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Desenvolvimento histórico da criminologia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever a origem da criminologia científica. � Distinguir a etapa criminológica pré-científica da científica. � Reconhecer a escola cartográfica. Introdução A história da criminologia pode ser dividida em quatro períodos: o primeiro período se estende da Antiguidade aos precursores da antropologia cri- minal; o segundo período compreende a antropologia criminal; o terceiro período é o da sociologia criminal; o último, por sua vez, é referente à política criminal. Neste capítulo, você vai estudar o desenvolvimento histórico da criminologia. Você vai conhecer a origem da criminologia científica, distinguindo a etapa criminológica pré-científica da científica e, por fim, reconhecendo e entendendo a escola cartográfica. A origem da criminologia científica A divisão da criminologia em quatro períodos distintos é antecedida, e muito, pelo Código de Hamurabi. O Código de Hamurabi, da Babilônia, remonta a um dispositivo que punia o crime de corrupção praticado por funcionários públicos. Antes disso, o mestre Confúcio já dava demonstrações de saber o que era a pena aplicada ao delito, que se tornaria um dos pilares da criminologia. O Código de Hamurabi, datado de 1.700 a.C., tem como marca principal a adoção da lei de Talião (olho por olho, dente por dente) (LYRA, 1980). É a lei, registrada de forma escrita (expressa), mais antiga da história da humanidade. Do latim lex talionis, lei de talião ou pena de talião, consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena — hoje, de forma apropriada, chamada de retaliação. Essa lei é ainda muito utilizada Oriente Médio. Entre os gregos, Alcmeon, de Crotona, no distante séc. VI a.C., foi o primeiro a dissecar animais para estudar as qualidades biopsíquicas dos de- linquentes, sendo que depois pesquisou o cérebro humano para aplicar seus experimentos. Já Hipócrates, considerado o pai da medicina, pensava e aduzia que todo o crime, assim como o vício, é fruto da loucura. Você pode observar que nesse período já surgia a ideia da inimputabilidade do homem insano. Sócrates, por meio de seu discípulo Platão, acreditava “[...] que se devia en- sinar aos indivíduos que se tornavam criminosos como não reincidirem no crime, dando a eles a instrução e a formação de caráter de que precisavam” (SOARES, 1969, p. 66). Assim, você pode considerar alguns aspectos relativos ao conceito de criminologia. A criminologia é uma ciência empírica que estuda o crime, o delinquente, a vítima e o controle social do delito. Ela tem a premissa de analisar os fatos e a prática, é uma ciência interdisciplinar que se socorre de outras ciências como a biologia, a psicologia, a sociologia e a política (SOARES, 1969). Nos primórdios, a criminologia tinha o objetivo de explicar e traduzir a origem da delinquência, utilizando o método científico causal e explicativo, por meio do qual tentava chegar à causa do efeito produzido. As teorias mais antigas entendiam que, se a causa do delito fosse exterminada, acabaria também o efeito, noção que se tornou ineficaz, como você pode notar se considerar uma perspectiva histórica (SOARES, 1969). As teorias sobre a criminologia têm início com Cesare Lombroso e sua obra denominada O homem delinquente, de 1876. A obra abordava principalmente o delinquente nato. Desde então, a criminologia já foi permeada por várias nuances causais. Um dos nomes influentes para essa ciência foi Rousseau, que afirmava que a criminologia deve buscar a causa do delito na própria sociedade. Lombroso, por sua vez, sustenta que para acabar com o delito é necessário achar a causa no próprio delinquente, não no meio. Desenvolvimento histórico da criminologia2 Com o tempo, no entanto, tanto a corrente sociológica quanto a teoria orgânica a respeito do conceito de criminologia fracassaram. Atualmente, se verifica que o aspecto biopsicossocial é o mais relevante. A criminologia contemporânea evoluiu bastante e trouxe importantes batalhas teóricas cha- madas “lutas de escolas” — como a que teve lugar entre a escola clássica e a positivista. A criminologia é dividida em escola clássica (Beccaria, século XVIII), escola positiva (Lombroso, século XIX) e escola sociológica (final do século XIX) (SOARES, 1969). A teoria de Lombroso é considerada o início da escola positivista. Já a escola filosófica é ditada por Augusto Comte. Essa escola italiana crítica a escola clássica, representada por nomes como Beccaria e Bentham, no que diz respeito à utilização de uma metodologia lógico-dedutiva, metafísica, na qual não existia a observação empírica dos fatos (SOARES, 1969). A criminologia atual, como outras ciências, tem tentado eliminar o con- ceito de causa, ficando primordialmente com a ideia de fator. Isso acarreta o reconhecimento não apenas de uma causa, mas de fatores que possam desencadear o efeito criminoso, como fatores biológicos, psíquicos, sociais. Uma das funções principais da criminologia é estabelecer uma relação estreita entre três disciplinas consideradas fundamentais: a psicopatologia, o direito penal e a ciência político-criminal. A criminologia é uma ciência moderna que interliga várias ciências, como você já viu aqui. A partir da experimentação desse saber multidisciplinar, surgem teorias (um corpo de conceitos sistematizados que permitem conhecer um dado domínio da realidade). Como ciência que é, a criminologia é dotada de objeto próprio e metodologia e necessita de experimentos par colocar em prática suas ideias. Ainda que interdisciplinar, é uma ciência autônoma, que não se confunde com nenhuma das áreas que contribuem para a sua formação (SHECAIRA, 2008). A criminologia tem como objeto: 1. o crime; 2. o criminoso — sujeito que se envolve numa situação da qual deriva o crime; 3. os mecanismos de controle social (formais e informais) que atuam sobre o crime; 4. a vítima (que às vezes pode ter inclusive certa culpa no evento). A criminologia possui importância pelo simples fato de que não existe sociedade sem crime. A criminologia como ciência contribui para o cresci- 3Desenvolvimento histórico da criminologia mento do conhecimento científico com uma abordagem do fenômeno criminal (SHECAIRA, 2008). O fato de a criminologia ser uma ciência não significa que ela esteja alheia à sua função na sociedade. Pelo contrário, a criminologia constitui também um princípio de justiça social. Ela tem como finalidade, entre outras, apurar a etiologia do crime, fazendo uma análise da personalidade e da conduta do criminoso para que ele seja punido na justiça. Ainda, a criminologia visa a identificar as causas determinantes do fenômeno criminógeno para auxiliar na prevenção da criminalidade, permitindo que aquele que cometeu o crime possa ser ressocializado (SHECAIRA, 2008). Os estudos da criminologia se dividem em dois ramos que não são inde- pendentes, e sim interdependentes. São eles: 1. criminologia clínica (bioantropológica) — utiliza-se do método indivi- dual, analisando casos e experimentos envolvendo a indução; 2. criminologia geral (sociológica) — utiliza-se do método estatístico (de grupo, estatístico, sociológico, histórico), que enfatiza o procedimento de dedução. A criminologia é uma ciência empírica e esse empirismo foi trazido por Cesare Lom- broso, renomado médico italiano e diretor de um manicômio. Ele foi um dos estudiosos pioneiros na catalogação dos delitos e delinquentes com base na medicina legal e na psicologia. A sua obra O homem delinquente, de 1876, foi tida como revolucionária na área de direito penal, psicologia e medicina legal. Hoje em dia, muitas das teorias de Lombroso estão comprovadamente ultrapassadas. Todavia, não se pode desconsiderar sua obra, visto que ela caracterizou e influenciou, em sua época, um grande avanço na busca das causas que levam o homem a delinquir. Etapas criminológicas: pré-científicae científica As etapas criminológicas pré-científica e científica compreendem as escolas criminológicas clássica, científica e cartográfica. Cada escola, à sua maneira, ofereceu uma grande contribuição para a história da criminologia atual. Nesta seção, você vai conhecer a escola clássica e a científica. Na seção seguinte, vai estudar a escola cartográfica. Desenvolvimento histórico da criminologia4 Etapa pré-científica da criminologia Essa etapa corresponde ao período humanista, compreendido entre 1750 e 1850. Ele é marcado pelas ideias dos pensadores que contestavam os ideais absolutistas, em uma reação à arbitrariedade da administração da justiça penal e ao caráter atroz das penas. Afinal, as leis da época eram permeadas de excessos, rigorismo e crueldade, acarretando a aplicação de penas como castigos corporais e penas capitais. O Direito servia de instrumento de privi- légio, delegando aos juízes a possibilidade de julgar o infrator de acordo com a sua condição social (BECCARIA, 1999). As obras de Montesquieu, Voltaire, Rousseau e D’Alembert foram im- portantes para o humanismo, uma vez que construíram o próprio alicerce do período humanitário e o início da radical transformação liberal e huma- nista do Direito Penal. Nesse período é que teve início a escola clássica da criminologia. Na etapa pré-científica, o crime é analisado da seguinte forma: 1. fato isolado; 2. fato individual; 3. mera infração de lei (causalismo e tipicidade formal, mera adequação e subsunção do fato à norma); 4. mera contrariedade à norma jurídica; Escola clássica A escola clássica é baseada na ideia do homem como um ser livre e racional que é capaz de refletir, tomar decisões e agir de acordo com essas decisões. Tais decisões são pautadas em um cálculo racional das vantagens e desvantagens que a ação acarretará. O maior expoente dessa escola foi Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, que escreveu um livro intitulado Dos Crimes e das Penas (BECCARIA, 1999). Na sua terminologia, o prazer e a dor são os motores da conduta humana (BECCARIA, 1999). Isso significa que, quando o indivíduo está diante da possibilidade de cometer um crime, faz um cálculo racional dos benefícios esperados (prazer) e confronta-os com os prejuízos (dor) que acredita ter com tal prática. Se os benefícios forem superiores aos prejuízos, terá tendência para delinquir. Essa é uma ideia básica do utilitarismo, uma corrente filosófica heterogênea, hoje esquecida. De acordo com essa corrente, as ações deveriam ser avaliadas dependendo do grau, menor ou maior, de felicidade dos sujeitos 5Desenvolvimento histórico da criminologia e, de forma geral, dependendo do contributo para a felicidade do maior número de pessoas (BECCARIA, 1999). A escola clássica chegou à conclusão de que esse cálculo não é perfeito do ponto de vista racional e que outros elementos podem entrar em jogo. Nesse sentido, existem diferenças entre as pessoas e suas particularidades. A escola clássica também traz a ideia de que compreender o fenômeno criminal é com- preender a relação entre benefícios e prejuízos resultantes da prática do delito. Tal escola acredita que esse processo de escolha racional é igual em todas as pessoas, com algumas exceções, como é o caso das crianças ou dos loucos. Assim, para a escola clássica, a responsabilidade criminal do delinquente levaria em conta sua responsabilidade moral e se sustentaria pelo livre-arbítrio, inerente ao ser humano. Assim, ela parte da premissa de que o homem é um ser livre e racional, capaz de pensar, tomar decisões e agir em consequência disso (PENTEADO FILHO, 2012). Como afirma Maíllo (2008, p. 63): Quando alguém encara a possibilidade de cometer um delito, efetua um cálculo racional dos benefícios esperados (prazer) e os confronta com os prejuízos (dor) que acredita vão derivar da prática do delito; se os benefícios são superiores aos prejuízos, tenderá a cometer a conduta delitiva. Trata-se, portanto, de um pensamento que deriva do utilitarismo, atual- mente um tanto esquecido. Essa corrente defendia a ideia de que as ações humanas deveriam ser julgadas conforme proporcionavam mais ou menos prazer ao indivíduo e contribuíam ou não para a maior satisfação do grupo social (PENTEADO FILHO, 2012). Na Figura 1, a seguir, você pode ver uma síntese das ideias da escola clássica. Figura 1. Escola Clássica — princípios e expoentes. Fonte: Adaptada de Penteado Filho (2012, p. 43). Desenvolvimento histórico da criminologia6 Assim, a diferença entre a escola positivista e a escola clássica fundamenta- -se exatamente no pensamento de seus defensores. Ferri, um dos fundadores da escola positivista, naquela época possuía ideias avançadas, não procurava analisar o delinquente de forma individual. Já a escola clássica analisava o delinquente de forma individual, sem a preocupação com as variantes sociais; logo, matar era considerado crime e não importavam os fatores que levavam à delinquência. O criminoso era banido da sociedade, pouco importando se doente mental ou doente social (FERRI, 1996). Etapa científica da criminologia A etapa científica tem início no final do século passado e ocorre com o positi- vismo criminológico, com a escola positivista, por meio de Lombroso, Garófalo e Ferri. Ela surgiu como crítica e alternativa à escola clássica, dando lugar a uma polêmica da utilização do método científico (o método abstrato e dedutivo dos clássicos, baseado no silogismo) frente ao método empírico-indutivo dos positivistas (baseado na observação dos fatos, dos dados) (FERRI, 1996). A escola positivista italiana, no entanto, traz duas direções opostas: a antropológica de Lombroso e a sociológica de Ferri, que corroboram a ideia etiológica do fator individual e do fator social na explicação do delito (FERRI, 1996). Ferri, entre os séculos XVIII a XIX, foi um dos cientistas que mais contri- buíram para a evolução da criminologia, pois se preocupava com o objeto dessa ciência, o crime. Para os teóricos anteriores a Ferri, não havia a preocupação com o crime em si. Para muitos, o crime era apenas um fato que contrariava e perturbava a ordem da sociedade. De forma alguma se questionava se o delinquente tinha ou não a intenção de delinquir. Após Ferri, todos os conceitos, como fatores, tipos, antijuridicidade e culpa- bilidade, passaram a ser questionados, pois se analisava o crime e o criminoso, tendo cada crime a sua pena diferenciada (FERRI, 1996). Outra preocupação foi a questão da pena e da punição: Ferri enfatizava que o tratamento deveria ser diferenciado, ou seja, cada crime deveria ter sua pena correspondente. Escola positivista italiana A criminologia positiva nasce com Guerry e Quetelet, no último terço do século XIX, com a chamada escola italiana ou positivista, cujos principais representantes foram Lombroso, Ferri e Garofalo (FERRI, 1996). Lombroso, por várias vezes, foi considerado o pai da criminologia contemporânea, e 7Desenvolvimento histórico da criminologia isso decorre do fato de sua obra ser uma reação às ideias da escola clássica, sobretudo no que diz respeito à utilização da metodologia lógico-dedutiva. A escola positivista italiana vê na criminalidade um sujeito que age impelido por causas que fogem ao seu controle. Assim, essa escola propõe respostas ao crime que tendam a proteger a sociedade e a reabilitação do criminoso, sendo uma teoria contrária à escola clássica (SANTOS, 1984). A criminologia positivista contemporânea é claramente herdeira dessa tomada de posição. A metodologia racionalista da escola clássica — baseada no raciocínio consciencioso, mas desvinculado da observação empírica siste- mática — parecia manifestamente insatisfatória nos anos de maior influência do positivismo face à explicação e à prevenção do crime: para essas funções, a metafísica dava melhores resultados e o conhecimento e a técnica humana não sofriam grande avanço por essa via (SANTOS, 1984). A escola positivista, do ponto devista etiológico, aceita a inserção de fatores biológicos na criminalidade, a ponto de afirmar que a criminalidade dos pais pode ser herdada. Para Lombroso (1967), não existe nenhum crime que encontre a sua raiz em múltiplas causas — incluindo, claro, variantes ambientais e sociais, tais como o clima, o abuso de bebidas alcoólicas, a educação ou a profissão. Lombroso afirma que existem diversos tipos de criminalidade e que cada um deles responde a um conjunto de causas específicas. O positivismo sociológico de Enrico Ferri tinha como norte a ideia de menos justiça penal e mais justiça social. Ele acreditava na preponderância do fator social sobre o fator genético. Para Ferri, as causas do crime eram os fatores criminógenos biológicos, físicos e sociais. Ele fazia a classificação dos delinquentes em categorias e afirmava que não existe a possibilidade de os criminosos serem iguais. Outro exponente do positivismo jurídico foi Garófalo, que sustentava que o crime é sintoma de uma anomalia moral ou psiquiátrica do indivíduo. Garófalo defendia a pena de morte e o delito natural, sendo que afirmava a existência do delinquente nato, que seria irrecuperável, pois teria uma falha moral de caráter. Para os delinquentes naturais, ele defendia a pena de morte. Foi Garófalo quem distinguiu a criminologia como ciência — diversa do Direito Penal (FERNANDES; FERNANDES, 2002). Desenvolvimento histórico da criminologia8 Escola cartográfica Após os ditames do século XIX, as ciências criminais alcançaram certa pro- jeção, uma vez que aumentou a preocupação com o estudo do fenômeno da criminalidade. Os estudiosos passaram, então, a levar em consideração as causas dos crimes (PENTEADO FILHO, 2012). A escola cartográfica ou estatística moral teve início como contraponto ao pensamento abstrato da escola clássica. Está posicionada entre a escola clássica e a positiva, e o ponto em comum entre elas é o método utilizado em seus estudos. Para a escola cartográfica, o crime é um fenômeno concreto, só podendo ser estudado pelo método estatístico, criando mapas geográficos da criminalidade, mapeando o crime. Na escola cartográfica, criou-se a curva agregada da idade para verificar o ápice da criminalidade, que se daria por volta dos 23 anos. Os principais representantes da escola cartográfica são Adolphe Quetelet e Garry. Segundo Quetelet, o indivíduo se torna um criminoso persistente ou se torna um delinquente desistente. Quetelet criou as leis térmicas da criminalidade, que tiveram grande influência de Enrico Ferri (considerado pai da sociologia criminal) (QUETELET, 1835). Além disso, ele foi respon- sável pelo conceito novo de “homem médio” e personagem histórico que se destacou por alertar o poder público responsável sobre a questão dos crimes não comunicados, batizados como “cifra negra” (PENTEADO FILHO, 2012). Costuma entender-se por “cifra negra” os crimes que não chegam a integrar as esta- tísticas, por exemplo, por não serem detectados. Garry e Quetelet sustentavam que o crime é um fenômeno concreto e deve ser estudado pelas estatísticas, em oposição ao pensamento abstrato da escola clássica. Eles descobriram, por meio do mapeamento do crime (cartografia), que o registro anual de crimes em um país permanece constante ao longo do tempo, sendo um fenômeno coletivo, constante e regular, regido por leis naturais como qualquer outro fenômeno natural. Foi aí que se passou a utilizar o método empírico (análise, observação, indução) em vez do lógico (dedutivo). No ano de 1827, foram publicadas na França as primeiras estatísticas modernas sobre a criminalidade, e essas estatísticas foram alvo do interesse 9Desenvolvimento histórico da criminologia de renomados investigadores, entre os quais Guerry e, sobretudo, Quetelet (QUETELET, 1835). Este último defende o uso das estatísticas oficiais na contabilização dos crimes, mas é um defensor muito cauteloso e perfeitamente consciente do fenômeno da cifra negra. Ele afirma que é impossível saber a soma total dos crimes cometidos num país e vai além, sustenta que: O conhecimento sobre as estatísticas do crime e ofensas não terá qualquer uti- lidade se não admitirmos tacitamente que existe uma relação quase invariável entre as ofensas conhecidas e julgadas e a soma total dos crimes cometidos que são desconhecidos (QUETELET, 1835, p. 21). Como você sabe, nos dias atuais, as estatísticas oficiais são um instrumento que possui o poder de contabilizar e organizar os dados de forma racional. Nos índices de criminalidade apresentados na estatística francesa entre 1826 e 1829, acusados e condenados por crimes contra a propriedade ou contra as pessoas eram muito parecidos. Na visão de Quetelet, se os crimes dependiam unicamente do livre-arbítrio dos indivíduos que os praticavam, o mais lógico é que variassem enormemente, mesmo de um ano para o outro. E, no entanto, as estatísticas mostravam claramente que não era assim (QUETELET, 1835). Quetelet produziu um estudo pormenorizado do crime, levando em consi- deração as regiões e suas características, destacando sempre a influência das forças sociais. As conclusões desse trabalho foram as seguintes: 1. Quetelet estabeleceu algo que ainda hoje ocupa um dos lugares mais destacados na discussão teórica da criminologia: as duas variantes que mais se correlacionam com a criminalidade são a idade e o gênero — ou seja, os jovens e os homens cometem um número desproporcional dos crimes praticados numa sociedade; 2. além disso, ele chamou a atenção sobre o importante papel que desem- penha o fator oportunidade na prática de atos criminosos: as oportuni- dades para delinquir existentes num país ou região têm influência no volume da criminalidade; se as oportunidades aumentarem, o crime terá tendência para segui-las. Para a escola cartográfica, existem fatores produzidos pela natureza que afetam o comportamento delitivo, como a condição do tempo. Com esses estudos, chegou-se à conclusão de que no inverno as pessoas praticam mais crimes contra o patrimônio, porque a vigilância é diminuída durante esse período. Já na primavera ocorrem mais crimes contra os costumes. No verão, Desenvolvimento histórico da criminologia10 por sua vez, acontecem mais crimes contra as pessoas, já que os indivíduos podem se encontrar, com mais facilidade, em estado de irritação; além disso, nessa época aumenta o consumo de bebida alcóolica (QUETELET, 1835). Assim, você pode verificar que a criminologia positivista já havia sido criada na Europa em meados do século XIX, sendo consolidada por volta de 1872, com a obra de Lombroso, Ferri e Garofalo, pilares da escola positivista ou italiana. Todavia, o mundo da criminologia muito deve a Adolphe Quetelet por sua obra Ensaio de física social (1835), expoente da criminologia inicial. Nessa obra, o autor projeta análises estatísticas relevantes sobre criminalidade, in- cluindo os primeiros estudos sobre “cifras negras de criminalidade” (percentual de delitos não comunicados formalmente à polícia e que não integram dados estatísticos oficiais). Nessa discussão acerca de quem é o criador da moderna criminologia, um aspecto é fundamental: houve forte influência do Iluminismo, tanto nos clássicos quanto nos positivistas (PENTEADO FILHO, 2012). BECCARIA, C. B. Dos delitos e das penas. São Paulo: EDIPRO, 1999. FERNANDES, N.; FERNANDES, V. Criminologia integrada. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. FERRI, E. Princípios do direito criminal. Rio de Janeiro: Bookseller, 1996. LOMBROSO, C. Discours d’ouverture.VI CONGRÈS D’ANTHROPOLOGIE CRIMINELLE, 6. Annalles..., Paris, 1967. LYRA, R. Novo direito penal: introdução. Rio de Janeiro: Forense, 1980. MAÍLLO, A. S. Introdução à criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. PENTEADO FILHO, N. S. Manual esquemático de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012. QUETELET, A. Sur l’homme et le développement de ses facultés ou essai de physique sociale. Paris: Bachelier, 1835.SANTOS, J. C. dos. As raízes do crime: um estudo sobre as estruturas e as instituições da violência. Rio de Janeiro: Forense, 1984. SHECAIRA, S. S. Criminologia. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. SOARES, O. A justiça e a criminalidade. [s.l.]: Júris libertatis, 1969. Leitura recomendada GÓMEZ SERRANO, A. Historia de la criminología en España. Madrid: Editorial Dykinson, 2007. 11Desenvolvimento histórico da criminologia http://ouverture.vi/ Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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