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4 - LINGUAGEM EM FOTOGRAFIA PUBLICITARIA II

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LINGUAGEM EM FOTOGRAFIA 
PUBLICITÁRIA 
PARTE II 
Conteudista 
Prof. Me. João De Assis Soares 
 
 
 
Os fotógrafos publicitários têm um olhar bem diferente daquele dos que 
se dedicam ao fotojornalismo. Para o jornalismo vale a genial definição de 
Cartier-Bresson: “O importante é o momento, não a técnica”. Ele vive do 
instante, do acaso, da capacidade intuitiva do fotógrafo de conseguir captar o 
momento marcante daquilo que fotografou. Em propaganda, na maioria das 
vezes, o importante, tanto quanto o momento, é a técnica. Na fotografia 
publicitária todos os detalhes são preparados (as cores, o enquadramento, o 
cenário, o objeto, a luz, os reflexos, entre outros fatores). Tornar o banal algo 
insólito, ou seja, descobrir o interesse no desinteresse — eis a tarefa árdua do 
layout que sai da mesa de criação de um diretor de arte para ser transformado 
em uma boa fotografia. 
Como explica Ricardo Cordeiro: 
Isto é, na fotografia publicitária, há um pré-sentido que a 
mensagem actualiza, uma vez que na foto de publicidade 
existe uma espécie de intencionalidade semântica. Em 
oposição, na fotografia jornalística, o sentido é contingente à 
produção da imagem, o fotojornalista intui o sentido à medida 
que constrói a imagem. (2005/2006: p. 10) 
 
A fotografia publicitária pretende, acima de tudo, divulgar um produto, 
uma existência comercial, o fotojornalismo pretende, essencialmente, informar 
as pessoas. Por outro lado, os processos intrínsecos nas duas também partem 
de princípios antagônicos. 
Acrescenta Cordeiro: 
Em oposição, na fotografia jornalística, o sentido é 
contingente à produção da imagem, o fotojornalista intui o 
sentido à medida que constrói a imagem. Por outras palavras, 
na fotografia publicitária nada é feito ao acaso. Pelo contrário, é 
tudo preparado ao pormenor e previamente estudado, é a tal 
cena que é construída. (2005/2006: p. 10) 
 
 
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O publicitário tem a cabeça sempre voltada para os lançamentos de 
novos produtos ou para a manutenção destes num mercado cada vez mais 
competitivo. Conforme Newton César e Marco Piovan: “Diferente do 
fotojornalismo, da foto de moda, dos retratos ou qualquer outro segmento, a 
foto publicitária não tem compromisso com a verdade, não registra os fatos, 
não retém lembranças” (2007: p. 36). Procuram criar no público o desejo de 
consumo, ou mesmo de um estilo de vida, por meio do apelo visual. Porque, 
convenhamos, nem sempre o assunto a ser fotografado tem um interesse em 
si, a ponto de cativar a atenção do leitor por sua simples exibição. De fato, que 
charme pode ter uma lata de óleo de cozinha, que vemos aos montes nas 
prateleiras do supermercado? Ou um maço de cigarros? Ou, ainda, uma fralda 
de bebê? Trata-se de tirar leite de pedra para poder tornar atrativo aquilo que é 
habitualmente sem graça e, até, deselegante. 
E, não obstante, são essas fotografias, esses grandes closes de produtos, 
as de maior efeito plástico. É comum se ouvir comentários do tipo: "parece até 
de verdade" ou "dá vontade de comer" ou, ainda, "que sede me deu essa foto" 
(geralmente um refrigerante ou um sorvete...). Na verdade, as fotografias que 
provocam tais emoções são mais do que reais, são "hiper-reais": a lata de óleo 
de cozinha que desperta nossa vontade de comer salada só existe na 
fotografia. Quando confrontada com o modelo real — a lata de óleo concreta — 
se notará que o produto na fotografia é mais belo do que o que se encontra nos 
supermercados. 
Claro, foram necessários mil recursos para tornar a lata hiper-real: efeitos 
de iluminação, um foco mais afinado do que a própria visão humana e, 
sobretudo, um paciente trabalho de "maquilagem" no produto, para lhe realçar 
os melhores ângulos e encobrir eventuais defeitos, comuns em qualquer linha 
de fabricação em série. Neste tipo de fotografia — o close de produto — é que 
se expressam os grandes talentos da câmera escura. Como os grandes 
pintores do passado, exploram o difícil métier da natureza-morta. Ou seja, o 
que estamos observando sugere uma ação complexa que está muito além do 
campo visual da fotografia. 
 
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Pois é na procura da beleza, de acordo com Sontag (1986: p. 81), “o que 
leva as pessoas a fotografar, com exceção das situações em que a câmara é 
utilizada para documentar ou para registrar ritos sociais.” Ao contrário da 
maioria das pessoas que fotografam tudo o que vêem, sem grandes reflexões, 
a função do fotojornalista é sem dúvida a de refletir sobre o mundo dos 
acontecimentos, participar dele, captar o momento certo e transmiti-lo tal como 
viu e sentiu. Segundo Kubrusly (1983: p. 68), “a melhor imagem, aquela que 
transmite com mais eficiência uma idéia, uma emoção ou o conteúdo de um 
tema, não é, necessariamente, a que contém o máximo de informação 
verbalizável.” 
Uma pequena coisa pode ser um grande assunto. Uma boa imagem para 
Kubrusly (1983: p. 68) “nem sempre é aquela que reproduz com mais fidelidade 
o assunto ou mostra com muita clareza o maior número possível de aspectos. 
É assim que a fotografia vê o assunto.” Para ela, não é o assunto acabado, 
pasteurizado pela interferência alheia, que conta. “Muitas vezes o que torna 
forte uma imagem, que faz pujante ou arrebatadora, são elementos 
independentes do tema, contidos na forma de tratar a imagem” (KUBRUSLY, 
1983: p. 68). É o pequeno detalhe humano, inocente ou cruel, que muitas 
vezes se esconde atrás do grande assunto ou que até aquele momento não 
era assunto nenhum, não havia sido cogitado ou percebido. O que Barthes 
(1980) denominou de o punctum e que possui uma força de expansão. 
A fotografia acentua o realismo e a presença no acontecimento. Roland 
Barthes (1980: p. 135) escreveu que “toda fotografia é um certificado de 
presença.” Mas a fotografia apresenta uma série de características que podem 
situar-se como uma das formas de manipulação do real, sua matéria prima. 
Sabemos que todo o processo de produção de imagem, tem a interferência do 
produtor desde a escolha do equipamento, seleção do tema, ângulo até 
tratamento final. Para Arlindo Machado: “nada é mais subjetivo do que as 
objetivas fotográficas, porque o seu papel é personificar o olho do sujeito da 
representação” (1984: p. 37). É todo um sistema simbólico construído pelo 
fotógrafo e que vai ser interpretado pelo observador das imagens. Na 
 
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realidade, segundo Sontag: “as fotografias são experiências capturadas, e a 
câmera o instrumento ideal da consciência na sua atitude aquisitiva” (1986: p. 
14). 
São inúmeros e excelentes os artistas que escolheram a fotografia 
publicitária como forma de expressão, fotógrafos que são capazes de 
transformar um lençol numa obra de arte, um carro comum num design 
premiado, um peru assado numa natureza viva, uma simples tesoura numa 
verdadeira jóia. Uma comunicação sem qualquer utilidade social, segundo 
Oliviero Toscani (1996: p. 23), “sem força. Sem impacto. Sem outra mensagem 
que não seja a exaltação grotesca de um modo de vida acintosamente yuppie, 
bastante agradável e bem-humorada.” Os fotógrafos são obrigados a uma 
busca constante de aperfeiçoamento, porque a publicidade, como forma de 
expressão de uma sociedade, nunca chega, em matéria de choque, ousadia e 
inovação, nem no calcanhar da vida real. 
 É possível observar a presença maciça de imagens publicitárias nos 
informativos jornalísticos. Segundo Celso Kelly (1978: p. 191), “paralelamente 
caminham a publicidade e jornalismo. A bem dizer, aquela faz parte deste.” 
Entre relatos de guerra, prisões de criminosos, declarações de presidentes 
proliferam rostos ampliados, uma garrafa de cachaça com gravata borboleta 
preta confere-lhe formalidade; uma garrafa gotejante de cerveja confere-lhe 
alegria. “Não existe meio de comunicação que prescinda integralmente da 
propaganda ou que nunca esteja a serviço dela” (KELLY, 1978: p. 191). Veja 
nas revistas de automobilismo carrosque não nos permitem viver sem eles. 
Nas de moda, maiôs, calcinhas, vestidos, blusas, suéteres, calçados que nos 
tornam mais belos. Nas de culinária, pratos que fatalmente vão nos mandar 
para o spa mais próximo. Nas de forma física, o spa mais próximo mostrando 
aquela turma que nunca precisaria estar lá. “Porém o que distingue uma da 
outra é a finalidade, embora ambos busquem o favor do público” (KELLY, 1978: 
p. 191). Fundamentalmente, a publicidade é persuasão. Ela informa e ao 
mesmo tempo procura convencer aberta e explicitamente, enquanto o 
jornalismo tem uma preocupação muito maior com a comunicação e com a 
 
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opinião, que não ocupam espaço pago dentro da mídia. “Nos veículos de 
comunicação” conforme Kelly, “a tarefa consiste em transmitir uma verdade 
escrupulosamente referida, em termos acessíveis, de interesse geral, sem 
nenhum condicionamento a propósito do mercado” (1978: p. 191). 
Dou um exemplo. Dois, é melhor. No dia em que os jornais e revistas 
publicaram aquela foto da menininha nua fugindo de uma vila do Vietnã, que 
queimava em napalm, eles também publicavam fotos publicitárias. E como 
competir com aquilo? E aquela foto do chefe de polícia de Saigon dando um 
tiro na cabeça de um vietcong, como atrair atenção para um produto num 
momento como esse? E, três, a divina Luma de Oliveira nua na avenida, 
sambando e deslumbrando, quem vai olhar, digamos, para uma foto de 
comida? 
Disputar a preferência do consumidor potencial. Eis a varinha de condão 
que empresta toda a magia à arte comercial como um todo, e à fotografia de 
publicidade em particular. “Se a publicidade dá a receita à melhor contribuição 
possível, não deve transformar-se em fator de afastamento do público, em 
prejuízo do próprio anúncio” (KELLY, 1978: p. 185). Em outras palavras, 
apenas na medida em cada marca de produto ou serviço consiga destacar-se 
no universo de mercadorias oferecidas, é que as mensagens publicitárias que a 
apresentam se transformam em sucesso e todos investimentos nelas 
realizados obtêm sua paga: vendas e lucro. “Daí, a necessidade de que o 
anúncio seja cada vez mais bem feito, para atrair – e não para repelir – o 
ouvinte ou o leitor” (KELLY, 1978: p. 185). 
Retomando o exemplo da lata de óleo, imaginemos que o diretor de arte 
tenha incluído em seu layout original algum ou alguns elementos 
aparentemente secundários, que deverão compor a fotografia do produto: uma 
verdíssima folha de alface e uma branquíssima fatia de cebola estão ao lado da 
lata. O que acontece? Além de aumentar o apetite, ficamos sabendo que 
aquele produto é tão bom que é para ser consumido puro, em saladas, e não 
apenas para fritar batatas. Caso o redator do anúncio tenha colocado a frase 
"Quadro a óleo" no anúncio, seremos provavelmente induzidos a crer que se 
 
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trata efetivamente de um produto nobre, isto é, que tem o status de uma obra 
de arte — culinária, no caso. 
Existe uma relação de dependência entre a publicidade e o jornalismo. 
Um precisa do outro. O Jornal precisa da publicidade para se manter, pois não 
sobrevive somente de vendas aos leitores. A publicidade se utiliza o atrativo 
que a notícia exerce sobre os leitores do jornal para atingir seus objetivos. 
Segundo Kelly, “seu objetivo reside no aproveitamento do grande público 
desinteressado a que servem, para induzi-lo ao interesse particular de uma 
mercadoria ou de uma campanha” (1978: p. 191). 
Quem observa, hoje, um anúncio, certamente há de se surpreender com 
o resultado da técnica fotográfica, seja a cores ou em branco e preto: trucagens 
impossíveis de conceber como foram realizadas, iluminações dos produtos, o 
jogo de luz e sonho, os adereços que compõem uma fotografia de moda, a 
seleção de modelos, os objetos de cena, toda uma “produção” - como se diz no 
jargão do ramo fotográfico - destinada dar glamour o assunto fotografado. 
O exame da publicidade revela que nenhum gênero 
visual contemporâneo leva ao extremo as características da 
imagem, que não se reduzem à tarefa de representar, por 
semelhança, a forma extrema do objeto (NEIVA JR., 1994: p. 
70). 
 
Quanto maior a verossimilidade, maior seu poder de persuasão e também 
maior sua aceitação social. Essa imitação verossímil é legitimado pela 
sociedade. 
A imagem publicitária dirige-se frontalmente para o 
destinatário, definido como aquele que é capaz de consumir. O 
efeito de recepção é extremamente necessário (NEIVA JR., 
1994: p. 70). 
 
Ela recria o real, e embora não mude o mundo, pode ampliar e 
transformar vários mundos. E mesmo não sendo arte, a propaganda vive 
 
8 
 
também desta. Portanto, a propaganda não prescinde das técnicas da arte. Ela 
toma os dados reais e cria um novo material distinto, sem, no entanto, perder 
seu contato com o real. O processo de fazer algo novo sem, todavia, se 
desgarrar do real, como um cordão umbilical ligado à sociedade, é o objetivo 
intrínseco da propaganda, sua razão de ser. Este elo, este link 
propaganda/realidade condiciona e determina a boa ou a má criação. 
Mas imitar não é sua exclusividade. A arte e qualquer tipo de 
representação é uma adorável e apaixonante mimética. O escritor inventa, 
finge e cria um outro mundo a partir do mundo real. Ele representa e também 
seus personagens. 
...a imagem publicitária enuncia uma afirmação de na-
tureza sociológica: a publicidade ilustra algo mais do que um 
produto; torna visíveis idéias tidas como consensuais pela 
coletividade; sua eficácia dependerá do reconhecimento que 
receber (NEIVA JR. 1994: p. 69). 
 
É preciso que o destinatário identifique com a situação apresentada pela 
publicidade, para ser convertido num provável consumidor, para que moedas e 
mercadorias possam circular. 
Dissecando a propaganda podemos perceber que ela é uma construção 
de linguagens que precisa compulsoriamente conduzir ao real, embora através 
de conteúdo fantasiosos, ficcionais; ou seja, irreal. E aí está o segredo de sua 
ontologia. Por meio de simulação, ela tem que desencadear uma conduta 
verídica, uma adesão a sua mensagem. 
Na verdade, as fotografias que provocam tais emoções são mais do que 
reais, são “hiper-reais”: a lata de óleo de cozinha que desperta nossa vontade 
de comer salada só existe na fotografia. Segundo Sontag, “um dos sucessos 
perenes da fotografia foi a sua estratégia de transformar os seres vivos em 
coisas e coisas em seres vivos” (1986: p. 92). Quando confrontada com o 
modelo real - a lata de óleo concreta - se notará que o produto na fotografia é 
mais belo do que o que se encontra nos supermercados. 
 
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Fotografar é conferir importância. É provável que não 
exista nenhum tema que não possa ser tornado belo; mais 
ainda, não há nenhum modo de anular a tendência inerente a 
qualquer fotografia para valorizar o seu assunto (SONTAG, 
1986: p. 34) 
 
Claro, foram necessários mil recursos para tornar a lata hiper-real: efeitos 
de iluminação, um foco mais afinado do que a própria visão humana e, 
sobretudo, um paciente trabalho de “maquilagem” no produto, para lhe realçar 
os melhores ângulos e encobrir eventuais defeitos, comuns em qualquer linha 
de fabricação em série. 
 
Os fotógrafos que trabalham em publicidade, justamente 
aqueles que mais tiram proveito da ilusão espetacular, 
acumularam um grande número de técnicas cuja função é 
esconder o lugar do extraquadro onde está a 
câmera.(MACHADO, 1984: p. 89) 
 
Neste tipo de fotografia - o close de produto - é que se expressam os 
grandes talentos da câmara escura. Como os grandes pintores do passado, 
exploram o difícil métier da natureza-morta. Ou seja, o que estamos 
observando sugere uma ação complexa que está muito além do campo visual 
da fotografia. Conforme Celso Kelly (1978: p. 184) “a idéia do anúncio se junta 
à de produzir uma obra de arte capaz de atrair e causar simpatia, independente 
do mero objetivo.” Por isso, o apelo publicitárioé mais forte na sugestão. 
 
Será o anunciante uma fonte suspeita? Pelo menos, uma 
fonte interessada... A maneira de vencer a suspeição da 
origem está na qualidade artística do anúncio (que o tornará 
agradável) e na integridade do mesmo (que afastará os vícios 
 
10 
 
ou abusos de origem). Eis porque se preconiza a autonomia do 
anúncio, isto é, o anúncio como anúncio, mas tão bem 
concebido e realizado que se torne um prazer deparar com ele 
(KELLY, 1978: p. 187-8). 
 
A fotografia tem assim a virtude de nos vender “mais” do que o próprio 
produto. “A publicidade oferece aos nossos desejos um universo subliminar 
que insinua que a juventude, a saúde, a virilidade, bem como a feminilidade, 
dependem daquilo que compramos” (TOSCANI, 1996: p. 28). No anúncio de 
jeans, por exemplo, além da calça azul, queremos a liberdade e toda a 
juventude que lhe foram anexadas. Na fotografia do automóvel, desejamos 
também o idílio amoroso, presente na linda mulher de branco que está ao lado 
do carro. Na fotografia do sorvete colorido queremos, além do frescor do 
produto, todas as alegrias do verão. Consumimos, com os produtos, ideais de 
felicidade e prazer que se desprendem deles nas fotografias. Para Toscani, “a 
publicidade não vende produtos nem idéias, mas um modelo falsificado e 
hipnótico da felicidade” (1996: p. 27). 
Poder-se-ia dizer, então, que o bom anúncio, ou pelo menos o mais 
eficaz, seria aquele que fere mais fundo uma frustração latente do receptor da 
mensagem comercial. Sim e não. Sim, porque a fotografia comercial cava-se 
no reino da abundância, promete sempre uma Canaã, plena de prazeres, 
juventude, amor e perene felicidade. E não, pois de fato desejamos ser fortes, 
saudáveis, belos, inteligentes e amados. 
 
A publicidade excita os desejos, seduz os ingênuos, cria-
lhes necessidade, torna-os culpáveis. Ela nos atrai para os 
seus encantos, nos “acende” através de técnicas 
experimentadas. Compra-nos os nossos desejos, como se 
compram votos em política. (TOSCANI, 1996: p. 29) 
 
A fala fotográfica penetra o espectador através dos detalhes da imagem 
que consegue comentar a cumplicidade deste com aquele instante apreendido 
 
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por um certo ato fotográfico. Esta é a condição que diferencia a arte fotográfica 
das demais formas de produção de imagem. 
Se um dia fosse verdade tudo que as fotografias comerciais prometem, a 
sociedade ocidental teria, certamente, alcançado seu ideal de perfeição. Os 
publicitários, para fotógrafo Toscani (1996: p. 23), “são largamente sustentados 
por anunciantes eternamente ludibriados, continuam a abarrotar o planeta 
inteiro com o mesmo mundo de imagens bestificantes.” A essência do pecado 
da publicidade está na sua origem. 
Os nazista inventaram a propaganda publicitária da 
alegria ariana com filmes e série de fotos que louvavam um 
estilo de felicidade escoteira, corpo esculpido e desnudo, 
beleza loura, alegria de fazer parte de um grupo, grandes 
emoções simples, culto do natural e do autêntico, céu sem 
nuvens, veículos poderosos. Era necessário assemelhar-se a 
essa imagem idílica. (TOSCANI, 1996: p. 31) 
 
A publicidade, como fruto da moderna sociedade de consumo, faz parte 
de um sistema de vendas e, conseqüentemente, insere-se no conjunto 
chamado de marketing, sendo um instrumento para realizar os objetivos 
propostos pela estratégia de vendas de determinada linha de produtos. 
Marketing e publicidade são conceitos que surgem com a produção 
planificada, em escala, e com o consumo em massa. A comunicação industrial 
e comercial é um fenômeno do nosso tempo. A publicidade nasceu com a 
grande indústria. Ela é fruto da sociedade de consumo de massa e, para 
Toscani, tem que se adaptar a uma nova situação: “a sociedade de consumo 
não consome mais” (1996: p. 30). 
Como parte integrante do sistema de vendas, pois a publicidade não é um 
evento isolado, ela se subordina à estratégia de marketing, seguindo suas 
linhas e servindo, rigorosamente, como instrumentos a seus propósitos. À 
medida que a campanha de publicidade serve adequadamente aos objetivos 
da Divisão ou Gerência de Marketing, ela está sendo eficiente. À medida que 
 
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se dissocia desses propósitos, ela pode até dar bons resultados, mas, em 
longo prazo, não terá cumprido sua finalidade. 
Nesse sentido a publicidade não tem estratégia própria. Sua estratégia é 
a estratégia do cliente, do anunciante. O Plano de Marketing prevê o conjunto 
de ações da empresa no mercado; dele decorre o plano de vendas, e do plano 
de vendas surge do plano de publicidade. Por mais rudimentar e primário que 
seja, por mais empírico que se apresente, é necessário um plano de vendas. 
Portanto, pode-se afirmar, com absoluta segurança, que o plano de publicidade 
decorre do plano de vendas. Toscani acredita que a responsabilidade do 
publicitário é maior do que isso: “têm a incumbência de refletir sobre a 
comunicação de uma marca, sem ficar apenas no puro marketing” (1996: p. 
25). 
Sob o ponto de vista que a publicidade não é uma ação fantasiosa. É uma 
ação objetiva, direta, clara, tipicamente comercial, visando a propósitos 
definidos. Ela se integra no plano de vendas da empresa e a ele subordina. Se 
a publicidade tem objetivos bem claros e propósitos bem definidos, ela só pode 
estruturar a partir de elementos concretos. Um anúncio, entretanto, envolve 
aspectos estéticos. Corre-se, então, o risco de tomar a forma pelo conteúdo, ou 
seja: olha-se o anúncio pelo que aparenta; se for bonito e agrada a todos é 
aprovado. Então, a publicidade busca a imagem da perfeição para não correr 
riscos, de acordo com Toscani, “encontramos o mesmo mundo de imagens 
denunciadoras de felicidade na propaganda comunista dos velhos tempos” 
(1996: p. 32). 
Se pensarmos que o anúncio não é uma peça produzida para agradar o 
gosto desta ou daquela pessoa. Ele tem uma função no mercado. E essa 
função é muito objetiva: vender o produto. Discute-se muito se o anúncio vende 
ou não vende e os publicitários, de acordo com Toscani, “não cumprem a sua 
função: comunicar. Carecem de ousadia e de senso moral. Não refletem sobre 
o papel social, público e educativo da empresa que lhes confia um orçamento” 
(1996: p. 25). 
 
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A publicidade vista como um instrumento, um dos meios para realizar, 
para tornar vitorioso o plano de vendas. Com essa função são necessários 
certos pré-requisitos, que, supostamente, estão no plano de vendas. Mas o 
universo da mercadoria, segundo Jean Baudrillard, “já não é este: é um mundo 
saturado e em involução. De repente, perdeu o seu imaginário triunfal e, do 
estádio do espelho, passou de alguma maneira ao trabalho de luto” (1981: p. 
120). 
Essa atitude de defender a existência de supostos procedimentos de 
criação que não devem, sob pretexto algum, ser desrespeitados – se o que 
deseja é a eficácia e eficiência no resultado final da atividade criativa. Isso 
mantém e reforça o que Luiz Celso de Piratininga denominou de: “’regras 
criativas’, que devem ser seguidas bem de perto para não se correr o risco de 
erro na tarefa de produzir mensagens publicitárias eficientes e eficazes” (1994: 
p. 33). Ele critica, dizendo que no desejo de receber “lições claras de como 
criar anúncios eficazes”, alunos de publicidade e publicitários “fecham seu 
espírito para vôos mais arrojados (e, portanto, arriscados), tentando se agarrar 
aos manuais e às regras consagradas.” 
Sem os pré-requisitos do plano de vendas, a publicidade fica solta, como 
peça autônoma dentro do contexto. De acordo com Toscani, os publicitários se 
prendem ao plano de vendas porque “não querem pensar nem informar o 
público, com medo de perder os anunciantes” (1996: p. 25). A publicidade, 
sendo autônoma, passa a ser julgada pelo que ela aparenta ser e não pelo que 
ela deveria ser. Surge, então, o gosto pessoal de cada um, a guiar-se por 
tendências, conceitos e preconceitos.Para Toscani, “a publicidade das 
empresas poderia educar, emocionar, revelar talentos e artistas” (1996: p. 26). 
Isso nada têm a ver com os objetivos propostos nos planos de vendas, o 
parâmetro utilizado para julgar a campanha de propaganda. 
A fórmula antiga da publicidade, das imagens idílicas e fantasiosas, sem 
idéias novas, sem caminhos inovadores, condicionados a não ousar, está 
condenada ao desaparecimento. Acrescenta Baudrillard, “o aspecto atualmente 
mais interessante da publicidade é o seu desaparecimento, a sua diluição 
 
14 
 
como forma específica, ou como medium, muito simplesmente” (1981: p. 116). 
Trazendo consigo ranços e preconceitos históricos, a publicidade se vale 
simplesmente de recursos encontrados nas demais artes para tornar suas 
mensagens mais eficientes. A publicidade na opinião de Toscani, “já está 
ficando rouca de tanto falar em felicidade, parece que não tem outra palavra na 
boca, enquanto a crise bate à porta de todo mundo e as populações começam 
a preocupar-se com o próprio futuro” (1996: p. 29). A publicidade tem buscado 
no velho não apenas o exemplo, mas a fórmula e a receita testada, abrindo 
mão de seu mais precioso potencial: o atrevimento, a impetuosidade, a 
inovação. Embora esteja sofrendo transformações segundo Baudrillard: 
Não é por acaso que a publicidade, depois de ter 
veiculado durante muito tempo um ultimato implícito de tipo 
econômico, dizendo e repetindo, no fundo incansavelmente: 
“Compro, consumo, gozo”, repete hoje sob todas as formas: 
“Voto, participo, estou presente, isto me diz respeito” – espelho 
de uma zombaria paradoxal, espelho da indiferença de todo o 
significado público (1981: p. 118). 
 
Se já houve quem dissesse que o valor de um bem se mede sempre por 
sua raridade e que seu valor seria sempre definido pela relação entre a de-
manda e a oferta, como falar de “raridade” ou “oferta reduzida” no capitalismo 
contemporâneo, ao tentar valorar um bem, se este bem é produzido aos 
milhares de unidades em linhas de produção em massa e oferecido em 
incontáveis pontos-de-vendas? 
De acordo com Piratininga, “diferencial é a chave, seja ele de qualidade 
intrínseca, seja ele apenas aparente, a partir de características agregadas à 
imagem do bem ou serviço anunciado” (1994: p. 22). Assim, é necessário criar 
um fator de diferenciação para a mercadoria, pois será sempre este diferencial 
(de inovação, de preço, de aparência, de atribuição de status, de facilidade de 
uso etc.) que fará se destacar frente à concorrência no universo de ofertas ao 
consumidor e motivará sua aquisição. 
 
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Como exigir que o resultado final do trabalho de concepção, produção e 
divulgação de uma mensagem de comunicação publicitária seja “original” ou 
“criativo”, sempre um requisito fundamental á implantação de algum diferencial, 
e ao mesmo tempo esteja de acordo com que se pratica institucionalmente, de 
modo a não configurar a quebra da conformidade ou o estabelecido de um 
comportamento divergente que possa ser punido? 
Este duplo desafio – por um lado, o compromisso com a eficácia e a 
eficiência empresariais e, por outro lado, a dificuldade em romper com os 
padrões pessoais e institucionais adotados pela grande maioria – se denuncia 
na atividade de comunicação social dedicada a servir aos objetivos 
mercadológicos das organizações, segundo Piratininga, “através de 
extensíssima série de manuais, relatórios e códigos de ‘como fazer boa 
propaganda’” (1994: p. 26). Preocupados em determinar e definir os 
procedimentos mais adequados para a criação, sempre visando a garantir a 
eficácia e a eficiência, eles ainda perduram na prática profissional e acadêmica, 
a despeito do cotidiano derrubar constantemente as regras, pois são inúmeros 
os casos que escapam a qualquer critério pré-estabelecido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Referências Bibliográficas 
 BARTHES, Roland. A câmara clara. Lisboa (Portugal): Edições 70, 1980. col. 
Arte e Comunicação. 
 BAUDRILLARD, Jean. Simulacro e Simulação. Lisboa (Portugal): Relógio 
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 CESAR, Newton e PIOVAN, Marco. Making Of: Revelações sobre o dia-a-dia 
da Fotografia. 1ª Edição. São Paulo: Futura, 2003. 
 CORDEIRO, Ricardo. Fotografia publicitária e fotografia jornalística: pontos em 
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Teorias da Publicidade”, mestrado em Ciências da Comunicação, 2005/2006 
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