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1 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Estrutura e função animal Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório Dianne Cassiano 2 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. 1. Sistema esquelético O esqueleto é o que dá a forma ao corpo do vertebrado, sustenta seu peso, protege as partes moles, como sistema nervoso, vasos sanguíneos e vísceras e fornece um sistema de alavancas que, e associação com os músculos, produz os movimentos. Você já reparou que a maioria dos nossos contatos com os animais já extintos se dá por meio de achados de seus esqueletos? Isso acontece porque os pedaços do esqueleto, por ser rígido, sobrevivem melhor à fossilização do que os tecidos moles. A história da função e da evolução dos vertebrados está escrita na arquitetura do esqueleto. O sistema esquelético é composto por um exoesqueleto e um endoesqueleto. O endoesqueleto é formado nas partes profundas do corpo, a partir da mesoderme e de outras fontes, não diretamente do tegumento. O conjunto fibroso, osso e a cartilagem contribuem para a formação endoesqueleto. Já o exoesqueleto é formado a partir do tegumento ou dentro dele. A derme origina o osso e a epiderme dá origem à queratina. Durante a evolução dos vertebrados, a maioria dos ossos do exoesqueleto geralmente ficava dentro do tegumento e protegia as estruturas superficiais, como a armadura dérmica dos ostracodermes e as escamas ósseas de peixes. Nesse processo alguns ossos se voltaram para dentro, incorporando- se com outros mais profundos e elementos cartilaginosos do endoesqueleto, formando estruturas compostas. Por questões práticas, isso torna a separação do endoesqueleto e exoesqueleto muito difícil. Partes de um costumam ser encontradas junto com o outro, por esse motivo escolhemos unidades estruturais compostas e seguimos sua evolução. Essa maneira de dividir o esqueleto para estudo resulta em duas unidades: o crânio, ou esqueleto craniano, e o esqueleto pós-craniano (Fig 1). O esqueleto pós-craniano inclui a coluna vertebral, os membros, as cinturas e as estruturas associadas, como costelas e cascos. 3 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Fig. 1 Organização de tecidos esqueléticos nos vertebrados. A. Como um sistema de proteção e sustentação, o esqueleto pode ser dividido em estruturas da parte externa (exoesqueleto) e da interna (endoesqueleto) do corpo. B. Com base na posição, o esqueleto pode ser tratado como dois componentes separados, o esqueleto craniano (crânio) e o pós-craniano, que inclui o esqueleto axial e o apendicular. Fonte: Kardong, 2011. 1.1 Esqueleto craniano O crânio do vertebrado, apesar de ter emergido como uma unidade harmoniosa, é uma estrutura composta por três partes distintas, cada qual surgindo de uma fonte filogenética separada. A parte mais antiga é o esplancnocrânio (crânio visceral), formada para sustentar as fendas faríngeas nos protocordados. A segunda parte, o condrocrânio, formado pelo osso endocondral ou cartilagem, ou ambos, fica embaixo e sustenta o cérebro. Por fim, a terceira parte, o dermatocrânio, é uma contribuição que forma grande parte do envoltório craniano externo, na maioria dos vertebrados. Ele é formado por ossos dérmicos. Além dessa divisão formal, temos outros dois termos que usamos para nos referirmos às partes do crânio. Caixa craniana é utilizada para se referir aos componentes cranianos fundidos que circundam imediatamente o cérebro e o protegem (Fig. 2). O dermatocrânio, o condrocrânio e mesmo o esplancnocrânio podem formar essa caixa craniana, dependendo da espécie. Outros morfologistas ainda usam neurocrânio como um termo equivalente de condrocrânio. 4 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Os elementos do condrocrânio ficam em série com as bases das vértebras. Isso levou diversos morfologistas do século 19 a proporem que a coluna vertebral primitiva estava estendida para a cabeça, formando o crânio. Hoje essa hipótese não é plausível, embora muitos admitam que o arco occipital que forma a parede posterior do crânio pode representar vários segmentos vertebrais ancestrais que agora contribuem para a parede posterior do condrocrânio. Nos elasmobrânquios, o condrocrânio expandido e envolvente sustenta e protege o cérebro contido nele, mas na maioria dos vertebrados, o condrocrânio é primariamente uma estrutura embrionária que serve como etapa para o desenvolvimento do cérebro e de sustentação para as cápsulas sensoriais. Fig. 2 Crânio composto. Crânio é um mosaico formado por três partes contribuintes primárias: o condrocrânio, o esplancnocrânio e o dermatocrânio. Cada uma tem uma história evolutiva separada. O crânio do Eusthenopteron, um peixe ripidístio do Devoniano, ilustra como partes de todas as três fontes filogenéticas contribuem para a unidade. (A) O esplancnocrânio surgiu 5 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. primeiro e é mostrado em associação com o condrocrânio e partes do dermatocrânio. A maxila direita está abaixada a partir de seu melhor ponto de articulação, para revelar ossos mais profundos. (B) O condrocrânio no Eusthenopteron é formado pela união entre as unidades etmoesfenoide anterior e ótico-occipital posterior. (C) A parede superficial de ossos compõe o dermatocrânio. A figura central mostra a posição relativa de cada conjunto contribuinte de ossos que se unem no crânio composto. Fonte: Kardong, 2011. Já o esplancnocrânio, entre os vertebrados, sustenta as brânquias e seve para a inserção dos músculos respiratórios. Seus elementos contribuem para as maxilas e o aparato hioide dos gnostostomados. O esplancnocrânio é uma estrutura ancestral dos cordados. Nos anfioxos, por exemplo, ou pelo menos nos seus precursores, ele está associado às superfícies de filtração de alimentos. O crânio, por causa de seus ossos dérmicos, pertence ao dermatocrânio. Filogeneticamente, estas estruturas surgiram da armadura óssea do tegumento dos primeiros peixes, se interiorizando para se aplicarem ao condrocrânio e ao esplancnocrânio. Também se associando aos elementos endocondriais da cintura peitoral, os elementos ósseos da armadura, para originar seus componentes dérmicos. Esses ossos dérmicos associaram-se primeiro ao crânio nos ostracodermes. Já nos grupos posteriores, outros ossos dérmicos do tegumento subjacente também contribuem. O dermatocrânio forma os lados e o teto do crânio, completando a caixa óssea protetora em torno do cérebro. Bem como a maior parte do revestimento ósseo do teto da boca, além de envolver muito do esplancnocrânio. Os dentes que surgem dentro da boca em geral ficam sobre ossos dérmicos. Mediante o processo de ossificação intramembranosa, os tecidos mesenquimatosos e ectomesenquimatosos da derme formam esses ossos do dermatocrânio (Fig. 3). Os elementos dérmicos nos peixes recentes e anfíbios viventes se perdem ou fundem-se, assim o número de ossos é reduzido e o crânio, simplificado, em comparação com seus ancestrais. Já nos amniotas, os ossos do dermatocrânio são predominantes, formando a maioria da caixa craniana e a maxila inferior. O crânio dérmico pode conter uma série considerável de ossos unidos firmemente em suturas para formar a caixa que contém o cérebro e outros elementos cranianos. 6 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Fig. 3 Principais ossos do dermatocrânio. Conjuntos de ossos dérmicos formam a série facial que circunda a narina. A série orbital circunda o olho e a série temporal compõe a parede lateral atrás do olho. A série mediana, os ossos do teto ficamno alto do crânio, acima do cérebro. A série palatina de ossos cobre o alto da boca. A cartilagem de Meckel (não mostrada) está encaixada na série mandibular da maxila inferior. Abreviações: angular (An), dentário (D), ectopterigoide (Ec), frontal (F), intertemporal (It), jugal (J), lacrimal (L), maxilar (M), nasal (N), parietal (P), pré-articular (Pa), palatino (Pl), pré-maxilar (Pm), pós-orbital (Po), pós-parietal (Pp), pré-frontal (Prf), paraesfenoide (Ps), pterigoide (Pt), quadradojugal (Qj), surangular (Sa), esplênio (Sp), escamoso (Sq), supratemporal (Si), tabular (T), vômer (V). Fonte: Kardong, 2011. O crânio realiza uma variedade de funções, desde a proteção e a sustentação do cérebro e seus receptores sensoriais, como também o abrigo do equipamento que resfria o cérebro durante atividade mantida sob uma elevação da temperatura do ambiente. O crânio de muitos animais também sustenta a caixa e voz e ocasionalmente serve como uma caixa de ressonância sonora para amplificar o chamado de animais. A foca de Weddell, por exemplo, desfruta da vantagem de suas maxilas abertas e mantém os orifícios respiratórios na superfície do gelo. Isso faz com que o crânio seja entendido como uma ferramenta de uso múltiplo, envolvido em uma grande variedade de funções. Generalizando o desenho do crânio, podemos entender alguns problemas funcionais fundamentais, mas é preciso ter cautela para não ignorarmos suas múltiplas funções. 1.2 Esqueleto pós-craniano 7 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. O eixo longitudinal do corpo dos vertebrados é composto por duas estruturas fundamentais, que oferecem locais para a inserção muscular, a fim de evitar o engavetamento do corpo e sustentar a maior parte do peso. São eles a notocorda e a coluna vertebral. A notocorda é um bastão longo e contínuo de tecido conjuntivo fibroso, que envolve um núcleo líquido ou células cheias de líquido; já a coluna vertebral consiste em uma série distinta de elementos cartilaginosos ou ósseos repetidos. A notocorda é filogeneticamente o mais antigo dos componentes estruturais, mas tende a abrir caminho para a coluna vertebral, que vai assumir na maioria dos vertebrados o papel de sustentação do corpo. A coluna vertebral surgiu cedo. Há evidências de protovértebras em forma de blocos segmentares ao longo da notocorda nos fósseis Haikouella e Haikouichthys. A evolução da coluna vertebral em peixes e tetrápodes é complicada, pois alguns componentes aumentaram de tamanho, outros foram perdidos e alguns evoluíram de maneira independente várias vezes. Os eventos embriológicos iniciais falham na tarefa de esclarecer tais incertezas filogenéticas, porque as opiniões diferem até nos detalhes comparativos de eventos embrionários nas formas vivas. A função original das vértebras era proteger a medula espinhal e a aorta dorsal. Posteriormente elas adquiriram importância como locais de inserção da musculatura corporal. Nos tetrápodes, elas passaram a ter a função de suspensão do corpo e a locomoção em terra. Os primeiros componentes das vértebras que surgiram foram os arcos dorsais e ventrais que ficam na superfície da notocorda. Os arcos dorsais, que são os neurais e interneurais (intercalares), protegiam o tubo neural; já os ventrais, constituídos pelo hemal e pelo inter-hemal, contêm os vasos sanguíneos. A próxima evolução sofrida pelas vértebras foi a formação de dois centros: um intercentro (hipocentro) e um pleurocentro. As bases dos arcos ventrais se expandem para formar esses centros onde encontram a notocorda. Cada segmento vertebral consiste em arcos e centros: até dois arcos dorsais (neural e interneural), outros dois arcos ventrais (hemal e inter-hemal) e, comumente, dois centros (intercentro e pleurocentro). Na maioria dos peixes, a coluna vertebral se diferencia em duas regiões: uma anterior do tronco e uma posterior caudal. Nos tetrápodes, o tronco se diferencia ainda mais anteriormente, no pescoço, ou região cervical, e, posteriormente, no quadril, ou região sacral. Nos primeiros tetrápodes, uma região pós-sacral, contendo até cinco ou seis vértebras com as bases proximais fundidas de suas respectivas 8 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. costelas, tipicamente continua além da região sacral. Em alguns tetrápodes, há ainda diferenciação do tronco, ou região torácica, e, na área entre o tórax e os quadris, a região lombar (Fig. 4). Fig. 4 Regiões da coluna vertebral. A cadeia de vértebras que compõem a coluna axial se diferencia em duas regiões (tronco e cauda) em todos os peixes e até em cinco regiões (cervical, torácica, lombar, sacral e caudal) nos amniotas. A coluna vertebral de um jacaré esquematizada na figura ilustra essas cinco regiões. Fonte: Kardong, 2011. Outro componente é o centro. Nos vertebrados, há uma grande variação na estrutura dos mesmos, na importância relativa do pleurocentro em comparação com o intercentro e no grau em que os centros suplementam ou substituem a notocorda como elementos mecânicos da coluna axial. Cada centro constitui o que denominamos corpo da vértebra. Mas existem aqueles vertebrados que não possuem centro (aspondilia), outros ainda podem exibir um (monospondilia) ou dois centros (diplospondilia) por segmento. Os centros são ligados sucessivamente em uma cadeia de vértebras, a coluna axial. As formas das superfícies das extremidades articulares dos centros afetam as propriedades da coluna vertebral e a maneira pela qual as forças se distribuem entre as vértebras. Os centros com extremidades planas são os acélicos parecem adequados para receber e distribuir forças compressivas dentro da coluna vertebral. Eles ainda podem ser anficélico, procélucos, opistocélicos, heterocélicos (Fig. 5) 9 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Fig. 5 Formas gerais dos centros. As formas dos centros de articulação variam, conforme vistas em corte sagital, e definem tipos anatômicos específicos: (A) acélico, em que ambas as extremidades são planas; (B) anficélico, com ambas as extremidades côncavas; (C) procélico, com a extremidade anterior côncava; (D) opistocélico, com a extremidade posterior côncava; (E) heterocélico, em que as extremidades articulares têm forma de sela. A parte anterior está à direita. Fonte: Kardong, 2011. Essa classificação anatômica é feita somente a partir do formato do centro, mas tecidos moles geralmente estão associados e são extremamente importantes na função. A notocorda ou seus derivados adultos seguem pelas concavidades nas extremidades articular dos centros, cobertos por almofadas cartilaginosas preenchendo tais concavidade, denominada disco intervertebral. Há também as costelas, que são estruturas de reforço que se fundem ou se articulam com as vértebras. Elas sevem como locais para a inserção muscular segura, ajudando a levantar o corpo e formando uma caixa protetora em torno das vísceras (caixa torácica) e, algumas vezes, servem como dispositivos respiratórios acessórios. Além das costelas, existe o esterno. Ele é uma estrutura esquelética mesovental, de origem dos músculos torácicos. Ele também serve para a fixação das extremidades ventrais das costelas verdadeiras, completando a caixa torácica protetora condrificada ou ossificada. A caixa torácica consiste em costelas e elementos esternais que englobam as vísceras. Alterações no tamanho e na forma da caixa torácica também atuam comprimindo ou expandindo os pulmões, para proporcionar a ventilação. O 10 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. esterno pode consistir em uma única lâmina óssea ou vários elementos em série. Em alguns vertebrados, posterior ao esterno, existe um conjuntode elementos esqueléticos, derivado separadamente, denominados gastrália ou costelas abdominais. Ao contrário do esterno e diferentes das costelas, a gastrália tem origem dérmica e se restringe aos lados da parede corporal ventral, entre o esterno e a pelve, não se articulando com as vértebras. Além dessas estruturas do sistema esquelético, não podemos esquecer dos componentes do esqueleto apendicular. Ao longo da evolução, foi sendo selecionado alguns mecanismos locomotores mais elegantes e especializados, desde as nadadeiras dos peixes até os membros dos tetrápodes. Nesse esqueleto, denominado apendicular, a relação entre as estruturas e a função biológica é direta. O esqueleto apendicular compreende as nadadeiras pares ou membros e as cinturas, estruturas do corpo que as sustentam. A cintura anterior é a cintura peitoral ou escapular, que se forma por elementos esqueléticos dérmicos e endocondrais e sustenta nadadeiras ou membros peitorais. A cintura posterior é a cintura pélvica ou quadril, formada por elementos esqueléticos endocondrais que sustentam nadadeiras ou membros pélvicos. 2. Sistema muscular E quais as funções do músculo? Eles são essenciais à nossa sobrevivência? Os músculos são aqueles que literalmente fazem as coisas acontecerem, pois são eles os responsáveis por proporcionarem a força para o movimento. Associados ao sistema esquelético, eles são os motores e as alavancas que fazem o animal reagir. Além de fazê-los reagir, os músculos também restringem o movimento, o que é igualmente importante. E mesmo quando estamos em pé ou confortavelmente sentados, eles mantêm a posição do nosso corpo, evitando que ele tombe. Essas funções são as mais facilmente visualizadas, no entanto, os músculos também agem internamente sobre as vísceras, como os vasos sanguíneos, canais respiratórios, órgãos, glândulas, etc. Os músculos também têm uma participação secundária na produção de calor. Normalmente, o corpo humano consegue produzir calor suficiente, mas caso a temperatura central caia no frio, grandes músculos em todo o corpo se contraem fortemente, produzindo os calafrios. Esses músculos não fazem 11 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. trabalho extra, mas liberam calor extra, e a temperatura central volta ao normal. Inclusive, em algumas espécies de peixes, os músculos extrínsecos do olho, que giram o globo ocular, assumem a função especializada adicional de produzir calor. Esses músculos, que são aumentados, contêm vias bioquímicas geradoras de calor e esse calor é transportado por vasos sanguíneos diretamente até o encéfalo para aquecê-lo. A contração muscular gera dois subprodutos que geralmente não são percebidos, o ruído e a tensão elétrica muito baixa. Muitos tubarões e outros peixes predadores, no entanto, têm receptores sensitivos que detectam esses ruídos e sinais elétricos a curta distância. A presa, mesma estando enterrada ou escondida, ao bombear a água através das brânquias durante a respiração, pode ser detectada pelo ruído elétrico. Em algumas espécies, esses subprodutos elétricos dispersos se tornam importantes para músculos especializados. A esses tipos de músculo damos o nome de órgãos elétricos. Eles estão presentes em mais de 500 espécies de peixes, produzindo altos níveis de tensão, porém não de força. Esses órgãos elétricos disparam energia com algumas finalidades, podendo ser a paralisação das presas, a proteção contra predadores ou até mesmo a geração de um campo elétrico em torno de seus corpos, para alerta. Ou seja, esses órgãos possuem a função na captura de alimentos, na defesa e na navegação. Na maioria dos vertebrados, porém, os músculos controlam o movimento que pode deslocar o organismo no ambiente ou controlar ações e processos corporais internos. 2.1 Organização dos músculos Como existem diversos tipos de músculos e com várias funções, os cientistas que os estudam criaram então critérios para sua classificação. Essa classificação pode ser: de acordo com a cor – existem músculos vermelhos e brancos. Esse critério, no entanto, caiu em desuso porque a simples distinção de cor subestima a complexidade muscular. De acordo com a localização: os músculos somáticos movem os ossos (ou cartilagens) e os músculos viscerais controlam a atividade de órgãos, vasos e ductos. Segundo o modo de controle pelo sistema nervoso: os músculos voluntários estão sob controle consciente 12 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. imediato, ao contrário dos músculos involuntários. De acordo com a origem embrionária. E segundo a aparência microscópica geral: existem músculos estriado esqueléticos, estriado cardíacos e lisos. As células que compõe os músculos contêm todas as estruturas celulares, como núcleos, mitocôndrias, etc., mas criaram-se termos especializados para organelas celulares conhecidas. Analisaremos a seguir os músculos a partir da sua aparência microscópica geral: Músculo estriado cardíaco O músculo estriado cardíaco, como o próprio nome designa, é exclusivo do coração. As células cardíacas são involuntárias, curtas, mononucleadas e binucleadas, muitas vezes ramificadas e unidas umas às outras por discos intercalares, formando lâminas (Fig 6). As ondas de contração que conduzem impulsos elétricos podem ser iniciadas por nervos ou por contração intrínseca do próprio tecido muscular. Elas se propagam nas células e através dos discos intercalares. Se mantido saudável e ativo fora do corpo, o tecido muscular cardíaco é capaz de se contrair de maneira espontânea e rítmica sem estimulação externa. Fig. 6 Músculo cardíaco. As células musculares cardíacas se organizam em lâminas, que formam as espessas paredes do coração, capazes de bombear o sangue. Fonte: Kardong, 2011. 13 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Músculo liso O músculo liso, ao ser visualizado no microscópio óptico, não possui estriações, por isso ele foi denominado “liso”. Ele está quase totalmente relacionado às funções viscerais – trato digestório, pulmões e vasos sanguíneos – sendo considerado, portanto, um músculo visceral. A atividade do músculo liso é voluntária, suas contrações típicas são lentas e contínuas. Por esse motivo, o músculo liso é adequado para esfíncteres, nos quais a fadiga poderia significar perda de controle. Todas as suas células são mononucleadas, curtas e fusiformes (Fig. 7). As células musculares lisas são unidas por junções e formam lâminas que envolvem os órgãos nos quais exercem controle mecânico. As células musculares lisas que compõe as lâminas estão acopladas eletricamente e a inervação da superfície geralmente se propaga por toda a lâmina. Os hormônios também podem excitar ou inibir diretamente a contração desse tipo de músculo. O mecanismo molecular de contração do músculo liso ainda não é tão bem compreendido, mas supõe-se que ele dependa de um mecanismo de filamentos deslizantes. Fig. 7 Músculo liso. À direita está uma célula muscular lisa ampliada e isolada e à esquerda um bloco de músculo liso. Fonte: Kardong, 2011. Músculo estriado esquelético 14 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Os músculos estriados esqueléticos estão geralmente associados a ossos e cartilagens sob controle voluntário. Ao microscópio, parecem ter linhas ou estriações transversais produzidas pela estrutura subjacente. Todas as células musculares esqueléticas são multinucleadas, com muitos núcleos distribuídos em seu citoplasma. Apesar de terem menos de 5 cm de comprimento, elas podem estar unidas pelas extremidades, formando fibras compostas mais longas. Internamente, essas células possuem longas unidades denominadasmiofibrilas. Cada miofibrila é uma cadeia de unidades repetidas (sarcômeros). Os sarcômeros, por sua vez, são constituídos por miofilamentos de dois tipos: filamentos grossos e finos (Fig. 8). As miofibrilas na célula tendem a estar bem alinhadas entre si, causando o efeito da “estriação”, visível ao microscópio óptico. Cada uma dessas células musculares é inervada individualmente por um ramo de uma única célula nervosa. A terminação do nervo se expande e forma uma placa terminal motora, que estabelece o contato com o sarcolema da célula muscular. A onda de excitação elétrica originada na célula nervosa se propaga ao longo do sarcolema e é levada ao interior da célula por invaginações do sarcolema, os túbulos transversais. Fig. 8 Músculo esquelético. Cada célula muscular é constituída internamente de miofibrilas; cada miofibrila é uma cadeia de sarcômeros; e cada sarcômero é constituído em nível molecular de miofilamentos: especificamente, miofilamentos de miosina (grossos) e actina (finos) superpostos. O arranjo molecular desses filamentos cria o padrão de estriações na miofibrila. Fonte: Kardong, 2011. 15 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. O termo músculo tem, no mínimo, dois significados. Ele ora se refere ao tecido muscular (incluindo células e endomísio), ora se refere a todo o órgão (células musculares e tecido conjuntivo, nervos e suprimento sanguíneo associados). Nós usamos o termo específico célula muscular para designar o componente contrátil ativo de um músculo como órgão. É comum ouvirmos o termo fibra muscular em vez de célula muscular. A olho nu um músculo destrinchado se assemelha a uma corda desgastada. Isso inspirou o termo fibra muscular para designar esses filamentos diminutos e desgastados que, na verdade, são longas células musculares individuais. Mas como essas estruturas, de fato, são células musculares alongadas, o termo fibra é infeliz. No entanto, para não nos distanciarmos da convenção adotada entre os anatomistas e fisiologistas, usaremos o termo fibra muscular para designar uma célula muscular inteira, esquelética ou lisa, mas não uma célula muscular cardíaca. A parte carnosa de um músculo é denominado ventre e as extremidades que se unem ao esqueleto ou aos órgãos adjacentes, inserções. Cada célula muscular é envolvida por uma camada de tecido conjuntivo, o endomísio. Já os grupos de células musculares são envolvidos pelo perimísio. O epimísio é a camada externa de tecido conjuntivo que envolve o músculo. O fascículo, por sua vez, é um feixe de células musculares, delimitado por perimísio próprio. O órgão muscular não está fixado nos ossos pelas fibras musculares contráteis que o constituem. O que acontece, na verdade, é que os vários envoltórios de tecido conjuntivo se estendem além das extremidades das fibras musculares e se conectam ao periósteo do osso. Esses componentes conjuntivos do músculo que se fixam no osso são denominados tendões. Os tendões expandidos em lâminas planas e delgadas de tecido conjuntivo resistente são aponeuroses, enquanto as de tecido conjuntivo fibroso que envolvem e conectam partes do corpo são fáscias. Esses tendões possuem várias funções, entre elas a transmissão da força muscular a um ponto distante. Os músculos dos membros de animais cursoriais, por exemplo, geralmente estão agrupados perto do corpo, mas por intermédio dos longos tendões, a força é aplicada nas extremidades das pernas (Fig. 9). Eles são metabolicamente econômicos e o suprimento vascular é modesto. Dessa forma, como eles necessitam de pouca manutenção e consomem pouca energia em comparação com as fibras musculares, eles possibilitam que essas tenham apenas o comprimento suficiente para produzir 16 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. o grau necessário de encurtamento ou força. O restante da distância entre o músculo e seus dois locais de inserção é completado pelos tendões. Fig. 9 Tendões do membro de uma girafa. Os músculos dos membros de uma girafa estão localizados perto do corpo, mas os tendões seguem ao longo dos ossos da perna e transmitem a força aos cascos da girafa. Fonte: Kardong, 2011. Outra questão interessante para ser destacada sobre o sistema muscular, consiste nas bases da contração muscular. Um músculo que está relaxado ou em estado de repouso não está recebendo estimulação nervosa. Ele é macio e as fibras colágenas que o circundam mantêm seu formato durante este estado. Não é a força tensora que faz com que o músculo produza força e se expanda. O músculo, ao se estimulado pelo nervo até seu limiar, contrai e é gerada a força tensora, o que constitui o estado ativo do músculo. A massa que esse músculo deve mover o os ossos nos quais ele se insere representam resistências externas denominadas cargas. O encurtamento do músculo por contração dependo do equilíbrio relativo entre a força tensora de contração e a carga a ser movida. Já a química da contração muscular se baseia em filamentos de proteínas musculares (actina e miosina) que deslizam entre si para encurtar o músculo. Esse processo encurta o sarcômero do qual os filamentos de proteína fazem parte. A terminação do neurônio responsável pela inervação, transmite a onda elétrica de despolarização para o sarcolema (membrana plasmática) que distribui o estímulo que está se propagando para todas as partes da fibra muscular e para seu interior a intervalos regulares, via túbulos transversais 17 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. associados ao retículo endoplasmático. No interior da fibra muscular, essa onda elétrica de despolarização estimula eventos químicos locais, resultando no deslizamento de filamentos moleculares. Como a contração é simultânea em todos os sarcômeros de uma célula, há o encurtamento simultâneo das cadeias de sarcômeros, encurtando também a fibra muscular, o que gera uma força tensora. Você sabia? Como exercitamos o músculo? Quando um músculo se contrai durante uma caminhada lenta, ele já está sendo “exercitado”. Portanto, os fisiologistas do exercício preferem o termo sobrecarga crônica para descrever altos níveis de atividade muscular prolongada, ou apenas “treinamento” para reconhecer as demandas musculares elevadas e suas consequências. Ou seja, quando dizemos que vamos para a academia para nos exercitarmos, na verdade estamos indo para produzir uma sobrecarga crônica nos nossos músculos. As características de desempenho, como força e velocidade da inserção, são afetadas também pela área de corte transversal, pela orientação das fibras (paralela ou pinada), pelo comprimento do músculo e pelos locais de inserção em um sistema de alavanca (proximal ou distal). Nos peixes, a musculatura axial é predominante, sendo representada por blocos de músculo com organização segmentar. Já nos tetrápodes, a essa musculatura é reduzida e os músculos apendiculares ganham mais importância. Eles também apresentam maior complexidade nas massas musculares. A diferenciação filogenética dos músculos ocorre de muitas formas, sendo uma delas a migração de primórdios musculares para outras regiões do corpo. Por exemplo, a muscularização do diafragma em mamíferos começa com o surgimento de primórdios musculares no pescoço. Esses primórdios migram durante o desenvolvimento embrionário para o septo do corpo anterior do fígado, se diferenciando, nesse local, nos músculos esqueléticos do diafragma. Outro mecanismo de diferenciação filogenética é a fusão. O musculo reto do abdome, que se estende pelo ventre dos tetrápodes, é formado pela fusão das 18 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. regiões ventrais de vários miótomos que crescem emdireção à região abdominal durante o início do desenvolvimento embrionário. Os músculos também podem se diferenciar por divisão. O músculo peitoral no tórax é um músculo grande, em formato de leque nos tetrápodes inferiores, mas nos mamíferos, divide-se em até quatro músculos distintos que atuam no membro anterior. As demandas da sustentação e locomoção na terra produziram a maior diferenciação da musculatura dos tetrápodes em comparação com a musculatura dos peixes. A corrida, o voo e outras atividades dos tetrápodes implicam mais que a simples mecânica de balançar os membros ou bater as asas, sendo compostos por motores complexos que exigem controle preciso. Um guepardo que corre em uma superfície irregular precisa não só balançar os membros com rapidez, como também posicionar o pé de modo a se acomodar rapidamente às pequenas irregularidades da superfície a cada vez que o pé toca o solo. O fato de os tetrápodes terem uma musculatura mais diferenciada é uma indicação indireta dessa maior variedade e precisão dos movimentos que eles podem e devem realizar. A filogenia muscular também é exemplo da evolução desses seres. Músculos que surgem inicialmente na mandíbula e na maxila e na musculatura axial são incorporados ao sistema muscular do ombro e do membro anterior (Fig. 10). Vemos na evolução muscular uma incrível fidelidade entre os músculos e sua inervação. Por exemplo, grupos de músculos associados aos arcos branquiais são, de modo geral, fielmente supridos pelo mesmo nervo craniano em todos os vertebrados, apesar de esses músculos do arco branquial costumarem ser remodelados para desempenhar novas funções nos tetrápodes. 19 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Fig. 10 Evolução dos músculos da face. Nos tetrápodes, a musculatura hioidea se expande e circunda parcialmente o pescoço como uma delgada lâmina, o constritor do pescoço. Esse músculo também tende a aderir à derme. Nos mamíferos, a musculatura derivada do arco hioide se expande radicalmente sobre a cabeça e se diferencia em um conjunto de músculos faciais, mais bem diferenciados ao redor dos olhos, lábios e orelhas, nos quais acentuam a expressão facial. Fonte: Kardong, 2011. 3. Celoma e mesentérios O celoma, presente em todos os vertebrados, é uma cavidade interna do corpo que se forma como uma fenda no interior do mesoderma (folheto germinativo que se localiza entre os folhetos endoderme e ectoderme) e circunda o tubo digestivo. Tipicamente, o celoma é constituído por um ou mais pares de câmaras, dependendo da espécie. Animais celomados são divididos em dois grupos com base em como a boca e o ânus se formam. Quando a blástula sofre invaginação para formar uma gástrula, ela deixa uma abertura para o exterior chamada blastóporo. Nas medusas, o blastóporo é a única abertura do corpo e serve como ânus e boca. Nos celomados, durante o desenvolvimento embrionário, surge uma segunda abertura. Na linhagem dos protostômios (Grego protos = primeiro e stoma = boca), o blastóporo (que foi a primeira abertura no embrião) origina a boca. Já os deuterostômios (Grego deuteros = segundo), o blastóporo torna-se o ânus e a segunda abertura origina a boca. A forma como o celoma desenvolve-se também difere entre os protostômios e deuterostômios. Para entendermos essa classificação, os moluscos (caramujos, bivalves, lulas), artrópodes (insetos, caranguejos, aranhas) e anelídeos (minhocas) e alguns outros filos são 20 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. protostômios; já os cordados, hemicordados e equinodermos são deuterostômios. Dessa forma, entendemos que os vertebrados são deuterostômios. O celoma surge, como indicado, durante o desenvolvimento embrionário e é formado por camadas de tecido e preenchido pelo líquido celômico. Sua função varia de acordo com os diferentes grupos de animais que o possuem. Ele pode servir para dar espaço para os órgãos internos, maior flexibilidade corporal, esqueleto hidrostático, proteção, processamento de produtos da excreção, e transporte de gases e substâncias nutritivas. O celoma é produzido durante o desenvolvimento embrionário e dividido durante a fase final. Em peixes, anfíbios e na maioria dos répteis ele é subdividido em uma cavidade pericárdica anterior, contendo o coração, e uma cavidade pleuroperitoneal, onde estão a maioria das outras vísceras. Esse nome teve origem com os tetrápodes, mas é aplicado mesmo a tubarões e outros peixes em pulmões. Esses dois compartimentos do celoma são separados pelo septo transverso, uma divisão fibrosa complicada. Grandes veias embrionárias atravessam esse septo à medida que voltam do coração. Essas veias entram em contato com o divertículo hepático do intestino, que posteriormente se tornará o fígado (Fig. 11). Nos répteis, o septo transverso fica oblíquo dentro do corpo e não dorsoventralmente. Isso faz com que haja um desvio posterior para uma posição abaixo da cavidade pleuroperitoneal situada dorsalmente. Os pulmões ficam na extremidade cranial da cavidade pleuroperitoneal, mas em geral, não são localizados separadamente, em seus próprios compartimentos celômicos. Existem alguns répteis, entretanto, nos quais cada pulmão é sequestrado em um compartimento celômico separado, a cavidade pleural. As cavidades pleurais formam-se nos crocodilos, tartarugas e alguns lagartos, assim como em aves e mamíferos. O padrão de desenvolvimento nos mamíferos, no entanto, é diferente do observado em outros grupos. Nos répteis que têm uma cavidade pleural e em todas as aves, ela é delimitada por um septo oblíquo fino, não muscular, conhecido como prega pulmonar que cresce a partir da linha média na direção e dentro da serosa hepática. Esse crescimento continua e a prega pulmonar se une à parede corporal, suspendendo parcialmente o fígado e sequestrando cada pulmão em sua própria cavidade. Nos mamíferos, uma prega celômica (membrana pleuroperitoneal) origina-se da parede corporal dorsal e cresce ventralmente, encontrando o septo transverso e se fundindo a ele. Essa união vai restringir cada pulmão em 21 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. sua própria cavidade pleural. Essa prega se torna um diafragma vascularizado e suas contrações influenciam diretamente a ventilação pulmonar após o nascimento ou eclosão. Finas bainhas de mesotélio, uma categoria especial de epitélio que forma a placa lateral da mesoderme, reveste o celoma e suas subdivisões. Ele garante a integridade das cavidades e define espaços em que os órgãos operam mais livremente, além de ajudar a sequestrar órgãos com atividades conflitantes. Como exemplo, podemos citar tanto a cavidade pericárdica, que separa o coração de outras vísceras para permitir a geração transitória de pressão favorável em torno desse órgão nos estágios críticos de seu ciclo de bombeamento, para que suas câmaras possam ser preenchidas; como a cavidade pleuroperitoneal, que acomoda o intestino, em que ondas peristálticas movem o alimento durante a digestão. A cavidade dá liberdade de movimento ao intestino durante a digestão, embora a atividade do trato digestório continue sob o controle dos mesentérios, que o mantêm suspenso. Essa divisão do celoma em compartimentos também torna possível o controle mais localizado dos órgãos internos. O mesotélio de lados opostos do corpo se encontra e envolve os órgãos internos, formando um pedúnculo conectante que os suspende dentro da cavidade e conecta os órgãos adjacentes. Esse pedúnculo é um mesentério que consiste em duas camadas de mesotélio com tecido conjuntivo, vasos sanguíneos e tecido nervoso entre elas. Fig. 11 Cavidades corporais. O celoma, que surge do hipômero, é dividido por um septo fibroso transversoem cavidades pericárdica e pleuroperitoneal nos peixes (A), anfíbios (B) e na 22 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. maioria dos répteis (C). Nos mamíferos embrionários, uma prega celômica cresce na face pulmonar posterior e faz contato com o septo transverso (D), separando, assim, a cavidade pleural da peritoneal. Subsequentemente, essa prega é revestida com primórdios musculares e, junto com o septo transverso, torna-se o diafragma muscular pré-hepático no adulto (E). Nos machos de algumas espécies, uma extensão posterior do celoma através da parede corporal produz a bolsa escrotal (escroto), que recebe os testículos. Fonte: Kardong, 2011. O mesentério, recentemente classificado como um órgão, então envolve os intestinos e os “prendem” à parede abdominal. Nos intestinos, essa estrutura se dobra sobre si mesma e fornece pontos de fixação para outros órgãos internos. Os estudos recentes demonstram que existem, dentro dessas dobras e tecido, arranjos complexos contendo vasos linfáticos, vasos sanguíneos e células imunes. Isso faz com que acreditemos que o mesentério funcione como um órgão complexo que transporta os nutrientes para fora do intestino, além de oferecer proteção ao mesmo. O mesentério, nesse contexto, oferece uma rota para os vasos que chegam ao intestino passem. Ele também permite que os vasos linfáticos atinjam os intestinos, oferecendo proteção. Além destas funções, ele desempenha um papel no desenvolvimento e suporte do intestino. Você quer ler? Acesse o link a seguir para ver uma notícia sobre a promoção do mesentério à categoria de órgão: https://www.bbc.com/portuguese/geral-38505488 4. Sistema digestório Todos os animais necessitam de alimentos para sobreviverem. No caso dos predadores, falamos de outros animais. No caso dos herbívoros, significa plantas. Uma perseguição rápida e morte da presa por subjugação caracterizam a captura por um carnívoro. A pastagem prolongada ou a migração para novas fontes de plantas suculentas, a alimentação por um herbívoro. Ainda os onívoros, capaz de uma alimentação ambivalente. No entanto, em qualquer caso, essa refeição obtida inicialmente é inutilizável. O processo de converter uma refeição em combustível passível de ser usado pelo corpo é a tarefa do sistema digestório. É ele que degrada as grandes moléculas presentes nesses https://www.bbc.com/portuguese/geral-38505488 23 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. alimentos, fazendo com que elas possam ser absorvidas pela corrente sanguínea e tornando-a disponível para todo o corpo. 4.1 Componentes do sistema digestório O termo trato gastrointestinal, normalmente utilizado para designar todo o trato digestório (desde a cavidade bucal até o ânus), na verdade significa literalmente estômago e intestino. Os médicos utilizam os termos populares intestino delgado e intestino grosso. Ou seja, os termos que descrevem as partes do trato digestório são frequentemente empregados de modo casual. O sistema digestório de um adulto inclui o trato digestório e as glândulas digestivas acessórias. Esse trato digestório é uma passagem tubular que se estende pelo corpo e vai dos lábios da boca até o ânus ou a cloaca. As glândulas imersas nas paredes que revestem o trato liberam secreções diretamente no lúmen. Com base em diferenças histológicas entre essas glândulas e diferenças no tamanho, no formato e na derivação embrionária, são identificadas três regiões do trato digestório: a cavidade bucal, a faringe e o canal alimentar. Com base em diferenças histológicas na parede do lúmen do canal alimentar, são identificadas quatro regiões: esôfago, estômago, intestino delgado e intestino grosso (Fig. 12). Na maioria dos vertebrados, o canal alimentar termina em uma cloaca, que recebe tanto os materiais fecais provenientes dos intestinos quanto os produtos do trato urogenital. A porta de saída da cloaca é a abertura ou orifício cloacal. Todavia, em alguns peixes e na maioria dos mamíferos, a cloaca está ausente, e os intestinos e o trato urogenital possuem portas de saída separadas. O intestino grosso se torna retilíneo posteriormente, formando o reto com uma abertura anal para o exterior. As principais glândulas do trato digestório são as glândulas salivares, o fígado e o pâncreas. Essas glândulas digestivas acessórias estão localizadas fora das paredes do trato digestório, secretando enzimas químicas da digestão e sais emulsificadores no lúmen por meio de ductos longos. 24 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Fig. 12 Sistema digestório dos vertebrados. Fonte: Kardong, 2011. Voltando à divisão em partes que compõe o sistema digestório, temos inicialmente a cavidade bucal. Ela contém os dentes, língua e palato, além das glândulas salivares, que ajudam a umedecer o alimento e secretar enzimas para iniciar a digestão química. Em algumas espécies, a mastigação que começa o processo de degradação mecânica do alimento. Dentre essas estruturas que compõe a cavidade bucal, os dentes são exclusivos dos vertebrados e são recobertos por esmalte, um revestimento mineralizado. Os dentes ajudam a capturar e segurar a presa. Eles também oferecem fortes superfícies de oposição que as maxilas usam para esmagar as conchas duras da presa. Depois de cada mordida, a língua e as bochechas coletam o alimento e o colocam entre as fileiras superior e inferior dos dentes, que quebram mecanicamente o bolo (como denominados a massa de alimento na boca) em pedaços menores. Esse processo, além de tornar a deglutição mais fácil, também aumenta a superfície exposta a digestão química. Mesmo nos vertebrados que não mastigam o alimento, os dentes afiados perfuram a superfície do alimento, criando locais através dos quais as enzimas digestivas penetram. Você sabia? Você sabe qual a relação entre a anatomia e a fala nos seres humanos? As mudanças anatômicas que possibilitam a fala se concentraram no alongamento da faringe, que foi obtido pela separação do palato mole e da epiglote. Por meio 25 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. desse alongamento, o ar pode ser conduzido sem esforço e de modo contínuo passando pela boca, na qual é transformado em sons. Por meio do controle de suas paredes musculares, a faringe reestruturada dos seres humanos se tornou a principal câmara produtora de vogais. Os dentes são fixados aos ossos de sustentação de três maneiras gerais. Os répteis Archosauria e os mamíferos apresentam dentes tecodontes inseridos em alvéolos dentro do osso. Outros vertebrados exibem uma condição acrodonte, com alvéolos superficiais e dentes fixados à crista do osso, ou uma condição pleurodonte, com dentes fixados no lado medial do osso. Entre os herbívoros e predadores, os dentes são frequentemente achatados em superfícies semelhantes a bigornas para esmagar o material vegetal fibroso ou as conchas duras dos moluscos. Os dentes podem ser especializados, de forma a deixar mais eficiente a captura do alimento. À semelhança dos dentes da maioria dos répteis carnívoros, as cobras possuem dentes que se afilam em uma cúspide acentuadamente pontuda, que penetra da pele e proporciona uma mordida firme sobre a presa. Alguns dentes desse grupo são especializados, apresentando uma margem semelhante a uma lâmina ou cristas baixas ao longo de suas laterais, ajudando na penetração do dente. Para deixar mais claro, vamos tentar visualizar o momento em que a cobra dá o bote. Após o bote ela fecha sua boca rapidamente sobre a vítima, que é presa por uma série de dentes semelhantes a agulhas que forma uma superfície espinhosa. Os dentes na frente da boca da cobra são frequentementeinvertidos, ou seja, possuem a ponta inclinada para frente em relação ao restante dos dentes, dando uma inclinação posterior acentuada em sua base e uma inclinação para frente no seu ápice. Essa inclinação da cúspide para frente faz com que durante o bote a ponta afiada seja trazida para uma posição mais alinhada com a linha de captura da presa pela cobra, facilitando a perfuração da pele com o impacto. A inclinação posterior na base do dente atua para segurar a presa e facilitar a sua deglutição (Fig. 13). Em virtude de sua inclinação dos dentes, se a presa recuar na tentativa de escapar, os dentes são inseridos mais profundamente. Os dentes com curvatura invertida são encontrados em outros vertebrados, como os tubarões, funcionando de modo semelhante. 26 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Fig. 13 Curvatura invertida dos dentes da cobra. (A) Quando uma cobra lança sua cabeça e fecha as maxilas sobre uma presa, duas forças são transmitidas pela ponta dos dentes anteriores, representadas aqui por vetores. Um vetor representa a força que surge do movimento do crânio (C) para frente. O outro representa a força de fechamento da maxila (M). A força resultante no impacto é C + M. (B) A inclinação da ponta do dente para frente (arco secundário) em relação à sua base (arco primário) pode fazer com que a ponta coincida mais com a linha dessa força resultante sobre o impacto. O arco primário da base do dente orienta o dente posteriormente. Quando a cobra deglute a presa, essa inclinação para trás resiste à fuga da presa para fora da boca. Durante o bote, o arco secundário inverso ajuda o dente a penetrar na superfície da presa. Fonte: Kardong, 2011. Seguindo na apresentação dos componentes gerais do sistema digestório temos o próximo local por onde o alimento vai passar, que é faringe. Nos adultos ela é um pouco mais do que um corredor de passagem de alimento e ar. É interessante destacarmos que do ponto de vista filogenético, a faringe constitui a fonte de muitos órgãos e, em termos de desenvolvimento, sua história é complexa. Durante esse desenvolvimento uma série de reentrâncias ou bolsas faríngeas se forma em suas paredes laterais e cresce para fora para encontrar invaginações da ectoderme da pele, denominadas sulcos branquiais. Essas bolsas e sulcos, em seu ponto de contato, estabelecem uma divisão ou placa de fechamento entre eles. Nos peixes e larvas de anfíbios, as placas de fechamento são perfuradas para formar as fendas branquiais funcionais. Nos outros vertebrados, não há ruptura nas placas de fechamento. 27 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. A deglutição do bolo, antes presente na cavidade bucal, envolve um movimento vigoroso do mesmo para dentro do esôfago e posteriormente para o estômago. A maioria dos vertebrados engolem o alimento por inteiro, sem mastigá-lo, e o esôfago acaba se expandindo para abrigar o alimento deglutido. Quando o alimento entra no esôfago, ondas de contração em suas paredes e movimentos gerais do pescoço fazem com que esse alimento desça ao estômago (Fig. 14). Formam-se três vedações temporárias conforme a maioria dos mamíferos mastiga e deglute o alimento, sendo elas: a vedação oral anterior, que é formada pelos lábios; a vedação oral média, que se desenvolve entre o palato mole e a parte posterior da língua; e a terceira vedação, que é oral posterior, observada entre o palato mole e a epiglote (Fig. 15). Fig. 14 Quando a cobra está engolindo a presa, ela desloca suas maxilas alternadamente para a esquerda e para a direita no decorrer do corpo presa, fazendo-a “andar” sobre sua superfície até que a presa alcance a fração posterior da garganta. Os músculos lisos na parede do esôfago, auxiliados por músculos estriados na parede lateral do corpo, movimentam a presa em direção ao estômago. Enquanto a presa está na boca da cobra, a traqueia desliza por debaixo dela e para frente, a fim de manter uma via aberta por meio da qual a cobra respira até mesmo enquanto está deglutindo. Fonte: Kardong, 2011 Fig. 15 Passagem para o alimento e o ar. (A) Vista sagital da cabeça de um gambá mostrando as três vedações orais: anterior (lábios), média (palato mole e língua) e posterior (parte 28 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. posterior da língua e epiglote). O ar (setas cheias) flui diretamente das passagens nasais para dentro da traqueia. O alimento (setas vazadas) passa ao redor das partes laterais da laringe para alcançar o esôfago. (B) Vista sagital da cabeça de um ser humano. A vedação oral posterior está ausente, visto que a faringe está localizada mais baixa no pescoço para acomodar a produção de som para a fala. Assim, o alimento e o ar se cruzam potencialmente na extensa faringe humana. Fonte: Kardong, 2011 O esôfago pode ser caracterizado como um tubo delgado, que se distende facilmente, como observamos, para acomodar o bolo alimentar. Há, com frequência, a secreção de muco para facilitar a passagem do alimento, mas ele não produz qualquer enzima que contribui para a digestão química. O esôfago pode atuar ainda como um local de armazenamento para aqueles vertebrados que deglutem grandes quantidades de alimento de uma só vez até que o canal alimentar possa receber mais alimento para digestão. O estômago, próxima etapa do sistema digestório, recebe o bolo de alimento do esôfago. Os animais que ingerem quantidades grandes de alimentos e de modo irregular, como os carnívoros, possuem estômagos que também atuam como compartimentos de armazenamento até que os processos de digestão química e mecânica se emparelhem. Nos primeiros vertebrados, a função inicial do estômago provavelmente se resumia a esse armazenamento. Como eles passaram a ingerir alimentos em pedaços maiores, o ácido clorídrico produzido no estômago pode ter impedido a putrefação dos alimentos por bactérias, preservando-os até que a digestão estivesse em andamento. Esse órgão desempenha um papel mais amplo nos vertebrados. Apesar de servir predominantemente para agitar e misturar o alimento mecanicamente e acrescentar as substâncias químicas digestivas, denominadas suco gástrico (compostas por algumas enzimas, muco e predominantemente ácido clorídrico), nele também ocorre a absorção de água, sais e vitaminas. O tamanho expandido do estômago é o que o separa do esôfago e do intestino delgado, no qual ele se esvazia. Quando ele não está digerindo alimentos, ele relaxa, formando pregas gástricas (Fig. 16). 29 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Fig. 16 Anatomia do estômago. Podemos distinguir três regiões no estômago, sendo a maior delas a região fúndica. As fossas gástricas se abrem nas glândulas fúndicas, que apresentam células parietais e principais em suas bases. As outras duas regiões glandulares do estômago são a cárdica e a pilórica, nas bases das fossas gástricas. Vários tipos de células mucosas predominam nessas glândulas. Fonte: Kardong, 2011 Após passar pelo estômago, o alimento segue então para os intestinos. A mucosa dos intestinos é distinta. Primeiramente, o intestino contém um epitélio cuja superfície livre em contato com o lúmen apresenta numerosas microvilosidades. Essas microvilosidades aumentam substancialmente a área de superfície absortiva total do canal alimentar. As enzimas digestivas estão ligadas, majoritariamente, a essas microvilosidades e incluem dissacaridases, peptidases e algumas lipases. Em segundo lugar, temos as glândulas intestinais que formam um reservatório de células imaturas, que se dividem e migram pra cima, ocupando a posição de células epiteliais maduras de absorção que revestem o lúmen dos intestinos. Em geral, existemduas regiões principais dos intestinos: o intestino delgado e o intestino grosso. O intestino delgado é mais comprido que o intestino grosso, mas seu diâmetro é menor. Ele possui vilosidades, que consistem em pequenas projeções superficiais que também aumentam a 30 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. superfície da mucosa. Essas vilosidades não podem ser confundidas, no entanto, com as microvilosidades, que são muito menores (Fig. 17). Já o intestino grosso é um tubo reto que se estende até a cloaca ou ânus, sendo desprovido de vilosidades. Ele geralmente está deslocado para um dos lados da cavidade do corpo, formando uma alça suave, denominada cólon. Próximo de sua extremidade, ele fica reto, formando uma porção terminal distinta antes da sua abertura. Se essa porção terminal recebe produtos do sistema urinário e/ou reprodutor, trata-se apropriadamente de uma cloaca, que termina na abertura cloacal. Se ela receber apenas produtos do canal alimentar, ela forma o reto, que termina no ânus. Fig. 17 Anatomia do intestino delgado. Em geral, os intestinos desempenham várias funções, entre elas movimentar o alimento ao longo do trato digestório, adicionar secreções aos alimentos que estão sendo digeridos, facilitando a passagem do mesmo. O suco 31 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. intestinal, produzido pelas glândulas intestinais inclui enzimas para a digestão de proteínas, carboidratos e lipídios. Por fim, eles também absorvem seletivamente os produtos finais da digestão – aminoácidos, carboidratos e ácidos graxos. A água também é absorvida principalmente no intestino grosso. Assim se desencadeia, de modo geral, a atividade do sistema digestório nos vertebrados. As respostas dinâmicas do canal alimentar são evidentes principalmente durante a alimentação e o jejum. A chegado do alimento no trato digestório desencadeia, como pudemos perceber, atividades mecânicas e químicas, que visam a degradação desse para a liberação dos componentes que necessitamos para sobreviver. Síntese Chegamos ao final desta unidade. Exploramos mais alguns sistemas presentes nos organismos dos animais vertebrados. Observamos a função que desempenham, seu aparecimento no processo evolutivo destas espécies e a importância que detém no interior da organização de seus respectivos sistemas. E agora avançamos mais no desenho de nosso quadro geral para o organismo dos animais vertebrados. Neste capítulo você teve a oportunidade de: Compreender a formação e função do sistema esquelético, bem como sua divisão em esqueleto craniano e pós-craniano; Estudar a importância do sistema muscular, sua organização e especialização em diferentes vertebrados; Determinar o papel dos celomas e mesentérios na formação e organização interna dos órgãos e tecidos no corpo dos animais vertebrados; Compor o sistema digestório, observando o papel dos diferentes órgãos para o funcionamento adequado do sistema. 32 Estrutura e função animal – Unidade 2 – Sistema esquelético, muscular e digestório. Bibliografia KARDONG, KENNETH G. Vertebrados: anatomia comparada, função e evolução. São Paulo: Roca, 2011. POUGH, F. Harvey; JANIS, Christine M. A vida dos vertebrados. 4ª ed. São Paulo: Atheneu, 2008.
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