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REVISTA DE PSICOLOGIA - ESPECIAL INVEJA, MINH APESAR DE FREQUENTEMENTE NEGADA, A INVEJA É UM SENTIMENTO QUE SURGE DESDE A INFÂNCIA E QUE DEVERÁ SER ELABORADA DURANTE A MATURAÇÃO DO INDIVÍDUO. Fernanda Nascimento* ASOCIEDADE QUE SE APRESENTA NOS DIAS ATUAIS P A R E C E SER BASEADA APENAS NO T E R , NO FAZER E NO ADQUIRIR. O SER HUMANO P A R E C E V IVER UM MOMENTO ONDE A POSSE DAS COISAS É MAIS IMPORTANTE E ESTIMULADA PERANTE A GRANDE MAIORIA DAS PESSOAS DO QUE CONQUISTAS E DESEJOS INTERNOS. MUITOS RELACIONAMENTOS PODEM FUNCIONAR NESTA BASE, ONDE A PERCEPÇÃO DO OUTRO PODE ESTAR VINCULADA AO QUE E L E PROPORCIONA EM TERMOS DE APARÊNCIA E NÁO EM SUAS VERDADEIRAS CONTRIBUIÇÕES EMOCIONAIS. Enquanto a busca por um corpo perfeito se anun- cia na caminhada de muitos, através de dietas, acade- mias e ingestão de medicamentos que prometem grandes milagres, cada vez mais a importância com as emoções e com a saúde mental vai se perdendo. A grande ironia é que o impulso para adquirir um belo corpo, uma conta bancária recheada e a posse de muitos produtos estão em algo associado aos desejos inconscientes e como se reage a eles. Ao mesmo tempo em que a sociedade aceita certos padrões, atitudes e assuntos, tende a ser hipócrita quan- do são mencionadas as malignidades comuns aos seres humanos. A maioria das pessoas tenta se ausentar de observações dessa natureza. Os indivíduos, de modo ge- ral, têm grande resistência quando a psicanálise afirma que o mal está em todos e que a hostilidade, a vingança, a tortura e a inveja pertencem ao homem. A PROSPERIDADE ALHEIA Um desses sentimentos, por exemplo, é o da inveja. A frase de Nelson Rodrigues, "Amigos verdadeiros não são aqueles que te acompanham nos momentos ruins de sua vida e sim aqueles que suportam o seu sucesso", exemplifica o quanto a inveja está ao redor e pertence quase que à rotina, muito mais do que se imagina. A proposta aqui é refletir se realmente as pessoas se incomodam com a prosperidade alheia. E caso seja afirmativo, qual seria a reação subsequente? Talvez mais interessante fosse causar movimento na própria vida ao invés de invejar o seu colega ao lado. Será possí- vel controlar esse sentimento que todos conhecem, mas que poucos admitem têlo? O que faremos então? Inte- ressante é perceber que as pessoas vivenciam a inveja e falam dela, mas utilizam outros nomes, já que a inveja é tida como sentimento repulsivo — o máximo que podem admitir é ter inveja boa, e o interessante é que esse ter- mo (inveja boa), além de ser incorreto, não existe. Portanto a fofoca, que é uma ferramenta para depreciar além de tencionar o controle ilusório do seu alvo, e o ciúme — sentimento onde se idealiza eliminar a pessoa que supostamente pode estar ameaçando o re- lacionamento — são diferentes nomes para se referir à presença da mascarada inveja. Saber que a sociedade tende a aceitar melhor a fofoca e o ciúme e condena a sua manifestação pura não evita a atuação do invejoso. Reprimir nunca é a solução. A violência das manifestações varia muito — desde uma simples tentativa de destruir o outro com palavras, cau- sando intrigas, até a destruição de fato. MELANIE KLEIN E A PRIMEIRA INVEJA Segundo Elisabeth Roudinesco, em seu Dicioná- rio de Psicanálise, Melanie Klein introduz pela primeira vez o termo inveja em 1924, atribuindo esse sentimento a desejos inconscientes de destruição ao objeto no qual há relacionamento. A primeira manifestação da inveja, já no nascimento, seria, portanto, contra o seio materno. Quando o bebé nasce, ele é expulso de um paraíso onde não sentia fome, dor, sede ou qualquer vicissitude. O aparelho psíquico dele ainda não pode perceber a exis- tência de si mesmo e muito menos de um outro. As suas primeiras relações, na grande maioria da população, são com sua mãe, que lhe oferece o seio para aplacar a fome e sanar tal desconforto. Tem-se, portanto, uma relação de total dependên- cia, na qual o bebé sobreviverá apenas se a mãe ofer- tar seu leite e carinho. Esse é o protótipo das primeiras relações, que influenciará o adulto em maior ou menor grau nas suas relações futuras. No imaginário do bebé, a mãe, conforme vai se constituindo como um ser se- parado dele, possui a totalidade das coisas. O bebé tem a fantasia de que a mãe contém a completude que ele sentia no útero e, ao mesmo tempo, ele se percebe in- completo. A corrida iniciase, o bebé quer retornar à sensação de perfeição e o alvo será o seu único objeto de relação: a mãe. O sentimento que nasce no bebé diante dessa ilusão de "tudo ou nada" é a inveja. Invejar é querer destruir o que o outro tem, de forma a acabar com a relação de dependência. Portanto, quando o bebé sente fome e a mãe não está lá no exato momento de sua fome, o seio pode ser recebido com mordidas e beliscões. Essa reação, segundo Melanie Klein, demonstra a existência da inveja primária. No ínterim entre a espera e o momento de saciar sua fome, o bebé começa a fantasiar sobre a inveja e através do seu pensamento mágico acredita que pode e está destruindo o seio (continente do tudo). A inveja primária, então, é inerente ao ser huma- no, e esses registros são arquivados no inconsciente de todos. Quando há inferência, a palavra inconsciente é uma alusão de desejos que não podem ser controlados e nem percebidos. A existência deles só podem ser obser- vados através das reações. Todavia, a todo momento em que o ser humano é colocado frente a algo ou alguém a quem acredita que possui mais do que si, a inveja pode ser acionada. Não se inveja apenas a prosperidade, mas também as capacida- des contidas no outro. Sempre se inveja o que é bom, já que se trata de uma imitação do primeiro modelo mãe/bebê. Como dito acima, não existe inveja boa, já que esse termo está sem- pre relacionado à destruição, a tentar esvaziar as capa- cidades do outro, a esgotar suas conquistas. Suportar o sucesso de alguém é estar em constante encontro com os próprios sentimentos invejosos. A grande maioria dos bebés enfrenta esse conflito, suporta a inveja e continua o seu desenvolvimento. NO ADULTO Para Melanie Klein, a sequência maturacional e emocional somente pode ser conquistada de forma satisfatória caso o bebé sustente pequenas doses de inveja sem provocar destruições, mesmo que imagi- nárias, no seio ou em outro objeto com o qual esteja se relacionando. Quando se fala em objeto, nesse tex- to, referese a uma palavra técnica em psicanálise que significa tudo, seja uma pessoa ou uma coisa que fazem parte da relação. Importante compreender é que as destruições em fantasia, e obviamente não na realidade, ainda sim são inveja. No entanto, lidar com a inveja não é algo tão sim- ples. Esse sentimento dispara a ansiedade, e se para um adulto contê-la é difícil, imaginem para um bebé que ainda não tem completa noção da realidade e se depara com um meio assustador e desconhecido. Existem mecanismos internos que defendem o su- jeito dessa ansiedade, e uma das formas encontradas pelo aparelho psíquico é expulsar esse mal angustiante de dentro e depositá-lo no meio ambiente. Quando isso ocorre, o meio externo passa a ser sentido como perse- guidor O indivíduo observa, por exemplo, um grupo de pessoas conhecidas, e sente que esse grupo está falando mal dele. Essa sensação é proveniente da inveja, mas passa a ser depositada em caráter defensivo na realida- de. Em verdade, esse grupo de pessoas não está comen- tando sobre o sujeito, mas o sentimento interno de que o meio ambiente oferece perseguição é intenso a ponto de se acreditar nessa fantasia. Nota-se que se relacionar com um indivíduo por- tador de grau considerável de inveja tornase bastante dificultoso, já que é comumente aceito buscar um círculo social de pessoas com afinidades de pensamentos e, fa- cilmente, esse sujeito pode vir a ser alvo de inveja logo que represente algo admirável. O invejoso apresentará dificuldade em usufruirdas boas coisas da vida, de amigos que possam pro- porcionar momentos agradáveis, e em sentir prazer por elas, valorizar pequenos feitos e realizações. Cabe lembrar que todas as movimentações desse sujeito estão para tentar eliminar a diferença que possa existir entre o eu e o outro. Já que não se tem posse de algo que se deseja, a tentativa será destruir, pois assim a equação se igualaria. Somente quando se percebe que a vida não é perfeita é que se pode aproveitar a realidade em si e usufruí-la, tendo gratidão pela vivência. Se o sujeito se fecha em si, afasta os outros e é incapaz de saber apro- veitar os prazeres; podese estar de frente para a inveja. Exatamente da mesma forma que o bebé tenta encontrar a sua completude e acredita que a mãe está completa, a pessoa que cria a ilusão da perfeição — de casamento, de carreira profissional, de filhos, de empreendimentos perfeitos e plenos —, está fadada a não gozar a vida. Essa forma de pensar impede os prazeres, já que essa caminhada é impossível de ser realizada. A clínica psicanalítica tem por objetivo levar o in- divíduo a se relacionar com a realidade e a aceita la. A ideia é trabalhar com o que se tem e realmente se pode. O filósofo grego Epicuro dizia que "As pessoas fe- lizes lembram o passado com gratidão, alegramse com o presente e encaram o futuro sem medo." Seu objetivo era atingir a felicidade onde para ele seria a completa ausência de don Melanie Klein, em sua obra Inveja e Gratidão, apresenta a teoria de que somente a gratidão é que pode ajudar o indivíduo a suportar a inveja. Concluise, por- tanto, que ser grato diante da realidade é sem dúvida estar mais perto da felicidade. * Fernanda Nascimento é uma professora responsável pela formação psicanalítica na Escola Paulista de Psicanálise (www.apsicanalise.com), onde administra grupos de estudos dos principais teóricos da psicanálise, como Sigmund Freud, Melanie Klein e Donald Winnicott. Também realizo atendimentos no Consultório Viva Terapias. Contato: fernandaterapias.wix.com/vivaterapias VIENTEQUA "SOMENTE QUANDO SE PERCEBE QUE A VIDA NÃO É PERFEITA É QUE SE PODE APROVEITAR A REALIDADE EM SI E USUFRUÍ-LA, TENDO GRATIDÃO PELA VIVÊNCIA." G R A N D E S T E M A S D O C O N H E C I M E N T O • f•& imSi tfici íil E S P E C I A L SEXO, AMOR & RELACIONAMENTOS § A CONSTRUÇÃO § DO VÍNCULO Q NO AMOR z Criar uma conexão com outras pessoas é a parte mais importante do desenvolvimento emocional X INFIDELIDADE, SEXO E FELICIDAD! Nas relações amorosas, quase nunca a traição é o que parece ser SOLTEIROS I POR OPÇÃO ^ Cada vez mais as pessoas u decidem não mais desenvolver] relacionamentQsamQrQSQS AMOR PATOLÓGICO O sentimento pode tornar uma obsess doentia e destrutiva
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