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TGDC II

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TGDC II
Interpretação e Integração do Negócio Jurídico
	É do conhecimento de todos que o negócio jurídico exige uma interpretação, isto é, a sua interpretação não se pode limitar à apreciação que cada um faz do negócio, mas sim a determinar o conteúdo que trata a declaração negocial, bem como os efeitos jurídicos que esta tende a alcançar. Por outras palavras, a interpretação do negócio jurídico visa a fixar o sentido da própria declaração. É frequente, que após esta interpretação, as normas que constituem a declaração ganhem cariz de verdadeiras normas jurídicas, e posteriormente se fixem critérios e princípios imperativos baseados nas mesmas.
	De acordo com o artigo 236º, número 1 do Código Civil, vale o sentido da declaração negocial deduzido pelo declaratário (na posição do real declaratário) face aos termos do negócio e em face daquilo que o mesmo conhece ou devia conhecer. No entanto, para que este sentido prevaleça é necessário que o declarante possa contar com o declaratário, ou seja, que este último não esteja de má fé.
	 No número 2 do mesmo artigo afirma que sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante deve agir em conformidade com esta. Assim sendo, se porventura a vontade declarada não coincidir com a vontade real do declarante, o verdadeiro sentido desejado pelo declarante irá prevalecer face ao conhecimento prévio do negócio por parte do declaratário – artigo 238º, número 2 do CC.
	No caso de existir duvidas em relação ao sentido da declaração emitida: se se tratar de negócios gratuitos prevalece o sentido que for menos crítico para o disponente; se se tratar de negócios onerosos prevalece o sentido que corresponder ao maior equilíbrio entre as partes. Estas situações de dúvida estão previstas no artigo 237º do CC.
	
	Só se pode mencionar a integração do negócio jurídico após a sua interpretação. A integração é a resolução de casos omissas ou de situações não previstas, como refere o artigo 239º do CC.
	A integração subdivide-se em três fases: a integração é feita por uma norma concreta se existe disposição especial sobre o caso omisso (exemplo: caso o contrato não mencione o local de pagamento de uma prestação, o código cívil prevê que este seja realizado no domicilio do devedor – artigo 772º, número 1); a integração é feita pela vontade harmonizada entre das partes, ou seja, se as partes tivessem previsto o caso omisso, o que é que teriam decidido; e por ultimo, na integração aplica-se o princípio da boa-fé para evitar conclusões completamente contrárias ao razoável (se a aplicação da norma supletiva levar a uma ofensa ao princípio da boa-fé deve-se afastar a aplicação da norma supletiva, com fundamento no artigo 334º do CC).
	
Perfeição da Declaração Negocial
	É do conhecimento de todos que a capacidade de gozo ou de exercício e a legitimidade, bem como a idoneidade do objeto negocial são apenas pressupostos ou requisitos de validade do negócio jurídico, enquanto que, a declaração negocial é um elemento de inclusão do próprio negócio, e a falta deste tem como consequência a ausência material do negócio. 
	Assim, a declaração negocial define-se como um instrumento de exteriorização da vontade psicológica do declarante, ou seja, é através da declaração negocial que o declarante pode manifestar a sua vontade com intenção de produzir determinados efeitos. Dentro da declaração negocial podemos distinguir o seu elemento externo, sendo a declaração propriamente dita; e o elemento interno que consiste na vontade real. 
 	À definição deste conceito estão aliados alguns impasses, tais como o desacordo entre a vontade e a declaração, os vícios da vontade bem como a interpretação e integração da declaração negocial. 
	Quanto à forma da declaração negocial vigora o princípio da liberdade declarativa consagrado no artigo 217º do Código Civil, que dá a possibilidade da declaração ser expressa ou tácita. 
	Quanto à primeira corresponde a uma declaração feita por palavras, escrita ou qualquer outro meio que enuncie a vontade, no entanto está previsto pelo código certas situações em que a declaração seja necessariamente expressa como por exemplo a declaração expressa para atribuição de eficácia real ao contrato promessa (artigo 413º, número 1 CC). 
	Quanto à segunda limita-se à dedução pelos factos observados que a declaração menciona (artigo 217º, número 2 Código Civil). E da mesma forma que existem situações que exigem declaração tácita, também existe situações previstas onde é necessário a declaração tácita tal como a confirmação expressa ou tácita dos negócios anuláveis (artigo 288º, número 3 CC). 
	As declarações negociais tanto podem ser recetícias como não recetícias. As recetícias são aquelas que só produzem efeitos depois do recebimento e reconhecimento da declaração negocial por parte do declaratário. As declarações não recetícias não exigem este requisito para que possam produzir efeitos, caso dos contratos unilaterais. 
	Segundo o artigo 224º, número 1 do Código Civil, a declaração negocial é eficaz assim que o declaratário tenha conhecimento da mesma ou que esta chegue ao seu poder. Ora, o contrato é perfeito assim que o proponente receba a resposta (de aceitação do contrato) por parte do destinatário. 
	Se porventura, a declaração negocial não for conhecida/ recebida pelo destinatário por culpa deste, a declaração continua a considerar-se eficaz como consta no número 2 do mesmo artigo do CC. Caso o destinatário não tenha culpa do não recebimento, a declaração é ineficaz (artigo 224º, número 3 CC). 
	O artigo 228º do CC estabelece prazos relativos à proposta contratual: caso seja fixado um prazo pelo proponente ou combinado entre as partes, a proposta mantém-se até esse prazo terminar (alínea a) do mesmo artigo); no caso de não se fixar qualquer prazo e o proponente pedir uma resposta imediata, o prazo será o necessário para que a proposta e a aceitação cheguem aos respetivos destinatários, em condições normais (caso do envio por carta); o último caso previsto pelo CC é referente à não fixação de prazo e a proposta for feita a pessoa ausente, ou por escrito, a pessoa presente, esta terá o mesmo prazo que a situação anterior com um acréscimo de cinco dias como contas na alínea c) do artigo 224º. 
Reserva Mental
	A declaração negocial é composta por um elemento interno, ou seja, a vontade real, e um elemento externo correspondendo à declaração propriamente dita. Regra geral, os dois elementos da declaração negocial coincidem um com o outro, harmonizam-se entre si, de forma a obter determinados efeitos práticos. 
	No entanto, pode constatar-se uma divergência entre a vontade e a declaração, o que submete para o vício da formação da vontade. Assim sendo, esta divergência pode ser intencional ou não intencional. Quanto à primeira trata de uma intenção consciente e livre, por parte do declarante, contrária à sua vontade real, ou seja, trata-se de uma intenção voluntária; Quanto à segunda – divergência não intencional – esta é involuntária, pois o declarante não se apercebe da própria divergência. 
 	É divergência intencional a simulação, ou seja, quando o declarante emite uma declaração contrária à sua vontade real, combinada com o declaratário com a intenção de prejudicar terceiro; a reserva mental que consiste na declaração por parte do declarante contrária à sua vontade real, de forma a enganar o declaratário; e por ultimo, declarações não sérias, ou seja, quando o declarante emite uma declaração oposta à sua vontade real, mas desta vez sem a intenção de prejudicar alguém (nem o declaratário, nem terceiro).
	É divergência não intencional o erro obstáculo, tratando-se de um lapso, um equívoco na declaração por parte do declarante mas sem este ter consciência do seu erro; a falta de consciência da declaração, ou seja, quando o declarante emite uma declaração negocial sem ter vontade (consciência) de a realizar; e por último, a coação física, quando o declarante é obrigado/forçado emitir determinada declaração. 
	A reserva mental está consagradano artigoº 244, número 1 do Código Civil e para definir este conceito é necessário ter presente dois elementos essenciais: a emissão de uma declaração contrária à vontade do declarante e a intenção de prejudicar o declaratário. Apenas no caso de o declaratário conhecer a reserva emitida pelo declarante, é que a declaração é nula, pois esta passará a ter efeitos de simulação como consta no número 2 do mesmo artigo. Ora, o artigo 240º número 1, à cerca da simulação, afirma que o negócio simulado é nulo. 
Motivos determinantes da vontade que recaiam sobre as circunstâncias que constituam a base do negócio jurídico
	Os vícios da vontade surgem quando as vontades reais são perturbadas por motivos anómalos e considerados pelo direito como ilegítimos. Temos como alguns destes vícios o erro-vício do erro na declaração (erro na formação da vontade, e não na formulação como o erro-obstáculo), o dolo (artigo 253º), a coação moral (artigo 255º) e a incapacidade acidental (artigo 257º). 
	Todos estes vícios da vontade produzem efeitos de anulabilidade. 
	Relativamente ao erro vício, consta no artigo 247º, quando a vontade declarada não corresponde à vontade real, por consequência do erro, a declaração negocial torna-se anulável. No caso do erro se referir ao declaratário ou ao objeto negocial, como está consagrada no artigo 251º, a declaração torna-se anulável nos termos do artigo 247º. Se o erro não se referir nem ao declaratário nem ao objeto negocial, para que a declaração se torna anulável é necessário que ambas as partes reconheçam a essência do motivo determinante da vontade (artigo 252º, número 1). 
	Se, porventura recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, o declarante pode agir de forma a resolver ou modificar a declaração por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído – artigo 252º, número 2.
	A resolução ou modificação do contrato por alterações das circunstâncias está estabelecido no artigo 437º do Código Civil. Se as circunstâncias que constituem a base do negócio jurídico tiverem sofrido uma alteração anormal (neste caso, pelo erro na declaração), a parte lesada (declaratário) tem direito à resolução ou modificação do contrato negocial. Isto só acontece caso estas ditas circunstâncias afetem gravemente o principio da boa fé ou que, as mesmas circunstâncias, não estejam cobertas pelos riscos próprios do contrato. 
 
	O dolo poderá ser através de artifícios, sugestões, silêncio, ou seja, através de uma atitude positiva ou negativa, com a intenção de enganar (artigo 253º, número 1). O dolo pode assumir várias modalidades, tais como, dolo positivo e dolo negativo. Ora, o dolo positivo leva a intenção de enganar através de uma atitude positiva e o dolo negativo acontece no caso de silêncio quando sabe e tem o dever de informar, no entanto existe uma intenção consciente de causar prejuízo, sendo este o que importa, pois é o que leva à anulação da declaração negocial. 
	Existem três pressupostos que conduzem à anulação da declaração negocial: tem que constituir dolo malus; tem que existir intenção de enganar ou consciência de prejuízo; e por último, mas não menos importante, tem que ser essencial, ou seja, é aquele sem o qual o negócio jurídico não se teria feito, para dar origem à anulação do negócio.
	O dolo bilateral também poderá ser invocado como fundamento de anulação (artigo 254º número 1). No dolo proveniente de terceiro, o negócio só é anulável se o destinatário tinha ou deveria ter conhecimento dele e se o terceiro tiver com isso um lucro e na parte em que ele beneficia.
	Esta anulação da declaração desencadeia consequências negativas para o autor da declaração, ou seja, a pessoa que foi enganada tem o direito de ser indemnizada com base no interesse contratual negativo pelo dano sofrido (artigo 227º).
	Existe coação moral sempre que há receio de um mal que o declarante foi ilicitamente ameaçado para dele obter a declaração negocial – artigo 255º, número 1. É diferente da coação física ou absoluta porque na coação moral a pessoa tem liberdade de escolha, embora sofra as consequências, logo é uma coação relativa.
	Segundo o artigo 255º, número 2 do Código Civil a coação pode ser dirigida à pessoa, pode ser dirigido à honra, ou dirigido a terceiro (Ex: ou assinas ou dou um tiro à tua mulher). Assim a coação é feita pelo declaratário ou pelo terceiro.
	Também existem requisitos para que seja considerado coação: tem que ser essencial, ou seja, tem de se provar que o negócio não seria feito se a coação tivesse sido feita; a ameaça tem de ser ilícita, isto é, tem que ser a ameaça de alguma coisa que não seja permitida; para que a ameaça seja considerada coação moral tem que haver sempre receio; e por último, é necessário que a ameaça tenha por fim extorquir a declaração.
	Este é mais um dos vícios da vontade que tem como consequência a anulabilidade da declaração negocial. No entanto, para além da anulação também poderá haver lugar ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que não teria tido, ou seja, interesse contratual negativo (artigo 227º).
	A incapacidade acidental é um vício da vontade porque a pessoa que está acidentalmente incapacitada (exemplo: sob efeito de álcool, uso de estupefacientes, etc) não está em condições de celebrar um negócio no estado normal, ou seja, a sua vontade não foi formada de uma maneira sã.
	A sanção para a incapacidade acidental é, também, a anulabilidade desde que cumpram os requisitos previstos no artigo 257º do Código Civil. 
Conceitos para Caracterização e Exemplos
Negócio Jurídico Ofensivo dos Bons Costumes
	O artigo 280º estabelece seis requisitos referentes à validade do objeto negocial, ou seja, é nulo o objeto do negócio jurídico que seja físico ou legalmente impossível, contrário à lei, indeterminável, contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes. 
	Focando neste último pressuposto, para que o negócio jurídico seja válido, o seu objeto deve estar de acordo com os bons costumes. No entanto, este é um conceito vago e indeterminado pois o que é considerado bons costumes, uma ética ideal, tem variado muito consoante a evolução da sociedade, ou seja, este varia consoante os tempos, os lugares e as circunstâncias, incluindo um conjunto de normas éticas aceites por uma sociedade honesta, concreta e que age segundo o princípio da boa fé. 
	Por outras palavras, é a ideia de que a moral pessoal deve ter por base, o bem. Se nos afastarmos deste conceito podemos ter uma situação em que os valores morais pessoais já não combinam com as ideias de consenso geral, ou seja, de moral social. 
	 É exemplo de negócio jurídico ofensivo dos bons costumes a zoofilia, ou seja, a atração ou envolvimento sexual de humanos com animais ou outras espécies é legal em alguns países (não é explicitamente aceite) e na maioria dos países atos sexuais com animais são ilegais, como no direito português. Apesar de não existir nenhuma lei que proíba em concreto esta monstruosidade, o artigo 9º do Decreto-Lei 48/95 do Código Penal afirma que “Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Negócio Jurídico contrário à Ordem Pública
	É requisito da validade do objeto do negócio jurídico, que este seja conforme à ordem pública como se encontra consagrado no artigo 280º, número 2 do Código Civil. A ordem pública assenta nos princípios fundamentais do direito português, que tanto o Estado e a sociedade portuguesa tem todo o interesse que prevaleçam e que ainda devem primar sobre as convenções privadas. 
	É caso de negócio jurídico contra a ordem pública o casamento poligâmico, sendo esta aceite em algumas religiões e pela legislação de alguns países, é o caso dos muçulmanos. No direito português a bigamia está estabelecida no Código penal no artigo 247º: “Quem: a) Sendo casado, contrair outro casamento; ou b) Contrair casamento com pessoa casada; é punido compena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.”
Negócio Usuário (uso do dinheiro)
	O artigo 282º, número 1 do Código Civil prevê seis situações para o qual o negócio jurídico é anulável quando alguém obtém, para si ou para terceiro, uma concessão de benefícios excessivos ou injustificados: explorando a situação de necessidade (exemplo: A empresta 1000€ a B com a condição de retorno de 5000€, B aceita dado à sua situação de necessidade/desespero) ; inexperiência (exemplo: A recentemente encartado de 18 anos comprometesse com B na compra de um carro com uma taxa de juro de 40% face ao valor inicialmente acordado); dependência (exemplo: A, enfermeira de B, pede-lhe um salário liquido de 5000€ por mês na troca dos seus cuidados. B aceita face à sua dependência a A); estado mental (exemplo: A, pessoa com problemas de desenvolvimento aceita comprar um computador por 5000€) ; ligeireza (exemplo: ); ou a fraqueza de caráter de outrem (exemplo: A é uma pessoa com carater fraco que não é capaz de dizer não e B aproveitasse dessa situação obtendo benefícios excessivos).

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