diversos tipos de atos. 
Em relação à concepção de língua, Bakhtin afirma que ela é uma abstração quando 
concebida isolada da situação social que a determina. Para o autor, “a língua vive e evolui 
historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas 
da língua nem no psiquismo individual dos falantes” (BAKHTIN, 1986, p. 124). 
A linguagem é o cerne da nossa discussão, especificamente a linguagem dentro do livro 
didático. Discutiremos, ao longo do corpo do trabalho, como essa linguagem ocorre permeando 
os diversos gêneros textuais, quais são as atividades produzidas a partir dela e em quais 
concepções elas se encaixam. 
Diversas análises foram e continuam sendo realizadas a partir dos gêneros discursivos 
centralizando-se, na maioria das vezes, na abordagem enunciativo-discursiva de Bakhtin 
(1929/1953), que dá destaque ao processo de interação verbal e ao enunciado. Atualmente, os 
programas escolares têm avançado em sua busca por trabalhar novos e diferentes gêneros 
textuais. Essa postura visa atender à proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) 
de fundamentar o ensino da língua materna nos gêneros do discurso, sejam eles orais ou 
escritos. 
No entanto, ao folhearmos alguns livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino 
Médio utilizados por várias escolas públicas e privadas, percebemos que ainda existem algumas 
falhas na elaboração do contexto das questões, as quais não possibilitam ao aluno “sair do 
texto”, pensar além, mas os deixam focados somente no que está posto na superficialidade do 
texto, sem chances de se utilizar recursos metalinguísticos. Assim, discutiremos todos esses 
aspectos ao longo de nosso trabalho, e ele está dividido da seguinte forma: 
1 – Considerações iniciais; 
2 – Introdução às concepções de linguagem; 
2.1 – Linguagem como expressão do pensamento; 
2.2 – Linguagem como instrumento de comunicação; 
2.3 - Linguagem como forma de interação; 
3 – Apresentação do corpus e análise; 
4 – Considerações finais. 
 
2. Introdução às concepções de linguagem 
Na presente seção, serão abordadas as três concepções de linguagem baseadas em 
Geraldi (1984), Zanini (1999), Soares (1998), Travaglia (1996) e Perfeito (2005) em 
consonância com a discussão levantada por Bakhtin/Volochinov (2010), com o objetivo de 
esclarecer e exemplificar os diversos métodos que direcionam as práticas em sala de aula. Para 
isso, a seção será dividida em três subseções com a finalidade de elucidar as concepções de 
linguagem e, desta forma, dialogar com os autores supracitados. 
 
2.1 Linguagem como expressão do pensamento 
 Na obra Marxismo e filosofia da linguagem, mais especificamente no capítulo “Duas 
orientações do pensamento filosófico-linguístico”, Bakhtin/Volochinov (2010) instigam o 
leitor a refletir a respeito do que é a linguagem e qual seu objeto de estudo, porém observam 
que : “Toda vez que procuramos delimitar o objeto de pesquisa, remetê-lo a um complexo 
objetivo, material, compacto, bem definido e observável, nós perdemos a própria essência do 
objeto estudado, sua natureza semiótica e ideológica” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2010, 
p.72). 
É a partir da problemática de isolar e de delimitar a linguagem apenas como objeto de 
estudo que os autores tecerão suas críticas às duas orientações filosóficas, as quais eles 
intitulam, respectivamente: “subjetivismo idealista” e “objetivismo abstrato”. Esta subseção 
será direcionada ao subjetivismo idealista, uma concepção genuinamente estética, na qual 
Bakhtin/Volochinov (2010) indicam quatro pontos que as fundamentam, são eles: 
1. A língua é uma atividade, um processo criativo ininterrupto de construção 
(“energia”), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala 
2. As leis da criação linguística são essencialmente as leis da psicologia 
individual. 
3. A criação linguística é uma criação significativa, análoga à criação artística. 
4. A língua, enquanto produto acabado (“ergon”), enquanto sistema estável 
(léxico, gramática, fonética), apresenta-se como um depósito inerte, tal como a lava 
fria da criação linguística, abstratamente construída com vistas à sua aquisição prática 
como instrumento pronto para ser usado (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2010, p.74-
75) 
 
Dessa forma, percebe-se que essa tendência resume o ato de fala como uma ação 
individual que parte de um comportamento padronizado, segundo as normas da psicologia, e 
entende a realização linguística a partir de sua organização estrutural. É diante dessas 
características que o subjetivismo idealista dialoga com a concepção de “linguagem como 
expressão do pensamento”, a qual Geraldi (1984) procurou relacionar à prática educacional que 
se baseia na gramática tradicional como parâmetro de ensino, o chamado “tradicionalismo”. 
Perfeito (2005) afirma que a prática educacional baseada na concepção de linguagem como 
expressão do pensamento direciona o falante para uma organização do pensamento que se 
fundamenta nas normas do bem falar e do bem escrever, exigindo clareza e precisão. 
Essa concepção tradicionalista da língua foi amplamente utilizada nas décadas de 50 e 
60. Isso porque o ensino, nesse período, era voltado para a camada mais privilegiada da 
população que, até então, era quem possuía acesso ao ensino e já chegava à escolacom razoável 
domínio do dialeto padrão/culto. Soares (1998, p.54) aponta que “A função do ensino da Língua 
Portuguesa era, assim, fundamentalmente, levar ao conhecimento, talvez mesmo apenas ao 
reconhecimento, das normas e regras de funcionamento desse dialeto de prestígio. ”. Ou seja, o 
aluno era um agente passivo que não refletia sobre o uso da língua. Essa concepção preparava-
o apenas para classificar e seguir as normas de concordância, acentuação, regência, ortografia, 
pontuação e tudo o mais que estivesse pré-determinado pela gramática teórico-normativa. 
 Diante desse cenário, Zanini (1999, p.80) afirma: “A inadequação dessa forma de 
ensinar residia no fato de que os conceitos e informações transmitidos nem sempre encontravam 
respaldo no contexto do aluno, que não entendia o porquê de ter que os assimilar, já que na 
prática não conseguia vislumbrar a sua utilização”. Percebe-se que esta concepção não 
apresenta eficácia no processo de aprendizagem da língua, uma vez que não interage com o 
contexto social do aluno e retira dele a capacidade de refletir e aprender ativamente. 
Vale ressaltar que, a partir dos anos 60, ocorreu uma democratização do ensino. Nesse 
contexto, a população menos privilegiada começou a ingressar na escola e, com isso, houve o 
surgimento da forma não-padrão da língua diante da variedade sociocultural que a escola passou 
a abrigar. Diante dessa nova necessidade que se impunha, surge a segunda concepção de 
linguagem, a qual é vista como instrumento de comunicação, e que será abordada na próxima 
subseção. 
2.2 Linguagem como instrumento de comunicação 
Diante do novo cenário que se colocava, buscou-se uma fundamentação histórica da 
língua e vislumbrou-se o “outro” no processo de comunicação, outrora inexistente. Os estudos 
da língua propostos por Saussure (1969) foram extremamente importantes na mudança de visão 
que se tinha da linguística. A partir de tais estudos, surgiram os termos: mensagem, emissor e 
receptor, admitindo, dessa forma, a relação dialógica da língua. 
Na segunda orientação exposta por Bakhtin/Volochinov (2010) o objetivismo abstrato, 
os autores indicam algumas proposições que compõem essa orientação filosófico-linguística. 
Eles apontam quatro proposições que a norteiam, resumidamente: a língua é um sistema estável 
que segue uma norma; as leis da língua dialogam com os signos linguísticos dentro de um 
sistema fechado; as construções linguísticas não possuem relação com valores ideológicos; por 
último, os atos individuais de fala são vistos como deformações do modelo normativo. 
Essa orientação abordada por Bakhtin/Volochinov (2010) foi o gancho propulsor para a 
construção da concepção de linguagem como instrumento de comunicação, a qual surgiu em 
face do processo de democratização do ensino que ocorreu nos anos 60 e da necessidade em 
atender o novo público que surgia na escola. Essa concepção pretendia dar um aspecto mais 
instrumental e um uso mais prático no processo de ensino e aprendizagem de língua materna. 
O objetivismo abstrato discutido por Bakthin/Volochinov (2010) dialoga com a segunda 
concepção de linguagem abordada por Perfeito (2005), na qual a língua é vista como um código 
que transmite uma mensagem de um emissor para um receptor, mas essa mensagem é isolada 
de seu uso. Ao trazer tal concepção para o ambiente escolar, é possível perceber que o professor 
atua como o emissor, a pessoa que detém todo o conhecimento, ou seja, o portador da 
mensagem; e, o aluno, como agente passivo, o receptor da mensagem. 
Para Travaglia (1996): “Essa concepção levou ao estudo enquanto código virtual [...] 
Isso fez com que a Linguística não considerasse os interlocutores e a situação de uso como 
determinantes das unidades e regras que constituem a língua” (TRAVAGLIA, 1996, p.22). 
Basicamente, implica dizer que existe a preocupação com o papel do interlocutor no processo 
de comunicação, no entanto não se considera os fatores sociais e históricos no contexto de fala 
e, com isso, reduz-se esse ato a uma mera decodificação. 
Com a ascensão dessa nova concepção de linguagem, surgiu uma certa dependência do 
livro didático por parte do professor, pois ele não tinha liberdade e, talvez, pré-disposição para 
planejar livremente suas aulas, uma vez que tudo o que precisavam estava posto nos livros. Foi, 
então, a partir disso que se criou o que Zanini (1999) chama de A década dos modelos. Nos 
livros didáticos continham, majoritariamente, exercícios de repetição e de seguir o modelo, isso 
porque o aluno era visto como um sujeito pronto para internalizar o conhecimento pelo método 
da repetição e, assim, a visão do reforço foi muito marcada. 
Dentro desse contexto, no que diz respeito à gramática, predominavam os exercícios de 
repetição de regras para o uso de pontuação e acentuação; seguir o modelo de frase; encontrar 
componentes que estruturam a oração; termos essenciais e acessórios da oração; funções de 
linguagem: expressiva/emotiva, apelativa/conativa, referencial/informativa. Em linhas gerais: 
o que prevalecia era o ato de repetir e de identificar, mais uma vez isolado de sua utilização. 
Esse modelo foi seguido sem contestações por muito tempo. Então, por meados da 
década de oitenta, iniciou-se uma certa inquietação na área da linguística, pois novos estudos 
surgiram e vislumbrou-se a possibilidade de um novo método de ensino. Segundo Zanini (1999, 
p.82): “Tentando compensar esse esvaziamento de conteúdo, essa falta de reconhecimento da 
história da língua e da história do indivíduo e essa cisão entre os sujeitos, começa a surgir, mais 
definidamente, na década de 80, um novo professor de língua materna”. Esse fato conduzirá a 
uma nova concepção de linguagem. 
2.3 Linguagem como forma de interação 
As duas concepções expostas anteriormente tornaram-se obsoletas diante da evolução 
dos estudos linguísticos e, a partir disso, surge um questionamento a respeito do objeto de 
estudo da língua: como refletir a respeito do objeto de estudo sem perder a sua essência? Para 
isso, Bakhtin/Volochinov (2010) afirmam que é necessário realizar uma integração do meio 
social e do contexto imediato para o envolvimento de toda a estrutura física, psicológica e 
fisiológica que será vinculada à língua e à fala, para então transformar-se em linguagem. 
Diante da necessidade de reformular os conceitos sobre linguagem, e sobre o processo 
de ensino e aprendizagem, é que surge a linguagem como forma de interação, na qual não se 
vê a língua apenas como instrumento de comunicação, pois agora ela passa a ser vista como 
enunciação. A concepção de linguagem como forma de interação dialoga com a interação verbal 
de Bakhtin/Volochinov (2010) quando afirmam que a verdadeira essência da língua reside no 
fenômeno social da interação verbal, que é resultado da enunciação, ou das enunciações. 
Segundo Soares (1998): “[...] inclui as relações da língua com aqueles que a utilizam, 
com o contexto em que é utilizada, com as condições sociais e históricas de sua utilização” 
(SOARES, 1998, p.59). Mediante essa afirmação, percebe-se que o ato de fala não se limita 
apenas à produção mental que será expressa para o social, mas também à situação social que 
determinará o que será enunciado. 
No ambiente escolar, essa concepção busca levar o aluno a refletir criticamente sobre as 
coisas que o cercam e a utilizar a língua como uma forma de interação com o outro. Esse 
processo se dá pela leitura, interpretação e produção de textos e análise linguística. Essa 
produção textual é vista como processo contínuo de construção e de reflexão mediado pelo 
professor. Já não cabe mais utilizar o termo Gramática, agora entendida como análise 
linguística, pois ela não será mais abordada de forma isolada, como nas concepções anteriores, 
conforme afirma Perfeito (2005): 
[...] a análise linguística se dá no sentido de se observar em um texto – de 
determinado(s)gênero(s) – o arranjo textual e as marcas linguístico-enunciativas, 
vinculadas às condições de produção (interlocução, suporte, possíveis finalidades, 
época de publicação e circulação...) no processo de construção de sentidos 
(PERFEITO, 2005, p.61) 
Em sala de aula, faz-se necessário um diálogo constante entre professor e aluno, pois 
este não é mais visto como agente passivo, mas sim como agente que exerce ativamente sua 
capacidade reflexiva e crítica. Tudo isso será proporcionado pelo ato de leitura, interpretação 
de textos, produção, reescrita e análise de sentidos provocados pela posição dos elementos 
gramaticais. 
3. Apresentação do corpus e análise 
Nesta seção, analisaremos quatro questões de um livro didático de Língua Portuguesa, 
do 8º ano, publicado pela editora Moderna (2012), intitulado Singular & Plural: Leitura, 
produção e estudos de linguagem. Optamos por trabalhar com questões de duas unidades 
diferentes: unidade 2: Língua e gramática normativa, a qual apresenta três capítulos: 1 (período 
composto), 2 (período composto por coordenação) e 3 (operadores argumentativos); e unidade 
3: Ortografia e pontuação, a qual apresenta, também, três capítulos: 1 (ortografia), 2 
(acentuação das palavras) e 3 (pontuação). Decidimos selecionar dessa forma, pois as questões 
são muito parecidas, algumas possuem o mesmo comando, praticamente. 
Vale ressaltar que não utilizaremos todas as questões de todos os capítulos elencados 
acima. Assim, indicaremos, antes de introduzi-las, à qual capítulo e unidade elas pertencem. A 
prática consiste em apresentar as questões e, logo após, comentá-las, tendo como base nossos 
conhecimentos acerca das concepções de linguagem. 
Comecemos pela questão do capítulo 1 (período composto) da unidade 2 (Língua e 
gramática normativa): 
 
1. Releia estas frases. 
I. Eu não comi todo o chocolate! 
II- Só guardei pra depois! 
a) Quantos verbos foram utilizados nessas frases? Copie-os no caderno. 
b) Quantas orações há nessas frases? 
 
A questão em destaque pede para que o aluno apenas releia as frases e indique quantos 
verbos foram utilizados, copiando-os no caderno, e indique quantas orações há nas frases 
dispostas. Não vimos explicações acerca do que sejam verbos e orações, nem sobre como as 
palavras estruturalmente conhecidas como “verbos” podem exercer outras funções dentro das 
frases, tais como substantivos, por exemplo. Ou seja, o aluno deve seguir, aqui, somente a 
prescrição, sem levar em conta outras abordagens. Assim, subentendesse que o aluno já deva 
ter esse conhecimento prévio acerca da gramática, do que se enquadra como “verbo”. 
Com base nessas informações, podemos dizer que essa questão se enquadra na 
concepção que tem a linguagem como expressão do pensamento, pois conforme visto em 
Perfeito (2005), essa concepção, no que concerne ao ensino de língua, dá ênfase à gramática 
teórico-normativa. É o que podemos verificar, uma vez que a questão tem como objetivo levar 
o aluno a seguir as prescrições, para poder identificar e enumerar, sem refletir sobre a 
alternativa. 
A próxima questão também se encontra no capítulo 1 (período composto) da unidade 2 
(Língua e gramática normativa). Vejamos o que pede o comando: 
2. Releia este período 
 Eles pensam no formato do livro [...], fazem orçamentos, pensam nos tipos de papel, escolhem 
a capa, a gráfica, ajustam o texto e as ilustrações em parceria com os autores da obra. 
a) Em seu caderno, copie separadamente as orações que compõem esse período, destacando o verbo de 
cada uma delas. 
b) Quantas orações há no período? 
 
Essa questão segue o mesmo modelo da anterior, pois pede para que o aluno identifique 
as orações e diga quantas são. Quando o leitor começa a ler o comando, o qual traz um pequeno 
texto, imagina que irá responder perguntas sobre o texto em si, sobre seu conteúdo, mas o que 
se pede, na verdade, é referente aos aspectos normativos. Em relação a isso  em se utilizar 
textos com a finalidade de pedir ao aluno para que se retire apenas os verbos, por exemplo , 
podemos dizer que é um problema, de certo modo. Nesses casos, é como se os textos fossem 
apenas um “produto acabado” que têm verbos, orações, períodos, etc. O que queremos salientar 
é que o aluno poderá internalizar essa ideia de que ler textos é algo “chato”, uma vez que ele 
não consegue enxergar uma aplicabilidade dessa atividade (de classificar, enumerar, identificar, 
etc.) na sua prática do dia a dia. 
Dessa forma, entendemos que essa questão se enquadra na concepção que tem a 
linguagem como expressão do pensamento, uma vez que conduz o aluno ao caminho de “seguir 
as regras”. No caso da referida questão, foi exigida do aluno apenas a sua habilidade em 
identificar, destacar e enumerar, conforme ditam as prescrições, o que não o possibilita o 
exercício da reflexão. 
Vejamos, agora, a questão que pertence ao capítulo 1 (ortografia) da unidade 3 
(Ortografia e pontuação): 
Para começar, leia as frases a seguir. 
Quem tem aflição (substantivo) está aflito (adjetivo) 
Um órgão que serve para a locomoção (substantivo) é um órgão locomotor (adjetivo) 
Um texto que faz argumentação (substantivo) é argumentativo (adjetivo) 
 
1. Em cada uma dessas frases, aparece um adjetivo e um substantivo pertencentes à mesma família. 
Agora, você fará o mesmo. Escreva o caderno o(s) adjetivo(s) que pertencem à mesma família de cada 
um dos substantivos listados no quadro a seguir. 
 
O exercício exposto acima pede para que o aluno observe o modelo e depois refaça, em 
seu caderno, do mesmo modo como fora colocado no exemplo. Para isso, ele deverá utilizar o 
quadro em destaque. Embora a atividade peça para classificar o que é substantivo e o que é 
adjetivo, o que predomina é a prática de “seguir o modelo”. Esse sistema de “faça de acordo 
com o modelo” é um tanto quanto decadente, pois nele, conforme visto em Perfeito (2005, p. 
36): “focaliza-se o estudo dos fatos linguísticos por intermédio de exercícios estruturais 
morfossintáticos, na busca da internalização inconsciente de hábitos linguísticos, próprios da 
norma culta. ” Isso indica que o conteúdo é abordado de forma isolada e superficial. Assim, 
entendemos que essa questão se adequa à concepção que tem a linguagem como instrumento 
de comunicação. 
Além disso, é importante que se atente para a abordagem que está sendo feita: a relação 
entre os eixos paradigmático e sintagmático. É um assunto que requer um pouco de cautela ao 
ser abordado, pois são coisas diferentes que levam em consideração aspectos diferentes. Por 
exemplo, vamos observar como foram colocadas as palavras nos exemplos acima. O que há de 
comum entre elas são apenas os radicais, pois as terminações são diferentes (ex: aflição/aflito; 
locomoção/ locomotor). Como saber quando é substantivo e quando é adjetivo só pelas 
terminações das palavras? De fato, em alguns casos há a possibilidade de se identificar a classe 
Conjunção edição negação abstração transcrição inspeção imposição 
Instrução erudição relação inscrição adição repetição distinção 
Exceção descrição ação restrição direção condução emoção 
da palavra pela sua terminação, mas veja o caso de aflito e locomotor, as terminações são 
diferentes, será então necessário decorar essas estruturas. Isso significa que o aluno deverá 
seguir o modelo sempre, uma vez que não lhe fora ensinado analisar as relações entre as 
palavras no eixo sintagmático, mas somente as formas do eixo paradigmático. 
Para entender melhor, acontece da seguinte forma: temos a frase “O homem está aflito” 
e “O aflito vem chegando”, note que nos dois casos nós temos a mesma palavra: aflito. Isso 
significa dizer que estamos trabalhando com o eixo paradigmático, pois corresponde à 
morfologia da palavra. No entanto, a sua função não é a mesma nas duas frases. Na primeira, 
“aflito” está com a função de adjetivo, na segunda, com a função de substantivo.Nesse caso, 
estamos lidando com o eixo sintagmático, essa é a grande diferença. O que o professor pode 
fazer para ensinar esse assunto de forma mais efetiva é mostrar ao aluno que a palavra pode 
assumir, a depender do contexto, outra classe de palavra diferente daquela estipulada na entrada 
do dicionário. 
A questão seguinte pertence ao capítulo 2 (Acentuação das palavras) da unidade 3 
(Ortografia e pontuação): 
1. No caderno, copie as palavras a seguir e acentue-as corretamente. Se tiver dúvidas, consulte o 
dicionário. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A atividade acima pede para que o aluno acentue corretamente as palavras, ou seja, 
deve-se classificar o que é “certo” e o que é “errado”. Trata-se de um exercício sobre 
acentuação, logo, deve-se seguir o que preceitua a gramática teórico-normativa. Não vimos 
outras orientações sobre como resolver a questão além da “consulte o dicionário em caso de 
dúvida”. O aluno deverá apenas identificar, localizar e acentuar as palavras, sem refletir sobre 
o porquê daquela acentuação. Nesse caso, a questão se encaixa na concepção que tem a 
linguagem como expressão do pensamento. 
Pacote rainha loja 
familia numero (subst.) mas (porém) 
mas (malvadas) ideia so 
heroi viuvo moi 
abacaxi magoa (subst.) heroico 
beco parabens lampada 
feiura nupcias raizes 
sotãos faceis carater 
orfão imã armazem 
passaro republica pa 
Conforme visto na primeira seção, Soares (1998, p.54) aponta que essa concepção 
tradicionalista da língua foi amplamente utilizada nas décadas de 50 e 60. O aluno era um 
agente passivo que não refletia sobre o uso da língua, pois era capacitado apenas para dominar 
as normas gramaticais. É justamente o que ocorre na referida questão, visto que o aluno, de 
acordo com nosso entendimento acerca da leitura do comando, não tem chances de atuar como 
sujeito ativo desse processo de aprendizagem. 
No entanto, pode-se tentar trabalhar o assunto sobre acentuação de uma outra maneira; 
por exemplo, levar o aluno a entender por que uma palavra é acentuada da forma que é. Um 
bom início seria buscar a origem do léxico e mostrar como era a sua estrutura, a sua pronúncia, 
o que foi modificado etc. O estudo sobre o Latim é de grande valia, nesse caso. Geralmente, os 
professores de Língua Portuguesa têm essa disciplina na sua formação, então por que não a 
utilizar para fazer o aluno refletir sobre o uso e sobre o trabalho com a língua? Assim, ainda 
que a questão sobre acentuação se enquadre na primeira concepção de linguagem, o professor 
poderá abordá-la utilizando-se de outras metodologias, as quais facilitem a compreensão do 
aluno, não o deixando refém do ato de decorar, ou do dicionário. 
Assim, com base nas análises realizadas nessa seção, verificamos que é predominante a 
concepção de linguagem como expressão do pensamento. Isso é negativo, de certa forma, pois 
as atividades voltadas para essa concepção não instigam o processo reflexivo dos alunos. No 
entanto, isso não significa que elas devam ser extintas dos livros didáticos, ou da prática de sala 
de aula. Partimos do pressuposto de que elas podem ser utilizadas, mas de forma equilibrada; 
tudo irá depender do professor. Ele poderá começar a aula, por exemplo, trabalhando com essas 
questões mais direcionadas para a concepção de linguagem como expressão do pensamento e 
terminar trabalhando com questões da concepção de linguagem como forma de interação, ou 
planejar de outra forma, conforme as necessidades da turma, desde que haja uma certa 
proporcionalidade. 
Por fim reformularemos, com base na terceira concepção, a qual tem a linguagem como 
forma de interação, uma das questões analisadas anteriormente. Selecionamos a questão do 
capítulo 1 (período composto) da unidade 2 (Língua e gramática normativa), a qual se enquadra 
na concepção que tem a linguagem como expressão de pensamento: 
1. Releia estas frases. 
I. Eu não comi todo o chocolate! 
II- Só guardei pra depois! 
a) Quantos verbos foram utilizados nessas frases? Copie-os no caderno. 
 
Essa questão é baseada na charge. No entanto, no livro didático, as únicas coisas que 
são retiradas da referida charge são as frases I e II, ou seja, não se aproveitou o gênero “charge” 
para trabalhar com o aluno uma atividade voltada para a linguagem como forma de interação, 
apenas se utilizou dela com o fim de levar o aluno a identificar, classificar e enumerar, conforme 
prega a linguagem como expressão de pensamento. Assim, apresentaremos essa questão 
modificada e, logo após, teceremos nossos comentários acerca dela: 
 
Releia estas frases. 
I. Eu não comi todo o chocolate! 
II- Só guardei pra depois! 
 
a) levando-se em consideração o contexto evidenciado na charge, e com base nas frases I e II, qual é o 
verbo que causa o efeito de humor? Por quê? 
Com base nessa reformulação, essa poderia ser uma possível resposta: 
a) O verbo que causa o efeito de humor na charge é o “guardei”. Se analisarmos a frase de forma isolada, 
sem atentar para a imagem, imaginamos que o garoto, de fato, guardou o chocolate para depois para não 
deixar a mãe furiosa. No entanto, o efeito de humor se dá porque “guardar”, em seu sentido real, significa 
“tomar conta, pôr em um lugar apropriado”. O humor está justamente no entendimento do que seja esse 
“lugar apropriado”, pois para o garoto o lugar é embaixo do seu lençol, mas para a mãe, não! 
Dessa forma, podemos ver qual a diferença entre a questão voltada para a primeira e a 
questão voltada para a terceira concepção. Se antes ela fora utilizada somente com o fim de 
levar o aluno a identificar, destacar e enumerar, agora ele tem a possibilidade de refletir sobre 
o que está sendo pedido. Isso ocorre, pois de acordo com a concepção que tem a linguagem 
como forma de interação, a língua é tida como atividade social. Além disso, conforme visto em 
Perfeito (2005), no ensino da gramática são focalizados o processo reflexivo e a construção de 
sentidos, trabalhando-se, ainda, com a categorização dos gêneros. No caso da questão 
modificada, o aluno é levado a formular sua resposta colocando sua atividade reflexiva em 
prática e, ainda, a recorrer ao seu conhecimento de mundo, ao contexto social no qual está 
inserido. 
4. Considerações finais 
Com base em nossa análise acerca das unidades selecionadas, observamos que houve a 
predominância da concepção que tem a linguagem como expressão do pensamento, visto que a 
maioria das questões dá ênfase à gramática teórico-normativa, na qual o aluno deve reconhecer 
o “certo” e o “errado”. Além disso, verificamos que se deu ênfase ao famoso “seguir as regras”, 
em que não é permitido ao aluno ir além do texto, refletir sobre. O aluno, assim, é tido como 
um agente passivo, sem possibilidade de discutir e de problematizar, pois ele deve seguir 
somente o que está no texto, nada além disso. 
Soares (1998, p.54) aponta que essa concepção tradicionalista da língua foi amplamente 
utilizada nas décadas de 50 e 60. Ao considerar a língua como uma unidade imutável, não se 
tem abertura para o estudo das variações linguísticas, uma vez que isso implicaria “variações” 
de pensamento, algo incabível nesse contexto. 
As regras da gramática normativo-prescritiva expressam uma obrigação e uma avaliação 
de certo e errado. É por isso que, nessa gramática, a concepção que se tem da língua é aquela 
que valoriza a forma de falar e escrever da "norma culta" ou "variedade padrão", sendo o seu 
aprendizado reduzido ao aprendizado da normatização da gramática. 
Isso não quer dizer que o uso de questões dessa concepção esteja totalmente errado. 
Entendemos que o professor deve, também, se valer dessa concepção, mas ela não deve ser o 
único meio utilizado. Ele deve perpassar por ela, assim como pelas demais, porém deve haver 
um certo equilíbrio para que se alcance melhores resultados,sendo o principal: a aprendizagem 
efetiva do educando. Destarte, deve partir do professor essa sede de buscar questões que levem 
o aluno a entender e a refletir sobre o que está sendo aprendido; contribuindo, dessa forma, para 
a sua formação enquanto sujeito individual e social. 
Referências 
BAKHTIN/VOLOCHINOV, M. Marxismo e Filosofia da linguagem. 6.ed. São Paulo: 
Hucitec, 2010. 
GERALDI, J, W. Concepções de linguagem e ensino de português. In: GERALDI, J,W. O 
texto na sala de aula; leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1984 , p.41-49. 
PERFEITO, A, M. Concepções de linguagem, teorias subjacentes e ensino de língua 
portuguesa. In: Concepções de linguagem e ensino de língua portuguesa (Formação de 
professores EAD 18). V. 1. Ed. 1. Maringá: EDUEM, 2005. P.27-75 
SOARES, M. Concepções de linguagem e ensino da Língua Portuguesa. In: BASTOS, N. B. 
(Org). Língua Portuguesa: história, perspectiva, ensino. São Paulo: Educ, 1998. 
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º 
e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996. 
ZANINI, M. Uma visão panorâmica da teoria e da prática do ensino de língua materna. 
Acta Scientiarum. Maringá- Paraná. Volume 21. P. 79-88. 1999.

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