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Aula 18 Política linguística e legislação 2 Lí ng ua B ra si le ira d e Si na is (L ib ra s) Sumário Aula 18 - Política linguística e legislação Considerações iniciais ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������3 4�10 Política linguística e legislação �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������3 Considerações finais ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������7 Referências ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������8 3 Lí ng ua B ra si le ira d e Si na is (L ib ra s) Objetivos Ao final desta aula você será capaz de: ■ Apontar os principais instrumentos legais brasileiros que versam sobre os direitos das pessoas com surdez e que reconhecem a Libras enquanto língua da Comunidade Surda do Brasil; ■ Identificar os pontos centrais que baseiam as políticas linguísticas para as pessoas Sur- das no Brasil� Considerações iniciais Durante toda a nossa disciplina, você estudou diferentes aspectos importantes sobre a pessoa Surda� Você aprendeu sobre a importância da língua de sinais para o desenvolvimento sadio da criança Surda e também sobre constituição cultural e identitária dela� Você viu também em nossas últimas aulas diferentes propostas para a educação de Surdos e como elas se desenrolaram ao longo do tempo� Tudo isso que foi discutido até aqui desemboca em uma questão importante: como garantir às pessoas Surdas o direito de adquirirem uma língua de sinais, de a utilizarem em todos os espaços sociais e de terem acesso a uma educação de qualidade? Essa questão trata do que chamamos de política linguística, tema da aula de hoje� 4.10 Política linguística e legislação Você provavelmente já ouviu falar em política linguística� Na verdade, o termo política linguística é bastante próximo ao conceito de planejamento linguístico� Johnson (2013, p� 9) conceitua política linguística como sendo “um mecanismo político que im- pacta a estrutura, a função, o uso ou a aquisição de uma língua”� Assim, quando tratamos de po- lítica linguística, estamos fazendo referência às decisões políticas que impactam na relação entre uma língua e uma sociedade� Já o termo planejamento linguístico foi introduzido pelo linguista Einar Haugen e se refere a “todo esforço consciente que objetiva mudar o comportamento linguís- tico de uma comunidade de fala”� (DEUMERT, 2009, p� 371)� Assim, podemos entender a política linguística como pertencente ao campo ideológico, enquan- to o planejamento linguístico é constituído de propostas práticas que podem ser implementadas em uma determinada sociedade/comunidade� Atualmente, o que podemos observar é que as discussões sobre políticas linguísticas têm ganha- do força a partir de várias tentativas governamentais e não-governamentais (em nível de Brasil e de mundo) de preservar e resguardar as chamadas línguas minoritárias� Assim, “[���] política e pla- nejamento linguísticos são processos ideológicos que contribuem para a manutenção de relações 4 Lí ng ua B ra si le ira d e Si na is (L ib ra s) de poder desiguais entre grupos linguísticos majoritários e minoritários”� (BONACINA-PUGH, 2012, p�216 apud SEVERO, 2013, p� 456)� As pesquisas que tratam sobre o planejamento linguístico costumam classificar as ações de acor- do com três áreas, a saber: planejamento de status, planejamento de corpus e planejamento de aquisição� (MILLIGAN, 2007) O primeiro tipo de planejamento linguístico é o chamado planejamento de status. Como o pró- prio nome já diz, o planejamento de status refere-se a ações que são implementadas com o ob- jetivo de assegurar o status de determinada língua e ainda de garantir seu uso em determinados contextos sociais� Assim, essas ações são responsáveis por alterar a forma como uma língua é aceita e utilizada em uma determinada sociedade� No que se refere à Libras, um importantíssimo avanço foi alcançado com a promulgação da Lei Federal nº 10�436, de 24 de abril de 2002� Essa lei, também conhecida como Lei de Libras, reconhe- ce a Libras como forma legal de expressão e comunicação e também como a língua das pessoas surdas brasileiras� Além disso, a Lei já prevê em sua redação que cabe ao poder público a respon- sabilidade de apoiar e difundir a Libras em todo o território nacional� Esse reconhecimento legal da Libras enquanto língua muda completamente o status da língua no Brasil, pois além de mudar a percepção e as atitudes da sociedade frente à Libras, o reconhecimen- to abre também caminhos legais para a inclusão da língua de sinais em diferentes espaços sociais, incluindo aí os espaços educacionais� Já em 22 de dezembro de 2005, foi assinado o Decreto Federal nº 5�626 que regulamenta a Lei de Libras� Esse decreto traz inúmeras contribuições para as pessoas Surdas, em especial para a Edu- cação de Surdos� Falaremos dele várias vezes ao longo desta aula� No que tange o planejamento de status, o Decreto regulamenta inclusão da disciplina de Libras nos cursos superiores de Fonoaudiologia, Pedagogia e demais cursos de formação de professores� É justamente graças a esse Decreto que você está estudando uma disciplina de Libras em seu cur- so de graduação! Perceba que incluir Libras na formação de professores e de fonoaudiólogo tem um grande impacto na forma como esses profissionais irão encarar não somente a pessoa Surda, mas também a língua de sinais� Você mesmo, por exemplo, aprendeu bastante ao longo de nossas aulas sobre a Libras e os Surdos, de modo que suas atitudes e pensamento, provavelmente, já são bem diferentes daqueles que você tinha antes de cursar essa disciplina� Além disso, o Decreto vem tornar obrigatória a presença de tradutores e intérpretes de Libras nas escolas, nos sistemas de saúde, nas repartições públicas e também em empresas concessionárias de serviços públicos� Isso também muda o status que a língua de sinais tem na sociedade, uma vez que ela passa a ser um direito garantido às pessoas Surdas� O segundo tipo de planejamento linguístico é o planejamento de corpus, que compreende to- das as ações implementadas no sentido de alterar, desenvolver e até mesmo preservar a língua em si� Ou seja, são ações que incidem sobre a forma da língua� 5 Lí ng ua B ra si le ira d e Si na is (L ib ra s) Duas ações principais podem ser apontadas acerca de planejamento de corpus em Libras� A pri- meira delas é justamente o trabalho que vem sendo realizado no sentido de registrar e preservar a Libras� Uma vez que a Libras não possui uma forma de escrita amplamente utilizada e em circula- ção social, os registros que se tem da língua são muito poucos� Assim, há um enorme envolvimen- to de professores e pesquisadores na descrição da Libras (muitas pesquisas na área de linguística) e também no registro dessa língua, seja por meio de dicionários, produções literárias e culturais e até mesmo na criação de corpora da Libras� Corpora é o plural de corpus, que, por sua vez, significa uma coletânea ou um conjunto de documentos (TERRA, NICOLA e MENON, 2003)� Na área da linguística, corpus significa um conjunto de dados linguísticos coletados a partir de uma metodologia bem definida, cujo objeto é o de fornecer dados linguísticos para diferentes atividades de pesquisa� Contextualização Uma segunda ação que também é compreendida como planejamento de corpus é a criação de novos termos e sinais na Libras, ampliando assim o vocabulário dessa língua� Isso se justifica, uma vez que as línguas de sinais passama ocupar novos espaços sociais e, consequentemente, novas necessidades comunicativas surgem� Se tomarmos como exemplo o uso da Libras na educação de Surdos, é necessário que haja sinais referentes às diferentes disciplinas escolares e seus respec- tivos conhecimentos� Dessa forma, novos sinais têm surgido para designar, por exemplo, termos de física, química, biologia, etc� O terceiro tipo de planejamento linguístico é o chamado planejamento de aquisição. São com- preendidas todas as ações cujo objetivo é o de transmitir a língua para novos falantes� Esse tipo de planejamento se torna bastante importante ao tratarmos de crianças Surdas� Conforme já discutimos anteriormente, a maioria das crianças Surdas nasce em lares de pais ou- vintes e, por esse motivo, não possuem acesso à língua de sinais em casa� Faz-se necessário ga- rantir meios efetivos para que a Libras seja adquirida por essas crianças� Por esse motivo, é preciso que haja políticas públicas bem definidas que possam promover a aquisição da língua de sinais o mais cedo possível a essas crianças� Já no Decreto 5�626/05, há a recomendação de que, identificada a surdez, a família deve ser orien- tada sobre “as implicações da surdez e sobre a importância para a criança com perda auditiva ter, desde seu nascimento, acesso à Libras e à Língua Portuguesa” e é preciso haver o “encaminhamen- to para a área de educação”� (BRASIL, 2005)� Contudo, atualmente, a escola tem sido para muitas crianças Surdas o primeiro local de contato com a língua de sinais� Esse problema é apontado Van den Bogaerde e Baker (2002): O ambiente escolar é importante para o desenvolvimento da linguagem para todas as crianças, mas no caso das crianças surdas ele se torna ainda mais crucial� Para a maioria das pessoas surdas, uma vez que elas têm pais ouvintes, a aquisição da linguagem se desen- 6 Lí ng ua B ra si le ira d e Si na is (L ib ra s) rola de maneira muito devagar devido à ausência de estímulos nativos de língua de sinais e também devido à ausência de acesso completo à língua falada� (VAN DEN BOGAERDE; BAKER, 2002, p� 189)� É justamente por isso que há uma defesa enorme da educação bilíngue enquanto espaço mais adequado para se adquirir a língua de sinais, uma vez que a Libras circula em todo o espaço esco- lar� Veja o que recomenda o relatório escrito por um grupo de trabalho do Ministério da Educação: Na educação bilíngue, é necessário prever espaços para aquisição da Libras uma vez que a maioria das crianças surdas não tem acesso a essa língua no ambiente familiar� No espaço escolar, as atividades para aquisição da Libras envolvem interação, conversação, contação de histórias, entre outros� (MEC/SECADI, 2014, p� 10)� É importante frisar ainda que desde o Decreto 5�626/05, a formação de professores para o ensino da Língua de Sinais tem sido fomentada� Veja trechos do referido decreto abaixo: Art� 4º A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino funda- mental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua� Parágrafo único� As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput� Art� 5º A formação de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instru- ção, viabilizando a formação bilíngue� § 1º Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível médio na modalidade normal, que viabilizar a formação bilíngue, referida no caput� § 2º As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput� (BRA- SIL, 2005, grifos nossos)� Observe também que o Decreto prevê que os Surdos têm prioridade no ensino da Libras� Essa é uma determinação importante, pois além de garantir que a língua seja ensinada por sinalizadores nativos, também cria um espaço de trabalho e de docência aberto às pessoas Surdas� Viu como falar de política linguística é importante, em especial, tratando-se das pessoas Surdas? É imprescindível a existência de instrumentos legais fortes que garantam e assegurem o direito da Comunidade Surda de ter acesso não somente à Libras, mas a uma educação de qualidade que respeite suas especificidades educacionais e linguísticas� Todos os temas que discutimos ao longo desta disciplina acabam desembocando na questão da política linguística� 7 Lí ng ua B ra si le ira d e Si na is (L ib ra s) Além dos documentos legais citados nesta aula, vale a pena destacar também: - Lei nº 10�098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida� - Lei nº 12�319/2010, que regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais� - Lei nº 13�005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação -PNE� Veja especialmente a Meta 4 do plano� - Lei nº 13�146/2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão� Saiba mais Considerações finais Nesta aula, você pôde observar a importância da Lei de Libras (10�436/02) e do Decreto 5�626/05� Esses instrumentos legais representam um marco histórico para a Comunidade Surda brasileira, pois garante o direito dos Surdos de: ■ terem sua língua, a Libras, reconhecida como uma língua verdadeira e própria dos Sur- dos do Brasil; ■ terem acesso a uma educação e uma escolarização em Libras e por meio da Libras; ■ aprenderem a língua portuguesa como segunda língua em sua modalidade escrita; ■ estudarem em escolas e classes de educação bilíngue, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; ■ estudarem em escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa; ■ contarem com tradutores e intérpretes de Libras não somente nas instituições educacio- nais, mas também em repartições públicas, nos sistemas de saúde e também em empresas concessionárias de serviços públicos; 8 Lí ng ua B ra si le ira d e Si na is (L ib ra s) ■ se formarem como professores de Libras em cursos de formação superior (Letras-Libras, para o ensino nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio; e Pedagogia Bilín- gue, para o ensino na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental); ■ ensinarem a Libras a fonoaudiólogos e professores em formação, de modo a gradativa- mente mudar a forma com que esses profissionais encaram às pessoas Surdas e trazendo mudanças significativas para a inclusão social dos Surdos; Em nossa próxima aula, vamos encerrar nossa disciplina com uma revisão dos conteúdos estuda- dos nas Aulas 11 a 18� Até lá e bons estudos! Referências BONACINA-PUGH, F� Researching ‘practiced language policies’: insights from conversation analy- sis� Language Policy, Dordrecht, v�11, n�3, p�213-234, 2012� BRASIL� Presidência da República Decreto nº 5626 de 22 de dezembro de 2005� Brasília: Presidên- cia da República, 2005� DEUMERT, A�, Language Planning and Policy� In: MESTHIRE, R�; SWANN, J�; DEUMERT, A�; LEAP, W� L� (eds)� Introducing Sociolinguistics (2nd edition), Edinburgh University Press, 2009� JOHNSON, D� C� Language Policy. Londres: Palgrave Macmillan UK, 2013� MEC/SECADI� Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SECADI, 2014� MILLIGAN, L�A Systems Model of Language Planning. CamLing 2007, p� 192-198, 2007� Disponí- vel online: <http://www�ling�cam�ac�uk/camling/Manuscripts/CamLing2007_Milligan�pdf> Aces- sado em 29/09/2017� SEVERO, C� G� Política(s) linguística(s) e questões de poder� Alfa: Revista de Linguística (UNESP� Online), v� 57, p� 451-473, 2013� TERRA, Ernani; NICOLA, José; MENON, Lorena� Mil uns estrangeirismos de uso corrente em nos- so cotidiano. São Paulo: Saraiva, 2003� VAN DEN BOGAERDE, B�; BAKER, A� E� Are young deaf children bilingual? In: Morgan, G & Woll, W� (eds)� Directions in sign language acquisition, John BenjaminsPublishing Company, Amster- dam, p� 183-206, 2002�
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