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Dor Neuropática Pós AVC | Larissa Gomes de Oliveira. 1 DOR DOR NEUROPATICA PÓS AVC INTRODUÇÃO A dor central após acidente vascular cerebral (AVC) é definida como uma síndrome neuropática caracterizada por dor intermitente ou persistente e por outras alterações sensoriais em partes do corpo correspondentes à lesão cerebral. Como essa fisiopatologia ainda não é completamente conhecida, o tratamento clínico pode não ser efetivo. Assim sendo, o paciente é submetido a polifarmácia, sem, contudo, obter melhora completa dos sintomas. EPIDEMIOLOGIA O AVC constitui, a nível global, a segunda principal causa de morte. Em Portugal, a incidência anual estimada é de 15.208 eventos por ano. Entre 1 a 12% dos doentes com AVC apresentam dor neuropática central após o evento e cerca de 40% apresentam outras síndromes dolorosas. Os fatores de risco para DNC-AVCA incluem idade jovem (> 18 e < 65 anos), sexo feminino, gravidade do evento vascular, presença de espasticidade, diabetes mellitus, alterações da sensibilidade, depressão e dor prévios ao evento vascular. Porém, parece não haver correlação entre a área afetada, a lateralidade, a localização da lesão, o grau de diminuição da sensibilidade, a idade e o sexo com a qualidade e/ou intensidade da dor. O acidente vascular cerebral isquêmico é mais frequentemente associado a dor do que acidente vascular cerebral hemorrágico. No Brasil, a prevalência de dor crônica em pacientes após-AVC é de 7,3% e pode afetar diretamente na qualidade de vida do indivíduo. A dor pode começar imediatamente após o acidente vascular cerebral, mas com mais frequência, começa vários meses depois. Essa dor pode ser dor central, dor no ombro e outros tipos de dor. Dor no ombro afeta até um quarto de sobreviventes de acidentes vasculares cerebrais, sendo que a prevalência varia de 11 a 40% e geralmente acomete o lado oposto do corpo a região afetada pelo AVC. O risco de desenvolver dor crônica (DC) é semelhante para AVCI ou AVCH, no entanto a topografia da lesão parece ser de relevância maior para seu desenvolvimento, com destaque para a região talâmica. O infarto talâmico é responsável por 25 a 33% dos casos de DC pós AVC, sendo mais frequente quando envolve o núcleo talâmico póstero-ventral. QUADRO CLINÍCO Dor Neuropática Pós AVC | Larissa Gomes de Oliveira. 2 A dor após AVC pode estar direta ou indiretamente relacionada com o evento vascular cerebral e apresentar-se com caraterísticas nociceptivas, neuropáticas ou mistas. Dor neuropática central Tal como outros tipos de dor neuropática, a DNC-AVC é idiossincrática e tem frequentemente um início tardio relativamente à causa. A maioria dos casos inicia-se imediatamente após o AVC ou nos primeiros três meses. É geralmente descrita como dor espontânea e/ou evocada, intensa, que interfere com o sono e condiciona significativamente a qualidade de vida do doente. A localização da dor é variável, podendo atingir todo o hemicorpo afetado ou apenas parte deste15. Os descritores mais utilizados são queimadura, picada, facada, aperto, formigueiro e espasmo. Grande parte dos doentes apresenta alterações da perceção da dor e da temperatura e frequentemente existe uma mistura de alterações sensitivas «positivas» e «negativas» A hiperalgesia, disestesia e alodinia tátil e térmica ao frio são frequentes. Os fatores de agravamento podem ser estímulos internos, como o stress e emoções, ou externos, como o toque e o frio. Outras síndromes dolorosas. Muitas vezes coexistem outras síndromes dolorosas além da DNC-AVC. Os quadros álgicos mais frequentes são a dor musculoesquelética (40%), omalgia do doente hemiplégico. Dor relacionada com patologia músculo-esquelética Um vasto grupo de patologias do foro músculo-esquelético pode ser encontrado no doente após um evento vascular cerebral, constituindo a causa mais frequente de sintomatologia álgica. Referimos, contudo, que, em algumas situações, as queixas musculo-esqueléticas podem ser consideradas consequências indiretas de sequelas de AVC. As alterações biomecânicas resultantes de défices motores e /ou sensitivos podem originar situações de sobrecarga musculo-tendinosa dos membros sãos e consequentemente lesões microtraumáticas tendinosas e aceleração de patologia degenerativa, nomeadamente nas articulações de carga como a anca e joelho. O Caso Particular da Omalgia A omalgia, conhecida na prática clínica como o ombro doloroso do hemiplégico, é um dos paradigmas da dor após AVC. Desde logo, por ser a condição dolorosa mais frequente após um evento vascular cerebral, estimando-se que afecte até cerca de 70-80% dos doentes hemiplégicos no primeiro ano. Dor Neuropática Pós AVC | Larissa Gomes de Oliveira. 3 Embora encarada como um problema da fase subaguda/crónica, curiosamente em alguns estudos dois terços dos doentes identifica o início das queixas nas primeiras 2 semanas após AVC. Muito se tem especulado sobre a causa da omalgia após AVC. Da experiência clínica ressalta o facto de que são os doentes com défices motores mais graves do membro superior os que mais vezes sofrem de omalgia. FISIOPATOLOGIA As principais condições específicas que afetam pacientes com dor pós-AVC incluem síndrome de dor central após acidente vascular cerebral (CPSP), síndrome de dor complexa regional (SDRC) e dor associada à espasticidade e subluxação do ombro. Cada desordem apresenta suas próprias características, que exigem abordagens específicas para tratamento e compreensão. Síndrome de Dor Central após AVC (CPSP) A CPSP (dor central após acidente vascular cerebral) é uma forma de dor neuropática causada por dano ou disfunção no sistema nervoso central. Normalmente começa dias ou semanas após um acidente vascular cerebral. Síndrome da Dor Regional Complexa (SDCR) A síndrome dolorosa regional complexa, por vezes referida como distrofia simpático-reflexa, é uma condição caracterizada por dor em queimação, aumento da sensibilidade à estimulação tátil e alterações vasomotoras, incluindo edema e alterações na temperatura e cor da pele. Dor Associada à Espasticidade A espasticidade é uma contração involuntária – e muitas vezes dolorosa – dos grupos musculares, que ocorre devido ao excesso do reflexo de estiramento. Pode ser vista com lesões no sistema nervoso central, que incluem insultos do neurônio motor superior, e é comumente vista no AVC como uma sequela a longo prazo. Uma das consequências devastadoras da espasticidade é o desenvolvimento de contraturas. Nesse estágio, o corpo e o tendão do músculo encurtaram-se em função da hiperatividade crônica, e o membro pode ter se tornado irreversivelmente não funcional. Embora a espasticidade possa estar presente na ausência de dor, as contraturas costumam ser bastante dolorosas. A dor encontra-se também relacionada com a presença de espasticidade, pelo aumento do tónus muscular, que pode dificultar a mobilização das partes do corpo afectadas. Para além disso a espasticidade provoca uma tensão e contração anormal dos músculos, podendo causar espasmos dolorosos. É por isso fundamental o tratamento da espasticidade, a fim de evitar o surgimento de contraturas, a diminuição/impossibilidade da mobilidade dos membros afectados e o surgimento de dor associada a estas alterações. Dor por Subluxação do Ombro Hemiplégico Dor Neuropática Pós AVC | Larissa Gomes de Oliveira. 4 Quando um membro hemiplégico é deixado sem suporte, forças externas podem causar um estresse extra naquela articulação, levando à subluxação. O membro mais comumente envolvido em síndromes de dor pós-AVC é o braço na articulação do ombro, provavelmente devido aos efeitos da gravidade. Isso geralmente ocorre durante os estágios iniciais da recuperação do AVC, quando o membro está flácido e deve ser cuidadosamente monitorado no ambiente de internação aguda. É crucial reconhecer a CPSP e diferenciá-lade dor musculoesquelética ou dor associada à espasticidade. A fisiopatologia da Dor neuropática central pós-AVC é complexa e ainda não se encontra totalmente compreendida. A dor pode ocorrer após lesão isquémica ou hemorrágica em qualquer área somatossensorial do SNC, sendo mais frequente após lesões no núcleo ventral posterior do tálamo e da região opérculo-insular. As informações sensitivas trazidas pelas vias sobreviventes, e pelas em recuperação, podem ser interpretadas no SNC como sensação dolorosa. No entanto, enquanto que no pós-AVC esse tálamo anormal hiper-reativo pode ser entendido como centro gerador da dor, em lesões espinhais, as alterações talâmicas são decorrentes de sensibilização central decorrente da desinibição das vias nociceptiva ascendentes sobreviventes ao nível da lesão medular. A lesão da via espinotalâmico cortical, que transmite sensação de dor e temperatura, é essencial para o desenvolvimento do quadro clínico de dor central pós-AVC e pós-lesão espinhal. No entanto, a perda sensitiva devido a lesão dessa via não é suficiente para produzir a síndrome, o que é notável em pacientes que apresentam alguma forma de lesão no SNC e não desenvolvem dor crônica. Novas evidências sugerem que a hipersensibilidade secundária à desenervação de axônios sobreviventes do trato espinotalâmico assume papel de gatilho para o surgimento de dor, especialmente quando esta hipersensibilidade aparece em axônios que transmitem sensação térmica (particularmente de frio). Evidência da importância destas vias hipersensíveis como geradores de dor pode ser demonstrada por meio da redução da dor abaixo do nível de lesão espinhal após uso de anestesia subaracnóidea. Os processos de desaferenciação (perda da inervação sensorial de uma região), neuroplasticidade e mecanismos de hiperexcitabilidade neuronal parecem ter um papel no desenvolvimento de dor pós AVC. Dor Neuropática Pós AVC | Larissa Gomes de Oliveira. 5 REFERÊNCIAS GARCIA, João Batista Santos et al. Dores neuropáticas centrais. Rev. dor, São Paulo, v. 17, supl. 1, pág. 67-71, 2016. ALVES NETO, Onofre et al. Dor: princípios e prática. Porto Alegre: Editora Artmed, 2009.
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