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Principais Agravos na Cavidade Bucal Decorrentes da Quimioterapia e da Radioterapia 1 Índice Índice ............................................................................................... 1 Lesões Inflamatórias na Mucosa Bucal ............................................................. 2 Mucosite Oral .................................................................................................. 2 Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH)............................................ 13 Concluindo... ................................................................................ 20 Lesões Infecciosas na Mucosa Bucal .............................................................. 21 Candidíase Oral ............................................................................................. 21 Herpes-vírus ................................................................................................. 23 Cárie por Radiação ........................................................................................ 26 Concluindo... ................................................................................ 27 Necroses Ósseas ........................................................................................... 28 Osteorradionecrose ........................................................................ 28 Osteonecrose por Bifosfonatos ......................................................... 30 Concluindo... ................................................................................ 34 Trismo .......................................................................................................... 35 Concluindo... ................................................................................ 36 Alterações Salivares ....................................................................................... 37 Concluindo... ................................................................................ 40 Considerações Finais ..................................................................................... 41 Referências Bibliográficas .............................................................................. 42 2 Esta seção apresenta as principais lesões inflamatórias na mucosa bucal decorrentes do tratamento antineoplásico na região da cabeça e pescoço. Lesões Inflamatórias na Mucosa Bucal As lesões inflamatórias na mucosa bucal decorrentes do tratamento rádio e quimioterápico são as mais frequentes nos pacientes onco-hematológicos. Mucosite Oral Consiste em processo inflamatório que frequentemente exibe ulceração na mucosa bucal devido à ação citotóxica dos agentes quimioterápicos e da radiação ionizante. Esse processo pode também atingir o trato esofágico e gastrointestinal, quando então é denominado de mucosite esofágica e mucosite gastrointestinal. A palavra “estomatite” é mais utilizada para indicar inflamações em geral na cavidade bucal, mas é aconselhável não utilizar esse termo em substituição à “mucosite oral” quando a causa da inflamação são os agentes radioquimioterápicos. Uma exceção é para o termo “estomatite” utilizado para inflamações/ulcerações derivadas de terapia-alvo, como as drogas inibidoras de mTOR. Nesse caso, as lesões são denominadas de “estomatite derivada de inibidores de mTOR”. 3 No início do processo de mucosite, a mucosa oral exibe, clinicamente, eritema e certa atrofia. Sensibilidade dolorosa e desconforto podem estar presentes nessa fase. Em seguida ao eritema, a lesão pode evoluir para necrose epitelial, em que há fragilidade da mucosa e formação de pseudomembrana. As ulcerações podem facilmente ocorrer e gerar intensa dor, que impede a mastigação e compromete intensivamente a qualidade de vida do paciente. À medida que a lesão avança de eritema para pseudomembrana, e desta para ulceração, diz-se que há aumento da severidade das lesões. A severidade da mucosite oral pode ser classificada clinicamente a partir de vários sistemas de gradação. O quadro a seguir exibe aqueles mais utilizados, lembrando que: 1 A classificação da Organização Mundial de Saúde, em função da facilidade de memorização e de aplicação na rotina clínica, é a mais utilizada. 2 A classificação do National Cancer Institute – NCI-CTCAE é bastante empregada em estudos clínicos amplos; porém, não tem uma aplicação descritiva adequada das lesões. Ambas as classificações consideram a presença ou não de ulceração e o impacto dessas lesões na ingestão alimentar. 3 Já a Escala de Avaliação de Mucosite Oral – OMAS leva em conta a localização das lesões, a área das ulcerações e a intensidade da hiperemia, sendo mais adequada para o registro clínico das lesões, principalmente em pesquisas clínicas. 4 4 Por fim, o Índice de Mucosite Oral – OMI é o mais complexo, abrangendo 34 itens e ampla gama de sinais relacionados às diferentes fases da mucosite, tais como edema, atrofia, pseudomembrana e hiperqueratose. Esse sistema foi desenvolvido para caracterizar a mucosite oral em pacientes sob transplante de células-tronco hematopoiéticas. TABELA 1 Principais sistemas de gradação da mucosite oral 5 Tabela1. As tabelas apresentam os principais sistemas de gradação da mucosite oral. Os graus considerados severos pela OMS e NCI-CTCAE estão destacados em azul. Fonte: Adaptado de 1. World Health Organization. Handbook for reporting results of cancer treatment. World Health Organization, Geneva, Switzerland, 1979. 2. U.S. Department of Health and Human Services. National Institutes of Health. National Cancer Institute.Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE). Version 4.0. Published: May 28, 2009 (v4.03: June 14, 2010). 3. McGuire DB et al. Cancer Invest. The 20 item oral mucositis index: reliability and validity in bone marrow and stem cell transplant patients. 2002;20(7-8):893-903. 4. Sung L. et al. Pediatr Blood Cancer. Validation of the oral mucositis assessment scale in pediatric cancer. 2007 Aug;49(2):149-53. A figura abaixo mostra os diferentes graus de mucosite em função da severidade observada clinicamente. São aplicados os sistemas de classificação da OMS, do NCI-CTCAE e OMAS como exemplo. 6 FIGURA 1 Exemplos dos diferentes graus de mucosite oral observados clinicamente. A mucosite oral tem alta frequência. Estima-se que cerca de 60 a 85 % dos pacientes sob transplante de células-tronco hematopoiéticas, 20 a 40 % dos pacientes sob quimioterapia convencional e 100 % dos pacientes sob radioterapia manifestarão algum grau de mucosite no decorrer do tratamento e após seu término. A patogenia da mucosite oral tem sido explicada com base no modelo de Sonis1, no qual são incluídos eventos moleculares iniciais na mucosa e na submucosa que ocorrem imediatamente após o contato com os agentes quimioterápicos e a radiação ionizante. Esses eventos incluem a perda de sinalização entre as células epiteliais e as células do tecido conjuntivo da mucosa, principalmente fibroblastos e células endoteliais, o que gera um desequilíbrio nos dois compartimentos teciduais. Esse desequilíbrio culmina com perda de proliferação celular e alta taxa de apoptose nos dois compartimentos. A ulceração observada clinicamente, por exemplo, é decorrente da ausência de renovação epitelial e da alta taxa de morte de células epiteliais. Já o eritema é a manifestação clínica da vasodilatação presente na inflamação que se desenvolve no tecido conjuntivo. A terapia ideal para a mucosite oral é a que previne e controla os eventos moleculares iniciais, evitando ao máximo a ulceração. 7 O Modelo de Sonis explica o mecanismo da mucosite oral destacando cinco fases neste processo, conforme descritos a seguir:8 FIGURA 2 Fases da mucosite oral segundo o Modelo de Sonis. Figura.Imediatamente após o início da radioterapia e da quimioterapia, instala-se a fase de Iniciação e de Resposta primária à injúria, na qual as células epiteliais exibem micronúcleos (indício de intensa produção de espécies reativas de oxigênio e danos ao DNA). Essas células começam a morrer por apoptose, o que gera aumento transitório da camada de queratina. No tecido conjuntivo, ocorre intensa vasodilatação e início de inflamação, com produção de citocinas. Na fase de Ulceração, há alta taxa de apoptose tanto de células epiteliais quanto de fibroblastos, levando à destruição do epitélio e do tecido conjuntivo, formando-se no local pseudomembrana e úlcera. Após o fim do tratamento antineoplásico, as células da camada basal do epitélio proliferam, juntamente com fibroblastos e vasos sanguíneos. A mucosa bucal é então refeita. Fonte: Adaptado de Sonis ST. Pathobiology of oral mucositis: novel insights and opportunities. J Support Oncol. 2007 Oct;5(9 Suppl 4):3-11 e Villa A, Sonis ST. Mucositis: pathobiology and management. Curr Opin Oncol. 2015 May;27(3):159-64. 9 Os fatores de risco para o aparecimento da mucosite oral ainda não são completamente conhecidos. O quadro a seguir elenca aqueles relacionados à terapia antineoplásica e aqueles relacionados ao paciente. Em geral, as lesões são vistas em sítios na cavidade bucal não queratinizados, tais como assoalho bucal, ventre lingual, borda lateral de língua e palato mole. TABELA 2 Fatores relacionados à terapia antineoplásica e ao paciente Fonte: Adaptado de Sonis ST. Pathobiology of oral mucositis: novel insights and opportunities. J Support Oncol. 2007 Oct;5(9 Suppl 4):3-11, Villa A, Sonis ST. Mucositis: pathobiology and management. Curr Opin Oncol. 2015 May;27(3):159-64 e Sonis ST. Oral mucositis in head and neck cancer: risk, biology, and management. Am Soc Clin Oncol Educ Book. 2013. Os fatores de risco determinam também a frequência e o tempo em que as lesões se manifestarão. Para regimes mais intensos, geralmente a frequência, a duração e a severidade da mucosite são maiores. Em geral, as lesões nos regimes radioterápicos aparecem mais tardiamente e têm evolução mais crônica do que nos regimes quimioterápicos. As figuras a seguir exibem um esquema da tendência média de tempo de aparecimento das lesões em função do tratamento instituído2,3. 10 FIGURA 3 Tempo de aparecimento das lesões de mucosite em função do tratamento radioterápico instituído Figura. A imagem mostra que as variações de intensidade e duração podem ocorrer em função da suscetibilidade do paciente, dos cuidados bucais instituídos e da dose e tipo de regime administrado. Em geral, os pacientes sob altas doses sem fracionamento da radiação tendem a exibir graus severos de mucosite. Fonte: Adaptado de: 1) Elting LS, Cooksley C, Chambers M, Cantor SB, Manzullo E, Rubenstein EB. The burdens of cancer therapy. Clinical and economic outcomes of chemotherapy-inducedmucositis. Cancer. 2003 Oct 1;98(7):1531- 9 e 2) Naidu MU, Ramana GV, Rani PU, Mohan IK, Suman A, Roy P. Chemotherapy-induced and/or radiation therapy- induced oral mucositis--complicating the treatment of cancer. Neoplasia. 2004 Sep-Oct;6(5):423-31 11 FIGURA 4 Tempo de aparecimento das lesões de mucosite em função do tratamento quimioterápico instituído Figura. A imagem apresenta as variações de intensidade e duração ocorridas em função da suscetibilidade do paciente, dos cuidados bucais instituídos e da dose e tipo de regime administrado. Os pacientes sob transplante alogênico, com altas doses de quimioterapia, associadas à profilaxia para doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) e à radiação corpórea total (TBI) exibem lesões de mucosite severas, com maior duração. Os pacientes sob ciclo quimioterápico convencional tendem a exibir graus mais moderados de mucosite e de menor duração. Fonte: Adaptado de: 1) Elting LS, Cooksley C, Chambers M, Cantor SB, Manzullo E, Rubenstein EB. The burdens of cancer therapy. Clinical and economic outcomes of chemotherapy-inducedmucositis. Cancer. 2003 Oct 1;98(7):1531- 9 e 2) Naidu MU, Ramana GV, Rani PU, Mohan IK, Suman A, Roy P. Chemotherapy-induced and/or radiation therapy- induced oral mucositis--complicating the treatment of cancer. Neoplasia. 2004 Sep-Oct;6(5):423-31. 12 O diagnóstico diferencial da mucosite oral deve incluir as lesões ulcerativas, que podem ocorrer durante ou após a terapia antineoplásica. Nessas lesões, incluem-se: • Lesões de DECH agudo, tema que será abordado a seguir; • Lesões ulcerativas virais, principalmente da família de herpes-vírus. Na fase de pseudomembrana, lesões com aspecto liquenóide podem também ser confundidas com líquen plano. Tanto para o DECH agudo quanto para as lesões virais, as úlceras podem ser múltiplas e observadas em sítios queratinizados, fato mais raro na mucosite. FIGURA 5 Doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) Fonte: Acervo de imagens do autor. Particularmente para as lesões por herpes-vírus tipo I, podem ser observadas ulcerações tanto na mucosa bucal quanto no vermelhão do lábio. A análise criteriosa da evolução das lesões e das condições sistêmicas dos pacientes é mandatória para a determinação do diagnóstico final, já que, tanto para o DECH quanto para as lesões virais, os pacientes podem exibir indicadores inflamatórios sistêmicos importantes. 13 A biópsia da lesão, principalmente diante da suspeita de DECH, é indicada para casos cujo aspecto clínico e sistêmico não permitem a elucidação de um diagnóstico definitivo. Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH) A doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) constitui-se de um conjunto de ações inflamatórias provocadas pelo ataque de células de defesa (linfócitos T) do doador presentes no enxerto contra células do hospedeiro. É observada após o transplante alogênico, em que não há compatibilidade entre o sistema leucocitário humano (HLA) do doador e do receptor. FIGURA 6 Doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) Fonte: Acervo do autor. A DECH provoca intensa inflamação em órgãos e tecidos, sendo responsável por grande parte da mortalidade após transplantes. 14 A DECH é classificada em aguda ou crônica, dependendo do período de manifestação após o transplante e de suas características clínicas. As manifestações de DECH observadas até 100 dias após o transplante são, em geral, denominadas agudas (DECHa). Após o período de 100 dias do transplante, a DECH é considerada crônica (DECHc). A DECHa exibe uma inflamação mais exuberante, enquanto que, na DECHc, a inflamação é menos intensa, e as lesões são mais fibrosas. A patogenia da DECHa é explicada com base em três fases: Já a patogenia da DECHc não é muito conhecida. Acredita-se que ocorra a expansão dessa sinalização dos linfócitos T para os linfócitos B, com consequente produção de auto-anticorpos. A DECHc pode ser observada após a manifestação da DECHa ou, então, surgir sem história prévia da lesão aguda. A figura abaixo ilustra esse mecanismo, ainda não muito conhecido. 15 FIGURA 7 Esquema hipotético dos eventos de sinalização celular que explicam a DECH aguda e crônica Figura. Inicialmente ocorre a ativação de células apresentadoras de antígenos (CAA) no receptor, devido principalmente à inflamação derivada de quimioterapia e radioterapia, bem como às alterações imunes oriundas de tratamento imunossupressor. Em seguida, o receptor entra em contato com linfócitos T do doador, presentes no transplante de células-tronco alogênico. As CAA mostram a esses linfócitos do doador os antígenos do receptor; inicia-se então uma resposta imune exacerbada, caracterizada por ativação de macrófagos e linfócitos natural killer,bem como intensa produção de citocinas, levando à destruição da mucosa bucal. Esse quadro caracteriza a DECH aguda. Acredita-se que na DECH crônica ocorra ampliação desse sinal inflamatório, associado a ativação de linfócitos B, com consequente produção de anticorpos que passam a agir contra a estruturas do receptor do transplante. Há ainda indícios de haver inibição de células que controlariam a produção desses anticorpos (linfócitos T reguladores). Fonte: Adaptado de: 1) Kuten-Shorrer M1, Woo SB2, Treister NS3. Oral graft-versus-host disease. Dent Clin North Am. 2014 Apr;58(2):351-68. e 2) Mays JW, Fassil H, Edwards DA, Pavletic SZ, Bassim CW. Oral chronic graft-versus- host disease: current pathogenesis, therapy, and research. Oral Dis. 2013 May;19(4):327-46. 16 A presença de DECHa na cavidade bucal é pouco relatada, provavelmente pela dificuldade de diferenciação das lesões de mucosite oral. É caracterizada pela presença de lesões eritematosas e ulcerativas, que provocam intensa sintomatologia dolorosa. Pode também adquirir um aspecto liquenóide ou ainda manifestar-se por crostas, principalmente nos lábios, semelhantes ao eritema multiforme. FIGURA 8 Doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) Fonte: Acervo de imagens do autor. Já a DECHc é frequentemente relatada na cavidade bucal. Mais de 70 % dos pacientes que manifestam alguma forma de DECH exibem lesões na cavidade bucal, que podem estar presentes sob três formas: • Inflamação liquenóide na mucosa; • Manifestação nas glândulas salivares; • Doença esclerosante. A DECHc observada na mucosa bucal possui ampla gama de aspectos clínicos, que variam de pápulas e placas hiperqueratóticas, eritema, estrias liquenóides semelhantes ao líquen plano, até ulcerações recobertas com pseudomembrana. 17 As lesões aparecem com mais frequência na língua e na mucosa jugal, mas podem surgir em qualquer local da cavidade bucal. Acarretam desconforto, principalmente durante a mastigação de alimentos ácidos, de sabor intenso e picante. Os pacientes em geral não reportam sintomatologia dolorosa, mesmo na presença de ulcerações. A figura a seguir ilustra alguns padrões dessas lesões. Em geral, elas tendem a desaparecer ou se atenuar em um intervalo de três anos. Contudo, alguns pacientes podem desenvolver resistência aos corticosteroides, o que prolonga a doença, muitas vezes levando a óbito se houver outros órgãos acometidos4. FIGURA 9 Aspecto clínico da doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) crônica na cavidade bucal Fonte: Acervo de imagens do autor. A DECHc presente nas glândulas salivares é manifestada por xerostomia, com alterações qualitativas e quantitativas do fluxo salivar e dos componentes salivares. Essas alterações podem predispor o paciente a cáries e outras infecções, tais como candidíase oral. Há também relatos de alta ocorrência de mucocele (figura abaixo), derivada da reação inflamatória no sistema de ductos excretórios das glândulas salivares menores. 18 FIGURA 10 Presença de múltiplas mucoceles em paciente com DECHc em glândula salivar Fonte: Acervo de imagens do autor. A DECHc esclerosante é rara na cavidade bucal, mas pode se manifestar por intermédio de fibrose e limitação de abertura bucal, incluindo ulcerações secundárias. O comprometimento da abertura bucal dificulta a fonação e a mastigação, gerando alto impacto nutricional e na qualidade de vida dos pacientes. Um sistema de classificação desenvolvido pelo National Institute of Health – NIH para o DECHc oral (tabela abaixo) é útil para a gradação clínica das lesões e leva em conta a presença de eritema, aspecto liquenóide e mucoceles, e a abrangência dessas lesões na cavidade bucal. 19 TABELA 3 Gravidade da severidade da doença do enxerto Tabela. Gradação da severidade da doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) crônica na cavidade bucal, segundo o National Institute of Health – NIH. Fonte: Adaptado de Kuten-Sorrer et al. (2014). Outra classificação, também do National Institute of Health – NIH, para a triagem clínica de pacientes com DECHc é mais simples e leva em conta as limitações na cavidade bucal geradas pela doença5. A tabela a seguir mostra essa classificação. TABELA 4 Classificação da doença do enxerto contra o hospedeiro crônica, segundo o National Institute of Health – NIH, utilizada para triagem clínica. Tabela. Classificação da doença do enxerto contra o hospedeiro crônica, segundo o National Institute of Health – NIH, utilizada para triagem clínica. Fonte: Adaptado de National Institutes of Health [homepage na internet]. [Acesso em 23 fev 2016]. Disponível em: http://www.nih.gov/. O diagnóstico diferencial da DECHa inclui principalmente lesões infecciosas virais (herpes-vírus, citomegalovírus) e a mucosite oral. Já a DECHc pode ser confundida principalmente com líquen plano oral e infecções fúngicas e virais. Quando o aspecto na cavidade bucal é incomum, deve-se realizar biópsia para estabelecimento do diagnóstico. http://www.nih.gov/ 20 A biópsia de glândulas salivares menores também é indicada nos casos em que há suspeita de DECHc. Essas glândulas são comumente afetadas por DECHc, e a biópsia desse tecido permite diagnosticar a presença desse processo na cavidade bucal, bem como distinguir de outros processos de inflamação da glândula salivar, como, por exemplo, a Síndrome de Sjögren6. As condições sistêmicas do paciente devem também ser cuidadosamente avaliadas, já que as lesões bucais frequentemente vêm acompanhadas da manifestação de DECH em outros órgãos (pele, trato gastrointestinal, genitália, fígado, músculo esquelético e articulações, pulmão etc.). Concluindo... Nesta seção foram abordadas duas lesões inflamatórias não-infecciosas de grande repercussão no manejo odontológico de pacientes oncológicos. A mucosite oral consiste em condição inflamatória de alta repercussão na qualidade de vida do paciente oncológico, cuja patogenia está diretamente ligada ao tipo de tratamento antineoplásico instituído. Existem várias classificações clínicas para a severidade das lesões, sendo fundamental o conhecimento de todas elas para uma boa interpretação clínica. A mucosite oral derivada de quimioterápicos pode ter manifestações clínicas e tempo de duração diferentes em relação à mucosite derivada de radioterapia, sendo essencial o conhecimento dos fatores de risco para seu aparecimento em cada situação terapêutica. Já a DECH consiste em lesões de mais difícil manejo clínico, estando presente em pacientes que sofreram transplante alogênico, principalmente TCTH. Para esses casos, cuja patogenia envolve uma complexa cascada de reações imunológicas de células do doador contra as células do receptor, é fundamental o diagnóstico diferencial em relação a outras lesões inflamatórias infecciosas e não-infecciosas, principalmente mucosite oral, lesões virais e liquen plano. 21 Esta seção apresenta as características das principais lesões infecciosas na cavidade bucal que acometem pacientes submetidos a tratamentos de quimioterapia e radioterapia – candidíase oral, lesões por herpes-vírus e cárie por radiação. Lesões Infecciosas na Mucosa Bucal As lesões infecciosas na cavidade bucal podem se manifestar principalmente durante o período de imunossupressão pelo qual o paciente pode passar em função da terapia antineoplásica. Dentre os inúmeros processos infecciosos que o paciente onco- hematológico pode manifestar, destacam-se: • Candidíase oral; • Lesões por herpes-vírus; • Cárie por radiação. Candidíase Oral Dentre as inúmeras infecções que podem acometer a cavidade bucal durante o regime rádio e quimioterápico, a mais frequente é a candidíase. A infecção por Candida durante o tratamento antineoplásico é consideradade alto risco para a disseminação sistêmica do fungo, fato considerado de alta mortalidade. O fungo é comensal na flora da cavidade bucal em 30 a 50 % dos indivíduos, permanecendo assintomático. 22 Considerando as 150 espécies de Candida até então descritas, a C. albicans é mais frequente em indivíduos adultos saudáveis e também o principal gênero isolado nas lesões sintomáticas presentes em pacientes imunossuprimidos. A patogenia da infecção por Candida é multifatorial. Em particular para os pacientes onco-hematológicos, destacam-se a xerostomia e a imunossupressão. A saliva possui, por exemplo, vários elementos neutralizadores de fungos (as chamadas histatinas), responsáveis pelo equilíbrio da flora microbiana. Com a redução do fluxo salivar e as alterações dos constituintes salivares decorrentes do tratamento antineoplásico, a suscetibilidade à candidíase aumenta. Fatores que contribuem para o aumento da candidíase: • A imunossupressão contribui para esse quadro em função do comprometimento da imunidade imediata, expondo a barreira epitelial ao crescimento do fungo. • Outro aspecto é a redução do fluxo sanguíneo na mucosa bucal decorrente da radioterapia, a qual gera alterações no teor de oxigênio e nutrientes, favorecendo o crescimento do fungo. • A higiene oral deficiente também predispõe à candidíase. • A C. albicans pode originar um biofilme bem aderido à superfície da mucosa bucal, fato que aumenta sua virulência e patogenicidade, bem como a torna mais resistente às defesas inatas da mucosa e a agentes terapêuticos externos7,8. A orientação de higiene oral é fundamental para prevenir a formação de biofilme contendo fungos do gênero Candida. A candidíase pode se manifestar de diferentes formas, sendo as mais comuns as variantes eritematosa e pseudomembranosa. A figura a seguir ilustra essas duas formas de candidíase bucal. 23 FIGURA 11 Candidíase eritematosa e pseudomembranosa Figura. Candidíase eritematosa e pseudomembranosa em paciente sob tratamento quimioterápico de alta dose em transplante de células-tronco hematopoiéticas. Fonte: Acervo de imagens do autor. Em geral, o diagnóstico de candidíase é relativamente fácil, haja vista o fato de que a maioria dos casos vêm acompanhados de sintomatologia, tais como prurido e ardor. O diagnóstico diferencial deve incluir outras lesões fúngicas e virais, líquen plano, leucoplasia, reação imune a drogas medicamentosas e mucosite oral. A citologia esfoliativa pode confirmar a presença do fungo na maioria dos casos. Herpes-vírus A família dos herpes-vírus inclui: 1. Vírus herpes simples dos tipos 1 e 2 (HSV-1 e HSV-2), que causam respectivamente o herpes labial e o herpes genital. 2. Vírus varicela zoster, causador da catapora e do herpes-zoster. 3. Vírus Epstein-Bar (EBV), causador da mononucleose. 4. Citomegalovírus (CMV). 24 A infecção por HSV-1 é a mais comum dentre as infecções virais que podem acometer o paciente onco-hematológico. Veja no esquema a seguir como é o processo de infecção por HSV-1. Imagem esquemática do processo de infecção por HSV-1. Estima-se que cerca de 80 % da população mundial seja portadora da forma latente do vírus. A manifestação da infecção nos pacientes imunocomprometidos é um pouco diferente daquela observada, por exemplo, para o herpes labial recorrente em indivíduos imunocompetentes. Nesses indivíduos, destaca-se uma fase prodrômica bem sintomática, seguida da presença de vesículas e depois de crostas. Em geral, nos pacientes imunossuprimidos tratados com radioterapia e quimioterapia, as lesões ocorrem sob a forma de úlceras dolorosas e disseminadas, que demandam longo período de reparo, conforme mostra a figura a seguir. Há relatos de que cerca de 50 a 60 % dos pacientes soropositivos para HSV submetidos a transplantes de células-tronco hematopoiéticas exibirão infecções herpéticas no período de cinco semanas após o transplante9. 25 FIGURA 12 Lesões por herpes-vírus em pacientes sob transplante de células-tronco hematopoiéticas Fonte: Acervo de imagem do autor. O diagnóstico diferencial no paciente onco-hematológico inclui principalmente outras lesões virais, mucosite oral, doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH), eritema multiforme, síndrome de Steven-Johnson e estomatite aftosa recorrente. As infecções orais por CMV e EBV em pacientes imunocomprometidos são associadas à alta infectividade do vírus, sendo importante o controle imediato da infecção. Tais infecções têm significado clínico importante principalmente em pacientes transplantados, sendo a causa do insucesso do transplante em muitas situações. Podem estar presentes na doença periodontal, sendo uma das causas da progressão severa da doença10. A manifestação bucal do EBV é principalmente a leucoplasia pilosa; já as infecções por CMV podem aparecer principalmente sob a forma de úlceras bucais não específicas, múltiplas ou isoladas. Essas úlceras podem estar coinfectadas por outros vírus, como HSV e varicela zoster11. Pode também haver sintomatologia dolorosa nas glândulas salivares, local onde costuma se alojar o vírus. 26 Cárie por Radiação A cárie por radiação é caracterizada pela presença de cáries disseminadas, de evolução rápida e grande destruição. As lesões se localizam em locais atípicos, nos quais não há ocorrência das cáries convencionais, por exemplo, na região cervical de dentes anteriores. Comumente exibem coloração amarronzada ou enegrecida, ocupando toda a superfície oclusal e incisal. A hipótese mais aceita do aparecimento dessas cáries é elas serem decorrentes das alterações na superfície dentária em função da xerostomia derivada da radiação. Outra possibilidade são as alterações na microestrutura e nos componentes da dentina e do esmalte provocadas pelo tratamento radioterápico, levando a modificações da microdureza e aumentando a suscetibilidade aos ácidos secretados pelas bactérias. Modificação na dieta e dificuldade de higienização dentária nos pacientes com mucosite também são fatores que podem predispor à cárie de radiação. A incidência é por volta de 20 % e 21 % nos pacientes tratados, respectivamente, com radiação e quimioterapia associada à radiação. São fortemente recomendados pelas agências internacionais de padronização dos cuidados bucais dos pacientes onco- hematológicos o exame criterioso dos dentes e o registro minucioso das condições dentárias, para a correta monitorização dos níveis de desmineralização e cavitação que possam ocorrer12. 27 Concluindo... O manejo de lesões infecciosas nos pacientes oncológicos deve incluir principalmente o diagnóstico diferencial para lesões de candidíase oral e herpesvírus, bem com para a cárie derivada de radiação. A candidíase oral em pacientes imunossuprimidos pode ter curso clínico agressivo e de difícil tratamento, sendo fundamental seu diagnóstico precoce, tendo-se em mente a alta possibilidade de candidemia. As lesões orais por herpesvírus também representam um quadro infeccioso que pode ter grande repercussão sistêmica nos pacientes imunossuprimidos, e muitas vezes manifestam-se clinicamente de forma distinta daquela observada em pacientes normorreativos. Assim é fundamental o conhecimento dos diferentes aspectos clínicos das lesões virais nos pacientes oncológicos. Por fim, a cárie de radiação constitui um agravo que deve ser evitado já no início da radioterapia, dado seu curso crônico e destrutivo das estruturas dentárias, gerando sequelas permanentes. 28 Necroses Ósseas As necroses ósseas constituem complicações de difícil reversibilidade nos pacientes onco-hematológicos. Nesta seção, são abordadas as necroses derivadas da radiação (osteorradionecrose)e as derivadas dos agentes inibidores de reabsorção óssea (osteonecrose por bifosfonatos). Osteorradionecrose A osteorradionecrose é definida como a necrose do tecido ósseo secundária à radioterapia. Sua patogenia atualmente abrange uma sequência de eventos inibitórios causados pela radiação, iniciados por ação direta sobre os fibroblastos e as células endoteliais. Estas secretariam grande quantidade de citocinas após a injúria da radiação, provocando transformações no fibroblastos que culminariam com a formação de um tecido fibroso, com matriz extracelular atípica. Os osteoblastos sofreriam também os efeitos da radiação ionizante, tornando-se inviáveis e sem capacidade de proliferar e migrar diante das alterações do tecido conjuntivo. Reduzindo a atividade osteoblástica, haveria também redução da atividade osteoclástica, não sendo possível a renovação e o remodelamento ósseo. Assim, o tecido ósseo após a radiação teria poucas células viáveis, pouca vascularização e uma matriz óssea sem os componentes usuais. Qualquer trauma, assim, poderia provocar a necrose, a qual teria pouca chance de ser revertida por processos de inflamação e reparo13. O esquema a seguir mostra os principais eventos relacionados ao surgimento da osteorradionecrose. 29 FIGURA 13 Surgimento da osteorradionecrose Esquema dos principais eventos celulares relacionados ao aparecimento da osteorradionecrose nos ossos gnáticos. Fonte: Adaptado de: McCaul JA. Pharmacologic modalities in the treatment of osteoradionecrosis of the jaw. Oral Maxillofac Surg Clin North Am. 2014 May;26(2):247-52. A incidência da osteorradionecrose é bastante variável – de 1 a 56 % nos pacientes submetidos à radiação de cabeça e pescoço. Pode ocorrer nos três primeiros anos após a radioterapia, mas os pacientes ficam sob risco o restante da vida. Os fatores de risco incluem: • Doença periodontal. • Infecções dento-alveolares. • Tabagismo e ingestão de álcool. • Cáries extensas. • Doses crescentes de radiação. • Extrações dentárias. 30 Radiograficamente, nota-se diminuição da densidade óssea, destruição da cortical e alteração do trabeculado ósseo. O diagnóstico diferencial da osteorradionecrose inclui outros tipos de necrose óssea, dentre elas as osteomielites derivadas de focos de infecção e a osteonecrose por bifosfonatos. Osteonecrose por Bifosfonatos A osteonecrose por bifosfonatos é definida pela Sociedade Americana de Pesquisa em Osso e Minerais (ASBMR) como sendo uma área de osso exposta na região maxilofacial que não repara em um intervalo de oito semanas de sua manifestação, em paciente que está sob terapia com drogas antireabsortivas e que não recebeu radiação ionizante na região de cabeça e pescoço14. FIGURA 14 Osteonecrose associada ao bifosfonato (OAB) Fonte: Acervo de imagem do autor. Atualmente, essa definição tem sido reavaliada com vista a incluir também drogas antiangiogênicas, tais como denosumabe, as quais também são associadas à necrose dos ossos gnáticos. 31 Inicialmente, as lesões ósseas podem ser assintomáticas, mas podem exacerbar gerando dor, edema, mobiliade dentária, eritema, parestesia e até anestesia nas terminações do nervo trigêmeo. Essa exacerbação, na grande maioria dos casos, é observada após exodontias, mas pode também se manifestar espontaneamente, com exposição do tecido ósseo sem causa aparente, em regiões muitas vezes edêntulas. Fístulas intra e extraorais podem ocorrer se o sítio necrótico se infectar secundariamente. A gradação da severidade clínica da osteonecrose por bifosfonatos mais utilizada está detalhada no quadro abaixo. TABELA 5 Sistema de estadiamento clínico da osteonecrose por bifosfonatos Fonte: Adaptado de Ruggiero (2007). O mecanismo da osteonecrose derivado de medicamentos antirreabsortivos ainda precisa ser elucidado. Sabe-se que essas drogas acarretam inibição na proliferação de células epiteliais e de linfócitos T, deixando a mucosa bucal suscetível a infecções devido ao comprometimento da barreira de defesa epitelial. Assim, a entrada de microrganismos no tecido ósseo é facilitada. A presença de bactérias nos locais de necrose sugere a participação desses microrganismos na doença. 32 Os bifosfonatos ainda promovem supressão do “turnover” ósseo por inibirem a atividade osteoclástica, bem como reduzem a angiogênese, fatores que podem predispor o tecido ósseo a dificuldades de reparo e remodelamento. É interessante notar que a osteonecrose ocorre preferencialmente na maxila e na mandíbula, provavelmente pelo alto “turnover” observado nesses ossos, fato que promoveria alta seletividade das drogas por esses locais15. A osteonecrose pode ser derivada de drogas antirreabsortivas prescritas por via oral ou por via endovenosa, conforme mostra o esquema a seguir. As administradas por via oral são destinadas ao controle da osteoporose e representam um risco muito baixo para a osteonecrose (a prevalência é por volta de 0 % a 0,04 %)14. Já os bifosfonatos administrados por via endovenosa representam um risco alto para osteonecrose (prevalência de 0,8 a 12 %)15. Esses são destinados à inibição de metástases ósseas em pacientes oncológicos. Nesses pacientes, a associação de outras drogas, como corticosteróides e inibidores da angiogênese, aumenta o risco de aparecimento da osteonecrose. A tabela abaixo resume os principais fatores de risco para a necrose dos ossos gnáticos nos pacientes oncológicos. 33 TABELA 6 Principais fatores de risco para o aparecimento da osteonecrose por bifosfonatos nos pacientes oncológicos Fonte: Adaptado de Khan et al. (2014). 34 O diagnóstico diferencial da osteonecrose por bifosfonatos inclui outras condições inflamatórias no tecido ósseo, tais como osteíte alveolar, sinusite, periodontite, lesões dentárias periapicais e algumas formas de displasia cemento-óssea que exibem sequestro ósseo. Concluindo... As necroses ósseas observadas nos pacientes oncológicos são derivadas do tratamento antineoplásico, mas podem ser evitadas de forma eficiente conhecendo-se de antemão os fatores de risco e a patogenia dessas lesões. O conhecimento atual sobre a fisiopatologia da osteorradionecrose e da osteonecrose derivada de bifosfonatos, associado aos avanços em pesquisa sobre a biologia dos ossos gnáticos, tem auxiliado no desenvolvimento de protocolos de prevenção dessas lesões, apesar de ainda serem limitadas as ações terapêuticas para destruições ósseas amplas. 35 Esta seção apresenta o trismo como complicação derivada do tratamento de pacientes com cânceres de cabeça e pescoço por meio de radioterapia ou cirurgia. Trismo O trismo refere-se à restrição de abertura de boca. É causado por contração ininterrupta dos músculos da mastigação devido à inflamação no tecido muscular e na articulação temporomandibular. Essa inflamação pode ser derivada de tumores, do tratamento cirúrgico de excisão tumoral ou do tratamento radioterápico. Deve-se dizer que o paciente oncológico está com trismo quando exibir abertura bucal de ≤30mm16. A frequência dessa alteração nos pacientes oncológicos não é muito clara, variando de 0 a 69% em pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Acredita-se que a radioterapia e a cirurgia de retirada do tumor acarretem fibrose dos músculos e da articulação temporomandibular, gerando hipomobilidade mandibular, que, por sua vez, contribui para o aparecimento de degeneração na articulação temporomandibular e de atrofia muscular. Com doses de até 15 Gy, há decréscimo funcional da abertura bucal, principalmente nos nove meses seguintes ao tratamento, a qual vai gradativamente retornando à normalidade. Contudo, com doses acima de 60 Gy, pode haver o aparecimento do trismopropriamente dito, principalmente se a radiação atingir o músculo pterigoideo medial16. A severidade do trismo pode ser determinada por meio de classificações, que levam em conta a distância máxima interincisal (entre a superfícies incisais superior e inferior dos incisivos centrais). Em pacientes êndentulos, é medida pela distância entre os rebordos alveolares superiores e inferiores. 36 A tabela abaixo exibe a classificação adotada peloNational Cancer Institute – NCI, pelo Grupo de Oncologia e Radioterapia – RTOG e pela Organização Europeia para Pesquisa e Tratamento do Câncer – EORTC. TABELA 7 Classificação da severidade do trismo em pacientes sob radioterapia Tabela. Classificação da severidade do trismo em pacientes sob radioterapia, segundo o National Cancer Institute – NCI, Grupo de Oncologia e Radioterapia – RTOG e Organização Europeia para Pesquisa e Tratamento do Câncer – EORTC. Nota: Os graus em azul são considerados severos. Fonte: Rapidis et al. (2014). Ao exibir trismo, a primeira questão a considerar é se não houve recidiva tumoral. Assim, é mandatório o exame de imagem para confirmar a ausência de infiltração tumoral nos músculos mastigatórios e na articulação temporomandibular, bem como se se trata de alterações intra ou extra-articulares. Concluindo... A limitação de abertura bucal derivada do trismo pode ser observada em pacientes sob radioterapia, manifestando-se meses após o término do tratamento. O cirurgião-dentista deve então fazer o acompanhamento periódico por tempo prolongado dos pacientes oncológicos mesmo após o término do tratamento, principalmente para os pacientes que receberam doses altas de radiação. 37 Esta seção apresenta a redução do fluxo salivar e a modificação da constituição da saliva como as principais alterações salivares decorrentes da radioterapia e da quimioterapia. Alterações Salivares A sensação de boca seca ou xerostomia constitui um dos efeitos colaterais do tratamento antineoplásico de maior impacto na qualidade de vida dos pacientes, gerando desconforto, dificuldade de fonação e mastigação, bem como acarretando suscetibilidade a infecções na cavidade bucal. A xerostomia pode ser derivada tanto de mudanças no fluxo salivar quanto de alterações dos constituintes salivares, sendo fundamental o diagnóstico correto dessas alterações para a instituição de medidas preventivas e de tratamento. A saliva tem múltiplas atribuições na cavidade bucal, exercendo efeito sobre a fisiologia da mucosa bucal, das superfícies mineralizadas e da digestão dos alimentos. A figura abaixo ilustra essas funções da saliva, listando seus principais componentes. 38 FIGURA 15 Funções da saliva e seus respectivos componentes Legenda: SLPI - Secretory Leukocyte Protease Inhibitor, PRG - Proline-rich glicoproteins, PRPs - Proline-rich proteins. Fonte: Adaptado de: Nieuw Amerongen AV, Veerman EC. Saliva— the defender of the oral cavity.Oral Dis 2002;8:12– 22. e de Brosky ME1The role of saliva in oral health: strategies for prevention and management of xerostomia..J Support Oncol. 2007 May;5(5):215-25. 39 As alterações salivares derivadas do tratamento antineoplásico envolvem modificações no fluxo salivar ou nos constituintes salivares. A hipossalivação é definida como a redução do fluxo salivar. Valores de fluxo salivar abaixo de 0,1ml/min e de 0,7ml/min são considerados hipossalivação para os testes envolvendo saliva não estimulada e estimulada, respectivamente (os valores normais são: 0,3ml/min para não estimulada, e 1,5ml/min para estimulada). A redução do fluxo sanguíneo é observada principalmente em pacientes sob radioterapia, em que o tratamento acarreta danos (por vezes, irreversíveis) nas glândulas salivares. Constitui o principal fator associado à cárie de radiação e à suscetibilidade da mucosa bucal a infecções. Acredita-se também que a hipossalivação tenha participação na patogenia da mucosite oral, contribuindo para a progressão das lesões para a ulceração. Atualmente, as técnicas de radiação evitam atingir as glândulas salivares, fato que minimizou bastante a hipossalivação. O volume da glândula exposto à radiação e a dose desta determinam a extensão do dano. Uma dose de 60 Gy, por exemplo, que atinja integralmente a glândula parótida acarretará perda irreversível de função nessa glândula17. Durante a radioterapia, as alterações dos constituintes salivares envolvem aumento substancial das proteínas salivares (por exemplo, lisozima, lactoferrina e albumina) e de eletrólitos (Na, K, Ca, Mg). Há, contudo, retorno à normalidade após 6 a 18 meses do encerramento do tratamento. Em pacientes sob quimioterapia, hipossalivação pode ou não se manifestar, mas, da grande maioria das vezes, é reversível. Os principais agentes quimioterápicos associados à hipossalivação, dentre outros, são: Imagem esquemática dos principais agentes quimioterápicos associados à hipossalivação. Fonte: Adaptado de Jensen et al. (2003). 40 Em geral, observa-se redução da saliva estimulada durante o tratamento quimioterápico, com retorno paulatino das funções salivares após o término da quimioterapia. Quanto aos constituintes salivares, durante o condicionamento quimioterápico, a saliva exibe aumento de albumina, sem haver consenso quanto ao efeito sobre a lisozima e a amilase. Sabe-se, contudo, que há diminuição de IgAs, IgM e IgG, causando prejuízo nas funções de defesa salivares, bem como diminuição da capacidade de tampão salivar, aumentando a suscetibilidade das superfícies dentárias à desmineralização. A análise do fluxo salivar pode ser realizada no paciente onco- hematológico, solicitando a ele que deposite a saliva em um frasco durante um minuto. A quantidade de saliva depositada deve então ser medida. A estimulação da saliva deve ser feita utilizando-se aparatos específicos para sialometria, que são compostos por materiais para mastigação contendo substâncias cítricas suaves. Já a análise dos constituintes salivares é mais difícil de ser realizada e deve envolver a coleta padronizada da saliva. Recomenda-se a observação da viscosidade e da cor da saliva, que podem sugerir alterações dos constituintes. Concluindo... As alterações salivares nos pacientes oncológicos envolvem tanto modificações dos constituintes salivares, quanto diminuição do fluxo salivar. A xerostomia provocada pela radioterapia é mais severa e mais duradoura do que oriunda da ação de agentes quimioterápicos. As alterações salivares nos pacientes oncológicos constituem fatores de risco para o aparecimento de lesões bucais e dentárias (por exemplo, mucosite oral e lesões infecciosas, dentre estas a cárie dentária e a cárie derivada de radiação), tendo alto impacto na qualidade de vida durante e após o tratamento antineoplásico. 41 Considerações Finais As principais características das lesões inflamatórias na cavidade bucal (mucosite oral e doença do enxerto contra o hospedeiro) e das lesões infecciosas (candidíase oral, lesões por herpes-vírus e cárie por radiação) são as necroses ósseas, o trismo e as alterações salivares. Foram enfatizadas a patogenia e o diagnóstico diferencial dessas lesões. Para boa parte desses agravos, a patogenia não está bem elucidada devido principalmente à complexidade de mecanismos inerentes à administração dos quimioterápicos e da radioterapia, aliada às condições sistêmicas diversas presentes nesses casos. O diagnóstico diferencial, por vezes, é difícil, em função da inespecificidade do quadro clínico, que pode assumir múltiplos aspectos. O cirurgião- dentista deve estar ciente dessas dificuldades e sempre considerar a possibilidade de incidência dessas lesões nos pacientes onco- hematológicos. 42Referências Bibliográficas 1. Sonis ST. Pathobiology of oral mucositis: novel insights and opportunities. J Support Oncol 2007;5(9):3-11. 2. Elting LS, Cooksley C, Chambers M, Cantor SB, Manzullo E, Rubenstein EB. The burdens of cancer therapy: clinical and economic outcomes of chemotherapy-inducedmucositis. Cancer 2003;98(7):1531-9 3. Naidu MU, Ramana GV, Rani PU, Mohan IK, Suman A, Roy P. Chemotherapy-induced and/or radiation therapy-induced oral mucositis- complicating the treatment of cancer. Neoplasia 2004;6(5):423-31. 4. Schubert MM, Correa ME. Oral graft-versus-host disease. Dent Clin North Am 2008;52(1):79-109. 5. 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