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LINGUAGEM EM FOTOGRAFIA PUBLICITÁRIA PARTE II Conteudista Prof. Me. João De Assis Soares Os fotógrafos publicitários têm um olhar bem diferente daquele dos que se dedicam ao fotojornalismo. Para o jornalismo vale a genial definição de Cartier-Bresson: “O importante é o momento, não a técnica”. Ele vive do instante, do acaso, da capacidade intuitiva do fotógrafo de conseguir captar o momento marcante daquilo que fotografou. Em propaganda, na maioria das vezes, o importante, tanto quanto o momento, é a técnica. Na fotografia publicitária todos os detalhes são preparados (as cores, o enquadramento, o cenário, o objeto, a luz, os reflexos, entre outros fatores). Tornar o banal algo insólito, ou seja, descobrir o interesse no desinteresse — eis a tarefa árdua do layout que sai da mesa de criação de um diretor de arte para ser transformado em uma boa fotografia. Como explica Ricardo Cordeiro: Isto é, na fotografia publicitária, há um pré-sentido que a mensagem actualiza, uma vez que na foto de publicidade existe uma espécie de intencionalidade semântica. Em oposição, na fotografia jornalística, o sentido é contingente à produção da imagem, o fotojornalista intui o sentido à medida que constrói a imagem. (2005/2006: p. 10) A fotografia publicitária pretende, acima de tudo, divulgar um produto, uma existência comercial, o fotojornalismo pretende, essencialmente, informar as pessoas. Por outro lado, os processos intrínsecos nas duas também partem de princípios antagônicos. Acrescenta Cordeiro: Em oposição, na fotografia jornalística, o sentido é contingente à produção da imagem, o fotojornalista intui o sentido à medida que constrói a imagem. Por outras palavras, na fotografia publicitária nada é feito ao acaso. Pelo contrário, é tudo preparado ao pormenor e previamente estudado, é a tal cena que é construída. (2005/2006: p. 10) 3 O publicitário tem a cabeça sempre voltada para os lançamentos de novos produtos ou para a manutenção destes num mercado cada vez mais competitivo. Conforme Newton César e Marco Piovan: “Diferente do fotojornalismo, da foto de moda, dos retratos ou qualquer outro segmento, a foto publicitária não tem compromisso com a verdade, não registra os fatos, não retém lembranças” (2007: p. 36). Procuram criar no público o desejo de consumo, ou mesmo de um estilo de vida, por meio do apelo visual. Porque, convenhamos, nem sempre o assunto a ser fotografado tem um interesse em si, a ponto de cativar a atenção do leitor por sua simples exibição. De fato, que charme pode ter uma lata de óleo de cozinha, que vemos aos montes nas prateleiras do supermercado? Ou um maço de cigarros? Ou, ainda, uma fralda de bebê? Trata-se de tirar leite de pedra para poder tornar atrativo aquilo que é habitualmente sem graça e, até, deselegante. E, não obstante, são essas fotografias, esses grandes closes de produtos, as de maior efeito plástico. É comum se ouvir comentários do tipo: "parece até de verdade" ou "dá vontade de comer" ou, ainda, "que sede me deu essa foto" (geralmente um refrigerante ou um sorvete...). Na verdade, as fotografias que provocam tais emoções são mais do que reais, são "hiper-reais": a lata de óleo de cozinha que desperta nossa vontade de comer salada só existe na fotografia. Quando confrontada com o modelo real — a lata de óleo concreta — se notará que o produto na fotografia é mais belo do que o que se encontra nos supermercados. Claro, foram necessários mil recursos para tornar a lata hiper-real: efeitos de iluminação, um foco mais afinado do que a própria visão humana e, sobretudo, um paciente trabalho de "maquilagem" no produto, para lhe realçar os melhores ângulos e encobrir eventuais defeitos, comuns em qualquer linha de fabricação em série. Neste tipo de fotografia — o close de produto — é que se expressam os grandes talentos da câmera escura. Como os grandes pintores do passado, exploram o difícil métier da natureza-morta. Ou seja, o que estamos observando sugere uma ação complexa que está muito além do campo visual da fotografia. 4 Pois é na procura da beleza, de acordo com Sontag (1986: p. 81), “o que leva as pessoas a fotografar, com exceção das situações em que a câmara é utilizada para documentar ou para registrar ritos sociais.” Ao contrário da maioria das pessoas que fotografam tudo o que vêem, sem grandes reflexões, a função do fotojornalista é sem dúvida a de refletir sobre o mundo dos acontecimentos, participar dele, captar o momento certo e transmiti-lo tal como viu e sentiu. Segundo Kubrusly (1983: p. 68), “a melhor imagem, aquela que transmite com mais eficiência uma idéia, uma emoção ou o conteúdo de um tema, não é, necessariamente, a que contém o máximo de informação verbalizável.” Uma pequena coisa pode ser um grande assunto. Uma boa imagem para Kubrusly (1983: p. 68) “nem sempre é aquela que reproduz com mais fidelidade o assunto ou mostra com muita clareza o maior número possível de aspectos. É assim que a fotografia vê o assunto.” Para ela, não é o assunto acabado, pasteurizado pela interferência alheia, que conta. “Muitas vezes o que torna forte uma imagem, que faz pujante ou arrebatadora, são elementos independentes do tema, contidos na forma de tratar a imagem” (KUBRUSLY, 1983: p. 68). É o pequeno detalhe humano, inocente ou cruel, que muitas vezes se esconde atrás do grande assunto ou que até aquele momento não era assunto nenhum, não havia sido cogitado ou percebido. O que Barthes (1980) denominou de o punctum e que possui uma força de expansão. A fotografia acentua o realismo e a presença no acontecimento. Roland Barthes (1980: p. 135) escreveu que “toda fotografia é um certificado de presença.” Mas a fotografia apresenta uma série de características que podem situar-se como uma das formas de manipulação do real, sua matéria prima. Sabemos que todo o processo de produção de imagem, tem a interferência do produtor desde a escolha do equipamento, seleção do tema, ângulo até tratamento final. Para Arlindo Machado: “nada é mais subjetivo do que as objetivas fotográficas, porque o seu papel é personificar o olho do sujeito da representação” (1984: p. 37). É todo um sistema simbólico construído pelo fotógrafo e que vai ser interpretado pelo observador das imagens. Na 5 realidade, segundo Sontag: “as fotografias são experiências capturadas, e a câmera o instrumento ideal da consciência na sua atitude aquisitiva” (1986: p. 14). São inúmeros e excelentes os artistas que escolheram a fotografia publicitária como forma de expressão, fotógrafos que são capazes de transformar um lençol numa obra de arte, um carro comum num design premiado, um peru assado numa natureza viva, uma simples tesoura numa verdadeira jóia. Uma comunicação sem qualquer utilidade social, segundo Oliviero Toscani (1996: p. 23), “sem força. Sem impacto. Sem outra mensagem que não seja a exaltação grotesca de um modo de vida acintosamente yuppie, bastante agradável e bem-humorada.” Os fotógrafos são obrigados a uma busca constante de aperfeiçoamento, porque a publicidade, como forma de expressão de uma sociedade, nunca chega, em matéria de choque, ousadia e inovação, nem no calcanhar da vida real. É possível observar a presença maciça de imagens publicitárias nos informativos jornalísticos. Segundo Celso Kelly (1978: p. 191), “paralelamente caminham a publicidade e jornalismo. A bem dizer, aquela faz parte deste.” Entre relatos de guerra, prisões de criminosos, declarações de presidentes proliferam rostos ampliados, uma garrafa de cachaça com gravata borboleta preta confere-lhe formalidade; uma garrafa gotejante de cerveja confere-lhe alegria. “Não existe meio de comunicação que prescinda integralmente da propaganda ou que nunca esteja a serviço dela” (KELLY, 1978: p. 191). Veja nas revistas de automobilismo carrosque não nos permitem viver sem eles. Nas de moda, maiôs, calcinhas, vestidos, blusas, suéteres, calçados que nos tornam mais belos. Nas de culinária, pratos que fatalmente vão nos mandar para o spa mais próximo. Nas de forma física, o spa mais próximo mostrando aquela turma que nunca precisaria estar lá. “Porém o que distingue uma da outra é a finalidade, embora ambos busquem o favor do público” (KELLY, 1978: p. 191). Fundamentalmente, a publicidade é persuasão. Ela informa e ao mesmo tempo procura convencer aberta e explicitamente, enquanto o jornalismo tem uma preocupação muito maior com a comunicação e com a 6 opinião, que não ocupam espaço pago dentro da mídia. “Nos veículos de comunicação” conforme Kelly, “a tarefa consiste em transmitir uma verdade escrupulosamente referida, em termos acessíveis, de interesse geral, sem nenhum condicionamento a propósito do mercado” (1978: p. 191). Dou um exemplo. Dois, é melhor. No dia em que os jornais e revistas publicaram aquela foto da menininha nua fugindo de uma vila do Vietnã, que queimava em napalm, eles também publicavam fotos publicitárias. E como competir com aquilo? E aquela foto do chefe de polícia de Saigon dando um tiro na cabeça de um vietcong, como atrair atenção para um produto num momento como esse? E, três, a divina Luma de Oliveira nua na avenida, sambando e deslumbrando, quem vai olhar, digamos, para uma foto de comida? Disputar a preferência do consumidor potencial. Eis a varinha de condão que empresta toda a magia à arte comercial como um todo, e à fotografia de publicidade em particular. “Se a publicidade dá a receita à melhor contribuição possível, não deve transformar-se em fator de afastamento do público, em prejuízo do próprio anúncio” (KELLY, 1978: p. 185). Em outras palavras, apenas na medida em cada marca de produto ou serviço consiga destacar-se no universo de mercadorias oferecidas, é que as mensagens publicitárias que a apresentam se transformam em sucesso e todos investimentos nelas realizados obtêm sua paga: vendas e lucro. “Daí, a necessidade de que o anúncio seja cada vez mais bem feito, para atrair – e não para repelir – o ouvinte ou o leitor” (KELLY, 1978: p. 185). Retomando o exemplo da lata de óleo, imaginemos que o diretor de arte tenha incluído em seu layout original algum ou alguns elementos aparentemente secundários, que deverão compor a fotografia do produto: uma verdíssima folha de alface e uma branquíssima fatia de cebola estão ao lado da lata. O que acontece? Além de aumentar o apetite, ficamos sabendo que aquele produto é tão bom que é para ser consumido puro, em saladas, e não apenas para fritar batatas. Caso o redator do anúncio tenha colocado a frase "Quadro a óleo" no anúncio, seremos provavelmente induzidos a crer que se 7 trata efetivamente de um produto nobre, isto é, que tem o status de uma obra de arte — culinária, no caso. Existe uma relação de dependência entre a publicidade e o jornalismo. Um precisa do outro. O Jornal precisa da publicidade para se manter, pois não sobrevive somente de vendas aos leitores. A publicidade se utiliza o atrativo que a notícia exerce sobre os leitores do jornal para atingir seus objetivos. Segundo Kelly, “seu objetivo reside no aproveitamento do grande público desinteressado a que servem, para induzi-lo ao interesse particular de uma mercadoria ou de uma campanha” (1978: p. 191). Quem observa, hoje, um anúncio, certamente há de se surpreender com o resultado da técnica fotográfica, seja a cores ou em branco e preto: trucagens impossíveis de conceber como foram realizadas, iluminações dos produtos, o jogo de luz e sonho, os adereços que compõem uma fotografia de moda, a seleção de modelos, os objetos de cena, toda uma “produção” - como se diz no jargão do ramo fotográfico - destinada dar glamour o assunto fotografado. O exame da publicidade revela que nenhum gênero visual contemporâneo leva ao extremo as características da imagem, que não se reduzem à tarefa de representar, por semelhança, a forma extrema do objeto (NEIVA JR., 1994: p. 70). Quanto maior a verossimilidade, maior seu poder de persuasão e também maior sua aceitação social. Essa imitação verossímil é legitimado pela sociedade. A imagem publicitária dirige-se frontalmente para o destinatário, definido como aquele que é capaz de consumir. O efeito de recepção é extremamente necessário (NEIVA JR., 1994: p. 70). Ela recria o real, e embora não mude o mundo, pode ampliar e transformar vários mundos. E mesmo não sendo arte, a propaganda vive 8 também desta. Portanto, a propaganda não prescinde das técnicas da arte. Ela toma os dados reais e cria um novo material distinto, sem, no entanto, perder seu contato com o real. O processo de fazer algo novo sem, todavia, se desgarrar do real, como um cordão umbilical ligado à sociedade, é o objetivo intrínseco da propaganda, sua razão de ser. Este elo, este link propaganda/realidade condiciona e determina a boa ou a má criação. Mas imitar não é sua exclusividade. A arte e qualquer tipo de representação é uma adorável e apaixonante mimética. O escritor inventa, finge e cria um outro mundo a partir do mundo real. Ele representa e também seus personagens. ...a imagem publicitária enuncia uma afirmação de na- tureza sociológica: a publicidade ilustra algo mais do que um produto; torna visíveis idéias tidas como consensuais pela coletividade; sua eficácia dependerá do reconhecimento que receber (NEIVA JR. 1994: p. 69). É preciso que o destinatário identifique com a situação apresentada pela publicidade, para ser convertido num provável consumidor, para que moedas e mercadorias possam circular. Dissecando a propaganda podemos perceber que ela é uma construção de linguagens que precisa compulsoriamente conduzir ao real, embora através de conteúdo fantasiosos, ficcionais; ou seja, irreal. E aí está o segredo de sua ontologia. Por meio de simulação, ela tem que desencadear uma conduta verídica, uma adesão a sua mensagem. Na verdade, as fotografias que provocam tais emoções são mais do que reais, são “hiper-reais”: a lata de óleo de cozinha que desperta nossa vontade de comer salada só existe na fotografia. Segundo Sontag, “um dos sucessos perenes da fotografia foi a sua estratégia de transformar os seres vivos em coisas e coisas em seres vivos” (1986: p. 92). Quando confrontada com o modelo real - a lata de óleo concreta - se notará que o produto na fotografia é mais belo do que o que se encontra nos supermercados. 9 Fotografar é conferir importância. É provável que não exista nenhum tema que não possa ser tornado belo; mais ainda, não há nenhum modo de anular a tendência inerente a qualquer fotografia para valorizar o seu assunto (SONTAG, 1986: p. 34) Claro, foram necessários mil recursos para tornar a lata hiper-real: efeitos de iluminação, um foco mais afinado do que a própria visão humana e, sobretudo, um paciente trabalho de “maquilagem” no produto, para lhe realçar os melhores ângulos e encobrir eventuais defeitos, comuns em qualquer linha de fabricação em série. Os fotógrafos que trabalham em publicidade, justamente aqueles que mais tiram proveito da ilusão espetacular, acumularam um grande número de técnicas cuja função é esconder o lugar do extraquadro onde está a câmera.(MACHADO, 1984: p. 89) Neste tipo de fotografia - o close de produto - é que se expressam os grandes talentos da câmara escura. Como os grandes pintores do passado, exploram o difícil métier da natureza-morta. Ou seja, o que estamos observando sugere uma ação complexa que está muito além do campo visual da fotografia. Conforme Celso Kelly (1978: p. 184) “a idéia do anúncio se junta à de produzir uma obra de arte capaz de atrair e causar simpatia, independente do mero objetivo.” Por isso, o apelo publicitárioé mais forte na sugestão. Será o anunciante uma fonte suspeita? Pelo menos, uma fonte interessada... A maneira de vencer a suspeição da origem está na qualidade artística do anúncio (que o tornará agradável) e na integridade do mesmo (que afastará os vícios 10 ou abusos de origem). Eis porque se preconiza a autonomia do anúncio, isto é, o anúncio como anúncio, mas tão bem concebido e realizado que se torne um prazer deparar com ele (KELLY, 1978: p. 187-8). A fotografia tem assim a virtude de nos vender “mais” do que o próprio produto. “A publicidade oferece aos nossos desejos um universo subliminar que insinua que a juventude, a saúde, a virilidade, bem como a feminilidade, dependem daquilo que compramos” (TOSCANI, 1996: p. 28). No anúncio de jeans, por exemplo, além da calça azul, queremos a liberdade e toda a juventude que lhe foram anexadas. Na fotografia do automóvel, desejamos também o idílio amoroso, presente na linda mulher de branco que está ao lado do carro. Na fotografia do sorvete colorido queremos, além do frescor do produto, todas as alegrias do verão. Consumimos, com os produtos, ideais de felicidade e prazer que se desprendem deles nas fotografias. Para Toscani, “a publicidade não vende produtos nem idéias, mas um modelo falsificado e hipnótico da felicidade” (1996: p. 27). Poder-se-ia dizer, então, que o bom anúncio, ou pelo menos o mais eficaz, seria aquele que fere mais fundo uma frustração latente do receptor da mensagem comercial. Sim e não. Sim, porque a fotografia comercial cava-se no reino da abundância, promete sempre uma Canaã, plena de prazeres, juventude, amor e perene felicidade. E não, pois de fato desejamos ser fortes, saudáveis, belos, inteligentes e amados. A publicidade excita os desejos, seduz os ingênuos, cria- lhes necessidade, torna-os culpáveis. Ela nos atrai para os seus encantos, nos “acende” através de técnicas experimentadas. Compra-nos os nossos desejos, como se compram votos em política. (TOSCANI, 1996: p. 29) A fala fotográfica penetra o espectador através dos detalhes da imagem que consegue comentar a cumplicidade deste com aquele instante apreendido 11 por um certo ato fotográfico. Esta é a condição que diferencia a arte fotográfica das demais formas de produção de imagem. Se um dia fosse verdade tudo que as fotografias comerciais prometem, a sociedade ocidental teria, certamente, alcançado seu ideal de perfeição. Os publicitários, para fotógrafo Toscani (1996: p. 23), “são largamente sustentados por anunciantes eternamente ludibriados, continuam a abarrotar o planeta inteiro com o mesmo mundo de imagens bestificantes.” A essência do pecado da publicidade está na sua origem. Os nazista inventaram a propaganda publicitária da alegria ariana com filmes e série de fotos que louvavam um estilo de felicidade escoteira, corpo esculpido e desnudo, beleza loura, alegria de fazer parte de um grupo, grandes emoções simples, culto do natural e do autêntico, céu sem nuvens, veículos poderosos. Era necessário assemelhar-se a essa imagem idílica. (TOSCANI, 1996: p. 31) A publicidade, como fruto da moderna sociedade de consumo, faz parte de um sistema de vendas e, conseqüentemente, insere-se no conjunto chamado de marketing, sendo um instrumento para realizar os objetivos propostos pela estratégia de vendas de determinada linha de produtos. Marketing e publicidade são conceitos que surgem com a produção planificada, em escala, e com o consumo em massa. A comunicação industrial e comercial é um fenômeno do nosso tempo. A publicidade nasceu com a grande indústria. Ela é fruto da sociedade de consumo de massa e, para Toscani, tem que se adaptar a uma nova situação: “a sociedade de consumo não consome mais” (1996: p. 30). Como parte integrante do sistema de vendas, pois a publicidade não é um evento isolado, ela se subordina à estratégia de marketing, seguindo suas linhas e servindo, rigorosamente, como instrumentos a seus propósitos. À medida que a campanha de publicidade serve adequadamente aos objetivos da Divisão ou Gerência de Marketing, ela está sendo eficiente. À medida que 12 se dissocia desses propósitos, ela pode até dar bons resultados, mas, em longo prazo, não terá cumprido sua finalidade. Nesse sentido a publicidade não tem estratégia própria. Sua estratégia é a estratégia do cliente, do anunciante. O Plano de Marketing prevê o conjunto de ações da empresa no mercado; dele decorre o plano de vendas, e do plano de vendas surge do plano de publicidade. Por mais rudimentar e primário que seja, por mais empírico que se apresente, é necessário um plano de vendas. Portanto, pode-se afirmar, com absoluta segurança, que o plano de publicidade decorre do plano de vendas. Toscani acredita que a responsabilidade do publicitário é maior do que isso: “têm a incumbência de refletir sobre a comunicação de uma marca, sem ficar apenas no puro marketing” (1996: p. 25). Sob o ponto de vista que a publicidade não é uma ação fantasiosa. É uma ação objetiva, direta, clara, tipicamente comercial, visando a propósitos definidos. Ela se integra no plano de vendas da empresa e a ele subordina. Se a publicidade tem objetivos bem claros e propósitos bem definidos, ela só pode estruturar a partir de elementos concretos. Um anúncio, entretanto, envolve aspectos estéticos. Corre-se, então, o risco de tomar a forma pelo conteúdo, ou seja: olha-se o anúncio pelo que aparenta; se for bonito e agrada a todos é aprovado. Então, a publicidade busca a imagem da perfeição para não correr riscos, de acordo com Toscani, “encontramos o mesmo mundo de imagens denunciadoras de felicidade na propaganda comunista dos velhos tempos” (1996: p. 32). Se pensarmos que o anúncio não é uma peça produzida para agradar o gosto desta ou daquela pessoa. Ele tem uma função no mercado. E essa função é muito objetiva: vender o produto. Discute-se muito se o anúncio vende ou não vende e os publicitários, de acordo com Toscani, “não cumprem a sua função: comunicar. Carecem de ousadia e de senso moral. Não refletem sobre o papel social, público e educativo da empresa que lhes confia um orçamento” (1996: p. 25). 13 A publicidade vista como um instrumento, um dos meios para realizar, para tornar vitorioso o plano de vendas. Com essa função são necessários certos pré-requisitos, que, supostamente, estão no plano de vendas. Mas o universo da mercadoria, segundo Jean Baudrillard, “já não é este: é um mundo saturado e em involução. De repente, perdeu o seu imaginário triunfal e, do estádio do espelho, passou de alguma maneira ao trabalho de luto” (1981: p. 120). Essa atitude de defender a existência de supostos procedimentos de criação que não devem, sob pretexto algum, ser desrespeitados – se o que deseja é a eficácia e eficiência no resultado final da atividade criativa. Isso mantém e reforça o que Luiz Celso de Piratininga denominou de: “’regras criativas’, que devem ser seguidas bem de perto para não se correr o risco de erro na tarefa de produzir mensagens publicitárias eficientes e eficazes” (1994: p. 33). Ele critica, dizendo que no desejo de receber “lições claras de como criar anúncios eficazes”, alunos de publicidade e publicitários “fecham seu espírito para vôos mais arrojados (e, portanto, arriscados), tentando se agarrar aos manuais e às regras consagradas.” Sem os pré-requisitos do plano de vendas, a publicidade fica solta, como peça autônoma dentro do contexto. De acordo com Toscani, os publicitários se prendem ao plano de vendas porque “não querem pensar nem informar o público, com medo de perder os anunciantes” (1996: p. 25). A publicidade, sendo autônoma, passa a ser julgada pelo que ela aparenta ser e não pelo que ela deveria ser. Surge, então, o gosto pessoal de cada um, a guiar-se por tendências, conceitos e preconceitos.Para Toscani, “a publicidade das empresas poderia educar, emocionar, revelar talentos e artistas” (1996: p. 26). Isso nada têm a ver com os objetivos propostos nos planos de vendas, o parâmetro utilizado para julgar a campanha de propaganda. A fórmula antiga da publicidade, das imagens idílicas e fantasiosas, sem idéias novas, sem caminhos inovadores, condicionados a não ousar, está condenada ao desaparecimento. Acrescenta Baudrillard, “o aspecto atualmente mais interessante da publicidade é o seu desaparecimento, a sua diluição 14 como forma específica, ou como medium, muito simplesmente” (1981: p. 116). Trazendo consigo ranços e preconceitos históricos, a publicidade se vale simplesmente de recursos encontrados nas demais artes para tornar suas mensagens mais eficientes. A publicidade na opinião de Toscani, “já está ficando rouca de tanto falar em felicidade, parece que não tem outra palavra na boca, enquanto a crise bate à porta de todo mundo e as populações começam a preocupar-se com o próprio futuro” (1996: p. 29). A publicidade tem buscado no velho não apenas o exemplo, mas a fórmula e a receita testada, abrindo mão de seu mais precioso potencial: o atrevimento, a impetuosidade, a inovação. Embora esteja sofrendo transformações segundo Baudrillard: Não é por acaso que a publicidade, depois de ter veiculado durante muito tempo um ultimato implícito de tipo econômico, dizendo e repetindo, no fundo incansavelmente: “Compro, consumo, gozo”, repete hoje sob todas as formas: “Voto, participo, estou presente, isto me diz respeito” – espelho de uma zombaria paradoxal, espelho da indiferença de todo o significado público (1981: p. 118). Se já houve quem dissesse que o valor de um bem se mede sempre por sua raridade e que seu valor seria sempre definido pela relação entre a de- manda e a oferta, como falar de “raridade” ou “oferta reduzida” no capitalismo contemporâneo, ao tentar valorar um bem, se este bem é produzido aos milhares de unidades em linhas de produção em massa e oferecido em incontáveis pontos-de-vendas? De acordo com Piratininga, “diferencial é a chave, seja ele de qualidade intrínseca, seja ele apenas aparente, a partir de características agregadas à imagem do bem ou serviço anunciado” (1994: p. 22). Assim, é necessário criar um fator de diferenciação para a mercadoria, pois será sempre este diferencial (de inovação, de preço, de aparência, de atribuição de status, de facilidade de uso etc.) que fará se destacar frente à concorrência no universo de ofertas ao consumidor e motivará sua aquisição. 15 Como exigir que o resultado final do trabalho de concepção, produção e divulgação de uma mensagem de comunicação publicitária seja “original” ou “criativo”, sempre um requisito fundamental á implantação de algum diferencial, e ao mesmo tempo esteja de acordo com que se pratica institucionalmente, de modo a não configurar a quebra da conformidade ou o estabelecido de um comportamento divergente que possa ser punido? Este duplo desafio – por um lado, o compromisso com a eficácia e a eficiência empresariais e, por outro lado, a dificuldade em romper com os padrões pessoais e institucionais adotados pela grande maioria – se denuncia na atividade de comunicação social dedicada a servir aos objetivos mercadológicos das organizações, segundo Piratininga, “através de extensíssima série de manuais, relatórios e códigos de ‘como fazer boa propaganda’” (1994: p. 26). Preocupados em determinar e definir os procedimentos mais adequados para a criação, sempre visando a garantir a eficácia e a eficiência, eles ainda perduram na prática profissional e acadêmica, a despeito do cotidiano derrubar constantemente as regras, pois são inúmeros os casos que escapam a qualquer critério pré-estabelecido. 16 Referências Bibliográficas BARTHES, Roland. A câmara clara. Lisboa (Portugal): Edições 70, 1980. col. Arte e Comunicação. BAUDRILLARD, Jean. Simulacro e Simulação. Lisboa (Portugal): Relógio D'Água, 1981. CESAR, Newton e PIOVAN, Marco. Making Of: Revelações sobre o dia-a-dia da Fotografia. 1ª Edição. São Paulo: Futura, 2003. CORDEIRO, Ricardo. Fotografia publicitária e fotografia jornalística: pontos em comum. Portugal: Universidade da Beira Interior, “Comunicação e Promoção: Teorias da Publicidade”, mestrado em Ciências da Comunicação, 2005/2006 HACKING, Juliet (Ed. Geral). Tudo sobre fotografia. Rio de Janeiro: Sextante, 2012. KELLY, Celso. Arte e comunicação. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1978. KUBRUSLY, Cláudio Araújo. O que é fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1983. col. Primeiros Passos vol. 82 MACHADO, Arlindo. A ilusão do espetacular: introdução à fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1984. col. Primeiros Vôos vol. 25 MARTINS, Nelson. Fotografia: da analógica à digital. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2012. NEIVA JR. Eduardo. A imagem. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1994. Série Princípios vol. 87. PALACIN, Vitché e CRUZ, Goya. Fazer fotografia. São Paulo: B4 Editores, 2012. PALACIN, Vitché. Fotografia: teoria e prática. São Paulo: Saraiva, 2012. PIRATININGA Luiz Celso de. Publicidade: arte ou artifício? São Paulo: T. A. Queiroz, Editor, 1994. SOARES, João de Assis. Fotografia: ficção ou realidade. Bauru (SP): UNESP - Universidade Estadual Paulista, Seção de Pós-Graduação, Área de Concentração: Comunicação, 2001. SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia. Lisboa (Portugal): Publicações Dom Quixote, 1986. TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri. Rio de Janeiro: Ediouro: 1996.
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