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Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO PROBLEMA 2 – ABERTURA: HERPES SIMPLES: O vírus herpes simples, pertencente à mesma família que o vírus varicela-zóster, é uma estrutura viral com DNA e cápsula, que pode apresentar duas formas morfologicamente iguais (compartilham 50% de material genético), HSV-1 (causador da herpes oral) e HSV-2 (responsável pela herpes genital). Esses vírus podem entrar em latência, processo crucial para sua patogênese. A infecção viral se inicia com a ligação do vírion a receptores na superfície celular, mediada por glicoproteínas (gB, gD e Gh) em seu envelope. Ao alcançar o núcleo, uma proteína denominada VI16 ativa a DNA- polimerase-2-celular, que por sua vez transduz genes-α virais em proteínas. Esse mecanismo facilita outros processos replicativos, responsáveis pela formação de proteínas-β, como a timidina-cinase viral (vTK) e a DNA-polimerase viral (vPol), atuantes na síntese de material genético viral e na expressão de proteínas-g (suprimem a ação de reguladores celulares). Mecanismo de entrada e replicação do HSV nas células Os novos vírions gerados já deixam o núcleo da célula com uma porção da membrana nuclear, que servirá para consolidar seu nucleocapsídeo. Desse modo, a infecção pelo vírus torna as células do hospedeiro grandes fábricas para HSV, direcionando todo seu metabolismo para a perpetuação da replicação do antígeno. Quando a latência se instala, todo esse mecanismo é interrompido abruptamente, estando associado à destruição de mRNA das células invadidas, levando à sua degeneração. Com a replicação viral em curso, células dérmicas/epidérmicas entram em processo de necrose, formando ulcerações, pouco disseminadas graças à atuação de neutrófilos e linfócitos. A resolução da lesão é mediada por macrófagos, que debridam e reeptelizam o local afetado. Ainda que possa infectar diversos tipos de células e tecidos, o ponto mais comum para a infecção primária é a pele circundante ao local de entrada do vírus, evidenciando o papel da imunidade celular no controle da doença. Processo de formação de lesões cutâneas por HSV Frente a essas respostas, o vírion penetra em terminações nervosas da pele, desprovido de sua capsula, e direciona seu nucleocapsídeo para raízes nervosas. A manutenção da replicação viral e seu retorno à cútis provocam lesões Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO secundárias, próximas ou não do foco inicial, após duas semanas do episódio primário. Como mencionado acima, o estado de latência do herpesvírus se estabelece após transporte retrógrado aos gânglios nervosos sensitivos, no nervo trigêmeo para o HSV-1 e nas raízes dorsossacrais no HSV-2. Os antígenos virais não se expressam na membrana plasmática afetada, porém alguns genes seguem sendo produzidos para perpetuar esse estado de inibição. Os processos específicos que ditam o início da latência ou reativação do vírus ainda são pouco conhecidos. No entanto, gatilhos ganglionares (mudanças neuroendócrinas, como a imunodeficiência) e cutâneos (exposição ao sol) podem favorecer o desencadeamento desse evento. Percurso do HSV pelo sistema nervoso no ciclo de latência e atividade viral A transmissão desses vírus se dá principalmente por contato sexual, seja na penetração ou por interação oro-genital, porém também é observada infecção após contato direto com lesões ativas. Ambos os processos permitem a penetração do HSV por escoriações na pele ou pela passagem por mucosas, como o cérvix, a uretra ou a orofaringe. A autoinoculação não é rara, representando a disseminação viral em um mesmo indivíduo a partir de um foco primário. A transmissão assintomática pode ocorrer, afetando principalmente pacientes ainda não expostos às variantes do vírus. Possíveis processos que mediam a transmissão do HSV entre indivíduos O período de incubação para o HSV oscila entre 1 a 26 dias, porém é mais frequente o surgimento de sintomas iniciais no 8º dia pós-contato. Ainda que a principal manifestação clínica associada à infecção por HSV seja a presença de lesões cutaneomucosas orolabiais e genitais, diversos outros sintomas podem ocorrer, a saber: Herpes anogenital: o Herpes anogenital primária: há a formação de vesículas, pápulas ou ulcerações, normalmente bilaterais, com surgimento de crostas e reepitelização. Lesão reepitelizada (porção mais clara) causada por HSV-2 Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO O número de lesões aumenta entre o 4º e 10º dia, com pico de dor local entre o 7º e o 11º. A regressão das lesões se dá em até 20 dias, sem cicatriz. O vírus pode permanecer por 12 dias após o surgimento da ulceração, porém é recomendado evitar atividades sexuais até o término da reepitelização Pode ocorrer linfonodomegalia inguinal persistente até a cura das lesões, e disúria, nos homens sendo acompanhada por corrimento uretral. Sintomas gerais como cefaleia, mialgia e fadiga também são frequentes, surgindo de forma precoce e desaparecendo antes das feridas. o Herpes genital recorrente: conta com lesões unilaterais em número reduzido. A sintomatologia é variada tanto entre pacientes quanto entre reativações num mesmo indivíduo, acometendo de forma mais pronunciada as mulheres. O período para a cura das lesões e diminuição da dor também é diminuído, assim como o estágio de transmissão. Manifestações constitutivas são incomuns. Podem ser observados pródromos até 5 dias antes do aparecimento de lesões, decorrentes da neuralgia de raízes sacrais. Herpes extragenital: acomete principalmente mulheres, consolidando lesões nas nádegas, coxas e na região inguinal, podendo haver migração para os dedos da mão (principalmente HSV- 2) ainda na primeira manifestação da doença. As manifestações faciais incluem vesículas na língua e nos lábios. o Faringite herpética: corresponde a uma queixa frequente em manifestações primárias, sendo possível isolar localmente o vírus. Esse quadro é marcado por ulceração graves e edema, capaz de obstruir as vias aéreas. É comum a associação à adenomegalia cervical; o Gengivoestomatite: é uma manifestação mais comum em crianças de 2 a 5 anos, causada principalmente pelo HSV-1, após incubação de 2 a 12 dias. O quadro clínico é marcado por faringite acompanhada por febre e vesículas pequenas e dolorosas na mucosa oral, que podem ou não formar úlceras. Ocorre também salivação, adenomegalia, hálito fétido e rubor. Manifestação herpetiforme (múltiplas lesões pequenas) da gengivoestomatite herpética Alguns pacientes podem ter acometimento de lábios e face. o Eritema multiforme: corresponde ao surgimento súbito de lesões em alvo, com caráter que pode vaiar desde máculas eritematosas até úlceras. É mais comumente causado pelo HSV-1. A distribuição inicialmente se dá de forma anular e simétrica na face e em extremidades, porém a Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO propagação para o tronco é comum. Prurido pode ou não estar presente. Eritema multiforme com lesões em alvo/íris o Ceratoconjuntivite: mais frequente em adultos, é o produto da autoinoculação do vírus na região ocular, normalmente seguindo manifestações genitais primárias. As principais manifestações clínicas abrangem lacrimejamento, fotofobia, dor ocular e quemose (inchaço conjuntival). Podem ser encontradas úlceras dendríticas na córnea e vesículas palpebrais. Úlcera dendrítica causada por herpes simples O tratamento desse quadro deve ser sempre prescrito e acompanhado por médicos, pois quando sem controle esse quadro pode levar à perda visual. o Encefalite: mais associado ao HSV-1, manifesta-se por meio de mudançascomportamentais, seguidas por alterações insidiosas no estado de consciência e convulsões. O melhor prognóstico é direcionado a pacientes com menos de 60 anos; o Radiculopatia: é marcada por hiperestesia sacral, perineal ou lombar, evoluindo para mudanças no tônus de esfíncteres, flacidez e atonia vesical e alterações na sensibilidade. Todos esses sinais involuem após cerca de 8 semanas. Esse quadro comumente precede as lesões cutâneas, mas pode ocorrer também de forma isolada. o Herpes com doença disseminada: é rara, fortemente associada à imunodepressão. Manifesta-se por meio de lesões cutâneas e inflamações difusas (meningite, hepatite, artrite, etc.) além de alterações em exames laboratoriais indicadoras de distúrbios da coagulação e função renal. Diferenças clínicas entre os tipos 1 e 2 do HSV Ainda que o diagnóstico para o quadro seja eminentemente baseado no quadro clínico, a exclusão de diagnósticos diferenciais (candidose, infecções bacterianas, sífilis, por exemplo) se dá por meio de duas modalidades de testes laboratoriais, escolhidos de acordo com o quadro clínico, sua gravidade e a urgência pelo resultado. Destacam-se: Detecção direta do HSV: apresenta melhores resultados na análise direta de material celular removido das lesões. o Isolamento do vírus em cultura: sua execução permite que seja observada a presença ou a ausência de efeitos citopáticos (edema celular, aumento de refratividade e morte) ao longo de 14 dias, de forma a evitar falso negativos. Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO A confirmação do achado se dá por meio de testes de imunofluorescência para detecção de anticorpos específicos, assim excluindo interações com outras formas de HSV. o Citologia esfoliativa: esfregaços produzidos a partir de lesões mucocutâneas são analisados por meio da técnica de Papanicolau, em busca de células multinucleadas ou gigantes com inclusões no núcleo. É um método rápido de identificação, no entanto, esse exame é pouco sensível e pouco específico, havendo possibilidade de confusão com outros vírus desse grupo o Detecção de antígenos HSV: é um exame rápido (resultados em 2 a 6h) amplamente empregado em pacientes imunossuprimidos. A titulação antigênica pode ser obtida por múltiplos meios analíticos, como ELISA ou imunofluorescência. Esse é um processo de sensibilidade que pode chegar a 90%, permitindo também a identificação da tipagem viral, porém ainda é pouco acessível na prática cotidiana. o PCR do DNA de HSV: usado principalmente em amostras com pouca carga viral, como o LCR, é altamente específico, fornecendo resultados em até 48h, mesmo em situações onde já está sendo implementado o tratamento antiviral. Sorologia anti-HSV: é um método tipo- específico, que apresenta grande importância epidemiológica. As principais técnicas são: o Ensaios proteína-específicos: promovem a detecção de anticorpos específicos para a glicoproteína G tipos 1 e 2, uma das partículas cruciais para a fixação do HSV nas células. É possível diferenciar anticorpos IgG e IgM, porém, nessas situações, a subtipagem não é eficaz. o Ensaio de Wertern-blot: baseia-se na eletroforese da amostra em um meio gelatinoso com antígenos virais, o que aumenta a sensibilidade do exame, podendo inclusive determinar soroconversão em pacientes previamente expostos a uma outra variante. O tratamento do herpes simples apresenta três pilares principais, a saber: Terapia farmacológica: tem como propósito a prevenção de episódios (primários ou recorrentes) e da latência, quando possível, além de diminuir a duração das crises. Os antivirais mais empregados nesse processo são: o Aciclovir (ACV): é o padrão-ouro para as manifestações mucocutâneas e outras apresentações da doença, podendo ser administrado de forma tópica, oral ou intravenosa. A penetração celular por esse medicamento não distingue entre estruturas contaminadas ou não. A ação desse medicamento ocorre após a conversão em trifosfato, mediada pela timidina quinase do HSV, que apresenta grande afinidade pelo fármaco. Essa interação possibilita que haja deposição medicamentosa apenas em células infectadas. Com o fim das transformações, o ACV é incorporado ao DNA viral em replicação, causando modificações em sua estrutura que impedem a adição de novos nucleotídeos. Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO Ação intracelular do Aciclovir sobre a formação do DNA viral Ambos os processos (fosforilação e incorporação ao DNA viral) podem ser alvos de resistência aos antivirais. A prescrição de ACV é recomendada em todo caso primário, devendo ser iniciado ainda na fase de formação de lesões, e deve ser mantido por ao menos 5 dias. No manejo de episódios recorrentes, por sua vez, esse medicamento é indicado para pacientes com mais de seis reativações anuais. Assim, é necessária a administração de doses supressivas (400 mg de 12 em 12h), diminuindo a dose a cada 2/3 meses, e incentivando a descontinuação após 6 meses a 1 ano, momento no qual se avaliam possíveis mudanças no curso da doença. Episódios orolabiais induzidos pela exposição à radiação solar podem ser prevenidos com o uso de ACV oral 24h antes do contato, devendo ser continuado por, no mínimo, 7 dias. o Valaciclovir; o Fanciclovir. Controle dos sintomas: a analgesia por meio de AINES é um ponto crucial para a manutenção do bem-estar durante os episódios, podendo ser necessária a inclusão de opioides. Desconfortos associados à distúrbios de sensibilidade podem ser controlados pelo uso de amitriptilina e carbamazepina; Apoio psicológico.
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