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Stephane D’arc 5° semestre - Medicina Sabemos que a sepse é uma infecção sistêmica. De acordo com a denominação, portanto, conseguimos compreender que a sepse neonatal (SNN) é uma infecção sistêmica que ocorre no recém-nascido (RN), ou seja, nos primeiros 28 dias de vida. A sepse neonatal pode ser classificada como: Precoce (SNNP): ocorre nas primeiras 48 horas de vida Tardia(SNNT): ocorre após as primeiras 48 horas do nascimento. Há divergências literárias em relação ao corte. Alguns definem o corte como sendo 72 horas de vida, outros 1 semana de vida. Porém, para a OMS o ponto de corte para diferenciar sepse neonatal precoce de tardia são 48 horas de vida. Para a SNNP, a infecção está relacionada tanto a fatores gestacionais como: fatores peri-parto, acontecendo intra-útero passagem do RN no canal de parto. Os agentes etiológicos mais envolvidos são, portanto, os microrganismos presentes no trato genital materno, principalmente germes Gram negativos, tendo como principais representantes: Streptococcus agalactiae (Streptococcus do Grupo B - SGB) Escherichia coli Listeria monocytogenes. Para a SNNT, por outro lado, temos como principais fatores associados: a infecção hospitalar procedimentos invasivos realizados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Nesse caso, as bactérias envolvidas em geral são germes Gram positivos: principalmente o Staphylococcus aureus (Eventualmente alguns Staphylococcus coagulase negativos) Enterococcus Fungos (Candida sp.) O diagnóstico de sepse neonatal precoce é difícil, pois suas manifestações clínicas são muito inespecíficas. Sendo assim, o diagnóstico acaba sendo realizado através de 3 pilares: os fatores de risco maternos e neonatais, as manifestações clínicas do RN e os achados em exames complementares. Como a sepse neonatal precoce possui um prognóstico reservado, com quadros clínicos graves que podem evoluir rapidamente até o óbito, muitas vezes realizamos o diagnóstico presuntivo da mesma, apenas com fatores de risco presentes e/ou critérios clínicos, sem a confirmação laboratorial. Dessa forma, possibilitamos um tratamento precoce e mais efetivo, diminuindo a mortalidade associada a sepse neonatal. Sendo assim, consideramos que o diagnóstico clínico de sepse neonatal precoce pode ser realizado pela presença de 3 ou mais sinais clínicos OU o encontro de 2 ou mais sinais clínicos de sepse associados aos fatores de risco. Fatores de risco para SNNP: Fatores de risco maternos: abrange principalmente questões associadas a infecção intra-uterina. Febre materna (>37,5°C) Infecção urinária no parto Colonização por streptococus agalactiae Stephane D’arc 5° semestre - Medicina Ruptura de membranas ovulares durante mais de 18 horas antes do parto Infecção do trato genital (leucorreia, herpes genital) Diagnóstico de corioamnionite A Corioamnionite é uma patologia caracterizada por uma inflamação aguda das membranas e do córion da placenta, usualmente por uma infecção polibacteriana em mulheres que cursaram com rompimento de membranas. Mesmo após a profilaxia intraparto, devemos ficar atentos aos sinais de sepse para a realização da prevenção secundária da doença invasiva por Streptococcus do Grupo B em RN’s. Devemos seguir o algoritmo preconizado pelo Center for disease control (CDC), de 2012. Fatores de risco neonatais: Taquicardia fetal durante o trabalho de parto Prematuridade Apgar 5° min < 7 RN do sexo masculino e o primeiro gemelar a nascer Esqueceu dos parâmetros analisados na escala de apgar? Vou relembrar aqui... Manifestações clinicas da SNNP A SNNP pode ter diversos sinais clínicos completamente inespecíficos, dos quais iremos listar os mais prevalentes! Pode ocorrer: 1. instabilidade térmica, seja ela uma hipotermia (< 36,5°C) ou hipertermia (>37,5°C) 2. Sinais de desconforto respiratório – gemência, batimento de asa do nariz, tiragem e retrações intercostais, taquipneia ou apneia. 3. Alterações neurológicas – hipotonia, convulsões, irritabilidade ou letargia. 4. Manifestações do TGI – recusa alimentar, vômitos, distensão abdominal, icterícia 5. Alterações cutâneas – palidez cutânea, sangramentos (petéquias ou púrpuras), cianose A hemocultura deve ser realizada para o encontrar o microrganismo causador dessa infecção sistêmica no sangue. Obs: a sensibilidade da hemocultura é de 80%, ou seja, em 20% dos casos de SNNP não serão encontrados microrganismos na hemocultura! Sendo assim, deve Stephane D’arc 5° semestre - Medicina ser lançado mão de outros exames laboratoriais para realização desse diagnóstico. Ex. Hemograma completo, em busca de: A neutropenia é um dos achados mais fidedignos de SNNP, que inclusive reflete a sua gravidade, pois demonstra a depressão medular causada pela infecção sistêmica. A relação de neutrófilos imaturos/ total ≥ 0,2 possui um Valor Preditivo Positivo (VPP) para sepse de 95%! A trombocitopenia é um achado mais tardio na SNNP, que também reflete gravidade, estando bastante relacionada ao achado de Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD) durante a sepse. A proteína C reativa (PCR) usualmente é utilizada para o acompanhamento do RN com sepse, esperando-se uma redução da mesma com o tempo de tratamento otimizado através da antibioticoterapia. Temos como arsenal laboratorial também a Procalcitonina, sendo essa mais sensível que a PCR, porém menos disponível na prática clínica. A procalcitonina se eleva mais precocemente diante de infecções bacterianas sistêmicas, normalizando-se também mais precocemente diante do tratamento adequado. Além de avaliar de forma isolada os achados do hemograma, podemos utilizar o Escore Hematológico de Rodwell para avaliar o risco de sepse. O diagnóstico de sepse é muito sugestivo quando o escore é ≥ 3, com alta sensibilidade e especificidade, enquanto o escore < 3 fornece um grande VPN! Existem outros exames complementares que são realizados apenas em algumas situações. Temos como exemplo o líquor, a urocultura e a cultura do aspirado traqueal. O líquor deve SEMPRE ser colhido em RN’s sintomáticos com indicação de antibioticoterapia e em boas condições clínicas que permitam a coleta. Caso o RN não esteja em condições clínicas para coleta do líquor, ele deve ser tratado empiricamente para uma infecção do sistema nervoso central (SNC). A urocultura é difícil de ser colhida no RN, usualmente fazendo-se necessária uma cistostomia por punção suprapúbica para colher a urina. Portanto, devemos realizá-la apenas nos RN sintomáticos com diagnóstico pré-natal de malformação do trato urinário. Sem o diagnóstico pré-natal, não deve ser realizada a urocultura! Por fim, a cultura do aspirado traqueal deve ser feita APENAS nas primeiras 8 horas de vida do RN com intubação orotraqueal (IOT) desde o nascimento, na suspeita de pneumonia congênita. Essa cultura deve ser realizada de forma precoce para que ainda seja possível encontrar o agente etiológico, já que a cultura traqueal é muito sujeita a contaminação, perdendo o seu significado quando a coleta é tardia, quando já existem grandes chances da criança estar contaminada por uma bactéria distinta da subjacente à SNNP. O tratamento antibiótico deve ser realizado de forma precoce e empírica após a coleta de culturas. No tratamento devemos utilizar antibióticos capazes de cobrir Streptococcus agalactiae, o principal agente etiológico, e germes Gram negativos entéricos. Primeira opção: Penicilina Cristalina + Amicacina Segunda opção: Ampicilina + Gentamicina Obs: deve ser feito apenas após a realização de culturas!!! O tratamento deve ser feito por 7 a 10 dias. Utilizar medidas de suporte como: Oxigenoterapia Monitorização Suporte nutricional Stephane D’arc 5° semestre - Medicina A SNNT é responsável por mais de 45% dos óbitos em RN’s após a 2ª semana de vida, cursando com uma mortalidade expressiva, que varia de 20 a 80%. Como foi abordado lá no inicio do resumo, em geral, a SNNT é uma infecção hospitalar, sendo assim seus fatores de risco estão relacionados a mesma. De forma semelhante à SNNP, o diagnóstico da SNNT é pautado em manifestações clínicas inespecíficas associadas aos fatores de risco supracitados e os achados em exames laboratoriais. Dentre os exames laboratoriais, devemos lembrar da neutropenia como um dos achados mais fidedignos de sepse! Na SNNT há uma peculiaridade, pois por ser uma infecção de cunho hospitalar usualmente ocorre em RN’s que estão “invadidos”, com cateter central, umbilical, entubado, em uso de sonda nasoenteral, entre outros. Sendo assim, em suspeita de sepse é mandatório a cultura de TODOS os dispositivos invasivos. Além disso, é obrigatória a coleta de líquor, pois a incidência de meningite na SNNT é elevada, de cerca de 30%. A única exceção é a instabilidade hemodinâmica expressiva, que impeça a coleta do líquor. O tratamento dessa entidade será direcionado para o perfil de resistência das bactérias hospitalares, de acordo com cada instituição, de forma a cobrir tanto os germes Gram positivos como os Gram negativos, e em alguns casos os fungos. Caso o Hospital possua S. aureus meticilinorresistente (MRSA), deve-se utilizar a Vancomicina, em detrimento da Oxacilina (utilizado em casos de MSSA – S. aureus meticilinossensível). Para os Gram negativos, que também devem ser cobertos na SNNT, usualmente utilizados uma Cefalosporina de amplo espectro, como a Cefotaxima e Cefepime. Além disso, também devem ser coberto os fungos, possíveis agentes etiológicos na SNNT. Nesse caso, utiliza-se a Anfotericina B. Caso o diagnóstico seja apenas de SNNT, o tratamento deve ser realizado por 7 a 10 dias. Caso haja alteração de líquor, denotando uma infecção do sistema nervoso central, deve-se realizar a antibioticoterapia por 14 dias, se o agente etiológico por um germe Gram positivo e por 21 dias, caso o agente seja um germe Gram negativo. RN do sexo masculino, nascido de parto vaginal há 1 dia, com 36 semanas gestacionais, pesando 2772g, 45 cm de comprimento, APGAR 8 e 10. A mãe, 29 anos, G2P2nA0, compareceu a maternidade com rotura de membranas há 2 horas, em curso de Infecção do trato urinário em tratamento com nitrofurantoína, sem febre ou nenhum outro sintoma associado. Realizou 6 consultas de pré-natal, sorologias não reagentes e cultura negativa para SGB com IG = 35 semanas. Na manhã seguinte, 12 horas após o parto, o RN começou Stephane D’arc 5° semestre - Medicina a cursar com taquicardia (185 bpm), taquipneia (65 ipm), sem aceitar alimentação e com palidez cutânea. Qual seria o diagnóstico e conduta esperada? O diagnóstico presuntivo de sepse neonatal precoce deveria ser realizado, por se tratar de um quadro com sinais clínicos sugestivos (taquicardia, taquipneia, não aceitação alimentar e palidez cutânea), associado a fatores de risco neonatais (prematuridade, sexo masculino) e maternos (Infecção urinária no parto). Devem ser coletados hemocultura, hemograma e proteína C reativa. Classificamos essa sepse neonatal como precoce, por ocorrer nas primeiras 48 horas de vida. Podemos, nesse caso, iniciar a antibioticoterapia empírica, com Penicilina Cristalina + Amicacina OU a Ampicilina + Gentamicina, por 7 a 10 dias Caso 02: RN do sexo masculino, nascido de parto vaginal há 5 dias, com 29 semanas e 1 dia de IG, pesando 1200g, 28 cm de comprimento, APGAR 2 e 4. Necessitou de reanimação neonatal e ventilação invasiva com IOT. Permanece em cuidados na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), em utilização de acesso venoso central, estável hemodinamicamente. Na manhã de hoje, iniciou quadro de desconforto respiratório, com taquipneia e tiragem intercostal, associado a vômitos e irritabilidade. Qual seria o diagnóstico e conduta esperada? Podemos diagnosticar esse RN com uma sepse neonatal tardia, justamente pela ocorrência dos sintomas após 48 horas de vida. Esse diagnóstico também deve ser presuntivo, pela presença de fatores de risco expressivos (parto prematuro, utilização de instrumentos invasivos, como IOT e acesso venoso central, hospitalização prolongada em UTI), além do sinais clínicos observados (desconforto respiratório, alterações neurológicas e gastrointestinais). Sendo assim, devemos colher hemocultura, hemograma, proteína C reativa e líquor (mandatório em SNNT, se estabilidade hemodinâmica), e iniciar o tratamento empírico, de forma a cobrir germes gram positivos (Oxacilina ou Vancomicina, se MSSA ou MRSA, respectivamente), gram negativos (Cefotaxima ou Cefepime) e fungos, germes comuns na SNNT (Anfotericina B).
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