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TÍTULOS DE CRÉDITO ELETRÔNICOS E SEUS IMPACTOS NO MUNDO JURÍDICO: O Requisito e o Princípio da Cartularidade. Domingos Amândio Eduardo1 Camila de Carvalho Ouro Guimarães2 SUMÁRIO: 1. Introdução Histórica; 2. Funções Dos Títulos De Crédito 3. A Descartularização dos Títulos de Crédito, face ao surgimento Dos Títulos de Crédito Eletrônicos; 4. Os Títulos De Crédito Eletrônicos E A Lei Civil; 5. Considerações Finais; 6. Referências Bibliográficas . Palavras chaves: Títulos, Cartularidade, Literalidade, Autonomia, Títulos Eletrônicos. 1 Acadêmico do 5º Ano do Curso de Direito da Faculdade CNEC de Joinville. Graduado em Teologia. Pós- graduado em Sociologia, Ciência Política, Direitos Humanos e Realidades Regionais. Mestrando em Educação. domingoseduardo12@hotmail.com . 2 Professora de Direito Empresarial II. Docente no Ensino Superior desde 2004 com seguinte formação: - Graduada em Direito. -Pós-Graduada em Direito Processo Civil; Resp. Civil e Direito do Consumidor; Direito Constitucional; Direito e Saúde Pública; Docência do Ensino Superior; Planejamento, Implementação e Gestão em EAD; Especialização em Direito Comparado; Direito Ambiental pela University of Florida: L. College of Law; - MBA em Gestão de Negócios ênfase em Instituições de Ensino Superior; Gestão e Políticas Públicas ênfase em Segurança; Gestão Ambiental. - Mestre em Educação pela Universidade de Jaen na Espanha; Mestre em Bioética, Ética Aplicada, Saúde Coletiva: PPGBIOS - Programa em Associação UFRJ, UFF, FIOCRUZ e UERJ; -Coord. Curso Direito CNEC Ilha do Governador. Doutoranda em Direito pela UBA: Universidad de Buenos Aires mailto:domingoseduardo12@hotmail.com 1. Introdução Histórica De acordo com a doutrina pátria, são requisitos da atividade empresarial, e por consequência afetando o direito empresarial, a rapidez, segurança e o crédito, que se traduzem nos três pilares fundamentais3. Esta atividade requer que se recorra ao crédito, a tutela de boa-fé e que se torne mais simples a circulação e movimentação de valores, tudo isto com o objetivo de facilitar a realização de negócios em grande escala4. Neste sentido, surgiu e ganhou grande importância, um instrumento muito eficaz para a circulação de riquezas – os títulos de crédito. A importância deste instrumento para a atividade empresarial e na circulação de riquezas facilmente se pode observar com o grande número de créditos existentes no direito brasileiro e demais ordenamentos econômicos do país (TOMAZETTE, 2015). Apesar de existirem diversos tipos de Títulos de Crédito, doutrinadores afirmam que existem características comuns entre todos eles, e através delas se pode formular um conceito de títulos de crédito. Destarte, o direito de acordo com o direito germânico Títulos de Crédito são “todos os documentos, cuja apresentação é necessária para o exercício do direito à que se referem”. Segundo Martorano (Apud Tomazette), o Título de Crédito se apresenta como um documento, isto é, um ato escrito, do qual resulta a existência de uma obrigação, assumida pelo subscritor, de efetuar certa prestação a favor de outro sujeito mais ou menos determinado. Mas Umberto Navarrini (citado por Marlon), defende que Título de Crédito “é um documento que atesta uma operação de crédito, cuja posse é necessária para o exercício do direito que dele deriva e para investir outras pessoas deste direito”. Mas, uma definição mais detalhada elaborou Alberto Asquini (Apud Tomazette), ao afirmar que Título de Crédito é 3 TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial – Títulos de Crédito 4 TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial – Títulos de Crédito o documento de um direito literal destinado à circulação, idôneo para conferir de modo autônomo a titularidade de tal direito ao proprietário do documento e necessário e suficiente para legitimar o possuidor ao exercício do próprio direito. Para Giorgio de Semedo (Apud TOMAZETTE), o Título de Crédito é “um documento criado segundo determinados requisitos de forma, obedecendo a uma particular lei de circulação, contendo incorporado a ele o direito do legítimo possuidor a uma prestação em dinheiro ou em mercadorias, que nele é mencionada”. A doutrinadora Engrácia Antunes (Apud TOMAZETTE) conceituou Título de Crédito como “o documento necessário para constituir, exercer e transferir o direito literal e autônomo nele incorporado”. Mas, o conceito considerado “mais clássico”, é o de César Vivante, segundo o qual, o “Título de Crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado”, praticamente reproduzido pelo artigo 887 do novo Código Civil, nos termos que seguem: “o título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei” (grifo do autor). (TOMAZETTE, 2015). Segundo Ascarelli (1958) é “graças aos títulos de crédito (que) pode o mundo moderno mobilizar as próprias riquezas; graças a eles o direito consegue vencer tempo e espaço, transportando, com a maior facilidade, representados nestes títulos, bem distantes e materializando, no presente, as possíveis riquezas futuras”. 2. Funções Dos Títulos De Crédito Como ficou claro nos conceito anteriormente apresentados, o Título de Crédito tem a função de garantir a existência de uma obrigação, e até mesmo (a depender da situação) servir para constituir a obrigação em si. Neste sentido, os Títulos de Crédito podem desempenhar o papel de meio técnico para o exercício de direitos de crédito. Os Títulos de Créditos possibilitam que a simples transferência do documento transfira o direito nele representado, garantindo à circulação dos direitos de crédito o máximo de simplicidade e de segurança (Tomazette), 2015). Podemos afirmar, segundo Tomazette, que a função primordial dos títulos de crédito é facilitar e agilizar a circulação de riquezas, permitir que as atividades econômicas tenham melhor desempenho. Os títulos de créditos, portanto, servem para tornar mais simples, rápida e segura a movimentação de bens e direitos. Os elementos essenciais dos títulos de crédito são: literalidade, autonomia e cartularidade (VIVANTE, ). Sobre este assunto, Newton De Lucca e Renata Mota Maciel Dezem, afirmam em “Títulos de crédito eletrônicos” ao abordar os títulos de crédito eletrônicos, deve-se propor uma leitura contemporânea desses tão decantados elementos essenciais dos títulos de crédito e renovar sua compreensão, a partir da realidade tecnológica do fluxo de informações em curso na atualidade. Nesse aspecto, se for certo que “literal” designa o que está conforme a “letra” do texto, de forma rigorosa, restrita e clara, não se pode admitir que na interpretação dos títulos de crédito exista espaço para o subjetivismo, a comprometer a segurança que se espera dos documentos dessa natureza. Continuando a tese, os autores afirmam, em relação aos títulos de crédito eletrônicos, que em relação a estes não há nenhuma alteração na interpretação do elemento de literalidade, já que é necessário existir correspondência entre seu teor e as informações de crédito das quais decorrem. O surgimento dos títulos de crédito não suprime a literalidade como elemento essencial dos títulos de crédito, mesmo quando estes adotam a forma eletrônica, haja vista que a alteração da forma (de papel para eletrônico) mantém firme a exigência da literalidade. Neste sentido, a autonomia, própria da ideia de circulabilidade dos títulos de crédito, não é retirada nem alterada à medida que se reconhece o surgimento dos títulos de crédito eletrônicos. Em relação à cartularidade, tem se apontado estecomo sendo, talvez, o principal elemento justificador para a dificuldade de se conferir reconhecimento aos títulos eletrônicos, o que certamente ocorre devido a manutenção da interpretação do conceito de cártula, entendida, exclusivamente, como papel (DE LUCCA; DEZEM, 2018). Neste sentido, Cartularidade é a “necessidade da exibição do título de crédito para o exercício do direito. ” Para eles, Ninguém ignora que essa expressão ─ cártula, do latim chartula ─, introduzida por Bonelli na literatura jurídica italiana no ano de 1904, teve como propósito designar a íntima conexão existente entre o direito mencionado no título e o próprio título. Ao referir- se à obrigação cartular, Bonelli, como que se desculpando de Vivante dizia: “mi si permetta questa expressione, perchè non so trovarne altra che renda nel campo di tutti i titoli di credito circolanti, il significato che ha l'aggetivo ‘cambiario’, nel campo più ristretto dei titoli all'ordine”, ou seja: “permita-me utilizar esta expressão porque não consigo encontrar uma outra que exprima, no campo de todos os títulos de crédito circulantes, o significado que possui o adjetivo 'cambiário', no campo mais restrito dos títulos à ordem”. Assim, sendo, precisamos conferir interpretação diferente e mais atualizada ao conceito de cártula, anteriormente entendida apenas como papel, e fazer com que o conceito abarque outros suportes de títulos, tais como o eletrônico, que, cada um do jeito próprio, não excluem a natureza cartular dos títulos de crédito eletrônicos. Vaticinam ser, talvez, este o momento ideal para passar a denominar o elemento essencial da cartularidade como documentalidade, debelando as críticas rotineiramente apontadas (DE LUCCA; DEZEM, 2018). 3. A Descartularização dos Títulos de Crédito, face ao surgimento Dos Títulos de Crédito Eletrônicos Existem pessoas e sociedades avessas às mudanças. Porém, é impossível negar que surgiu uma nova era, cuja característica principal é marcada pelo advento das novas tecnologias da informação. A revolução tecnológica trouxe consigo profundas mudanças nas atividades diárias, tanto na maneira de se viver como na de se fazer negócios. A medida que as atividades comerciais aumentaram, tornou-se grande o volume de títulos em papéis, e isto fez com que se procurassem formas sucessivas e sucessórias mais baratas e menos custosas do que as tradicionais (DE LUCCA; DEZEM, 2018). Neste sentido, os homens pensaram em substituir o papel pela fita magnética dos computadores, como ocorreu na França, com a Lettre de Change- Relevé ou, traduzida como “Cambial-Extrato”, e a Lastschchriftverkehr, na Alemanha, entre outros países (DE LUCCA; DEZEM, 2018). No mundo jurídico problemática envolvendo os títulos e formas de crédito decorrem principalmente na dificuldade de cumprimento da disposição constante do art. 39 da Lei Uniforme, estabelecendo que o sacado pode exigir, tendo pagado a letra de câmbio, que ela lhe seja remetida quitada pelo portador. A observância dessa norma, porém, se revestia de excesso de formalismo, representando verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento de sistemas de pagamentos informatizados, uma vez que era possível efetuar-se a prova de pagamento por outros meios fornecidos pela própria informática bancária. O Eminente Professor Arnoldo Wald, em artigo escrito em 1997, sobre o regime legal da Cédula de Produto Rural (CPR),13 já esclarecia: “embora ainda haja vozes discordantes, a tendência moderna é do reconhecimento da viabilidade da existência de títulos de crédito imateriais, nos quais o documento-suporte do crédito é substituído por um registro informático idôneo”. Assim, as resistências foram sendo pouco a pouco cedidas e o Direito teve de amoldar-se – como sempre o fez – às novas necessidades ditadas pela evolução tecnológica. 2. DIREITO NORTE-AMERICANO Sociedade da informação que é, no verdadeiro sentido da expressão, os Estados Unidos começaram por regulamentar a documentação eletrônica e a assinatura digital em 1995, através da publicação, pelo Estado de Utah, da denominada Utah Digital Signature Act. Norma de caráter restritivo, discorreu apenas sobre assuntos relacionados à assinaturas digitais com fundamento na criptografia. Entretanto, em Dezembro de 1999, a Conferência Nacional de Comissários para a Uniformização das Transações Eletrônicas (NCCUSL)1 aprovou e recomendou a Lei Uniforme das Transações Eletrônicas (UETA) para promulgação em todos os Estados. Vanguard: Apartamentos além do óbvio. (Anúncio) Apartamentos além do óbvio. A experiência de morar nos inspira a desenvolver apartamentos à frente do tempo. Faça parte do universo Vanguard. A UETA, que tem como objetivo ser minimalista e procedimental, valida as assinaturas eletrônicas, os registros e os contratos. A aderência à ela foi rápida, sendo que: “47 States, the District of Columbia, Puerto Rico and the U.S. Virgin Islands have adopted i tinto their own laws.”2 Consequentemente, na data de 30 de 2000, o então Presidente Bill Clinton assinou o projeto de lei que regulamenta a assinatura eletrônica denominado “Lei das Assinaturas Eletrônicas no Comércio Nacional e Internacional” (também conhecida como E-Sign, ou assinatura eletrônica). A Lei em questão, que incorpora o princípio da “equivalência funcional”3, possui disposições que se baseiam nas leis e princípios contidos na (UETA), tais como: I) disposições que se referem à aceitação e à validade das assinaturas e documentos eletrônicos, artigo 101, a; II) retenção de contratos e registros, artigo 101, d; III) validação e reconhecimento, artigo 101, g; IV) agentes eletrônicos, artigo 101, h; e V) regulamentação de registros transferíveis, artigo 201. De acordo com pesquisas realizadas pela Forrester Research e JupiterResearch, as vendas online nos Estados Unidos devem crescer de 20 a 30 bilhões de dólares anualmente nos próximos cinco anos, alcançando entre 215 e 335 bilhões de dólares em 20124. https://www.diritto.it/titulos-de-credito-eletronicos-no-direito-comparado/ 4. Os Títulos De Crédito Eletrônicos E A Lei Civil Está claro que os títulos de crédito eletrônicos surgiram com o irreversível processo de desmaterialização de arquivos, por causa do excessivo volume de Títulos em toneladas, que colocava todo o sistema em risco de falência total. As correspondências cada vez mais caras e difíceis em razão das distâncias foram facilitadas à medida que se encurtaram as distâncias com o uso de circulação eletrônica dos títulos, hoje presentes em todos os lugares. O Código Civil pátrio de 2002, em seu art. 889, § 3º, expressamente dispõe: Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente. §3º O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo. https://www.diritto.it/titulos-de-credito-eletronicos-no-direito-comparado/ A partir deste dispositivo de lei, podemos interpretar que o legislador previu a possibilidade de títulos eletrônicos. A câmara de deputados alterou esta norma por emenda ao inserir o artigo 3º, “fazendo menção aos títulos emitidos por sistema eletrônico de dados”. Com isto, é seguro afirmar que os títulos eletrônicos, expressamente previstos no Código Civil, são amplamente aceites pela sociedade já têm sua génesis da da “necessidade de dar ao tráfego da circulação de crédito a agilidade esperada”. A revolução tecnológica é um elemento constantemente presente nas relações sociais, e tudo aponta para um progresso ainda maior. Neste sentido, é seguro afirmar que ainda sobrevirão muitas alterações ao modo como se procedem as relações comerciais. 5. Considerações FinaisPor fim, cumpre frisar que o ordenamento jurídico brasileiro está apto a reconhecer, e maneira plena, a utilização dos títulos de crédito eletrônicos, uma vez que admite os documentos eletrônicos (por meio do art. 10 da MP nº 2.200/02 e do art. 225 do Código Civil) e “apresenta regulamentação atinente às assinaturas digitais que permitiria a circulação virtual de tais títulos (nos termos como também previsto na MP nº 2.200/02)”, e não descurando do que expressamente prevê o código civil, no art. 889, § 3º, do Código Civil, apesar do alcance dessa medida depender também da interpretação que se realize do disposto no art. 903 do regramento civil e do art. 3º da Convenção que disciplina o conflito de leis em matéria de letras de câmbio e notas promissórias, última das Convenções promulgadas pelo Decreto nº 57.663/1966) (SPINELLI, 2010). Nestes termos, estão cumpridos os argumentos que viabilizariam a entrada, no direito brasileiro, dos títulos de crédito eletrônicos. Mas, apesar de todos os benefícios aparentes, existem vozes dissonantes, considerando, inclusive, que os títulos de crédito eletrônicos não apresentam respostas suficientes para uma série de dificuldades, e acabam por colidir frontalmente com a disciplina clássica da matéria. Sobre tal diferindo, certamente nos debruçaremos em artigo próprio. 6. Referências Bibliográficas DE LUCCA, Newton; DEZEM, Renata Mota Maciel. Títulos de crédito eletrônicos, Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018. Disponível em:<https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/254/edicao-1/titulos-de-credito- eletronicos#:~:text=Os%20t%C3%ADtulos%20de%20cr%C3%A9dito%20eletr%C3%B 4nicos%20e%20o%20C%C3%B3digo%20Civil,-. Acesso em: 21 de agosto de 2020. SPINELLI, Luís Felipe. Os Títulos De Crédito Eletrônicos E As Suas Problemáticas Nos Planos Teórico E Prático. Disponível em:< http://www.bdr.sintese.com/AnexosPDF/RJE%2016%20-20Doutrina%20Nacional.pdf.> Acesso em: 21 de agosto de 2020. TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Títulos de Crédito - Volume 2. 9. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
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