Logo Passei Direto

A maior rede de estudos do Brasil

Grátis
341 pág.
1999 THIESEN_Arqueologia da área central de Porto Alegre

Pré-visualização | Página 7 de 50

o que seja lugar ( definido de 
forma ampla como onde as coisas estão), o mesmo não acontece com espaço. Rubertone considera como 
“zonas intersticiais”, “arredores”, ou “adjacências”, da mesma forma que Dewar (apud Rubertone, 1986: 
124), que definiu como “vizinhança”, ou imediações do lugar. Orser, por sua vez, considerou o espaço de 
outra forma: compartilhando do mesmo sentido amplo de “onde as coisas não estão”(Orser, 1996 : 135), 
observa, que espaço é uma realidade física, ligada ao lugar, espécies de “manchas” onde alguma coisa está 
situada. Orser introduz, ainda, o conceito de espacialidade, entendida como uma realidade vivida e não como 
uma realidade natural dada. Para Lefebvre (apud Orser, op.cit.:137), espaço pode ser algo abstrato, sem a 
materialidade do lugar, mais ligado à elementos de ordem mentais. 
 
28 
 
definido enquanto objeto (espacial) de práticas sociais (Meneses: op. cit., 15). O estudo dos 
lugares enfatiza as propriedades formais, os arranjos e as relações dentro de cada unidade e 
entre elas. Os estudos de padrão de assentamento encontram-se dentro desta perspectiva 
(Rubertone, op. cit. :124). 
 
 O espaço, vai além do físico e mensurável. Antes de tudo, ele designa “esferas de 
ação social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios culturais 
institucionalizados e, por causa disto, [é capaz] de despertar emoções, reações, leis, 
orações, música e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas” (Da Matta, op. cit.: 
15). 
 
 O espaço tem, assim, características imateriais que fazem com que a tarefa de 
reconhecê-los seja bem mais complexa que no caso dos lugares. O espaço inclui um 
componente imaginário fundamental e, como nota Roberto Da Matta, só se define através 
de contrastes, oposições e complementaridades e não “por meio de uma fita métrica” 
(Ibidem: 16). 
 
 Assim, um dos caminhos para tratar o espaço são os estudos utilizando modelos de 
uso da terra, identificando áreas de atividades. Este tipo de pesquisa é bem conhecido em 
arqueologia e tem sido largamente empregado tanto em arqueologia pré-histórica, como em 
arqueologia histórica
140
. No entanto, os estudos de uso da terra, entendido como os “meios 
através dos quais as pessoas organizam e arranjam suas atividades econômicas no 
 
140
 Em arqueologia histórica cito o exemplo de Rubertone (1982 a e b ). De um outro ponto de vista e 
tomando uma paisagem histórica rural, cito a proposta de Adams (1990) para o estudo de fazendas norte-
americanas. 
29 
 
espaço” (Rubertone, op. cit.: 51), não é o suficiente. Análises deste tipo fornecem 
importantes informações sobre o que foi feito, onde foi feito, ou como foi feito, mas não 
nos ajudam a saber porque foi feito. E esta última questão, ao final e ao cabo, é a principal, 
creio. 
 
Acontece que as atividades que ordenam espaços não são apenas de ordem 
econômicas. Elas compreendem relações sociais, relações de poder, valores, sentimentos e 
tantos outros aspectos que envolvem a complexidade das relações humanas. E aqui é bom 
lembrar que a Arqueologia não é nenhuma panacéia capaz de dar conta de tudo isto. No 
entanto, é possível tentar aproximar-se um pouco mais da compreensão dos espaços 
utilizando o conceito de representações coletivas, na medida em que elas são o sistema de 
referência que está na base das práticas sociais (e embebido nelas), trazendo em si a 
cosmologia e o sistema classificatório da sociedade, estando, portanto, na base da 
construção e ordenação dos espaços. 
 
Com relação ao outro nível de problemas (a resistência de alguns setores em aceitar 
este tipo de trabalho), é preciso dizer que existe entre os pesquisadores uma certa 
flexibilidade quanto às fronteiras da Arqueologia, ainda que esta seja uma questão ainda 
muito discutida (Kern, 1998:169). Porém, não são poucos aqueles que não aceitam falar-se 
numa arqueologia do não-remoto, numa arqueologia da própria cultura. Não foram poucas 
as vezes que, no decorrer deste trabalho, precisei explicar (para pesquisadores de 
arqueologia) porque se tratava de uma pesquisa arqueológica e não de uma “História da 
Arquitetura”, ou mesmo de uma “História Social”, isso para não citar expressões pouco 
lisonjeiras de setores mais ortodoxos. Como lembra Oliven (1980:25), ainda hoje a 
30 
 
academia tende a compartimentalizar artificialmente o conhecimento “em cátedras e 
departamentos, cujos titulares são geralmente muito ciosos de seus domínios”. Assim, 
aceita-se uma arqueologia urbana do século XIX, como é o caso deste estudo, mas que se 
utilize de técnicas clássicas envolvendo escavações, análises de fragmentos de louça, 
vidros, restos de alimentação. Aceitam-se trabalhos cuja pesquisa centre-se em prospecções 
e análises espaciais que contem apenas com vestígios de superfície, mas cuja cultura ligue-
se ao que chamei de “outro-remoto” (podem ser cidades romanas, Reduções Jesuíticas, 
etc.). Mas é difícil aceitar uma Arqueologia sem escavação da própria cidade (leia-se da 
própria cultura) em um tempo tão recente. A verdade é que existe um confronto que parece 
ser comum a toda ciência, mas que aparece mais fortemente naquelas, como é o caso da 
Arqueologia, que, por vários motivos, encontram-se, ainda, no nosso meio, em processo de 
legitimação
141
. 
 
Independentemente de estudar horticultores, grupos caçadores-coletores, ou seu 
próprio grupo, o arqueólogo trabalha sempre com a cultura material, e é a natureza material 
da evidência arqueológica que guia a perspectiva que tomamos em nossas pesquisas. Se 
diferimos em nossas estratégias, se nos colocamos problemas de pesquisa também 
diferentes, possuímos em comum um olhar que é específico da Arqueologia. E isso não 
implica em perder de vista o intercâmbio com outras áreas de conhecimento. Pelo contrário, 
é indispensável buscar na Antropologia, na História, na Filosofia, entre outras, tudo aquilo 
que possa nos servir de apoio e favorecer uma abordagem mais interpretativa, que 
ultrapasse as descrições, que seja mais que uma coleção de tipos. 
 
141
 Se isto não é verdadeiro em escala mundial (ver, por exemplo, a Carta Internacional para a Gestão do 
Patrimônio Arqueológico – ICOMOS) ou nacional (ver, por exemplo, os trabalhos de Lima:1997 ou Souza, 
1997), certamente é no nível regional ou, dito de outra forma, provincial. 
31 
 
 
Como em todas as novas áreas de pesquisa que se abrem, correm-se riscos, erra-se e 
encontram-se um sem-número de dificuldades. Mas creio que isto deve ser enfrentado, e 
vale a pena, porque nos leva a ampliar e a complexificar nosso objeto e, em última 
instância, nossa ciência. 
 
A Arqueologia Histórica, muitas vezes, tem a imensa vantagem, sobre a 
Arqueologia pré-histórica, de dispor de evidências documentais escritas. Ainda que seja 
preciso ter em mente que “os documentos históricos são limitados em número e parciais 
quanto à sua origem” (Kern, 1985:103) e, portanto, inúmeros aspectos da vida das 
sociedades passadas não são contempladas ai, essa documentação pode favorecer a 
interpretação e reconstituição do passado pela Arqueologia.. No entanto é essa vantagem 
que, muitas vezes, faz com que - aos olhos tanto do arqueólogo pré-histórico, como do 
historiador - a pesquisa em Arqueologia histórica pareça absolutamente desinteressante. 
Beaudry (1993) chamou a atenção para o fato de que muitas pesquisas neste campo acabam 
tendo uma natureza tautológica: usa-se sítios históricos para testar modelos desenvolvidos 
na pré-história ou, de outra forma, procura-se descobrir se a evidência arqueológica reflete 
o documento escrito ou vice-versa. É a forma do tratamento dado ao registro histórico pelo 
arqueólogo que irá fazer com que ele resulte em uma vantagem ou em uma desvantagem. O 
mesmo pode ser estendido às fontes iconográficas. Desta forma, vou me deter um
Página1...34567891011...50