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SP.4 - HOSPITAL, NUNCA MAIS! MÓDULO: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO 1. CARACTERIZAR E CLASSIFICAR A SEPSE (BASEAR NO SEPSE-3 E ILAS). Sepse pode ser definida como a resposta sistêmica a uma doença infecciosa, seja ela causada por bactérias, vírus, fungos ou protozoários. Manifestando-se como diferentes estágios clínicos de um mesmo processo fisiopatológico, é um desafio para o médico de praticamente todas as especialidades, dada a necessidade de pronto reconhecimento e tratamento precoce. A sepse é uma síndrome extremamente prevalente, com elevada morbidade e mortalidade e altos custos. Seu reconhecimento precoce e tratamento adequado são fatores primordiais para a mudança deste cenário. A implementação de protocolos clínicos gerenciados é uma ferramenta útil neste contexto, auxiliando as instituições na padronização do atendimento ao paciente séptico, diminuindo desfechos negativos e proporcionando melhor efetividade do tratamento. Nos últimos anos tivemos duas novas atualizações do Sepsis Surving Campaign (2016 e 2018). Nessas atualizações muita coisa mudou sobre as definições e diagnóstico de um paciente séptico. Antes da atualização de 2016, sepse era considerada uma resposta inflamatória sistêmica (SIRS) secundária à resposta do hospedeiro a uma infecção suspeita ou documentada de qualquer etiologia. SEPSIS-2: Nesta condição, a infecção desencadearia uma resposta imunológica exacerbada com disfunções orgânicas longe do foco ou sítio infeccioso. Abaixo, alguns conceitos importantes de acordo com as definições de 2012: SEPSE: Resposta inflamatória sistêmica relacionada à infecção documentada ou presumida | Infecção + SIRS >= 2 SEPSE GRAVE: sepse associada à disfunção orgânica CHOQUE SÉPTICO: sepse com hipotensão refratária à reposição volêmica A síndrome da resposta inflamatória sistêmica é definida pela presença de no mínimo dois dos sinais abaixo: • temperatura central > 38,3º C ou < 36ºC OU equivalente em termos de temperatura axilar; • frequência cardíaca > 90 bpm; • frequência respiratória > 20 rpm, ou PaCO2 < 32 mmHg • leucócitos totais > 12.000/mm³; ou < 4.000/mm³ ou presença de > 10% de formas jovens (desvio à esquerda). A SRIS não faz mais parte dos critérios para definição da presença de sepse mas continua tendo valor como instrumento de triagem para a identificação de pacientes com infecção e, potencialmente, sob risco de apresentar sepse ou choque séptico SEPSIS-3: Em 2014, uma força-tarefa de estudiosos em patobiologia da sepse, fora designada para reavaliar e reformular os antigos critérios e definições de sepse, publicada como Sepsis-3. A principal mudança é que agora TODA sepse tem disfunção orgânica associada. Isso fez com o conceito de SIRS para diagnosticar e definir sepse fosse deixado de lado, porém seus componentes (febre, taquicardia, taquipneia e leucocitose com desvio para a esquerda) ainda possam ser utilizados na prática clínica para diagnóstico de infecção grave. Outra mudança importante foi a retirada do conceito de sepse grave, por se entender que sepse por si só já se configura numa situação de alta gravidade com a presença de disfunção orgânica. Como então avaliar a disfunção orgânica de um paciente? Diante dessa questão, sugeriu-se a utilização do Sequential Sepsis-related Organ Failure Assessment (SOFA), um score que avalia disfunção de sistemas do corpo através de exames laboratoriais. Foi encontrada então a correlação de que um aumento ≥ 2 na pontuação do SOFA estava associada com disfunção orgânica com risco de mortalidade de 10%, aproximadamente. Abaixo vocês podem conferir os critérios do SOFA: Entretanto, para utilizarmos esse critério, para definir sepse, nos limitamos a exames laboratoriais para traçarmos nossas condutas. Dessa forma, a força- tarefa propôs um uma modificação no SOFA, o quick SOFA (qSOFA), que avalia 3 critérios para avaliar precocemente pacientes graves com suspeita de sepse em ambientes de emergência, ou à beira-leito. Considera-se como alterado um qSOFA ≥ 2: FR >= 22 ipm PAS <= 100 mmHg Alteração do nível de consciência Com o SEPSIS-3 surgiram novas definições de sepse choque séptico: Sepse: Disfunção orgânica com risco de vida, causada por uma resposta desregulada do hospedeiro à infecção (definida como um score SOFA ≥2 pontos) Choque séptico: Sepse associada à persistência de hipotensão, necessitando de vasopressores para manter PAM ≥ 65mmHg e com um nível de lactato sérico >2mmol/L apesar da reposição volêmica adequada Como diagnosticar sepse? De acordo com o Sepsis-3, o diagnóstico atual na emergência se dá dessa forma: Pacientes com infecção devem ser averiguados os critérios do qsofa. Se qSOFA >= 2, deve-se realizar os exames do SOFA. Se SOFA >=2, paciente está com um quadro séptico e deve ser adotado o 1-Hour Bundle para manejar inicialmente o quadro. ISLA: A despeito do uso da nova nomenclatura, o ILAS optou por alinhar o processo de triagem dos pacientes com a SSC (Surviving Sepsis Campaign, Campanha de Sobrevivência a Sepse). A síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SRIS), embora não utilizada para a definição de sepse, continua sendo importante para a triagem de pacientes com suspeita de sepse. Da mesma forma que a SSC, o ILAS não mudou os critérios usados para definir disfunção orgânica, mantendo a hiperlactatemia como um deles. O critério para definição de choque séptico também não foi alterado. Sepse: adotou-se a definição de sepse lato senso do Sepse 3, presença de disfunção ameaçadora à vida em decorrência da presença de resposta desregulada à infecção. Entretanto, não adotamos os critérios clínicos para definição de disfunção orgânica do Sepse 3, variação do escore SOFA, por entender que os mesmos https://www.sanarmed.com/sepse-fluxograma não são aplicáveis em iniciativas de melhoria de qualidade. Manteve-se os critérios utilizados anteriormente, inclusive a hiperlactatemia, por entendermos que a mortalidade em países em desenvolvimento ainda é muito elevada e a identificação precoce destes pacientes é parte fundamental do objetivo deste protocolo. As principais disfunções orgânicas são: • Hipotensão (PAS < 90 mmHg ou PAM < 65 mmHg ou queda de PA > 40 mmHg) • Oligúria (≤0,5mL/Kg/h) ou elevação da creatinina (>2mg/dL); • Relação PaO2/FiO2 < 300 ou necessidade de O2 para manter SpO2 > 90%; • Contagem de plaquetas < 100.000/mm³ ou redução de 50% no número de plaquetas em relação ao maior valor registrado nos últimos 3 dias; • Lactato acima do valor de referência; • Rebaixamento do nível de consciência, agitação, delirium; • Aumento significativo de bilirrubinas (>2X o valor de referência). A presença de disfunção orgânica na ausência dos critérios de SRIS pode representar diagnóstico de sepse. Assim, na presença de uma dessas disfunções, sem outra explicação plausível e com foco infeccioso presumível, o diagnóstico de sepse deve ser feito, e o pacote de tratamento iniciado, imediatamente após a identificação. 2. EXPLICAR A FISIOPATOLOGIA DA SEPSE. Sepse é uma Síndrome de Resposta Infamatória, que pode ser definida como a resposta sistêmica a uma doença infecciosa (provável ou confirmada), seja ela causada por bactérias, vírus, fungos ou protozoários (definição antiga) ou uma resposta desregulada a infecção levando a disfunção orgânica (definição atual). Não é o mesmo que choque séptico, que é uma sepse que evoluiu com hipotensão não corrigida com reposição volêmica (PAM ≤65 mmHg), de forma independente de alterações de lactato. A sepse vem adquirindo crescente importância devido ao aumento de sua incidência seja pela melhoria no atendimento de emergência, fazendo com que mais pacientes gravessobrevivam ao insulto inicial; aumento da população idosa e do número de pacientes imunossuprimidos, criando assim uma população suscetível para o desenvolvimento de infecções graves. Além disso, o crescimento da resistência bacteriana também contribui para esse aumento. A comprovação da existência de um foco inicial ou da presença de microrganismos também não é condição necessária à definição, uma vez que havendo a presunção de um foco, que acarrete em resposta inflamatória sistêmica ou disfunção orgânica, faz-se o diagnóstico de sepse. Quadro clínico é bem diverso, variando com gravidade, foco infeccioso, idade do paciente e comorbidades. Os achados gerais: febre, hipotensão, taquicadia, aumento do tempo de enchimento capilar, taquipneia, dispneia, agitação, confusão mental, oligúria, desconforto abdominal, icterícia e outros. Etiologia: Gram negativos - 62% das culturas positivas (Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Klebsiella sp); Gram positivos 47% das culturas positivas (Staphylococcus aureus e Steptococcus pneumoniae). Os principais focos são respiratório, urinário e abdominal. Para que a infecção possa acarretar sepse, ela depende de alguns fatores como: O tipo de agente infectante, sua densidade e virulência. Os mecanismos de defesa inata e adquirida, locais e sistêmicas. Sendo que, os determinantes genéticos são importantes, embora ainda não estejam bem estabelecidos. O ambiente em que ocorre a infecção, tal como a existência de tecidos isquêmicos e necrosados. A quebra de barreiras anatômicas, lesão orgânica ou a simples redução da competência imunológica de um indivíduo possibilitam a invasão microbiana de tecidos. Cada micro-organismo tem um caráter molecular próprio, como os lipopolissacarídeos de membrana das bactérias Gram-negativas, açúcares da parede celular de fungos, etc. Esse caráter é denominado de Padrão Molecular Associado ao Patógeno (PAMPS). Uma vez que invadem e multiplicam-se nos tecidos, esses patógenos são identificados por elementos do sistema imune inato através destes padrões moleculares. As células do sistema imune inato como macrófagos, neutrófilos, linfócitos T:γδ, reconhecem elementos moleculares através de receptores que reconhecem padrões moleculares chamados Toll-Like receptors ou TLRS. Macrófagos e células dendríticas, uma vez ativadas, produzem grandes quantidades de citocinas (TNF, IL1β, IL6, IL2) capazes de promover inflamação tecidual. Na sepse grandes quantidades de fator de necrose tumoral (TNF) levam à sintomas sistêmicos, aumento do metabolismo, hipotensão arterial e trombofilia. Além disso, a explosão respiratória (respiratory brust), no interior de macrófagos e neutrófilos ativados, é responsável pela liberação de óxido nítrico, cujo efeito vasodilatador e hipotensor irá contribuir para o choque séptico. A lesão celular e tecidual produz liberação de moléculas endógenas, conhecidas como Danger Associated Molecular Patterns (DAMPs) que são capazes de ativar a resposta imune, de forma independente dos patógenos e exercem papel de relevância na sepse. Entre estas se destacam Heat Shock Proteins, HGMB1, heparan sulfato, fibrinogênio, entre outras. A interação do sistema imune com as DAMPs constitui a base molecular da SIRS. . Em conjunto, haverá uma sequência de eventos genéticos, bioquímicos e clínicos: haverá febre, adinamia, bem como sintomas gerais de inflamação/infecção (por ação das citocinas sobre o hipotálamo), elevação da proteína Creativa e complemento (por ação de citocinas sobre o fígado), ativação endotelial com disfunção microcirculatória, aumento da permeabilidade vascular, ativação da cascata das cininas, microtrombose e redução da resistência vascular sistêmica. Além disto, um aumento significativo da taxa metabólica em seis a sete vezes, com balanço nitrogenado negativo, favorece a perda progressiva de massa leve. Um indivíduo com sepse pode perder cerca de 10% do peso corporal em poucas semanas de doença. A redução do retorno venoso, hipotensão e redução do débito cardíaco, além da trombose microvascular associados produzem menor oferta de oxigênio aos tecidos (DO2) e anaerobiose, com aumento progressivo da lactacidemia. A elevação do lactato sérico é indício de baixa perfusão tecidual e este associada à alta mortalidade na sepse. O lactato sérico, portanto, pode ser usado como marcador de gravidade bem como no manejo clínico da sepse, dado que medidas terapêuticas instituídas para promover a depuração de lactato sérico precocemente, estão associadas a melhor prognostico do paciente séptico. Uma modificação do controle genético na cadeia oxidativa mitocondrial estabelece redução do aproveitamento de oxigênio ofertado aos tecidos, fenômeno conhecido como hipóxia citopática33. A redução da DO2 tecidual é um fator fortemente associado às disfunções orgânicas da sepse e, quando otimizada precocemente, há significativa redução da morbimortalidade da sepse grave e choque séptico. Mas aumentos supranormais da DO2 não produzem incrementos maiores na sobrevida, nem tão pouco, maiores efeitos sobre o aspecto hemodinâmico em função da hipóxia citopática. Vários sistemas podem ser acometidos, mas os mais comumente afetados são 2: o cardiovascular e o respiratório. Sistema Respiratório O pulmão é um dos órgãos mais acometidos durante um quadro de Sepse e isso se deve ao fato de a reação inflamatório nos capilares alveolares levarem a uma lesão endotelial e consequente acúmulo de líquido nos espaços alveolares o que gera edema e atrapalha o processo de trocas gasosas. Sistema Cardiovascular Com a inflamação generalizada, o paciente também acaba apresentando uma importante vasodilatação periférica. Dessa forma, em uma primeira fase da doença, conhecida como “fase quente”, o coração tenta compensar o quadro aumentando seu débito cardíaco (DC), mas na maioria das vezes isso é insuficiente. Com toda essa sobrecarga, então, a doença costuma evoluir para a “fase fria”, na qual o corpo não consegue mais manter o DC aumentado e nem uma saturação periférica adequada (choque). Em resumo: Todos os mediadores envolvidos na geração de resposta inflamatória acabam por levar a três fenômenos fundamentais: a lesão do endotélio capilar com extravasamento de líquidos; a vasodilatação, com queda da resistência vascular sistêmica (RVS); e a microtromboses por ativação da coagulação e fenômenos de adesão de leucócitos ao endotélio. O efeito conjunto dessas alterações acarreta em má distribuição do fluxo sanguíneo aos tecidos, resultando em choque com débito cardíaco elevado e baixa RVS. Em razão desses fatos, o choque séptico é classificado como choque distributivo, caracterizado por hiperdinamismo cardiocirculatório e inabilidade dos tecidos em extrair oxigênio de forma eficiente, do sangue circulante. 3. MANEJO SEPSE (PACOTE 1H E 3H). Desde o início da Surviving Sepsis Campaign, o que mais pode se aprender é que o tratamento da sepse apresenta seis pilares importantes: pacote de 6 horas 1. Reconhecimento precoce. 2. Coleta de culturas. 3. Coleta de lactato. 4. Antibioticoterapia da primeira hora. 5. Fluidoterapia. 6. Ressuscitação precoce guiado por metas. Uma vez tendo levantado a suspeita de Sepse, a gente deve manejar o paciente o mais rápido possível e isso envolve, logo de cara, monitorizá-lo e garantir acesso vascular, sendo que por esse nós já devemos colher os exames necessários para definir o SOFA- critério que define se há disfunção orgânica por meio de dados-, ou seja: Gasometria arterial Hemograma Plaquetograma Coagulograma Bilirrubina Creatinina Além disso, é importante investigar o foco infeccioso e por isso deve ser solicitado também 2 hemoculturas desítios diferentes e culturas de todos os sítios pertinentes. Esses exames precisam ser feitos antes do início da terapia medicamentosa, contudo, não podemos atrasar a conduta inicial esperando o resultado! A antibioticoterapia deve ser instituída de imediato (antes da primeira hora após o atendimento ao paciente), preferencialmente após a coleta das culturas – como dito anteriormente. A cada hora de atraso no início na antibioticoterapia, a mortalidade aumenta cerca de 4%. A escolha de qual medicação deve ser usada vai variar de acordo com o foco suspeito de infecção, uso prévio de antibióticos, internação recente, comorbidades e/ ou imunossupressão, dispositivos invasivos e os padrões de resistência dos microrganismos locais. A escolha inicial deve incluir uma cobertura de amplo espectro (com um único agente ou uma combinação de agentes), sendo que o espectro deve ser reduzido quando os patógenos tive rem sido isolados e as sensibilidades estabelecidas, ou quando a evolução clínica permitir. Sendo importante salientar que nem sempre é possível isolar o patógeno na cultura, mas é importante realizar para guiar um possível tratamento posterior. Com base nisso, assim que forem colhidos os exames para investigação de foco, a gente deve iniciar o pacote de 1h proposto pela Campanha de Sobrevivência à Sepse em 2018. Basicamente, o que ele nos diz é que nós temos 1h desde a triagem do paciente para realizar toda a abordagem inicial à Sepse. Sendo assim, para todos os pacientes nós vamos colher o Lactato, podendo ser arterial ou misto - inclusive, isso já deve ser feito juntamente com a gasometria lá em cima. Associado a isso, se o paciente estiver com sinais de hipotensão e/ou lactato 2x maior do que o valor de referência (2mmol/L ou 18mg/dL), aí está indicado fazer reposição volêmica no paciente através da infusão de cristaloide, 30mL/kg por 3h, se atentando ao fato de que cada paciente deve ser individualizado, pois nem todos suportam a mesma reposição de fluidos devido a comorbidades prévias ou estrutura física. A avaliação do estado hemodinâmico deve ser feita com a monitorização da frequência cardíaca, da pressão arterial, exame cardiovascular, tempo de enchimento capilar e avaliação da pele e mucosas. Em pacientes com sinais de hipoperfusão a despeito das medidas de ressuscitação volêmica, ou pacientes que não possam receber muito volume – como pacientes com insuficiência cardíaca - podem ser introduzido o uso de drogas vasoativas para auxiliar na estabilização do quadro. Passado tudo isso, o paciente deve ser internado e continuar com a monitorização e com o tratamento para a infecção. Por fim, para aqueles que apresentaram hiperlactatemia, é importante mensurar o lactato mais uma vez entre 2-4h após a aplicação do protocolo para reavaliar o estado do paciente. Pacote da primeira hora: Coleta de culturas antes do início dos antimicrobianos; Coleta do lactato arterial (juntamente com os demais exames para avaliar disfunção orgânica); Início dos antimicrobianos; Início da expansão volêmica com 30ml/kg de cristaloides nos pacientes hipotensos ou com hiperlactatemia (≥ 4mmol/L); Início de vasopressores durante ou após a expansão volêmica, com alvo de manter a PAM ≥ 65mmHg. Até então, ninguém provou que definitivamente o corte de uma hora para execução do pacote de fato ajudaria os pacientes, e muitas são as preocupações de que isso poderia não demonstrar utilidade ou até mesmo causar mal. Há poucas evidencias para apoiar o pacote como um todo, uma vez que ele não foi testado amplamente em ensaios clínicos. O pacote de uma hora poderia causar mal a alguns pacientes sépticos. A ressuscitação agressiva com fluidos pode ser danosa principalmente para os pacientes sépticos que apresentam outras comorbidades, como insuficiência cardíaca congestiva ou doença renal crônica, em estágio terminal. Além disso, a abordagem de uma hora pode dividir a atenção de outros pacientes que comprovadamente se beneficiam de uma abordagem tempo dependente (como os pacientes com infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico ou asfixia, etc). Pacote das primeiras 6 horas: Garantir que foi realizada expansão volêmica de 30ml/kg de cristaloides nos pacientes hipotensos ou com hiperlactatemia (≥ 4mmol/L), dentro de um período de 3h. Realizar reavaliações clínicas frequentes com atenção especial ao status hemodinâmico do paciente, com objetivo de garantir uma PAM ≥ 65 mmHg, utilizando de alíquotas adicionais de volume e/ou início ou adição de vasopressores. Outras recomendações: Uso de corticoides: A utilização de coriticóides é recomendada para pacientes com choque séptico refratário, ou seja, naqueles em que não se consegue manter a pressão arterial alvo, a despeito da ressuscitação volêmica adequada e do uso de vasopressores. A droga recomendada é a hidrocortisona na dose de 50 mg a cada 6 horas. Ventilação mecânica: A intubação orotraqueal não deve ser postergada, em pacientes sépticos, com insuficiência respiratória aguda e evidências de hipoperfusão tecidual. Os pacientes que necessitarem de ventilação mecânica devem ser mantidos em estratégia de ventilação mecânica protetora, devido ao risco de desenvolvimento de síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). Controle glicêmico: Os pacientes na fase aguda de sepse cursam frequentemente com hiperglicemia, secundária a resposta endocrino-metabólica ao trauma. O controle adequado da glicemia é recomendado por meio da utilização de protocolos específico, visando uma meta abaixo de 180 mg/dL, evitando-se episódios de hipoglicemia e variações abruptas da mesma. Transfusão: Reservada para pacientes que estejam com Hb<7G/dl, exceto se houver sinais de choque hemorrágico concomitante ou isquemia miocárdica ativa. Nutrição: A dieta (oral ou enteral) deve ser iniciada nas primeiras 48h. Na primeira semana evitar fornecer todo aporte calórico, manter 500cal por dia e ir progredindo a dieta conforme tolerado. 4. CLASSIFICAR ITU, IDENTIFICAR OS FATORES DE RISCO E MANIFESTAÇÕES CLÍNICA, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E COMPLICAÇÕES. A infecção do trato urinário (ITU) é uma patologia extremamente frequente, que ocorre em todas as idades, do neonato ao idoso, mas principalmente durante o primeiro ano de vida, devido ao maior número de malformações congênitas, especialmente válvula de uretra posterior. A partir deste período, durante toda a infância e principalmente na fase pré- escolar, as meninas são acometidas por ITU 10 a 20 vezes mais do que os meninos. Na vida adulta, a incidência de ITU se eleva e o predomínio no sexo feminino se mantém, com picos de maior acometimento no início ou relacionado à atividade sexual, durante a gestação ou na menopausa, de forma que 48% das mulheres apresentam pelo menos um episódio de ITU ao longo da vida. Na mulher, a susceptibilidade à ITU se deve à uretra mais curta e a maior proximidade do ânus com o vestíbulo vaginal e uretra. No homem, o maior comprimento uretral, maior fluxo urinário e o fator antibacteriano prostático são protetores. O papel da circuncisão é controverso, mas a menor ligação de enterobactérias à mucosa do prepúcio pode exercer proteção contra ITU. A partir da 5ª a 6ª década, a presença do prostatismo torna o homem mais suscetível à ITU. A ITU é classificada como não complicada quando ocorre em paciente com estrutura e função do trato urinário normais e é adquirida fora de ambiente hospitalar. As condições que se associam à ITU complicada incluem as de causa obstrutiva (hipertrofia benigna de próstata, tumores, urolitíase, estenose de junção uretero-piélica, corpos estranhos, etc); anátomo-funcionais (bexiga neurogênica, refluxovesico-ureteral, rim-espongiomedular, nefrocalcinose, cistos renais, divertículos vesicais); metabólicas (insuficiência renal, diabetes mellitus, transplante renal); uso de cateter de demora ou qualquer tipo de instrumentação; derivações ileais. A avaliação urológica em ITU deve ser indicada em neonatos e crianças, infecção persistente após 72 h de terapia, ITU recorrente em homens ou em transplantados renais e também em mulheres com reinfecções frequentes. Existe consenso de que os micro-organismos uropatogênicos como a Escherichia Coli colonizam o cólon, a região perianal, e nas mulheres, o intróito vaginal e a região perianal. Posteriormente, processa- se a ascensão facultativa para bexiga e/ou rins, pois em condições normais há competição entre estes microorganismos com a flora vaginal e perineal. O espectro clínico de ITU é muito amplo reunindo diferentes condições: Cistite: a aderência da bactéria à bexiga leva ao quadro de cistite bacteriana, ou infecção do trato urinário “baixo”. A contagem de bactérias deveria permitir uma clara distinção entre contaminação e infecção. Entretanto, a utilidade e consistência do critério de Bacteriúria significante como 105 unidades formadoras de colônias por mililitro (UFC/mL) para o diagnóstico de ITU tem sido frequentemente questionadas. A valorização dos sintomas de ITU, deve prevalecer, e, portanto, nos casos sintomáticos, contagens 104 UFC/mL ou até menores, dependendo do germe, podem sugerir ITU. Pielonefrite (PN) aguda: também denominada de infecção do trato urinário “alto” ou nefrite intersticial bacteriana, por refletir alterações anatômicas e/ou estruturais renais, decorrentes de um processo inflamatório agudo acometendo o rim e suas estruturas adjacentes. A PN aguda não complicada pode acometer as mesmas mulheres que desenvolvem cistite, mas a proporção de PN para cistite é de 18:1 ou 28:1. Clinicamente, a PN costuma se diferenciar da cistite pela presença de sintomas clínicos mais exuberantes e sistêmicos. Bacteriúria de baixa contagem: Baixa contagem pode significar contaminação, mas na grande maioria dos casos os germes isolados são típicos de ITU, como E. coli, outros gram-negativos ou o Staphylococcus saprophyticus. Portanto, a baixa contagem pode também refletir: a) fase precoce de ITU em andamento; b) diluição urinária devido a maior ingestão de líquidos; c) crescimento lento de certos uropatógenos como o Staphylococcus saprophyticus ou ainda d) síndrome uretral. Bacteriúria assintomática: Presença de bacteriúria na ausência de sintomas. Para considerá-la significante e diferenciá-la de contaminação são necessárias pelo menos duas uroculturas em que o mesmo germe foi isolado e com contagem ≥ 105 UFC/mL ou próximas a este valor. Para ITU por S. saprophyticus ou Cândida, “cutoff” (valor de corte) de 104 UFC/mL é aceito. O tratamento desta condição é controverso. Síndrome Uretral ou Síndrome Piúria-Disúria ou “Abacteriúria sintomática”: diferentemente da condição anterior, os sintomas de disúria e maior frequência urinária são exuberantes, mas não se acompanham de urocultura positiva e sim por sedimento urinário normal ou com leucocitúria (leucocitúria estéril). Podem significar: a) infecções por germes fastídicos ou não habituais (não crescem nos meios de cultura habituais) como a Chlamydia trachomatis, Ureaplasma urealyticum, Neisseria gonorrhoeae, Mycoplasma, Mycobacteria, Trichomonas, Candida; b) abscesso renal sem drenagem para o trato urinário; c) tuberculose do trato urinário, mais frequente nos últimos anos; d) amostras urinárias obtidas durante tratamento ou durante uso de agentes antisépticos. É muito importante o diagnóstico diferencial com vaginites, vulvites, uretrites e outras causas de cistite não bacteriana como as virais, fúngicas, por tumores, corpos estranhos, radiação, químicas (ciclofosfamida, etc), imunológicas, entre outras. Ressalta-se também a necessidade de diagnóstico diferencial com Cistite Intersticial decorrente de um defeito nos glicosaminoglicanos da camada de mucina que reveste o uroepitélio vesical e cujo diagnóstico só é realizado através de cistoscopia com achado de úlceras de Hunner ou glomerulações. Contaminação: É mais provável em presença de baixíssimas contagens bacterianas ou crescimento de mais de um microorganismo. Streptococcus α- hemolíticos, Lactobacilos, Gardnerella, espécies de Corynebacteria são considerados contaminantes vaginais e uretrais. Infecção polimicrobiana verdadeira é rara, exceto em pacientes com derivações ileais, bexiga neurogênica, fístula vesicocólica, abscessos crônicos ou catéteres de demora. EPIDEMIOLOGIA As infecções urinárias são a causa mais frequente de infecção bacteriana em mulheres. Estima-se que ocorram cerca de 150 milhões de infecções do trato urinário em todo o mundo anualmente, resultando em um custo de cerca de 6 bilhões de dólares em cuidados diretos. A frequência de bacteriúria é de cerca de 1 a 2% nos neonatos. Nessa idade os meninos têm mais infecções do que as meninas. A circuncisão diminui o risco de infecção. Depois do 1o ano de vida as infecções são mais comuns nas mulheres. Dos 5 aos 18 anos a prevalência é de 1,2% nas meninas e de 0,03% nos meninos. A incidência nas meninas é de 0,4% ao ano e é linear durante a idade escolar, não sendo afetada pela menarca. A incidência aumenta em mulheres durante a adolescência, ocorrendo com uma incidência de 0,5 a 0,7% por ano. A incidência em homens é de 5 a 8 casos por 10 mil pacientes. Infecções recorrentes ocorrem em 25 a 30% das mulheres após o primeiro episódio. A recorrência geralmente é causada pela reinfecção por uma nova cepa (80% dos casos) em vez de recorrência pela mesma cepa. As infecções recorrentes não complicadas geralmente não causam sequelas. Entre as infecções complicadas, as que ocorrem em ambiente hospitalar associadas a cateter são as únicas que tem dados epidemiológicos acurados, correspondem a 40% de todas as infecções hospitalares e são o tipo mais comum de infecção hospitalar. De modo geral, cerca de 10% dos pacientes submetidos à cateterização das vias urinárias de curta duração desenvolve infecção, o que resulta em 1,5 milhão de infecções do trato urinário associadas a cateter nos Estados Unidos por ano. As infecções do trato urinário são a causa mais frequente de sepse por gram-negativo nos pacientes internados; cerca de 50% das infecções hospitalares se originam de infecções associadas à cateterização ou outros procedimentos urológicos. Os agentes etiológicos que causam ITU são enterobactérias, Pseudomonas, estafilococos, enterococos e fungos. Lactobacilos, estreptococos alfa- hemolíticos e anaeróbios são considerados contaminantes. A E. coli é responsável por 80 a 90% das infecções e o Staphylococcus saprophyticus por 10 a 20% dos casos em mulheres jovens. Outras enterobactérias, como Klebsiella, Enterobacter e Proteus e estreptococos dos grupos Be D, são incomuns. Quando a infecção é adquirida por paciente internado, a prevalência de E. coli diminui, embora ainda seja a causa mais frequente, e cresce a incidência de Pseudomonas, Klebsiella, Enterobacter, Enterococcus faecalis e fungos, principalmente Candida sp, particularmente em pacientes cateterizados ou em uso de antibióticos. Corynebacterium do grupo D2 tem sido reconhecido como um agente hospitalar importante. Nas infecções recorrentes, especialmente na presença de alterações estruturais, como uropatias obstrutivas, alterações congénitas, bexiga neurogênica e fístulas, a incidência de Proteus, Pseudomonas, Klebsiella, Enterobacter, enterococos e estafilococos aumenta, assim como a possibilidades de se isolar mais de um agente. Uma vez que a instrumentação e cursos repetidos de tratamento são frequentes,isolados resistentes são esperados. Adenovirus (particularmente tipo II) tem sido implicado como agente causal das cistites hemorrágicas em pacientes pediátricos e em receptores de transplante de medula óssea. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações clínicas das infecções do trato urinário são facilmente identificadas. Os sintomas da cistite são polaciúria, disúria, desconforto suprapúbico, urina turva e, ocasionalmente, hematúria macroscópica. A febre, em geral, está ausente. Esses sintomas são causados pelo processo inflamatório da mucosa da bexiga e da uretra causada pela invasão bacteriana. É importante lembrar que as uretrites apresentam sintomas semelhantes, causando, muitas vezes, dificuldade na distinção entre essas duas entidades. A pielonefrite também apresenta sintomas bastante característicos, incluindo febre com ou sem calafrios, dor lombar e dor à punho-percussão da região lombar (sinal de Giordano) acompanhada por sintomas de cistite. Algumas vezes, os sintomas do trato inferior antecedem o aparecimento de febre e dos sintomas de pielonefrite. A cólica renal e a hematúria que ocorrem durante o deslocamento de um cálculo podem simular uma pielonefrite, porém os pacientes geralmente não tem febre e a dor é mais intensa, com a clássica irradiação para fossa ilíaca. Muitas vezes, os sintomas de pielonefrite são menos característicos apresentando-se apenas como dor ou desconforto lombar ou dor abdominal epigástrica com irradiação lombar dificultando o diagnóstico clínico e sugerindo alterações na vesícula biliar ou mesmo apendicite. As manifestações em crianças dependem da idade do paciente. Em recém-nascidos e crianças com menos de 2 anos eles são inespecíficos, podendo cursar com retardo de crescimento, vômitos e febre. Crianças maiores que 2 anos geralmente apresentam sintomas clássicos de cistite ou pielonefrite. Refluxo é encontrado em 30 a 50% das crianças com bacteriúria sintomática ou assintomática. O refluxo é causado pelo aumento da pressão na bexiga, originado pelo retardo do desenvolvimento da junção uretrovesical, ureter intravesical curto ou inflamação da junção vesicoureteral. Em geral, as infecções do trato urinário em crianças que não apresentam obstruções têm um bom prognóstico. As crianças com obstruções podem evoluir com um dano importante do parênquima renal. Os pacientes idosos apresentam os mesmos sintomas dos adultos jovens, sendo frequente a queixa de incontinência. Em muitos, porém, a infecção urinária tende a ser oligo ou assintomática visto que muitos pacientes idosos já apresentam polaciúria e incontinência mesmo sem infecção. Os sintomas de pielonefrite aguda geralmente melhoram depois de alguns dias do início do tratamento específico; nos casos em que isso não ocorre deve-se suspeitar de pielonefrite enfisematosa ou abscessos renais ou perinefréticos. Pacientes cateterizados geralmente não apresentam sintomas de cistite, porém dor lombar e febre podem ocorrer quando ocorre pielonefrite; é importante lembrar que a infecção urinária em pacientes com cateter vesical é a principal causa de sepse por gram- negativo e que a bacteriemia pode ocorrer na ausência de sintomas urinários. A pielonefrite geralmente não leva a alterações da função renal, exceto uma diminuição temporária na capacidade de concentrar a urina devido a um aumento das prostaglandinas induzido pela infecção. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL O exame microscópico da urina é o primeiro passo para o diagnóstico laboratorial das infecções do trato urinário. O exame dos elementos e sedimentos da urina (ou sumário de urina ou parcial de urina ou urina I com sedimento) irá fornecer informações que, associadas à clinica, auxiliam no diagnóstico. O exame é realizado com urina coletada de jato médio de forma asséptica. Nessas condições, considera-se que a presença de 10 ou mais leucócitos (piócitos) por campo de gran de aumento indicativo de piúria. A presença de piúria é altamente sensível (95%), porém apresenta uma especificidade relativamente baixa (71%) para infecção. Outro dado importante do exame de urina é a presença de hematúria que frequentemente está presente. É importante lembrar, todavia, que a hematúria macro ou microscópica também pode ocorrer na presença de cálculos, tumores, glomerulonefrite, vasculites ou tuberculose renal. A presença de cilindros também pode ocorrer na pielonefrite. A observação de pelo menos uma bactéria ao exame microscópico geralmente indica a presença de pelo menos 105 UFC/mL (sensibilidade de 40 a 70% e especificidade de 85 a 95%). Existem vários métodos indiretos para detecção de bacteriúria para diagnóstico presuntivo. O teste mais comum é de detecção de nitritos que é formado quando a bactéria reduz o nitrato que normalmente está presente na urina. Esses testes têm uma sensibilidade de 75% e especificidade de 82%. A cultura de urina trará informações importantes quanto à etiologia da infecção. Embora a urina presente na bexiga seja normalmente estéril, a uretra e as áreas periuretrais são colonizadas; assim, mesmo amostras coletadas com técnica asséptica frequentemente estão contaminadas. A cultura quantitativa da urina separa estatisticamente a contaminação da infecção urinária. Pacientes com infecção geralmente tem urina na bexiga com pelo menos 105 UFC/mL, portanto a urina coletada terá também pelo menos 105 UFC/mL. Entretanto, é importante lembrar que cerca de 25% das mulheres jovens com infecção urinária tem menos de 105 UFC/mL. É importante frisar que isso também pode ocorrer quando a infecção é causada por bactérias que não as enterobacteriacias, como cocos gram-positivos, bactérias de crescimento lento e fungos. Embora o critério de 105 UFC/mL seja um critério clássico e ainda amplamente aceito como definidor de infecção, a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas (IDSA) define como cistite a contagem de colônias acima de 103 UFC/mL (sensibilidade de 80% e especificidade de 90%) e para pielonefrite acima de 104 UFC/mL (sensibilidade de 90% especificidade de 95%). Adicionalmente, é importante obter o antibiograma, principalmente para o manejo das infecções complicadas, recorrentes ou de origem hospitalar. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Em mulheres, processos infecciosos como vulvovaginites e doença inflamatória pélvica podem manifestar-se com sinais e sintomas similares aos da infecção de trato urinário e diferenciar-se pelo exame físico ginecológico e pela urinálise. Em homens, uretrite e prostatite são distinguidos também pelo exame físico, em que nas uretrites há secreção uretral presente enquanto na prostatite há dor ao toque prostático. Cistite em homens é rara e implica processo patológico associado com a litíase urinária, prostatite ou retenção urinária crônica. É importante citar causas não infecciosas que fazem sintomas parecidos, como cistite por radioterapia pélvica, quimioterápicos (ciclofosfamida), carcinoma de bexiga, cistite intersticial, distúrbios da micção e distúrbios psicossomáticos. A pielonefrite deve ser diferenciada de doenças agudas intra-abdominais, como apendicite, colecistite, pancreatite e diverticulite. TRATAMENTO - CONSIDERAÇÕES GERAIS Estabelecido o diagnóstico de infecção de trato urinário, o tratamento deve ser prontamente iniciado para alivio sintomático e, principalmente, objetivando evitar agravamento do caso com ascensão de trato urinário e sepse. A abordagem terapêutica exige que se faça a distinção entre as várias características dessa patologia para se definir a melhor estratégia terapêutica. Basicamente é fundamental definir-se: A origem da infecção: se nosocomial ou comunitária. A localização no trato urinário: se acomete somente trato urinário baixo, consistindo na cistite, ou se afeta simultaneamentetrato urinário baixo e alto (pielonefrite). Se há associação com comorbidades: distinguindo-se, assim, as complicadas (as que ocorrem em aparelho urinário com alterações estruturais ou funcionais) das não complicadas (as que ocorrem em aparelho urinário integro). Se o episódio é único, esporádico ou se é recorrente em decorrência de persistência bacteriana (também chamado de recaída ou recidiva) ou se se trata de uma reinfecção (nova infecção). A escolha do antibiótico e o tempo de tratamento, assim como gravidade do caso e o prognóstico podem variar consideravelmente de acordo com tais características. O objetivo do tratamento é eliminar a bactéria do trato urinário. Os sintomas frequentemente diminuem espontaneamente sem significar necessariamente que ocorreu resolução do problema; portanto, deve-se também observar o padrão de resposta ao tratamento e as diferentes situações que podem ocorrer após o mesmo, que são: 1. Cura: definido como obtenção de urocultura negativa no exame de seguimento coletado durante o tratamento e após 1 a 2 semanas do término deste. 2. Recorrência (ou infecção recorrente): novo episódio de ITU por recaída ou por reinfecção, em que: a) Recaída ou recidiva: também chamada de persistência bacteriana, é uma infecção recorrente causada pela mesma cepa bacteriana encontrada na ITU pregressa. b) Reinfecção: infecção recorrente por bactéria diferente do caso anterior, cada infecção é um novo evento, sendo necessário a confirmação de que a urina tornou-se estéril desde a última infecção. TRATAMENTO INESPECÍFICO HIDRATAÇÃO Há evidências de que o frequente esvaziamento da bexiga com infecção leva a uma rápida diminuição da contagem de bactérias na urina e também a uma diminuição da hipertonicidade medular do rim, o que facilita a migração leucocitária para medula renal, assim como diminui a concentração de amônia, mantendo maiores níveis de complemento no sitio de infecção. Em contrapartida, a hiper-hidratação pode ter algumas desvantagens, como aumento do risco de refluxo vesicoureteral, levando a um processo obstrutivo agudo em uma bexiga parcialmente obstruída, e a alta produção de urina, que resulta numa diminuição da concentração do agente antimicrobiano na bexiga, além de diminuir a acidificação urinária, que é responsável pelo aumento da atividade antimicrobiana de certos agentes. A proposta de aumento da ingesta hídrica tem sido orientada por vários anos, porém ainda existem controvérsias a seu respeito. pH URINÁRIO Sabe-se que quanto menor o pH urinário, maior é a ati vidade antimicrobiana da urina. A ideia seria manter o pH urinário menor que 5,5. Para isso, tem-se orientado aumento de ingesta de sucos de frutas cítricas, ácido ascórbico e metionina (não disponível no Brasil), assim como diminuir a ingesta de leite e de bicarbonato de sódio. Contudo, a acidificação pode resultar em precipitação de cristais de urato, e no caso de uso de ácido ascórbico, em precipitação de cristais de oxalato. Apesar de alguns antimicrobianos atingirem sua maior efetividade em meios ácidos, a maioria tem uma ação adequada no pH normal da urina, sendo raramente necessária a indicação de acidificação da urina. ANALGÉSICOS Com o início do antimicrobiano, a disúria costuma ceder rapidamente, sendo de pouco valor a associação de analgésicos urinários na rotina de tratamento de ITU. O que há no mercado é a fenozopiramida, que pode ser útil nas situações diversas de disúria por outra origem que não infecção. Analgésicos sistêmicos são utilizados quando há dor associada a flancos ou disúria severa. TRATAMENTO ESPECÍFICO INFECÇÃO DE TRATO URINÁRIO BAIXO A duração da terapia ainda é um tema que gera muita discussão. De forma geral, devem-se relacionar os efeitos colaterais, custo e inconvenientes dos diferentes antimicrobianos ao prognóstico e evolução natural de cada situação abordada. Temos basicamente dois esquemas em relação ao tempo de terapia, a convencional e a rápida. Terapia convencional Usada como rotina no passado, consta do uso de antimicrobiano por 7 a 10 dias na maioria das situações. Tem sido substituída nos anos recentes pela "terapia curta", uma vez que se tornou claro que a maioria das mulheres com ITU baixa tinham somente infecção de mucosa superficial e podiam ser curadas com cursos rápidos antimicrobianos, inclusive com dose única. A terapia convencional ainda fica como primeira escolha em ITU em homens, mulheres com histórico de ITU por microrganismos resistentes a antimicrobianos, mulheres com mais de 7 dias de sintomas, paciente idosos, diabéticos, imunossuprimidos e ITU complicada. Nessas situações, a taxa de falha com a terapia curta é maior em relação à terapia convencional. Terapia rápida Existem duas formas de se fazer terapia rápida: em dose única ou em três dias. O primeiro esquema consta de dose única de agentes antimicrobianos que são capazes de sustentar concentração urinária por 12 a 24 horas quando usados em altas doses, como amoxacilina 3 g, tetraciclina 2 g, nitrofurantoina 400 mg e norfloxacina 800 mg. Também estão sendo utilizadas com sucesso as fluoroquinolonas, com exceção do moxifloxacino, que não atinge concentração adequada em vias urinárias No entanto, esse esquema tem uma eficácia que varia nos diferentes estudos de 65 a 100%, deixando dúvidas em sua aplicabilidade clínica rotineira. A segunda forma de tratamento, que tem sido mais aceita em decorrência de evidencias de maior efetividade é o esquema de 3 dias com dose padrão do antimicrobiano. Os agentes mais utilizados são: norfloxacina 400 mg 2 vezes ao dia; ciprofloxacina 500 mg 2 vezes ao dia; ofloxacina 400 mg 2 vezes ao dia; pefloxacina 400 mg 2 vezes ao dia; levofloxacina 500 mg 1 vez ao dia; gatifloxacina 1 vez ao dia; todos por 3 dias. Sulfametoxazol + trimetoprim (SMT + TMP) 800 + 160 mg 2 vezes ao dia tem alta eficácia, contudo deve- se levar em consideração os padrões locais de resistência a antimicrobianos. No caso da E. coli, em algumas regiões do Brasil, a taxa de resistência a SMT+TMP pode chegar a 30%, impossibilitando sua utilização no tratamento de cistites. Em decorrencia da alta taxa de resistência da E. coli também à ampicilina e à amoxacilina, essas drogas têm sido desestimuladas como primeira escolha. A nitrofurantoina pode ser usada na dose de 100 mg a cada 6 horas, respeitando- se o padrão de sensibilidade da droga na região e atentando-se ao fato de que não tem boa eficácia contra Proteus e Pseudomonas aeruginosa. Se houver sensibilidade, pode-se optar por ácido pipemídico, porém deverá ser usado por 10 dias. PROFILAXIA A profilaxia de ITU está indicada principalmente em mulheres com ITU recorrente, que apresentem mais do que duas infecções por ano, ou quando da presença de fatores que mantém a infecção como cálculos. Para que se inicie a profilaxia é necessário que a urocultura se mostre negativa para evitar o tratamento de uma eventual infecção vigente com sub-dose de antibiótico. As drogas mais utilizadas com fins profiláticos são a Nitrofurantoína, Sulfametoxazol-Trimetoprim, e as antigas quinolonas como Ácido Pipemídico ou Ácido nalidíxico. A dose sugerida é de um comprimido à noite ao deitar (o clareamento bacteriano é menor do que durante o dia) ou então 3 vezes por semana durante 3 a 6 meses. Quando a ITU estiver relacionada com a atividade sexual pode-se prescrever um comprimido após cada relação. Algumas recomendações para o manuseio não medicamentoso de pacientes com ITU recorrente ou com bacteriúria assintomática incluem: a) aumento de ingestão de líquidos; b) urinar em intervalos de 2 a 3 horas; c) urinar sempre antes de deitar ou após o coito; evitar o uso de diafragma ou preservativos associados a espermicida(para não alterar o pH vaginal); d) evitar banhos de espuma ou aditivos químicos na água do banho (para não modificar a flora vaginal); e) aplicação vaginal de estrógeno em mulheres pós-menopausadas. Outras medidas não medicamentosas que também têm sido sugeridas para redução de recorrência em ITU em mulheres na prémenopausa incluem: instilação vaginal de Lactobacillus Casei uma vez por semana (reducão de 80% em um estudo); acidificantes urinários tipo Mandelato de Metenamina associados ou não à vitamina C; ingestão de suco de “cranberry” (vaccinium macrocarpon), que supostamente inibe a expressão de fimbrias da E.coli (este suco não é disponível em nosso meio). Em estudo controlado, o consumo de suco “cranberry” e não o de lactobacilos em forma de bebida, cinco vezes por semana por um ano, reduziu a recorrência de ITU em relação ao placebo. PIELONEFRITE AGUDA A via de administração do antimicrobiano depende da gravidade da doença, pacientes gravemente enfermos devem receber terapia parenteral em ambiente hospitalar. Já pacientes com quadro leve a moderado que não apresentem náusea e vômitos é possível a terapia ambulatorial com medicamentos por via oral. Para se definir o antimicrobiano a ser utilizado, a realização do gram no parcial de urina é de grande valor, e é de fundamental importância a coleta da cultura urinária antes de se iniciar empiricamente a terapia. Em casos em que se observem bacilos gram- negativos, as drogas que podem ser utilizadas em pacientes gravemente enfermos são: as fluoroquinolonas parenterais (levofloxacina, gatifloxacina, ciprofloxacina); ceftriaxona (1 a 2 g ao dia); gentamicina 3 a 5 mg por dia; aztreonam 3 a 6 g por dia; ampicilina + sulbactam 12 g de ampicilina por dia. Em casos leves e moderados em que o paciente tolere terapia via oral, as opções são ciprofloxacina, levofloxacina, amoxacilina + clavulanato, ofloxacina, gatifloxacina, e sulfametoxazol + trimetoprim em áreas onde há alta taxa de sensibilidade a essa droga. O tempo médio de manutenção de terapia é de 10 a 14 dias. Caso a infecção seja nosocomial, deve-se utilizar antimicrobiano com maior espectro, que tenha ação inclusive contra germes multirresistentes. Persistindo febre por mais de 3 dias ou ausência de queda significativa da contagem de bactérias no parcial de urina após 48 horas, deve-se avaliar o resultado da urocultura quanto à sensibilidade do agente etiológico à droga em uso e avaliar possibilidade de processo obstrutivo e ou presença de abscesso intrarrenal ou perinefrético. A investigação inclui ultrassonografia de vias urinárias, tomografia, ressonancia nuclear magnética, e de acordo com achados, pielografia endovenosa. Confirmando complicações, como abscessos, deve-se considerar drenagem ou aspiração e prorrogação da terapia com antimicrobiano. 5. EXPLICAR OS CRITÉRIOS DE INTERNAÇÃO EM UTI A unidade de terapia intensiva (UTI) é um setor hospitalar de alta complexidade, onde se agregam recursos humanos e materiais para realizar suporte avançado de vida em situações críticas e no qual o objetivo é reverter os quadros clínicos graves e propiciar o restabelecimento da condição de saúde do paciente crítico. Entende- se como paciente crítico aquele que apresenta instabilidade de um ou mais sistemas orgânicos, com risco de morte, necessitando de suporte para as disfunções orgânicas, tais como ventilação mecânica, hemodiálise e suporte circulatório mecânico, e ainda os pacientes sem nenhuma falência orgânica, mas com alto risco de descompensação e que, por esse motivo, necessitem de vigilância e monitoração contínuas. As intervenções de suporte à vida consistem nas correções de disfunções orgânicas, comumente realizadas na UTI, como ventilação mecânica, terapia de substituição renal (hemodiálise), suporte circulatório mecânico (balão intra-aórtico, ECMO), suporte hemodinâmico com vasopressores e/ou inotrópicos e manobras de reanimação cardiorrespiratória e cerebral. Os pacientes em risco de descompensação podem necessitar de monitoração intensiva e contínua neurológica (neurocheck, escala de coma de Glasgow), hemodinâmica (cateter de Swan-Ganz, ritmo cardíaco, pressão arterial invasiva), respiratória (oximetria de pulso) e renal (diurese). O paciente crítico pode necessitar de intervenção imediata, pois, na maioria das síndromes associadas a falências orgânicas, o prognóstico é tempo- dependente. Alguns estudos evidenciaram que uma demora de quatro horas, ou mais, para a admissão de paciente grave na UTI pode contribuir para o aumento da mortalidade e maior tempo de permanência na UTI para recuperação. A Sociedade Americana de Terapia Intensiva (SCCM) elaborou critérios para admissão da UTI, com a finalidade de priorizar, no processo de triagem, a internação dos pacientes que mais se beneficiarão do tratamento intensivo e para melhorar alocação dos recursos disponíveis. Sendo assim, os pacientes são divididos em quatro prioridades para internação, ou seja: PRIORIDADE 1 - Pacientes criticamente enfermos e instáveis que necessitam de cuidados de terapia intensiva e monitoração que não pode ser provida fora de ambiente de UTI. Usualmente esses tratamentos incluem suporte ventilatório, drogas vasoativas contínuas, etc.. Nesses pacientes não há limites em se iniciar ou introduzir terapêutica necessária. Exemplos desses doentes incluem choque ou pacientes com instabilidade hemodinâmica, pacientes em insuficiência respiratória aguda necessitando suporte ventilatório. PRIORIDADE 2 - Pacientes que necessitam de monitoração intensiva e podem potencialmente necessitar intervenção imediata. Geralmente não existe terapêutica estipulada para estes pacientes. Exemplos incluem pacientes com condições comórbidas crônicas que desenvolvem doenças agudas graves clínicas ou cirúrgicas. PRIORIDADE 3 - Pacientes criticamente doentes, mas que têm uma probabilidade reduzida de sobrevida pela doença de base ou natureza da sua doença aguda. Esses pacientes podem necessitar de tratamento intensivo para aliviar uma doença aguda, mas limites dos esforços terapêuticos podem ser estabelecidos como não intubação ou reanimação cardio-pulmonar. Exemplos incluem pacientes com neoplasia metastáticas complicadas por infecção, tamponamento ou obstrução de via aérea. PRIORIDADE 4 - Pacientes que geralmente não são apropriados para admissão à UTI. A admissão desses pacientes deve ser feita em base individual, em circunstâncias não usuais e ao discernimento do Diretor Clínico da UTI. Esses pacientes podem ser colocados em duas categorias: 4.1 - Benefício mínimo, se algum, de cuidados intensivos devido ao baixo risco de intervenção ativa que não possa ser realizada em ambiente fora da UTI. (Pacientes com estado muito bom para se beneficiar de UTI). 4.2 - Pacientes com doenças terminais ou irreversíveis, com probabilidade de morte iminente (pacientes com estado muito ruim para se beneficiar de UTI). Por exemplo: dano cerebral grave irreversível, disfunção de múltiplos órgãos irreversível, câncer metastático irresponsivo à quimio/radioterapia, pacientes com capacidade de tomar decisões que declinam de cuidados de terapia intensiva e/ou monitoração intensiva e que recebem apenas cuidados paliativos (de conforto apenas), morte encefálica de não doadores ou pacientes em estado vegetativo persistente.
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