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Pericardiopatias – Dr. Ulisses Calandrin 1 Pericardiopatias O pericárdio é um tecido composto por uma face visceral que recobre todo o epicárdio e os vasos da base, e a face parietal que recobre externamente o coração e possui terminações nervosas nociceptivas. Entre o musculo cardíaco e o pericárdio tem-se um líquido em pequena quantidade para lubrificar e permitir o deslizamento durante a contração. O pericárdio tem função de impedir o atrito com estruturas adjacentes e promover proteção contra excessiva sobrecarga de volume, além de servir como uma barreira física contra infecções. 1) Pericardite aguda A pericardite é a inflamação aguda dos folhetos pericárdicos, sendo caracterizada por dor torácica em decorrência da distensão das estruturas adjacentes e redução do relaxamento cardíaco, atrito pericárdico em decorrência do edema – pode ser visualizado na ausculta, e alterações eletrocardiográficas específicas. Possui inúmeras etiologias e pode se apresentar como uma doença primária ou secundária. Geralmente é benigna e autolimitada, mas pode cursar com derrame ou constrição pericárdica, o que aumenta sua morbidez. Quadro clínico: a dor torácica é precordial ou retroesternal podendo irradiar para região cervical e trapézio, contínua e com longa duração, que piora com decúbito dorsal e alivia sentado com o tronco para frente e do tipo pleurítica que piora com inspiração profunda, tosse e espirro. Ao exame físico tem-se taquicardia, taquipneia, dispneia e um atrito pericárdico como um achado patognomônico na ausculta. Além disso, pode-se ter outros sintomas semelhantes a um quadro gripal, como febre, dor no corpo, fadiga, entre outros. Como sintomas de baixo débito tem-se fadiga, mal estar, perda muscular e caquexia. A sintomatologia da insuficiência cardíaca direita se caracteriza por redução do relaxamento ventricular, já que o pericárdio está mais edemaciado, promovendo edema periférico, náuseas, desconforto abdominal e ascite, enquanto que na insuficiência cardíaca esquerda pode-se ter ganho de peso, dispneia aos esforços, ortopneia, entre outros. Diagnóstico: no eletrocardiograma tem-se supradesnivelamento côncavo e difuso do segmento ST, mas poupando V1 e aVR, além de ter infradesnivelamento do segmento PR e onda T positiva, apiculada e mais simétrica. Pode ser caracterizada em quatro fases evolutivas que justificam o tempo de duração da condição: > Fase I: no momento da dor, tendo supradesnivelamento do segmento ST em várias derivações com onda T positiva e apiculada. > Fase II: dias após tem-se volta do segmento ST para linha de base, mas com onda T apiculada. Pericardite Síndrome coronariana Início Súbito Gradual e crescente Localização Subesternal ou precordial Qualquer ponto da zona de irradiação Irradiação Trapézio ou idêntica a dor isquêmica Ombros, braços, pescoço, mandíbula e dorso Qualidade Em pontada, aguda, monótona, opressiva Em peso ou queimação Relação com a inspiração Piora Sem influência Duração Persistente Intermitente < 30 min Relação com a posição Piora com o movimento Sem influência Postura Piora deitado, melhora sentado ou inclinado para frente Sem influência Nitroglicerina Sem influência Alívio Pericardiopatias – Dr. Ulisses Calandrin 2 > Fase III: cerca de 1 a 2 semanas após o quadro inicial, tendo inversão da onda T, já que as células entram em sofrimento em decorrência da inflamação, mas o quadro é mais tardio se comparado com a lesão isquêmica. > Fase IV: semanas ou meses após o quadro inicial, em que se tem normalização do ECG. A baixa amplitude do QRS acontece na presença de derrame pericárdico, melhorando após pericardiocentese. Como diagnóstico diferencial tem-se tromboembolismo pulmonar, áreas discinéticas, repolarização precoce e síndrome coronariana aguda, mas com as alterações do eletrocardiograma pode-se avaliar alterações sugestivas de pericardite, como o supra de ST côncavo, infra de PR, inversão da onda T só quando o ST normaliza e ausência de onda Q patológica. Na pericardite crônica tem-se ondas T invertidas e baixa amplitude do QRS. No ecocardiograma pode-se encontrar derrame pericárdico, mas se este estiver ausente não exclui o diagnóstico, enquanto que a radiografia de tórax geralmente é normal, exceto se grande derrame pericárdico. Aos exames laboratoriais tem-se discreta leucocitose, aumento do VHS e da PCR, além de um aumento discreto de marcadores de lesão miocárdica – como troponina I e CKMB. A avaliação sorológica em busca de um fator causal também deve incluir TSH, T3, T4, provas reumatológicas, função renal, hemoculturas e análise histológica e imunohistoquímica do pericárdio se derrame pericárdico volumoso. Etiologia: as causas da pericardite podem ser divididas em infecciosas e não infecciosas. Dentre elas, a viral é a mais comum, geralmente por conta da resposta imunológica ou por ação direta do vírus, como Coksackie B, enterovírus tipo 8 e CMV em imunodeprimidos, tendo um pródromo de síndrome gripal algumas semanas antes do aparecimento de pericardite, de modo que se manifesta em quadros autolimitados de 1 a 3 semanas. A complicação mais comum é a pericardite recorrente. Utiliza-se ibuprofeno ou Indometacina, Colchicina previne recidiva e deve ser mantida por 3 meses após suspensão dos AINEs, enquanto que corticoesteroides podem ser usados em pacientes refratários ao tratamento padrão (prednisona 0,25 a 0,5mg/kg/dia), tendo cuidado para a imunodeficiência. As pericardites piogênicas são causadas principalmente por Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae e outros Gram negativos. Como sintomas tem-se febre alta, calafrios, sudorese noturna, dor no corpo, prostração, dispneia, atrito pericárdico em 50% dos casos e altos índices de tamponamento cardíaco, ocorrendo geralmente como complicação de infecção bacteriana torácica ou abdominal alta. A presença de derrame pericárdico crônico e imunossupressão funcionam como fatores de risco para o desenvolvimento dessa patologia. Como complicações tem-se tamponamento e pericardite constritiva precoce. A pericardite pós-traumática geralmente ocorre na primeira semana após uma operação cardíaca, podendo se manifestar como uma pericardite aguda precoce ou uma pleuropericardite com febre baixa, fraqueza, dor Ritmo sinusal, FC 60 bpm, discreto infradesnivelamento do segmento PR, onda T assimétrica e levemente apiculada, supradesnivelamento do segmento ST difuso, QRS estreito Raio-X nº 1: coração com líquido acumulado Raio-X nº 2: na ponta da seta tem fibrose do pericárdio após inflamação crônica Pericardiopatias – Dr. Ulisses Calandrin 3 no corpo, leucocitose, aumento do VHS e derrame pleural bilateral ou apenas esquerdo, sendo um quadro autolimitado. Como complicações tem-se pericardite recorrente, tamponamento e pericardite constritiva A pericardite de causa urêmica é causada pela ação direta das toxinas urêmicas sobre os folhetos pericárdicos, respondendo bem com diálise, mas podendo evoluir para tamponamento cardíaco em 20% dos casos. A pericardite relacionada a colagenoses pode ser verificada em casos de febre reumática, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico, sendo a causa mais comum em crianças, autolimitada com raras complicações e se manifestando como pericardite em pão com manteiga. Como outras etiologias tem-se tuberculose, fúngica principalmente por Histoplasma capsulatum, epistenocárdica na primeira semana pós IAM que só envolve o pericárdio ou síndrome de Dressler de 2 a 3 semanas após IAM e também acomete outras serosas, como pleura e peritônio. Complicações: tamponamento (15%) mais comum na pericardite piogênica, pericardite recorrente (20 a 30%), pericardite constritiva ou efusivo-constritiva é rara, mas geralmente aconteceem piogênica, tuberculose, neoplasia, actínica ou esclerodermia. O tratamento é feito por controle dos sintomas e prevenção de recidivas, em que a princípio todos os pacientes devem ser internados em decorrência do risco de tamponamento e para ter repouso. O paciente sempre deve ser internado se febre > 38ºC, início subagudo, imunodepressão, trauma de tórax, terapia com anticoagulante oral, miopericardite, derrame pericárdico importante ou tamponamento cardíaco. 2) Pericardite constritiva A pericardite constritiva frequentemente está associada a um paciente sintomático com dispneia de esforço e/ou fadiga associada a disfunção diastólica e presença de ascite desproporcional ao edema de membros inferiores. No pulso venoso jugular pode-se ter colapso “Y” proeminente e sinal de Kussmaul. No pulso arterial podemos encontrar a presença de pulso paradoxal em um terço dos casos. Formas transitórias de pericardites efusivas constritivas (constrição sem importante espessamento do pericárdio parietal, geralmente associada a derrame) podem acontecer no contexto da pericardite aguda, frequentemente associada a tuberculose, neoplasias malignas e hemopericárdio. 3) Derrame pericárdico O derrame pericárdico é geralmente assintomático, mas pode evoluir para um quadro semelhante a pericardite aguda se em quantidades moderadas a grandes, já que impede o relaxamento do miocárdio, além de promover hipofonese de bulhas. No eletro não se tem alterações, exceto se esse derrame for de grande volume, tendo um QRS de baixa voltagem e onda T plana. O ecocardiograma é o padrão-ouro para diagnóstico, enquanto que o raio X de tórax pode apresentar uma cardiomegalia (coração em moringa) se mais de 250Ml de líquido acumulado. Pericardiopatias – Dr. Ulisses Calandrin 4 4) Tamponamento cardíaco O tamponamento cardíaco é uma condição na qual o débito cardíaco está significativamente diminuído devido ao enchimento ventricular estar prejudicado pelas altas pressões intrapericárdicas – não consegue relaxar para receber o sangue. Ocorre quando se tem um rápido acúmulo de líquido intrapericárdico, principalmente se líquido denso como o sangue ou rico em proteínas/substâncias piogênicas. Fisiopatologia: tem-se aumento da pressão intrapericárdica seguida por colabamento ventricular em decorrência do acúmulo de líquido ao redor do coração, tendo aumento progressivo da pressão de enchimento ventricular e atrial. Assim, tem-se uma síndrome congestiva aguda com aumento do átrio e aumento da pressão capilar pulmonar, gerando sinais de congestão pulmonar e sistêmica (turgência jugular, ascite). A restrição diastólica imposta pelas altas pressões gera uma redução do volume de enchimento ventricular, tendo diminuição do débito cardíaco e da pressão arterial. Assim, se a pressão intrapericárdica persiste aumentada apesar dos mecanismos compensatórios, pela hipotensão e redução do débito, tem-se desenvolvimento de choque franco, bradicardia progressiva e parada cardiorrespiratória em AESP. O pulso paradoxal pode ser encontrado, sendo caracterizado como uma diminuição da PAS > 10 mmHg ou redução da amplitude do pulso arterial na inspiração. Isso ocorre, já que na inspiração tem-se diminuição da pressão intratorácica que se transmite para o pericárdio e para as câmaras cardíacas. Assim, ocorre aumento do retorno venoso para o coração direito e diminuição para o esquerdo, tendo desvio do septo interventricular para dentro do ventrículo esquerdo e redução das pressões venosas pulmonares. Quadro clínico: classicamente tem-se a tríade de Beck com hipotensão, bulhas hipofonéticas e turgência de jugular. Além disso, pode-se ter outros sintomas como taquipneia, dispneia, ortopneia, pulso paradoxal (principalmente em pericardite constritiva, DPOC e asma grave). Diagnóstico: no ECG pode-se ter alternância elétrica do QRS (swimning heart) e no ecocardiograma pode ter derrame pericárdico importante e colapso diastólico do átrio e ventrículo direito. Tratamento: é feito com reposição volêmica, suporte inotrópico com dobutamina, pericardiocentese de alívio por punção de Marfan e drenagem pericárdica por toracotomia lateral. Ecocardiograma com abaulamento do septo para dentro do ventrículo esquerdo
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