o que seja lugar ( definido de forma ampla como onde as coisas estão), o mesmo não acontece com espaço. Rubertone considera como “zonas intersticiais”, “arredores”, ou “adjacências”, da mesma forma que Dewar (apud Rubertone, 1986: 124), que definiu como “vizinhança”, ou imediações do lugar. Orser, por sua vez, considerou o espaço de outra forma: compartilhando do mesmo sentido amplo de “onde as coisas não estão”(Orser, 1996 : 135), observa, que espaço é uma realidade física, ligada ao lugar, espécies de “manchas” onde alguma coisa está situada. Orser introduz, ainda, o conceito de espacialidade, entendida como uma realidade vivida e não como uma realidade natural dada. Para Lefebvre (apud Orser, op.cit.:137), espaço pode ser algo abstrato, sem a materialidade do lugar, mais ligado à elementos de ordem mentais. 28 definido enquanto objeto (espacial) de práticas sociais (Meneses: op. cit., 15). O estudo dos lugares enfatiza as propriedades formais, os arranjos e as relações dentro de cada unidade e entre elas. Os estudos de padrão de assentamento encontram-se dentro desta perspectiva (Rubertone, op. cit. :124). O espaço, vai além do físico e mensurável. Antes de tudo, ele designa “esferas de ação social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios culturais institucionalizados e, por causa disto, [é capaz] de despertar emoções, reações, leis, orações, música e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas” (Da Matta, op. cit.: 15). O espaço tem, assim, características imateriais que fazem com que a tarefa de reconhecê-los seja bem mais complexa que no caso dos lugares. O espaço inclui um componente imaginário fundamental e, como nota Roberto Da Matta, só se define através de contrastes, oposições e complementaridades e não “por meio de uma fita métrica” (Ibidem: 16). Assim, um dos caminhos para tratar o espaço são os estudos utilizando modelos de uso da terra, identificando áreas de atividades. Este tipo de pesquisa é bem conhecido em arqueologia e tem sido largamente empregado tanto em arqueologia pré-histórica, como em arqueologia histórica 140 . No entanto, os estudos de uso da terra, entendido como os “meios através dos quais as pessoas organizam e arranjam suas atividades econômicas no 140 Em arqueologia histórica cito o exemplo de Rubertone (1982 a e b ). De um outro ponto de vista e tomando uma paisagem histórica rural, cito a proposta de Adams (1990) para o estudo de fazendas norte- americanas. 29 espaço” (Rubertone, op. cit.: 51), não é o suficiente. Análises deste tipo fornecem importantes informações sobre o que foi feito, onde foi feito, ou como foi feito, mas não nos ajudam a saber porque foi feito. E esta última questão, ao final e ao cabo, é a principal, creio. Acontece que as atividades que ordenam espaços não são apenas de ordem econômicas. Elas compreendem relações sociais, relações de poder, valores, sentimentos e tantos outros aspectos que envolvem a complexidade das relações humanas. E aqui é bom lembrar que a Arqueologia não é nenhuma panacéia capaz de dar conta de tudo isto. No entanto, é possível tentar aproximar-se um pouco mais da compreensão dos espaços utilizando o conceito de representações coletivas, na medida em que elas são o sistema de referência que está na base das práticas sociais (e embebido nelas), trazendo em si a cosmologia e o sistema classificatório da sociedade, estando, portanto, na base da construção e ordenação dos espaços. Com relação ao outro nível de problemas (a resistência de alguns setores em aceitar este tipo de trabalho), é preciso dizer que existe entre os pesquisadores uma certa flexibilidade quanto às fronteiras da Arqueologia, ainda que esta seja uma questão ainda muito discutida (Kern, 1998:169). Porém, não são poucos aqueles que não aceitam falar-se numa arqueologia do não-remoto, numa arqueologia da própria cultura. Não foram poucas as vezes que, no decorrer deste trabalho, precisei explicar (para pesquisadores de arqueologia) porque se tratava de uma pesquisa arqueológica e não de uma “História da Arquitetura”, ou mesmo de uma “História Social”, isso para não citar expressões pouco lisonjeiras de setores mais ortodoxos. Como lembra Oliven (1980:25), ainda hoje a 30 academia tende a compartimentalizar artificialmente o conhecimento “em cátedras e departamentos, cujos titulares são geralmente muito ciosos de seus domínios”. Assim, aceita-se uma arqueologia urbana do século XIX, como é o caso deste estudo, mas que se utilize de técnicas clássicas envolvendo escavações, análises de fragmentos de louça, vidros, restos de alimentação. Aceitam-se trabalhos cuja pesquisa centre-se em prospecções e análises espaciais que contem apenas com vestígios de superfície, mas cuja cultura ligue- se ao que chamei de “outro-remoto” (podem ser cidades romanas, Reduções Jesuíticas, etc.). Mas é difícil aceitar uma Arqueologia sem escavação da própria cidade (leia-se da própria cultura) em um tempo tão recente. A verdade é que existe um confronto que parece ser comum a toda ciência, mas que aparece mais fortemente naquelas, como é o caso da Arqueologia, que, por vários motivos, encontram-se, ainda, no nosso meio, em processo de legitimação 141 . Independentemente de estudar horticultores, grupos caçadores-coletores, ou seu próprio grupo, o arqueólogo trabalha sempre com a cultura material, e é a natureza material da evidência arqueológica que guia a perspectiva que tomamos em nossas pesquisas. Se diferimos em nossas estratégias, se nos colocamos problemas de pesquisa também diferentes, possuímos em comum um olhar que é específico da Arqueologia. E isso não implica em perder de vista o intercâmbio com outras áreas de conhecimento. Pelo contrário, é indispensável buscar na Antropologia, na História, na Filosofia, entre outras, tudo aquilo que possa nos servir de apoio e favorecer uma abordagem mais interpretativa, que ultrapasse as descrições, que seja mais que uma coleção de tipos. 141 Se isto não é verdadeiro em escala mundial (ver, por exemplo, a Carta Internacional para a Gestão do Patrimônio Arqueológico – ICOMOS) ou nacional (ver, por exemplo, os trabalhos de Lima:1997 ou Souza, 1997), certamente é no nível regional ou, dito de outra forma, provincial. 31 Como em todas as novas áreas de pesquisa que se abrem, correm-se riscos, erra-se e encontram-se um sem-número de dificuldades. Mas creio que isto deve ser enfrentado, e vale a pena, porque nos leva a ampliar e a complexificar nosso objeto e, em última instância, nossa ciência. A Arqueologia Histórica, muitas vezes, tem a imensa vantagem, sobre a Arqueologia pré-histórica, de dispor de evidências documentais escritas. Ainda que seja preciso ter em mente que “os documentos históricos são limitados em número e parciais quanto à sua origem” (Kern, 1985:103) e, portanto, inúmeros aspectos da vida das sociedades passadas não são contempladas ai, essa documentação pode favorecer a interpretação e reconstituição do passado pela Arqueologia.. No entanto é essa vantagem que, muitas vezes, faz com que - aos olhos tanto do arqueólogo pré-histórico, como do historiador - a pesquisa em Arqueologia histórica pareça absolutamente desinteressante. Beaudry (1993) chamou a atenção para o fato de que muitas pesquisas neste campo acabam tendo uma natureza tautológica: usa-se sítios históricos para testar modelos desenvolvidos na pré-história ou, de outra forma, procura-se descobrir se a evidência arqueológica reflete o documento escrito ou vice-versa. É a forma do tratamento dado ao registro histórico pelo arqueólogo que irá fazer com que ele resulte em uma vantagem ou em uma desvantagem. O mesmo pode ser estendido às fontes iconográficas. Desta forma, vou me deter um