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Prof.ª. Dr.ª MARIA RAQUEL CAETANO Nome da disciplina: Aspectos históricos e emancipatórios da educação 01 TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 2 1. INTRODUÇÃO A educação é uma prática humana direcionada por uma determinada concepção teórica. A prática pedagógica está articulada com uma concepção histórica-filosófica-sociológica da educação. Tais concepções ordenam os elementos que direcionam a prática educacional. Pretendemos demonstrar como se dá essa articulação e que procedimentos poderemos utilizar para processá-la. Para tanto, vamos iniciar por uma discussão sobre fundamentos da educação e da filosofia e seu papel na prática humana, passando para uma abordagem do processo de filosofar, articulando a Filosofia e a Educação. Sendo a educação um campo amplo de estudos, para abordar o tema, foi preciso fazer escolhas sobre o que e como abordar. Não teremos aqui a oportunidade de realizar um estudo exaustivo e abrangente de todos os fundamentos, mas optamos por proceder ao estudo de alguns temas essenciais que permitam utilizá-los como bases para a reflexão e compreensão da relação entre sociedade, educação e produção do conhecimento. A cada tema você terá uma ou duas questões para refletir, relacionando com o estudo. 1.1. Considerações Iniciais sobre Fundamentos da Educação Pensar em educação é, antes de tudo, pensar em qual cidadão a escola e a sociedade deseja em seu meio, haja vista que a educação é mediação para o convívio social. Neste quesito, a escola, sendo uma das mediadoras deste processo, tem por finalidade possibilitar espaços onde tais sujeitos possam desenvolver-se, mediante um processo de diálogo que se estabelece entre a socialização e individuação de cada estudante, TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 3 objetivando a construção da autonomia, através da formação de indivíduos capazes de assumir uma postura crítica frente ao mundo. Nesse contexto, todo espaço é um espaço de educação. Viver é um processo constante e dialógico de educação, de educar e ser educado. Brandão diz que Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e- ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações. (BRANDÃO, 1993, p. 7). O ser humano, nas diversas esferas relacionais no qual participa – sejam elas na família, na escola, na igreja, nos clubes – está sempre aprendendo algo, mediado pelos mais variados motivos: aprender para saber, para conviver, para fazer ou mesmo para ser (BRANDÃO, 1993). A educação não é a preparação para vida, ela integra a vida de qualquer sujeito. A educação é uma forma de pensar o tipo de cidadão que a sociedade deseja, ajudando a criá-lo, mediante formas de passar adiante saberes e costumes que legitimem determinadas formas de pensar e agir, tais como: valores, crenças, rituais, hábitos, etc. Baseados em Brandão (1993) podemos dizer que a educação ajuda a pensar tipos de homens, ajuda a criá-los, a passar uns para os outros os saberes. Para o autor, a educação produz o conjunto de crenças e ideias que constroem tipos de sociedade. Portanto, a Educação não deve ser pensada, de maneira restrita, apenas como processos de ensino e aprendizagem, e sim de maneira mais ampla, como processo de desenvolvimento integral do homem (ARANHA, 1996). EXERCITANDO A REFLEXÃO: TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 4 Observando a tira abaixo de autoria do Armandinho, qual a diferença entre educação e escolarização? 1.2. Teoria da Educação A Teoria da Educação é a ciência que pesquisa o valor e os limites da educação como processo de edificação e de libertação do ser humano, deseja explicar o verdadeiro sentido e sua dimensão, conceitual e fidedigno do processo educativo do indivíduo. Assim pode-se dizer que as Teorias da Educação são constituídas por concepções pedagógicas. As Teorias da Educação são entendidas, não em si mesmas, mas na forma como se entrelaçam no movimento real da educação orientando e constituindo a própria substância da prática educativa. A Teoria da Educação é a ciência que estuda a possibilidade, o valor e os limites da educação como processo de aperfeiçoamento e de libertação do homem. O professor espanhol Quintana Cabanas (2002) contribui afirmando que as Teorias da Educação, são constituídas por concepções educacionais e de um modo geral, envolvem três níveis: •Nível da filosofia: educação que, sobre a base de uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre a problemática educativa, busca explicitar as finalidades, os valores que expressam uma visão geral de Homem, de mundo e de sociedade, com vistas a orientar a compreensão do fenômeno educativo; TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 5 •Nível sociológico: procura sistematizar os conhecimentos disponíveis sobre os vários aspectos envolvidos na questão educacional que permitam compreender o lugar e o papel da educação na sociedade. Busca identificação com a pedagogia, e passa a compreender o lugar e o papel da educação na sociedade; • Nível pedagógico: é o modo como é organizado e realizado o ato educativo. Portanto, em termos concisos, podemos entender a expressão “concepções pedagógicas” como as diferentes maneiras pelas quais a educação é compreendida, teorizada e praticada (Cabanas, 2002, p.23). Poderíamos acrescentar ainda o nível histórico, fundamental para explicar o desenvolvimento do homem como ser social e histórico. Para conhecer como um homem criou e inovou seu campo de atuação, é importante conhecer a época em que viveu, o contexto social e histórico de seu país, seus colaboradores, entender sua história. O pensar, agir e sentir estão organizados por elementos histórico-sociais, assim, para compreender a educação de forma mais ampla, necessitamos conhecer o movimento histórico de sua constituição. 1.3. Continuando a conversa... É o Iluminismo que conforme Fortes (2012), que marca o projeto educacional moderno no qual a educação passou a ser o foco, por excelência, das esperanças na humanidade. “Um sujeito bem-educado seria, necessariamente, a certeza de um mundo melhor” (Fortes, 2012, p;44). Iluminismo – Movimento cultural que se desenvolveu na Inglaterra, Holanda e França, nos séculos XVII e XVIII, baseado nas ideias de liberdade política e econômica, defendidas pela burguesia. Os filósofos e economistas que difundiam essas ideias julgavam-se propagadores da luz e do conhecimento, sendo, por isso, chamados de iluministas. TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 6 É justamente aí que a educação recebeu sua tarefa fundamental e sua base normativa, qual seja, de educar para o aperfeiçoamento moral da humanidade, a incorporação ao mundo do trabalho, a intervenção na vida, surgindo, assim, o “sujeito escolar”, que, segundo Sacristán (2005) vai apresentando relevância porque a infância começa a ser institucionalizada e assim, as crianças começam a ser liberadas do trabalho especialmente nas fábricas, “embora os menores das classes mais baixas foram escolarizados mais por razões morais e de controle social do que por qualquer outro motivo” (SACRISTÁN,2005, p. 101 apud Fortes,2012). De uma forma mais geral, éa partir da Revolução Francesa com os ideais de Igualdade, Liberdade, Fraternidade e da Declaração Universal dos Direitos do Homem que marca o surgimento da educação como direito e a partir da Revolução Industrial, os sistemas de educação e a escola pública (séculos XVIII e XVIX). Para saber mais acesse o artigo: FORTES. Maria Carolina. Teorias da Educação: Qual teoria da educação fundamenta meu cotidiano docente? Revista Educação por Escrito –Porto Alegre: PUCRS, v.3, n.2, dez. 2012.Disponivel em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/porescrito/article/view/11220/8588 1.4. Teoria e Prática: Práxis Pedagógica e ação docente Caldeira e Zaidan (2013) nos ajudam a compreender que ao considerar a atividade docente como expressão do saber pedagógico e ao mesmo tempo, fundamento e produto da atividade docente que acontece no contexto escolar, a ação docente é compreendida como uma prática social. Prática que se constrói no cotidiano dos sujeitos nela envolvidos e que, na prática se constituem como seres humanos. Partindo TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 7 dessa compreensão, toma-se como ponto de partida a contribuição de Carvalho e Netto (1994, p. 59, apud Caldeira; Zaidan,2013), quando afirmam: Toda prática social é determinada: por um jogo de forças (interesses, motivações, intencionalidades); pelo grau de consciência de seus atores; pela visão de mundo que os orienta; pelo contexto onde esta prática se dá; pelas necessidades e possibilidades próprias a seus atores e própria à realidade em que se situam. Podemos compreender que a prática pedagógica é uma prática social complexa, que acontece em diferentes espaços/tempos da escola, no cotidiano de professores e alunos nela envolvidos e, especialmente, na sala de aula, mediada pela interação professor, aluno e conhecimento. Franco(2016) diz que as práticas pedagógicas incluem desde o planejamento e a sistematização da dinâmica dos processos de aprendizagem até a caminhada no meio de processos que ocorrem para além da aprendizagem, de forma a garantir o ensino de conteúdos e atividades que são considerados fundamentais para aquele estágio de formação do aluno, e, por meio desse processo, criar nos alunos mecanismos de mobilização de seus saberes anteriores construídos em outros espaços educativos. O professor, em sua prática pedagogicamente estruturada, deverá saber recolher, como ingredientes do ensino, essas aprendizagens de outras fontes, de outros mundos, de outras lógicas, para incorporá-las na qualidade de seu processo de ensino e na ampliação daquilo que se reputa necessário para o momento pedagógico do aluno (FRANCO, 2016,p.547). Portanto, a prática pedagógica se constrói no cotidiano da ação docente e nela estão presentes, simultaneamente, ações práticas mecânicas e repetitivas, necessárias ao desenvolvimento do trabalho do professor e à sua sobrevivência nesse espaço, assim como, ações TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 8 práticas criativas, inventadas no enfrentamento dos desafios de seu trabalho cotidiano(CALDEIRA;ZAIDAN,2003). 1.5 Quando a atividade do professor é práxis? A atividade do professor é práxis quando é feita tendo em vista o alcance de determinados resultados (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1977) para resolver problemas postos pela prática e transformá-la. Para que a realidade seja transformada, é necessária uma ação prática. Por sua vez, as necessidades que emergem do cotidiano da sala de aula e de outros espaços escolares, demandam uma teoria. Portanto, na prática estão presentes a ideia e a ação, que buscam transformar a realidade, ou seja, há uma unidade entre teoria e prática, entre concepção e ação. Nesse sentido, a prática pedagógica é, ao mesmo tempo, a expressão e a fonte do saber docente, e do desenvolvimento de uma teoria pedagógica. Assim, ao mesmo tempo em que o professor age segundo suas experiências e aprendizagens, ele cria e enfrenta desafios cotidianos (pequenos e grandes) e, com base neles, constrói conhecimentos e saberes, num processo contínuo de fazer e refazer. A prática e a reflexão sobre a prática, constituem-se num movimento contínuo de construção, como parte da experiência vivida pelos sujeitos e como elemento essencial de transformação da realidade. Resumindo: A prática pedagógica se constrói no cotidiano da escola e da sala de aula mediadas pela interação entre professor, aluno e o conhecimento. TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 9 Seguindo o mesmo princípio, baseamo-nos em Konder (1992) para dizer que: A práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos se afirmam no mundo, modificam a realidade e, para poder alterá-la transformam-se a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar, precisa de reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, confrontando-os com a prática visando a transformação da realidade. EXERCITANDO A REFLEXÃO: O que você compreende como “práxis”? A práxis integra o seu fazer pedagógico? 1.6 Ação docente e práxis docente Ao considerar a atividade docente como expressão do conhecimento pedagógico e do saber cotidiano e ambos, simultaneamente, como fundamento e produto da atividade docente no Baseado em Caldeira; Zaidan(2003). TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 10 contexto escolar, numa instituição social historicamente construída- a escola, entendemos que a ação docente é uma prática social. Prática que se constrói no cotidiano dos sujeitos nela envolvidos e que nela se constituem como seres humanos e como profissionais(Caldeira;Zaidan,2013). De acordo com Vasquez (2011), a práxis é uma relação entre teoria e prática na qual pode haver uma transformação da realidade existente, não havendo uma separação entre estes dois elementos, pois ambos formam uma unidade. PRÁTICA – TEORIA – PRÁTICA REFLETIDA (na teoria) - TRANSFORMAÇÃO A reflexão deve ocorrer a partir da teoria, cujo propósito da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para neles intervir, transformando-os (PIMENTA;GUEDIN, 2002, p. 26).A práxis é a prática refletida teoricamente com vistas a transformação. O que são conhecimentos pedagógicos? De uma forma geral, podemos dizer que são aqueles relacionados aos processos de ensino e aprendizagem: como ensinar, porque ensinar, o que ensinar ou seja, além do conhecimento da disciplina que irá ensinar, o docente precisa ter condições para compreender e assegurar-se da importância e do desafio inerente ao processo de ensino e aprendizagem e dos princípios do caráter ético da sua atividade docente. Também se referem ao como aprender, porque aprender, como se avalia e as relações que se estabelecem nesses processos. TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 11 COMPREENDENDO OS CONCEITOS: “Práxis” e “prática” são conceitos diferentes. Práxis diz respeito a “atividade livre, universal, criativa e auto-criativa, por meio da qual o homem cria (faz, produz) e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico a si mesmo” .Já o conceito de prática se refere a uma dimensão da práxis: a atividade de caráter utilitário-pragmático, vinculadas às necessidades imediatas. A práxis pode ser entendida como ação transformadora do homem sobre o mundo, o quesignifica não apenas atividade prática, mas atividade prática sustentada na reflexão, em outras palavras, a PRÁXIS É UMA PRÁTICA REFLETIDA, é a consciência da prática. Para Vazquez (1977, p. 185), a práxis não é apenas atividade social transformadora, no sentido da transformação da natureza, da criação de objetos, de instrumentos, de tecnologias; é atividade transformadora também com relação ao próprio homem que, na mesma medida em que atua sob a natureza, transformando-a, produz e transforma a si mesmo. VAZQUEZ, A. S. Filosofia da Práxis. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977. O professor, na heterogeneidade de seu cotidiano, está sempre diante de situações complexas para as quais deve encontrar respostas, muitas vezes imediatas, as quais, repetitivas ou criativas, dependem de sua capacidade e habilidade de leitura da realidade e, também, do contexto, pois este pode facilitar e/ou dificultar a sua prática. Assim, as respostas do professor se expressam na sua forma de intervenção sobre a realidade em que atua: a sala de aula. Tais respostas constituem a origem do seu saber. E o seu saber docente – elaborado com base no conhecimento que o professor possui e na relação estabelecida entre esses e sua vivência – identifica-se com a relação teoria-prática da ação docente, portanto, identifica-se com a sua práxis. Para que a realidade seja transformada, a prática se faz necessária. A prática no sentido de uma ação material, objetiva, transformadora, que corresponde a interesses sociais e que, considerada do ponto de vista histórico- -social, não é apenas produção de uma realidade material. TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 12 Pimenta (1994) explica que o professor, como agente de uma práxis transformadora, necessita assim de sólida formação teórica e de uma reflexão crítica sobre sua ação pedagógica. Concluindo, ousaríamos afirmar que a ação docente deve ser uma práxis, mais especificamente uma práxis criadora, visando à formação humana do docente. Para isso, o docente necessitará de um conhecimento pedagógico que fundamente sua prática e que o convide à reflexão, principalmente quando esta é realizada pelo coletivo de professores. Essa, sim, é a meta geral e central da formação de educadores (CALDEIRA; ZAIDAN,2013). Para saber mais, acesse os artigos: FRANCO. M. A. R. S. Prática pedagógica e docência: um olhar a partir da epistemologia do conceito. Revista Bras. Estud. Pedagógicos. (on-line), Brasília, v. 97, n. 247, p. 534-551, set./dez. 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbeped/v97n247/2176-6681-rbeped-97- 247-00534.pdf EXERCITANDO A REFLEXÃO: “A teoria sem a prática vira 'verbalismo', assim como a prática sem teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a CALDEIRA. Anna Maria S; ZAIDAN. Samira. Práxis pedagógica: um desafio cotidiano. Revista Paidéia. Universidade FUMEC. Belo Horizonte, vol. 10. jan./jun. 2013. Disponível em: http://www.fumec.br/revistas/paideia/article/view/2374/1430. TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 13 teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade.” (FREIRE, 1996, p. 25). RESPONDA: 1.Como você traduziria essa frase com suas palavras? 2. Você costuma estabelecer na sua prática, relação com a teoria? Você costuma refletir sobre sua prática com vistas a transformação da mesma? 2. FUNDAMENTOS DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO Existem vários autores que discutem o tema, mas nesse estudo, optamos por abordar o tema a partir de Luckesi, em seu livro clássico sobre Filosofia da Educação (1994). Para o autor, Filosofia é um corpo de conhecimento, constituído a partir de um esforço que o ser humano vem fazendo de compreender o mundo e dar-lhe um sentido, um significado compreensivo. Significa um conjunto coerente e organizado de entendimentos sobre a realidade. Conhecimentos estes que expressam o entendimento que se tem do mundo, a partir de desejos, anseios e aspirações dos seres humanos, aspirações essas que dão sentido ao dia-a-dia, à luta, ao trabalho, à ação. Ninguém vive o dia-a- dia sem um sentido; para o seu trabalho, para a sua relação com as pessoas, para o amor, para a amizade, para a ciência, para a educação, para a política, para as artes, etc. A Filosofia se manifesta ao ser humano como uma forma de entendimento que tanto propicia a compreensão da sua existência, em termos de significado, como lhe oferece um direcionamento para a sua ação, um rumo para seguir ou, ao menos, para lutar por ele. Ela estabelece um quadro organizado e coerente de "visão de mundo" sustentando, consequentemente, uma proposição organizada e coerente para o agir. Nós não "agimos por agir". Agimos, sim, por uma TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 14 certa finalidade, que pode ser mais ampla ou mais restrita. As finalidades restritas são aquelas que se referem à obtenção de benefícios imediatos, as finalidades mais amplas são aquelas que se referem ao sentido da existência: buscar o bem da sociedade, lutar pela emancipação dos oprimidos, lutar pela emancipação de um povo etc. Isso tudo, por quê? Certamente devido ao fato de que a vida só tem sentido se vivida em função de valores dignos e dignificantes. Desse modo, a Filosofia é um corpo de entendimentos que compreende e direciona a existência humana em suas mais variadas dimensões. A Filosofia é a expressão de uma forma coerente de interpretar o mundo que possibilita um modo de agir também coerente, consequente, efetivo, traduz o sentir, o pensar e o agir do homem. Evidentemente, ele não se alimenta da filosofia, mas, sem dúvida nenhuma, com a ajuda da filosofia. Luckesi(1994) traz também a contribuição de Arcângelo Buzzi, que em seu livro Introdução ao pensar, diz que consciente ou inconscientemente, explícita ou implicitamente, quem vive possui uma filosofia de vida, uma concepção do mundo. Esta concepção pode não ser manifesta. Certamente ela se aninha nas estruturas inconscientes da mente. De lá ela comanda, dirige- lhe os passos, norteia avida. A vida concreta de todo homem é, assim, Filosofia. O campônio, o operário, o técnico, o artista, o jovem, o velho, vivem todos de uma concepção de mundo. Agem e se comportam de acordo com uma significação inconsciente que emprestam à vida. Quando o autor diz que todos temos uma "filosofia de vida", ele quer dizer que todos nos orientamos por valores. Mas que nem sempre esses valores estão conscientes, explícitos. A filosofia é sempre uma reflexão crítica sobre o sentido e o significado das coisas, das ações etc. TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 15 A filosofia, como já dissemos, não é apenas um instrumento para a compreensão do mundo e interpretação dos seus fenômenos. É também um instrumento de ação e arma política e, como tal, tem sido utilizada, em todos os tempos, consciente ou inconscientemente (Luckesi,1994). Esse fato é tão verdadeiro que a filosofia tem gerado, ao longo da história humana, atitudes contraditórias e paradoxais. Jaspers apud Luckesi (1994) analisa muito bem essa contradição, quando escreve: ...A filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não tem consciência dessa contradição. A autocomplacência burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito de se apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo do poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias,a aspiração a um nome literário— tudo isso proclama a Se nós não escolhermos qual é a nossa filosofia, qual é o sentido que vamos dar à nossa existência, a sociedade na qual vivemos nos dará, nos imporá a sua filosofia. E como se diz que o pensamento do setor dominante da sociedade tende a ser o pensamento dominante da própria sociedade, provavelmente aqueles que não buscam criticamente o sentido para a sua existência assumirão esse pensamento dominante como o seu próprio pensamento, a sua própria filosofia. Quem não pensa é pensado por outros! Deste modo, a filosofia se manifesta como o corpo de entendimento que cria o ideário que norteia a vida humana em todos os seus momentos e em todos os seus processos. A filosofia é uma força, é o sustentáculo de um modo de agir. É uma arma na luta pela vida e pela emancipação humana. TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 16 antifilosofia. E os homens não o percebem porque não se dão conta do que estão fazendo. E permanecem inconscientes de que a antifilosofia é uma filosofia, embora pervertida, que, se aprofundada, engendraria sua própria liquidação. Ou seja, não há como negar a filosofia sem fazer filosofia, porque para se negar o valor da filosofia dentro do mundo é preciso ter uma concepção do mundo que sustente esta negação. Em síntese, a filosofia é uma forma de conhecimento que, interpretando o mundo, cria uma concepção coerente e sistêmica que possibilita uma forma de ação efetiva. Essa forma de compreender o mundo tanto é condicionada pelo meio histórico, como também é seu condicionante. Ao mesmo tempo é uma interpretação do mundo e é uma força de ação (Luckesi, 1994, p.27). PARA REFLETIR: Abaixo temos uma ‘tirinha’ do Armandinho. PERGUNTA: Como você relaciona essa ‘tira’ com o texto acima? TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 17 2.1 Educação e seus aspectos histórico-filosóficos A educação é um típico "que-fazer" humano, ou seja, um tipo de atividade que se caracteriza fundamentalmente por uma preocupação, por uma finalidade a ser atingida. A educação dentro de uma sociedade não se manifesta como um fim em si mesma, mas sim como um instrumento de manutenção ou transformação social. Assim sendo, ela necessita de pressupostos, de conceitos que fundamentem e orientem os seus caminhos. A sociedade dentro da qual ela está deve possuir alguns valores norteadores de sua prática. Não é, nem pode ser a prática educacional que estabelece os seus fins. Quem o faz é a reflexão histórico-filosófica sobre a educação dentro de uma dada sociedade. As relações entre Educação e Filosofia parecem ser quase "naturais". Enquanto a educação trabalha com o desenvolvimento das crianças, jovens e adultos de uma sociedade, a filosofia é a reflexão sobre o que e como devem ser ou desenvolver estes sujeitos e esta sociedade. Deve-se mesmo observar que os primeiros filósofos do Ocidente, na quase totalidade, tiveram um "preocupar" com o aspecto educacional. Os chamados filósofos pré-socráticos, os sofistas, Sócrates, Platão foram os intérpretes das aspirações de seus respectivos tempos e apresentaram-se sempre como educadores. Por exemplo, os pré-socráticos, pelo que podemos saber por seus fragmentos, dedicavam-se a entender a origem do cosmos e a criar uma compreensão para a educação moral e espiritual dos homens. Os sofistas foram educadores. TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 18 Sócrates foi o homem que morreu em função do seu ideal de educar os jovens e estabelecer uma moralização do ambiente grego ateniense. Platão foi o que pretendeu dar ao filósofo o posto de rei, a fim de que este tivesse a possibilidade de imprimir na juventude as ideias do bem, da justiça, da honestidade. Da mesma maneira, se percorrermos a História da Filosofia e dos filósofos, vamos verificar que todos eles tiveram uma preocupação com a definição de uma cosmovisão que deveria ser divulgada através dos processos educacionais. Nas relações entre Filosofia e educação só existem realmente duas opções: ou se pensa e se reflete sobre o que se faz e assim se realiza uma ação educativa consciente; ou não se reflete criticamente e se executa uma ação pedagógica a partir de uma concepção mais ou menos obscura e opaca existente na cultura vivida do dia-a-dia – e assim se realiza uma ação educativa com baixo nível de consciência. Nesse contexto, é imprescindível refletir sobre quem é o educando, o que deve ser, qual o seu papel no mundo; quem é o educador, qual o seu papel no mundo; o que é a sociedade, o que pretende; qual deve ser a finalidade da ação pedagógica. Estes são alguns problemas que emergem da ação pedagógica dos povos para a reflexão filosófica, no sentido de que esta estabeleça pressupostos para aquela. Importa que em Educação o professor saiba, a partir do processo reflexivo, que tipo de homem deseja formar – um ser passivo? Ou crítico, reflexivo e atuante, capaz de individual ou coletivamente, transformar a sociedade? É a Filosofia que permite refletir sobre a escolha desse caminho. A reflexão quanto possibilita atingir o lugar que se desejava alcançar, o que, no caso da Educação, são os fins almejados, TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 19 tendo em conta o modelo de homem, de sociedade e de cultura estabelecidos. Assim sendo, não há como se processar uma ação pedagógica sem uma correspondente reflexão filosófica. Se a reflexão filosófica não for realizada conscientemente, ela o será sob a forma do "senso comum", assimilada ao longo da convivência dentro de um grupo. Se a ação pedagógica não se processar a partir de conceitos e valores explícitos e conscientes, ela se processará, queiramos ou não, baseada em conceitos e valores que a sociedade propõe a partir de sua postura cultural. Quando não se reflete sobre a educação, ela se processa dentro de uma cultura cristalizada e perenizada. Isso significa admitir que nada mais há para ser descoberto em termos de interpretação do mundo. Por mais grandiosa que seja uma cultura—diz Arcângelo Buzzi —ela jamais é a interpretação acabada do ser. A ciência, a moral, a arte, a religião, a política, a economia são expressões visíveis, codificadas de uma determinada interpretação, que em seu conjunto perfaz aquilo que denominamos cultura ou, de modo mais amplo, `mundo. Estamos tão habituados a encarar esse `mundo ‘interpretado como `natural’ que não nos damos conta de que ele é apenas possível e realizada interpretação do ser. Inconscientemente, adaptamo-nos a essa interpretação do mundo e ela permanecerá como a única para nós, se não nos pusermos a filosofar sobre ela, a questioná-la, a buscar- lhe novos sentidos e novas interpretações de acordo com os novos anseios que possam ser detectados no seio da vida humana. TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 20 Sugestão de Leituras: Você percebeu que para organizar e contribuir na construção de um Projeto Político Pedagógico da escola/instituição ou Projeto Pedagógico de um Curso ou de uma área/disciplina é necessário ter conhecimentos filosóficos? Que é fundamental refletir com o coletivo que homem/ estudante queremos formar? Para qual sociedade? Qual o papel do professor e da sua ação pedagógica? Pense nisso! Concluímos a primeira parte do estudo, convido você para fazer o estudo do Texto Base 2 que irá abordar os principais períodos históricos da filosofia, a ciênciae a filosofia e conceitos fundantes para buscar a compreensão da educação sob diferentes perspectivas. Vamos lá? Pensar é próprio do humano. Este livro quer ser um convite e estímulo ao pensamento, partindo de temas comuns da filosofia. Ilustrado com citações de muitos pensadores, nos leva a pensar os fenômenos do dia-a-dia. Autor: Arcângelo R. Buzzi . Ed. Vozes. Trata-se de uma reflexão sobre a realidade educacional, enfocando sob o prisma da filosofia os aspectos técnicos e metodológicos da prática escolar. Autor: Cipriano Luckesi. Ed. Cortez. TEXTO BASE 01 Aspectos históricos e emancipatórios da educação 21 Referências ARANHA, Maria de A. História da Educação 2 ed. São Paulo: Moderna, 1996. BRANDÃO, C. Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Abril Cultura; Brasiliense,1993. CABANAS, José Maria Quintana. Teoria da Educação: Concepção antinômica da educação. Portugal: Edicções ASA,2002. CALDEIRA. Anna Maria S; ZAIDAN. Samira. Práxis pedagógica: um desafio cotidiano. Revista Paidéia. Universidade FUMEC. Belo Horizonte, vol. 10. jan./jun. 2013.Disponível em: http://www.fumec.br/revistas/paideia/article/view/2374/1430.Acesso em 28 de fev.2021. FORTES. Maria Carolina. Teorias da Educação: Qual teoria da educação fundamenta meu cotidiano docente? Revista Educação por Escrito. Porto Alegre: PUCRS, v.3, n.2, dez. 2012. FRANCO, Maria Amélia do Rosario Santoro. Prática pedagógica e docência: um olhar a partir da epistemologia do conceito. Rev. Bras. Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 97, n. 247, p. 534-551, dez. 2016. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1996. LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez,1994. PIMENTA, S.G.; GHEDIN, E. (Org). Professor Reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002. PIMENTA, Selma Garrido O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática? São Paulo: Cortez, 1992. VAZQUEZ, A. S. Filosofia da Práxis. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977. http://www.fumec.br/revistas/paideia/article/view/2374/1430.Acesso
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