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Resumo - O enigma do capital

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O enigma do capital e as crises do capitalismo
David Harvey
· Preâmbulo
	David Harvey inicia o livro afrimando que este livro é sobre o fluxo do capital. E a esse fluxo, para os que vivem sob e no capitalismo, o autor atribui a aquisição do pão de cada dia, das casas, dos carros, dos celulares e de todos os bens e objetos de consumo que fazem parte da vida das sociedades integrantes desse sistema. Um fluxo que, sendo interrompido, retardado ou suspenso, tem como resultado uma crise, capaz de descontinuar um estilo de vida comum e atualmente necessário. Sendo assim, compreender o fluxo do capital, seus caminhos sinuosos e sua estranha lógica de comportamento torna-se fundamental para entendermos as condições em que vivemos. Focando nas crises sistêmicas do capitalismo, o autor discorre nesta obra sobre a diversidade geográfica das mesmas, no tocante as formas de absorção e reação em cada país ou região, que diferem de acordo com vários fatores enumerados e discutidos por ele. Se utilizando de alguns exemplos históricos, Harvey evidencia questões relevantes como o papel da natureza e do espaço na dinâmica capitalista à luz da teoria do desenvolvimento geográfico desigual, nos levando a compreender a maneira como o capitalismo é efetivado, os meios que são utilizados e as consequências socioeconômicas desse processo de acumulação.
· A crise
	No primeiro capítulo do livro, o autor desenvolve uma discussão sobre as crises sistêmicas do capitalismo relacionando‐as com a crise de 2008. Segundo Harvey, os primeiros indícios dessa crise mais recente começaram no ano 2006 em áreas de baixa renda (Cleveland e Detroit), onde as taxas de despejo repentinamente explodiram. Entretanto, foi somente quando a onda de despejos atingiu a classe média branca já em meados de 2007, que as autoridades e a imprensa começaram a se preocupar com a situação. Dois milhões de pessoas perderam suas casas, e muitas acabaram devendo mais por suas casas do que o próprio valor do imóvel. As pessoas por trás do financiamento da catástrofe das hipotecas – o sistema bancário – pareciam não se abalar com essa situação crítica, pelo contrário, em janeiro de 2008 os bônus em Wall Street somavam apenas uma fração menor do total do ano anterior. As perdas dos que estão na base da pirâmide social quase se igualaram aos extraordinários ganhos dos financistas na parte superior.
	No outono de 2008, no entanto, a “crise das hipotecas subprime”, como veio a
ser chamada, levou ao desmantelamento de todos os grandes bancos de investimento
de Wall Street, com mudanças de estatuto, fusões forçadas ou falências. Os mercados globais de crédito congelaram, assim como a maioria dos empréstimos no mundo. O resto do mundo, até então relativamente imune (à exceção do Reino), foi arrastado precipitadamente para a lama, gerada em particular pelo colapso financeiro dos EUA. Investidores no mundo todo, como fundos de pensão, pequenos bancos regionais europeus e governos municipais da Noruega à Flórida, que haviam sido atraídos para investir em carteiras de hipoteca com “muita garantia de retorno”, terminaram segurando pedaços de papel sem valor e incapazes de cumprir suas obrigações ou
pagar seus empregados. Para piorar, gigantes dos seguros como a AIG, tiveram de ser socorridos por causa das grandes dificuldades que enfrentavam. Instituições financeiras consideradas “grandes demais para falir” foram socorridas pelo governo para restaurar a confiança no sistema financeiro. Mas o mercado de crédito permaneceu congelado. Um mundo que antes parecia estar “inundado com excesso de liquidez” (como o FMI frequentemente relatou) de repente se viu sem dinheiro e inundado por casas, escritórios e shopping centers em excesso, além de ainda mais capacidade produtiva e trabalho excedentes. A economia britânica estava igualmente com sérias dificuldades, e a União Europeia foi abalada, mesmo com níveis desiguais. A Islândia, por exemplo, cujos bancos tinham especulado nesses mercados financeiros, ficou totalmente falida. Em 2009, o Banco Mundial previa o primeiro ano de crescimento negativo da economia mundial desde 1945.
	Esta foi, sem dúvida, a mãe de todas as crises. No entanto, também deve ser vista como o auge de um padrão de crises financeiras que se tornaram mais frequentes
e mais profundas ao longo dos anos, desde a última grande crise do capitalismo nos anos 1970 e início dos anos 1980. Houve centenas de crises financeiras ao redor do mundo desde 1973, em comparação com as muito poucas entre 1945 e 1973, e várias destas foram baseadas em questões de propriedade ou desenvolvimento urbano – Harvey cita como exemplos: Leste e Sudeste Asiático (1997); Japão (1980); Argentina (2001); entre outras. O autor afirma que crises associadas a problemas nos mercados imobiliários tendem a ser mais duradouras do que as crises curtas e agudas que, as vezes, abalam os mercados de ações e os bancos diretamente. Isso porque, como veremos, os investimentos no espaco construído são em geral baseados em créditos de alto risco e de retorno demorado.
	Frente a esta situação, como devemos interpretar a crise atual? Será que a crise sinaliza o fim do neoliberalismo? A resposta para Harvey depende do que entendamos por neoliberalismo. Para o autor o neoliberalismo é um projeto de classe mascarado por um discurso retórico sobre liberdade individual, autonomia, responsabilidade pessoal, e livre‐mercado, que legitimam políticas draconianas destinadas a restaurar e consolidar o poder da classe capitalista. Um exemplo desta situação foi o princípio de que o Estado deve proteger as instituições financeiras a todo custo, privatizando os lucros e socializando os riscos, salvando os bancos e colocando os sacrifícios nas pessoas. Esse princípio, que bateu de frente com o não intervencionismo que a teoria neoliberal prescreveu, surgiu em respota à crise fiscal da cidade de Nova York de meados da década de 1970. As políticas atuais seguem a mesma linha já que propõem sair da crise com uma maior consolidação e centralização do poder da classe capitalista. Para Harvey o caminho a ser escolhido hoje definirá o caráter da próxima evolução do capitalismo, a possibilidade de sairmos da crise de uma maneira diferente depende muito do equilíbrio das forças de classe. Nos Estados Unidos, por exemplo, a renda familiar desde a década de 1970 tem em geral estagnado em meio a uma imensa acumulação de riqueza por interesses da classe capitalista. 
	Em relação a essa repressão salarial, de acordo com o autor, os últimos 30 anos de repressão salarial tem sido de grande utilidade para superar um obstáculo que foi imposto ao contínuo acúmulo de capital e a consolidação do poder de classe capitalista na década de 1960: o trabalho. O trabalho era bem organizado, razoavelmente bem pago e tinha influência política. No entanto, o capital precisava de acesso a fontes de trabalho mais baratas e mais dóceis, precisava acabar com o trabalho organizado e ir para onde tem excedente de trabalho. Houve uma série de maneiras para fazer isso. Uma delas foi estimular a imigração. Outra forma foi buscar tecnologias que economizassem trabalho, como a robotização na indústria automobilística, o que criou desemprego. Além disso, havia líderes como Ronald Reagan, Margaret Thatcher e Augusto Pinochet que faziam de tudo para acabar com o trabalho organizado e criar uma espécie de “exército industrial de reserva” que minaria o poder do trabalho e permitiria aos capitalistas obter lucros fáceis para sempre – aumento do desemprego em nome do controle da inflação que resulta na estagnação dos salários (mesmo período de encarceramento dos pobres). Nessa época, o capital também teve a opção de ir para onde o trabalho excedente estava por meio da expatriação da produção, se aproveitando de mão de obra barata e regulamentações ambientais frouxas. É desse período também a incorporação de mão de obra feminina de maneira precária e muitas vezes ilegal.
	A disponibilidade do trabalho não é mais um problema para o capital, e não tem sido pelos últimos25 anos. Entretanto, um obstáculo para a acumulação de capital é superado em detrimento da criação de outro: a falta de mercado gerada pela persistente repressão salarial. A solução a esse problema foi o crescimento da indústria dos cartões de crédito, permitindo o aumento do endividamento e do capital financeiro fictício. As instituições financeiras, inundadas com crédito, começaram a financiar a dívida de pessoas que não tinham renda constante, para que as mesmas comprassem os imóveis construídos com o financiamento das mesmas instituições. Ou seja, as instituições financeiras controlavam coletivamente tanto a oferta quanto a demanda por habitação. A mesma história ocorreu com todas as formas de crédito ao consumo para todos os produtos, desde automóveis e cortadores de grama.
	Havia ainda outra maneira de resolver o problema da demanda: a exportação do capital e o cultivo de novos mercados ao redor do mundo. Essa solução, tão antiga quanto o próprio capitalismo, foi perseguida com mais determinação a partir dos anos 1970. É desse período o empréstimo de fortunas para países em desenvolvimento que depois tiveram dificuldades para quitar suas dívidas, o que teve como consequência o revigoramento do Fundo Monetário Internacional (FMI), que funcionaria como um disciplinador global para assegurar aos bancos que teriam seu dinheiro de volta. 	Mas para que tudo isso fosse realmente eficaz, era preciso construir um sistema globalmente interligado de mercados financeiros. Sendo assim, houve uma diminuição das barreiras técnicas e logísticas ao fluxo de capital global que facilitaram o fluxo de capital‐dinheiro líquido através de uma rede gigante. 
	O sucesso da política de repressão salarial depois de 1980 permitiu que os ricos ficassem muito ricos e buscassem novas formas de invesimento e a maioria deles optou pelas ações. Os ricos apostaram alto em todo tipo de ativos, incluindo ações, propriedades, recursos, petróleo e outras mercadorias futuras, bem como o mercado de arte. Surgiram também novos mercados estranhos como o mercado de futuros – que vai desde comércio de direitos de poluição até apostas sobre o tempo – assim como uma tendência generalizada de investimento em ativos e em contratos de seguro dos ativos. Trata-se de um período onde os negócios não são regulamentados e, muitas vezes, são informais, permitindo todos os tipos de inovação financeira e práticas nebulosas.
	Outro problema fundamental subjacente é o que o autor denomina “problema de absorção de excedente de capital”. Os capitalistas estão sempre produzindo excedentes na forma de lucro. Eles são forçados pela concorrência a recapitalizar e investir uma parte desse excedente em expansão, o que exige que novas saídas lucrativas sejam encontradas visto que há uma massa crescente de dinheiro à procurade algo rentável para colocar-se. Nos últimos anos, cada vez menos capital excedente tem sido absorvido pela produção devido às baixas margens de lucro – ainda que os salários fossem baixos, a alta competitividade fez com que esse tipo de investimento passasse a dar menos lucro. Numa tentativa de encontrar mais lugares para colocar excedente capital, uma vasta onda de privatizações varreu o mundo, tendo sido realizada sob a alegação dogmática de que as empresas estatais são ineficientes. Esse foi o momento em que a financeirização[footnoteRef:1] da tendência de crise do capitalismo começou de fato. [1: Financeirização diz respeito à tendência de longo prazo a uma crescente intermediação financeira dos (também crescentes) volumes de poupança, sobretudo das famílias. Num sentido teórico mais preciso, é o patamar atingido pela dominância financeira no capitalismo contemporâneo (desde fins dos anos 60 nos EUA, mais recentemente nos demais países desenvolvidos) que expressa as formas de definir, gerir e realizar a riqueza nas quais a função financeira das firmas, incluindo as firmas não-financeiras, se torna predominante.] 
	A virada para a financeirização desde 1973 surgiu como uma necessidade, oferecendo uma forma de lidar com o problema da absorção do excedente advinda do aumento do endividamento em relação ao capital. Quando os devedores pagaram de pagar o que deviam para os bancos, estes começaram (1990) a conceder empréstimos uns aos outros, tornando o setor bancário o mais endividado da economia. Mas quando um par de bancos começou a ter problemas, a confiança entre os bancos erodiu e a liquidez fictícia sobre dívidas desapareceu. O desendividamento começou, o que provocou perdas maciças e desvalorizações do capital dos bancos. As políticas governamentais passaram então a prestar “socorro nacional” voltados para os bancos e a classe dominante.
	Segundo o autor, nos últimos 30 anos, viu‐se uma reconfiguração dramática da geografia da produção e da localização do poder político‐econômico. Ocorreram mudanças globais na capacidade de produção acompanhadas por inovações tecnológicas altamente competitivas que contribuiram ainda mais para disciplinar o trabalho global. Após a Guerra Fria, os EUA assumiram a posição de poder hegemônico dentro do mundo não comunista e lideraram uma aliança global para manter a maior parte possível do mundo aberta para absorver o excedente do capital. Depois de utilizar-se de inúmeras estratégias para manter a sua dominância, a crise do setor financeiro dos EUA em 2008 e 2009 comprometeu sua hegemonia, significando uma mudança sem precedentes na riqueza relativa e no poder econômico de maneira geral. A crise se propagou em cascata de uma esfera para outra e de uma localização geográfica para outra, com toda sorte de rebotes e respostas.
	Atualmente, o próprio EUA têm pedido empréstimo para outros países, como a China, e a ideia formulada por Keynes de criar uma moeda global foi retomada, o que enfraquece os EUA. Prognósticos recentes indicam que até 2025 o EUA não será mais o operador dominante do mundo dos negócios, prevendo um mundo menos centralizado – indo ao encontro ao que foi afirmado por Arrighi “períodos de financeirização precedem uma mudança de hegemonia”. Segundo Harvey, para entender por que o capitalismo gera periodicamente essas crises, não servem as teorias e ortodoxias econômicas que não conseguiram prever a crise e que infelizmente, continuam desinformando o debate e dominando o pensamento e a ação política.
· O capital reunido
	“Como podemos entender melhor a propensão a crises do capitalismo e por quais meios podíamos identificar uma alternativa? Essas são as questões que animam a análise que segue”. Harvey afirma que, para responder esse questionamento, é necessário antes identificar as condições necessárias para a acumulação capitalista. O autor propõe examinar as possíveis barreiras ao crescimento do capital e as maneiras pelas quais foram superadas no passado, antes de mostrar os bloqueios da situação presente.
	Harvey apela para que entendamos o capital como processo, não como coisa: consiste no fluxo de dinheiro que busca gerar mais dinheiro. Os capitalistas – que põe em movimento esse processo – assumem diversas identidades. Os financistas emprestam em troca de juros, os comerciantes compram barato e vendem caro, os proprietários cobram aluguéis etc. Até o Estado pode atuar como capitalista, por exemplo quando usa as receitas fiscais para investir em infraestruturas que estimulem o crescimento e gerem mais receitas em impostos. A forma de circulação do capital dominante desde o séc. XVIII é a do capital industrial ou de produção, onde o capitalista compra as quantidades necessárias de força de trabalho e meios de produção (maquinário, matérias-primas, energia, instalações etc.) visando produzir uma mercadoria, a ser vendida, com lucro, pelo capitalista. O capitalista, então, (re)investe parte dos lucros e recomeça o processo em escala expandida, visando maior lucratividade.
	A continuidade do fluxo de capital é muito importante para o sistema, e sua interrupção não se dá sem perdas generalizadas. O que se tem é um incentivo para acelerar a velocidade da circulação, visando maioreslucros. Harvey lembra o impacto dos atentados de 11 de Setembro na circulação global do capital, decorrentes do fechamento das bolsas em Nova York, para exemplificar a gravidade das interrupções temporárias – na ocasião o então presidente George W. Bush exortou aos cidadãos que fossem as compras e continuassem a fazer voos domésticos.
	Harvey atenta que a circulação do capital implica também um movimento espacial. O dinheiro é depositado em Baltimore e emprestado para um empresário industrial investir na Dongguan, China. Os meios de produção têm de ser trazidos de mais um lugar para produzir uma mercadoria que tem que ser levada a um mercado em outro lugar. “Ao longo da história do capitalismo tem havido uma tendência para a redução geral das barreiras espaciais e a aceleração. As configurações do espaço e do tempo da vida social são periodicamente revolucionadas (lembre-se do que aconteceu com a chegada das ferrovias no séc. XIX e do impacto atual da web). O movimento torna-se ainda mais rápido e as relações cada vez mais estreitas”.
	Por que os capitalistas reinvestem o capital na expansão, em vez de consumir o lucro em prazeres? Isso se dá pelo papel das “leis coercitivas da concorrência” - para o capitalista, reinvestir na expansão é proteger sua participação no mercado, é uma condição sine qua non da atividade. Segundo Harvey, a segunda grande motivação para o reinvestimento consiste no fato que o dinheiro é um poder social que pode ser apropriado por particulares. 
	A partir dos anos 1980, houve uma tendência global de afrouxamento das medidas que visavam reduzir as concentrações excessivas de riqueza – tributação progressiva, imposto sobre heranças etc. – acirrando vertiginosamente a concentração de riqueza. “Na ausência de quaisquer limites ou barreiras, a necessidade de reinvestir a fim de continuar a ser um capitalista impulsiona o capitalismo a se expandir a uma taxa composta. Isso cria uma necessidade permanente de encontrar novos campos de atividades para absorver o capital reinvestido”. 
	“Existem outros potenciais obstáculos à circulação do capital, que, se se tornarem intransponíveis, podem produzir uma crise (definida como uma condição em que os excedentes de produção e reinvestimento estão bloqueados). O crescimento, em seguida, para e parece haver um excesso ou superacumulação de capital em relação às possibilidades de uso desse capital de forma lucrativa Se o crescimento não recomeça, então o capital superacumulado se desvaloriza ou é destruído (…) capital desvalorizado pode existir em muitas formas: fábricas desertas e abandonadas; áreas de escritório e varejo vazias; mercadorias excedentes que não podem ser vendidas; dinheiro que fica ocioso sem ganhar nenhuma taxa de retorno; declínio dos valores de ativos e ações, terras, propriedades, objetos de arte etc.”. 
	Tanto Marx quanto Schumpeter, e os continuadores das respectivas escolas de pensamento, observaram as qualidades “criativo-destrutivas” do capitalismo, sendo que os primeiros sublinharam seu caráter autodestrutivo, enquanto os segundos saudaram a gigantesca criatividade e capacidade de renovação do sistema, tratando a destrutividade como uma equação normal dos negócios. Fato é que, passados duzentos anos de acumulação capitalista, as diversas crises econômicas não destruíram o sistema, pelo contrário, evidenciaram sua capacidade de renovação e (re)organização. As crises capitalistas se apresentam mais como novas possibilidades de investimento e lucro do que como sintomas de decadência. 
	“O exame de fluxo do capital por meio da produção revela seis barreiras potenciais à acumulação, que devem ser negociadas para o capital ser reproduzido: i) capital inicial sob a forma de dinheiro insuficiente; ii) escassez de oferta de trabalho ou dificuldades políticas com esta; iii) meios de produção inadequados, incluindo os chamados 'limites naturais'; iv) tecnologias e formas organizacionais inadequadas; v) resistências ou ineficiências no processo de trabalho; e vi) falta de demanda fundamentada em dinheiro para pagar no mercado. Um bloqueio em qualquer um desses pontos interrompe a continuidade do fluxo de capital e, se prolongando, acaba produzindo uma crise de desvalorização.” 
____________________
	A acumulação original do capital no fim da época medieval na Europa se fundamentou em violência e saque. Por meio desses “expedientes extra-legais” reuniu-se o “poder de dinheiro” inicial suficiente para começar a circular o dinheiro de forma sistemática sob a forma de capital. O produto dos saques assumiu uma variedade de outras formas, como o capital agrário, comerciante, fundiário e, por vezes, mercantilista de Estado – ouro demais para bens de menos; somente com o emprego do trabalho assalariado que surgiram as bases para o crescimento composto, em 1750. A burguesia progressivamente em ascensão usou de sua influência para conquistar poder político nas instituições estatais (militares, jurídicas, administrativas etc.). Com a conquista do poder político a burguesia adotou os meios, legalmente sancionados, para destruir as formas pré-capitalistas de providência social, tanto dentro do Estado – loteamento de terras comuns, monetarização dos aluguéis na Grã-Bretanha etc. – quanto no exterior, por meio do imperialismo/colonialismo – imposição de impostos sobre a terra na Índia. A partir disso, surgiu uma ligação estreita entre o Estado e as finanças. 
	“No coração do sistema de crédito está um conjunto de acordos que constitui o que chamo de 'nexo Estado-finanças'. Isso descreve a confluência do poder estatal e das finanças que rejeita a tendência analítica de ver o Estado e o capital como claramente separáveis um do outro. Isso não significa que o Estado e o capital tenham constituído no passado ou agora uma identidade, mas que existem estruturas de governança (como o poder sobre a confecção da moeda real no passado e os bancos centrais e ministérios do Tesouro hoje) nas quais a gestão do Estado para a criação do capital e dos fluxos monetários torna-se parte integrante, e não separável, da circulação do capital”. Ainda hoje é parte integrante da dinâmica de acumulação capitalista a chamada “acumulação por despossessão”, tanto por meios legais (privatização de recursos públicos, permissão para fusões etc.), quanto ilegais (violência, fraudes etc.). Harvey em seguida apresenta alguns agentes capitalistas – sociedades limitadas, gerentes, diretores etc. – e descreve suas práticas referentes à acumulação de capital, demonstrando a magnitude de seus empreendimentos (túnel da Mancha, por exemplo). Redes geográficas também devem ser construídas para facilitar os fluxos de capital financeiro global conectando as zonas de excedente de capital com as regiões de escassez de capital. Segundo Harvey, “o principal objetivo é superar qualquer obstrução potencial à livre circulação de capitais em todo o mercado mundial (…) demasia de capital excedente na Grã-Bretanha no fim do século XIX? Então, envie-o para os Estados Unidos, a Argentina ou a África do Sul, onde pode ser usado com rentabilidade. Capital excedente em Taiwan? Então, envie-o para criar fábricas que exploram trabalhadores na China ou no Vietnã. Excedentes de capital nos Estados do Golfo em 1970? Então, envie-os para o México por meio dos bancos de investimentos de Nova York”. 
	Harvey aponta duas importantes ideias para serem discutidas sobre o papel do nexo Estado-finanças. A primeira é que ele extrai juros e impostos em troca de seus serviços. Além disso, sua posição de poder em relação à circulação do capital lhe permite extrair rendas de monopólio de quem precisa de seus serviços. 
	Segundo Harvey, a centralização do poder do dinheiro por meio do sistema de crédito tem todos os tipos de implicações para o desenvolvimento do sistema capitalista, dando um poder imenso aos financistas em relação aos outros agentes (outros capitalistas, produtores, consumidores etc.) e criando risco de monopólios. A circulação do capital é inerentemente especulativa, no sentido de que envolve riscode retorno negativo. Há uma importante psicologia dos investidores que não pode ser ignorada, como também não se pode ignorar o estado de confiança na integridade do sistema financeiro. 
	Crises financeiras e monetárias têm sido características de longa data da geografia histórica do capitalismo. Harvey afirma que dos anos 70 para cá as crises têm aumentado consideravelmente. O nexo estado-finanças funciona há muito como “sistema nervoso central” da acumulação do capital. Harvey afirma que essa relação é coberta de mistérios, contendo características feudais. “Cada Estado tem uma forma particular do nexo Estado-finanças. As variações geográficas nos arranjos institucionais são consideráveis, e os mecanismos de coordenação interestatais, como o Banco de Compensações Internacionais na Basileia e o Fundo Monetário Internacional, têm também um papel importante”. “Amplas lutas políticas acontecem, no entanto, sobre e em torno do nexo Estado-finanças. Com frequência mais populistas do que classistas, esses protestos geralmente se concentram em ações dessa facção da classe que controla o nexo Estado-finanças”. “As forças sociais envolvidas na forma como o nexo Estado-finanças funciona – e nenhum Estado é exatamente como qualquer outro – diferem, portanto, um pouco da luta de classes entre capital e trabalho geralmente privilegiada na teoria marxista. Não pretendo sugerir por isso que as lutas políticas contra as altas finanças não são do interesse do movimento sindical, porque é claro que são. Mas há muitas questões, incluindo impostos, tarifas, subsídios e políticas de regulação tanto internas quanto externas, em que o capital industrial e o trabalho organizado em determinados contextos geográficos será um aliado em vez de um opositor”.
· O capital vai ao trabalho
	O capital vai ao trabalho, capítulo três, se adentra nas estratégias que o capital se utiliza para ter disponíveis permanentemente reservas de acesso ao trabalho, resgatando o que Marx chama de “exército industrial de reserva”, como condição necessária para a reprodução do capital. Além da disponibilidade desse exército, a força de trabalho deve ser flexível, dócil, disciplinada e qualificada quando for preciso. Se essas condições não forem satisfeitas, então o capital enfrenta um sério obstáculo à acumulação contínua. Neste caso, impossibilitar o acesso da massa aos meios de produção e, particularmente, à terra, libera a força de trabalho como uma mercadoria a mais. A ideia de “acumulação primitiva” coloca a população numa posição na qual tem que trabalhar para o capital sobreviver, um exemplo são os dois bilhões de trabalhadores assalariados chineses incorporados à força de trabalho global. As mulheres também foram mobilizadas para passar a formar parte desta força de trabalho global, assim como as populações camponesas em todo mundo. Em muitos aspectos, a mobilização dessas reservas é preferível ao aumento do desemprego por demissões e mudança tecnológica, que pode ser politicamente problemática e economicamente cara se o Estado for responsável pela assistência ao desemprego.
	No campo do trabalho, as ações do Estado servem para controlar a força de trabalho atuando em questões como imigração e politicas trabalhistas, assim como, em questões que afetam a qualidade da oferta de trabalho. O Estado se encarga de fornecer infraestruturas sociais como educação, formação e saúde que em suma são medidas politicas destinadas a manter o exército de reserva através da provisão de bem‐estar social. Desse modo, os capitalistas podem administrar e contornar os limites potenciais da oferta de trabalho de várias maneiras, mesmo em contextos locais, a curto ou longo prazo – a exemplo da diminuição radical da mortalidade infantil na China nos anos de Mao Tsé-Tung que gerou uma enorme força de trabalho jovem nos anos 1980.
	As diferenças de gênero, raça, etnia, politicas, de orientação sexual e religiosa, tornam-se ferramentas que os capitalistas utilizam para administrar a oferta de trabalho, colocando trabalhadores individuais em concorrência uns com os outros para os postos de trabalho oferecidos. A história da acumulação primitiva implicou a produção de títulos de superioridade “natural” e, portanto, baseadas na biologia, que legitimou as formas de poder hierárquico e de classe, levando a imposição da exclusão no mercado de trabalho. 
	A partir de meados da década de 1960, as inovações tecnológicas dos meios de transporte permitiram aos capitalistas deslocar a produção para lugares com pouca organização sindical ou em áreas com salários baixos. As deslocalizações da atividade industrial transformam o funcionamento dos mercados de trabalho, tornando‐se a mobilidade geográfica do trabalho, do capital, ou ambos, fundamentais na regulação dos mercados locais. Por outro lado o desenvolvimento geográfico das lutas sindicais é desigual. A militância, o grau de organização e o nível de aspiração dentro de movimentos trabalhistas localizados variam claramente de lugar para lugar e de tempo em tempo, de tal forma que as barreiras potenciais à acumulação contínua do capital podem proliferar aqui e desaparecer acolá.
	Mas, dentro desse mar de luta, geralmente há locais calmos suficientes onde o capital pode dominar com relativa facilidade e assegurar que a oferta de força de trabalho seja adequada a seus fins. Harvey afirma que, desde 1980, a combinação de repressões políticas, as alterações tecnológicas, a elevada capacidade de mobilidade dos capitais e a enorme onda de acumulação primitiva nas zonas anteriormente periféricas têm resolvido efetivamente o problema da provisão de trabalho para o capital. Embora restrições locais existam aqui e ali, a disponibilidade de reservas de trabalho maciças em todo o mundo é inegável, e pesa sobre os níveis da luta de classes, com uma vantagem poderosa para o capital.
	No final de 2009, momento em que o autor escrevia o livro, não era possível enxergar sinais de um “esmagamento dos lucros”, visto que havia reservas de trabalho em toda parte, poucas barreiras geográficas ao acesso capitalista e os movimentos da classe trabalhadora reduziram-se a níveis muito modestos em quase toda parte. A relação capital-trabalho sempre tem um papel central na dinâmica do capitalismo e pode estar na origem das crises, mas hoje em dia o principal problema reside no fato de o capital ser muito poderoso e o trabalho muito fraco, não o contrário.
	Quando os capitalistas reinvestem, precisam encontrar meios adicionais de produção disponíveis no mercado. A conversão de uma parte do lucro de ontem em capital novo depende, portanto, da disponibilidade de uma quantidade cada vez maior dos meios de produção, bem como de uma quantidade crescente de bens básicos para o sustento dos trabalhadores adicionais a serem empregados. O problema é organizar o fornecimento de insumos materiais, de modo a sustentar a continuidade do fluxo de capital. A continuidade do fluxo do capital em um mundo com uma divisão social do trabalho cada vez mais complicada repousa sobre a existência de arranjos institucionais adequados que facilitem a continuidade desse fluxo pelo espaço e pelo tempo. Sempre que esses arranjos são defeituosos ou inexistentes, o capital se depara com sérios entraves. Ainda assim, segundo Harvey, as crises são não apenas inevitáveis, mas também necessárias, pois são a única maneira em que o equilíbrio pode ser restaurado e as contradições internas da acumulação do capital, pelo menos temporariamente, resolvidas. As crises são, por assim dizer, os racionalizadores irracionais de um capitalismo sempre instável.
	Na base da longa cadeia da oferta que traz os meios de produção para o capitalista, esconde-se um problema mais profundo de limites naturais em potencial. O capitalismo, como qualquer outro modo de produção, baseia-se no usufruto da natureza. Aqui, também, é provável que o capitalismo encontre limites e barreiras que se tornarão cada vez mais difíceis de contornar. Diversos autores trataram do tema da escassez da natureza, tal como o economistaThomas Malthus, que afirmava que o conflito entre o crescimento populacional e os limites naturais acaba por produzir, obrigatoriamente, crises de fome, pobreza, peste e guerra. Marx, por sua vez, refuta essa teoria afirmando que o capitalismo gera pobreza em virtude de suas relações de classe e sua necessidade imperiosa de manter um excedente de trabalho empobrecido para a exploração futura.
	Nos anos 1970, explicações ambientais para a crise foram resgatadas. O mesmo ocorreu em 2006, quando uma vasta gama de questões em torno do meio ambiente foi utilizada para explicar os novos tempos de turbulência econômica, variando do pico do petróleo ao aquecimento global. No entanto, a categoria “natureza” é tão ampla e complexa que se torna difícil chegar a qualquer explicação abrangente do papel desempenhado pela escassez da natureza na formação da crise. Harvey, nesse momento, aponta como as preferências culturais ocidentais apresentam fortes implicações e impactos ambientais, isentando o capitalismo de culpa. Entretanto, o autor aponta também como o capitalismo pode promover e se aproveitar desses hábitos culturais para obter lucro. Por exemplo, o comércio e o lucro em casos de catástrofes humanas induzidas por eventos naturais são uma característica do capitalismo muito frequente e merecem nossa atenção. Muitas políticas capitalistas, especialmente hoje em dia, consistem em assegurar que os dons gratuitos da natureza estejam tanto disponíveis para o capital de modo fácil quanto garantidos para o uso futuro – a exemplo da manutenção do fluxo crescente de petróleo barato. De todo modo, Harvey indica que pode haver uma crise iminente na nossa relação com a natureza que exigirá adaptações generalizadas (cultural e social, bem como técnica), se for para contornar com sucesso essa barreira pelo menos por um tempo, no âmbito da acumulação de capital sem fim. Mas neste momento temos igualmente de reconhecer que a fertilidade ou a produtividade dos recursos não é por inteiro dependente da natureza, mas também dos investimentos em tecnologias e aperfeiçoamentos que elevam a produtividade dos recursos originais a novos níveis. A fertilidade da terra, por exemplo, é tanto fabricada quanto dada pela natureza. 	
	O que está claro sobre tudo isso é que a relação com a natureza tem duas vias em que os caprichos e contingências das mudanças evolutivas que ocorrem naturalmente são correspondidos pelos caprichos e contingências das situações sociais, econômicas e políticas que definem tanto o significado quanto a relação com a natureza. Barreiras à acumulação se dissolvem perpetuamente e se reformam em torno da questão da chamada escassez natural e, às vezes, como Marx salientou, essas barreiras podem ser transformadas em contradições e crises absolutas.
	O ambiente construído, que constitui um vasto campo de meios coletivos de produção e consumo, absorve enormes quantidades de capital tanto na construção quanto na manutenção. A urbanização é uma forma de absorver o excedente de capital. Mas os projetos desse tipo não podem ser mobilizados sem reunir um enorme poder financeiro. E o capital investido nesses projetos deve estar preparado para esperar por retornos a longo prazo. Isso implica ou o envolvimento do Estado ou um sistema financeiro robusto o suficiente para reunir o capital e implementá-lo com os efeitos desejados a longo prazo e esperar pacientemente pelo retorno. Isso tem significado geralmente inovações radicais no nexo Estado-finanças.
	A vasta infraestrutura que constitui o ambiente construído é um pressuposto material necessário para a produção capitalista, a circulação e a acumulação avançarem. Essa infraestrutura exige cada vez mais uma manutenção constante e adequada para mantê-la em bom funcionamento – instalações portuárias; fornecimento de água e energia; rodovias etc. além de escolas; hospitais; mercados; entre outros que mantêm a força de trabalho. A produção de espaços e lugares absorveu, ao longo do tempo, grandes quantidades de excedentes de capital. Novas paisagens e novas geografias foram criadas dentro das quais o capital circula em formas que são frequentemente assombradas por profundas contradições.
	As relações entre capital e trabalho assim como entre capital e natureza são mediadas pela escolha de tecnologias e formas organizacionais, os capitalistas tem procurando soluções tecnológicas e organizacionais para aumentar a taxa de lucro incentivando permanentemente o dinamismo organizacional e tecnológico. De acordo com Marx, e reafirmado por Harvey, a indústria moderna nunca vê ou trata a forma existente de um processo de produção como definitiva. Sua base técnica é, portanto, revolucionária, enquanto todos os modos de produção anteriores eram essencialmente conservadores.
	Desde a época de Marx, a elaboração de novas linhas e nichos de produtos tem sido um salva-vidas para o desenvolvimento capitalista, ao mesmo tempo que tem transformado a vida diária, até mesmo das populações de baixa renda dos chamados países em desenvolvimento (como demonstra a rápida proliferação de rádios e telefones celulares em todo o mundo em poucas décadas). A inovação e o desenvolvimento de produtos, como todas as outras coisas, tem se tornado um grande negócio, aplicável não só para a melhoria dos produtos existentes (como automóveis), mas também de setores da indústria inteiramente novos (como computadores e eletrônicos, produtos farmacêuticos, cuidados de saúde, etc.).
	Contudo, entre todas as implicações desse dinamismo tecnológico e organizacional, duas valem ser destacadas a fim de elucidar a trajetória evolutiva do capitalismo. Embora ambos sejam de longa data, têm também se tornado mais e mais salientes desde a Segunda Guerra Mundial, até o ponto em que surgiram como dominantes a partir dos anos 1970.
	Em primeiro, trata-se da maneira como as formas tecnológicas e organizacionais tornam-se, por assim dizer, paradigmáticas por um tempo, até se esgotarem suas possibilidades, apenas para serem substituídas por outra coisa. Quanto mais excedente há ao redor, mais há uma corrida frenética por novas tecnologias, formando uma enorme onda especulativa. É possível olhar para trás e definir “eras” do desenvolvimento capitalista, que correspondem aproximadamente às ferrovias, navios a vapor, indústria do carvão e do aço e telégrafo; ao automóvel, petróleo, indústrias de borracha e plásticos e rádio; ao motor a jato, geladeiras, condicionadores de ar, indústrias de metais leves (alumínio) e TV; e ao chip de computador e a nova indústria eletrônica, que sustentou a “nova economia” da década de 1990. No palpite do autor, as novas bolhas especulativas estimuladas pela inovação serão a engenharia biomédica e genética, junto com as chamadas tecnologias “verdes”, apoiadas por grandes organizações filantrópicas que substituíram em parte o Estado no financiamento das pesquisas. Em segundo, devem ser consideradas as implicações revolucionárias das mudanças tecnológicas e organizacional para a sociedade em geral, onde a classe dominante se mantem porém não necessariamente com as mesmas pessoas, ou seja, a classe capitalista passa de revolução em revolução. O importante disso tudo é entender que as inovações tecnológicas e organizacionais apresentam pros e contras, por um lado desestabilizam e por outro abrem novos caminhos, formas dominantes são substituídas por outras, desestabilizando o sistema de forma geral.
	Harvey termina este capítulo afirmando que o trabalho é fundamental para todas as formas de vida humana, porque os elementos da natureza têm de ser convertidos em produtos de utilidade para os seres humanos. Desse modo, Harvey elogia a sacada de Marx ao dizer que o trabalhador é quem detém o poder real dentro do processo de trabalho, mesmo que pareça que o capitalista tem todos os direitos legais e detém a maioria das cartas políticas e institucionais. No processo de trabalho, no entanto, o capitalista é basicamente dependente do trabalhador. O trabalhador pode, portanto, simplesmente se recusar a trabalhar eparar a produção. Isto é um ponto de bloqueio potencial no qual o trabalhador tem poder para impor limites e regular as relações sociais no local de trabalho. As lutas sociais definem um ponto de bloqueio potencial para a acumulação sempre presente, que o capital precisa contornar permanentemente para sobreviver. Uma das táticas capitalistas utilizadas para enfraquecer e fragmentar a força de trabalho é aproveitar-se das diferenças sociais arraigadas na sociedade para definir as hierarquias na divisão do trabalho.
· O capital vai ao mercado
	No quarto capitulo, O capital vai ao mercado, o autor faz uma discussão sobre como a falta de demanda efetiva supõe um obstáculo para o capitalismo, entendendo a demanda efetiva como necessidades, vontades e desejos, apoiados pela capacidade de pagar. Quando não há suficiente demanda efetiva para absorver os produtos, aparecem as denominadas crises de subconsumo. A solução a este problema se encontra no reinvestimento capitalista, de forma que o que aparece como uma crise de subconsumo se torna um problema para encontrar novas oportunidades de reinvestimento de uma parte do excedente produzido. As condições para que esse reinvestimento aconteça são em primeiro lugar colocar os lucros de novo em circulação como novo capital, depois a existência de um sistema de credito que permita superar o intervalo de tempo entre o reinvestimento de hoje e a produção de ontem, e por ultimo, que o credito recebido, seja gasto na compra de bens e meios de produção que já foram produzidos.
	O reinvestimento capitalista é utilizado como argumento para apoiar a concentração de riqueza, segundo o qual as classes superiores podem usar sua riqueza para reinvestir, criar empregos e riqueza. Este argumento não leva em conta que os capitalistas tem a possibilidade de escolher sobre aquilo no que vão reinvestir, de forma que não necessariamente esse reinvestimento pode dar como resultado o fortalecimento da demanda efetiva. Outro problema decorre do fato de que a acumulação pode se tornar altamente especulativa já que se baseia na crença de que a expansão futura não vai encontrar barreiras, isso significa que antecipações e expectativas são fundamentais para a circulação do capital, de forma que qualquer queda nas expectativas de especulação gerará uma crise. A confiança no sistema é, portanto, um elemento muito importante na circulação do capital.
	O problema na queda dos lucros e as desvalorizações por falta de demanda efetiva podem ser solucionados por um tempo através do sistema de credito, mas no longo prazo os riscos se acumulam. O grande problema agora não é a falta de demanda efetiva, mas sim, a falta de oportunidades para o reinvestimento lucrativo do excedente da produção de ontem. As tendências de crise não são resolvidas, apenas deslocadas, de forma que as crises servem de “racionalizadores irracionais” necessárias para a evolução do capitalismo.
· O capital evolui
	Com alguns exemplos, Harvey começa o capítulo cinco, intitulado O capital evolui, apresentando a evolução do capital desde seu advento em 1950, caracterizada pela introdução de tecnologias, aumento significante da urbanização e consequentemente, modificação das paisagens. O autor cita a região central da Inglaterra em 1820, que, apesar de apresentar cidades industrializadas, estas ainda eram separadas por grandes áreas de atividade agrícola, onde as formas tradicionais de vida rural eram preservadas. E ainda centros comerciais compactos ligados uns aos outros ou aos grandes centros por “estradas sujas e canais estreitos” e o transporte que era feito por “cavalos suados”. O autor se utiliza de descrição detalhada, no intuito de chamar a atenção do leitor para as condições precárias de trabalho e locomoção. Inclusive quando cita Marx, afirmando que o transporte de matérias‐primas era feito também por “mulheres à beira da fome”. Por conseguinte, remonta ao ano de 1980, quando era possível, por exemplo, avistar no delta do rio Pérola paisagens agrárias que apresentavam autossuficiência em produção de alimentos, em municípios onde seus governantes armazenavam suprimentos se prevenindo da fome.
	Para evidenciar a evolução do capital e suas consequentes mudanças, Harvey afirma que essas cidades e áreas citadas por ele, apresentavam em 2008 uma paisagem predominantemente urbanizada, irreconhecível e, constituída de relações sociais, formas de vida, de transporte, de produção e de consumo totalmente diferentes. Ou seja, lembrando Marx mais uma vez, quando o mesmo afirmou que nossa tarefa “não é tanto compreender o mundo como transformá-lo”, o autor afirma que o capitalismo tem feito isso com maestria. O autor afirma ainda que, além disso, o capitalismo tem encontrado portas abertas para tais mudanças dramáticas, pela falta de interesse coletivo em decifrar o funcionamento do mundo e as consequências de tais mudanças. Segundo ele, o sistema é cheio de imprevistos e fatos inesperados, que fazem se perder continuamente produções intelectuais e práticas que tentam amenizar as consequências dessas mudanças.
	Harvey coloca que o capitalismo é paradoxo e que isso deve ser levado em consideração. Cita o lado negativo do sistema, constituído de crises, guerras, degradação ambiental, pobreza, neocolonialismo, crises na saúde pública, alienação em massa, exclusões, violência; assim como o lado positivo, que são os padrões de vida material, compostos de bem‐estar, viagens, comunicações, evolução da medicina e consequentemente, uma maior esperança de vida. Para ele, a evolução do mundo em ritmo acelerado e sua contradição são inegáveis; o que precisa ser decifrado são os princípios que sustentam essa evolução incontrolável. Para tanto, a geografia histórica do capitalismo não pode ser reduzida a acumulação do capital, apesar desta estar, junto com o crescimento da população, no cerne da dinâmica evolutiva humana desde 1950.
	Dessa forma, para destrinchar essa evolução, o autor define sete “esferas de atividade”, interrelacionadas, por onde o capital se movimenta em busca de lucro, são elas: tecnologias e formas de organização; relações sociais; arranjos institucionais e administrativos; processos de produção e de trabalho; relações com a natureza; reprodução da vida cotidiana e da espécie; e “concepções mentais do mundo”. Sendo que nenhuma é dominante nem independente. Por outro lado, nenhuma esfera é determinada pelas outras, cada uma evolui por conta própria, ainda que em constante interação com as demais. Os fluxos que se movem entre as esferas estão sempre em reformulação e suas interações nem sempre são harmoniosas. É possível definir o caráter e as condições gerais de uma determinada sociedade/localidade a partir de como as esferas estão organizadas e se configuram umas com as outras. Assim como compreender a ordem social do lugar, considerando as tensões e contradições entre as esferas, apesar de sua dinâmica evolutiva ser aleatória. O capital não se acumula nem circula sem passar em cada uma e em todas as esferas, e assim, se encontra limites em ou entre alguma delas, precisa superar, pois pode estar aí uma fonte de crise. Ou seja, o estudo da coevolução das esferas de atividade pode contribuir para a compreensão da evolução global e suas crises.
	Em suma, Harvey quer dizer que as sete esferas mencionadas por ele coevoluem na evolução histórica do capitalismo de formas distintas, sem que prevaleçam uma sobre a outra e, cada uma delas, sujeita a uma renovação e transformação permanentes, na interação com as outras ou por meio de uma dinâmica interna. Essas relações são dialeticamente interligadas pela circulação e acumulação do capital. Dessa forma, o desenvolvimento desigual entre as esferas e no conjunto delas produz contingencias, tensões e contradições. Assim, o capital precisa manter as esferas em equilíbrio. Para o ator, o capitalismo tem evoluído semelhantemente à teoria do “equilíbrio pontuado” da evolução natural de Stephen Jay Gould, com períodos de coevolução lentos, mas harmônicos, pontuados por rupturas e reformasradicais. Ele relata que a nível mundial, os desenvolvimentos geográficos desiguais do neoliberalismo e os diferenciais de resistência se colocaram em evidência, alterando o mundo, dependendo de onde se estava, em todas as esferas entre 1980 e 2010, sendo muito perceptível e palpável. Contudo, o perigo para a teoria social e o entendimento popular é ver uma das esferas como determinante, e, consequentemente, como fonte de um problema e objeto de pressão política para mudança. Dessa forma, Harvey afirma que a revolução tem de ser um movimento em todos os sentidos da palavra, se movendo dentro, além e através das diferentes esferas. Caso contrário, acabará não indo a lugar algum. Dessa forma, é preciso conceder alianças entre um conjunto de forças sociais organizadas em torno das diferentes esferas.
· A geografia disso tudo
	A última crise econômica, que começou no mercado imobiliário norte-americano em 2007, se espalhou ao redor do mundo pela rede financeira e comercial. Harvey assinala que à medida que os efeitos da crise de crédito se difundiram, houve uma diferenciação nos impactos de um lugar para o outro. Essa diferenciação diz respeito aos seguintes fatores: grau em que os bancos locais e outras instituições investiram em ativos tóxicos dos EUA; grau em que os bancos locais copiaram as práticas de alto risco do EUA; sujeição das empresas locais e instituições estatais à abertura de linhas de crédito para suas dívidas; impacto da rápida queda do consumo nos EUA e em outras economias de exportação; altos e baixos da demanda e preços das matérias-primas (em particular, petróleo); diferentes estruturas de emprego e de apoio e provisão social. Harvey faz uma série de indagações a respeito dos efeitos desiguais da crise, pontuando essas diferenças (em taxa de desemprego, poupança etc.) com exemplos de lugares diversos.
	Também, as respostas das populações e das autoridades do Estado variaram bastante de uma localidade para outra, de acordo com a profundidade e a natureza do problema, as interpretações dominantes sobre as causas, os arranjos institucionais, os costumes e a disponibilidade de recursos locais para lidar com impactos. Depois de pontuar alguns exemplos de respostas estatais à crise, Harvey afirma que “se as respostas e os impactos são tão diversos, então se questiona se podem vir a ocorrer a recuperação ou alguma reviravolta inovadora para uma política econômica alternativa”. É, no entanto, quase impossível antecipar os caminhos da recuperação econômica.
	Então, o que orienta a trajetória geográfica dos desdobramentos das crises e como os impactos e as respostas políticas locais se relacionam com as dinâmicas globais? Existe uma teoria do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo para a qual podemos apelar? 
	Os processos de acumulação do capital acontecem nos seus respectivos contextos geográficos, revelando uma natureza amplamente diversificada. Os capitalistas e seus agentes tem um papel ativo na manutenção e alteração dessas configurações. Harvey demonstra como foram muitas e muito profundas as alterações no planeta desde a consolidação do sistema capitalista, atentando especialmente para o enorme crescimento populacional nesse período – 1 bilhão de pessoas em torno de 1810, 6 bilhões de pessoas no ano 2000. Embora a natureza dessa relação seja uma questão ainda em aberto, é certo que o capitalismo não poderia ter florescido não fosse pela expansão perpétua das populações disponíves tanto como produtores quanto como consumidores, mesmo quando as populações não são organizadas de acordo com as relações sociais, tecnologias, formas de produção e arranjos institucionais capitalistas (escravidão dos africanos e imperialismo por ex.). A acomodação de mais e mais pessoas no planeta engedrou uma série de drásticas mudanças geográficas na escala global. Movimentos migratórios e pioneiros tomaram continentes relativamente pouco povoados (como a América do Norte) e os transformaram em centros dinâmicos de acumulação de pessoas e, posteriormente, de capital. Também, as colônias de povoamento e outras atividades pioneiras abriram novos territórios para o desenvolvimento capitalista. Esse imenso contingente populacional proporciona uma imensa reserva de mão de obra e mercado potenciais. 
	As populações fazem sua própria geografia de inúmeras maneiras, variando muito suas situações demográficas e econômicas. As pessoas ocupam espaços e têm de viver na terra de alguma forma (vila, favela, subúrbio, condominío fechado etc.). “A construção de espaços, bem como a criação de uma morada segura chamada casa e lar, tem um impacto tanto na terra quanto na acumulação do capital, e a produção de tais lugares se torna um grande veículo para a produção e absorção do excedente. A produção do ‘urbano’, onde a maioria da população mundial em crescimento agora vive, tornou-se ao longo do tempo mais estreitamente ligada à acumulação do capital, até o ponto em que é difícil distinguir uma da outra”.
	Harvey afirma que, assim como o capital, as populações excedentes não estão mais ancoradas a lugares particulares, mas fluindo pelo mundo em busca de oportunidades ou emprego, a despeito das barreiras criadas pelos Estados-nação. As diásporas de todos os tipos (de empresários e trabalhadores) formam redes que criam tramas intrincadas na dinâmica espacial da acumulação do capital. “Paisagens humanas com diferenças geográficas são assim criadas nas quais as relações sociais e os sistemas de produção, os estilos de vida diária, as tecnologias e as formas organizacionais, as distintas relações com a natureza se reúnem com arranjos institucionais para a produção de locais com diferentes qualidades. Tais lugares são, por sua vez, marcados por distintas políticas e maneiras de viver. Considere, por um momento, as várias maneiras em que todos esses elementos se articulam no lugar onde você mora. Essa intrincada geografia física e social tem a marca dos processos sociais e políticos, bem como das lutas ativas que a produziram.”
	
	Harvey propõe alguns princípios geográficos a que se pode recorrer para entender as movimentações na economia capitalista e o seu impacto na reprodução das formas associadas:
i. Os limites geográficos da acumulação do capital têm de ser ultrapassados. Existe um imperativo comum no nexo Estado-corporações constituído dentro do capitalismo para financiar as tecnologias e as formas de organização que garantam a contínua predominância no espaço e no movimento social para o Estado e o capital. Segundo Harvey, esse desejo de conquistar o espaço-tempo (expandir fronteiras, diminuir distâncias, etc.) – fenômeno denominado pelo autor de “compressão tempo-espaço”–, refletido na postura de dominação frente à natureza, tem um papel central na psique capitalista.
ii. O segundo conjunto de princípios diz respeito à localização da produção. O exercício de produção de mercadorias no capitalismo implica numa concentração geográfica de dinheiro, meios de produção, força de trabalho; também, há a necessidade de escoamento da produção para o mercado, trazendo a consideração da distância, dos meios, do tempo de deslocamento, entre outras preocupações fortemente geográficas. A localização da produção traz à baila a questão sempre presente das vantagens comparativas, um dos aspectos basilares da concorrência capitalista. Disso, segundo Harvey, podemos concluir que a intensa diferenciação geográfica é uma condição necessária para começar a acumulação do capital. Segundo o autor, “o capitalismo floresce melhor em um mundo geográfico de imensa diversidade de atributos físicos e condições sociais e culturais (...) a diversidade é uma condição necessária, e não uma barreira, para a reprodução do capital”.
iii. O terceiro princípio é referente à questão das (des)concentrações das atividades produtivas. O fato é que os capitalistas sobrevivem melhor em locais com as condições para obtenção de lucro máximo, provocando concentração de atividades produtivas em lugares particulares. Essas aglomerações geográficas de atividadescapitalistas se dão por um processo denominado “economias externas” (benefícios econômicos que um capitalista recebe ao estar perto de outro). Em contraponto, existe uma permanente concorrência capitalista para conquistar lugares superiores – uma vantagem locacional estratégica pode gerar o que Harvey chama de “monopólio espacial”. Sobre essa dinâmica de concentração e desconcentração das atividades produtivas, Harvey diz que “a paisagem geográfica é igualmente moldada por uma perpétua tensão entre as economias de centralização, de um lado, e os lucros potencialmente maiores que vêm da descentralização e da dispersão, por outro lado”. Ele também afirma que “todo o padrão geográfico de produção, emprego e consumo está em movimento perpétuo”.
iv. O quarto princípio geográfico é referente ao fato de que a produção do espaço em geral e da urbanização em particular tornou-se um grande negócio no capitalismo, correspondendo a um dos meios principais para absorção do excesso de capital. Também, uma proporção significativa da força de trabalho global está empregada na construção e manutenção do ambiente edificado. No processo de desenvolvimento urbano capitalista se alocam grandes quantidades de capital, geralmente sobre a forma de empréstimos a longos prazos, mantendo o fluxo de circulação. 
v. O quinto princípio é referente à compreensão de que a urbanização agora constitui um fenômeno global, ajudado pela integração mundial dos mercados financeiros – mais uma vez, tudo financiado pela dívida. Essa nova onda de urbanização, pós anos 1970, dependeu de uma inovação financeira para organizar o crédito necessário para o seu sustento. Segundo o autor, a absorção do excedente de capital por meio da transformação urbana implica, entretanto, episódios repetidos de reestruturação urbanos marcados por uma forte dimensão de classe, sendo os marginalizados do poder político (mais notadamente os pobres) os que mais sofrem nesse processo. A realização de novas geografias urbanas implica inevitavelmente o deslocamento e a despossessão. No entanto, esses processos são alvo de resistências por parte movimentos sociais urbanos espalhados pelo planeta – “o direito a participar na construção da geografia do capitalismo é, portanto, um direito em disputa”. 
vi. Harvey aponta para as mudanças na terra e sobre ela advindas das transformações espaciais do capitalismo, no âmbito da geração de valor. O investimento em rendas sobre terras, minas e matérias-primas se torna um atrativo para todos os capitalistas e a especulação sobre esses valores predomina. Harvey afirma que o dinheiro que pode ser feito na criação de novas geografias e relações espaciais é muitas vezes ignorado como um aspecto fundamental na reprodução do capitalismo. Tanto tem sido subestimado o poder dos proprietários de terras e recursos, como o papel dos valores dos ativos e rendas das terras e recursos na circulação global e na acumulação do capital. 
	
· A destruição criativa da Terra
	O capítulo sete, A destruição criativa da terra, aborda o paradoxo na relação com a natureza. A destruição criativa produz o que e chamado de segunda natureza, a natureza remodelada pela ação humana. Com o desenvolvimento do capitalismo essa atividade tem aumentado vertiginosamente, assim como as consequências não intencionais geradas pelas práticas humanas em relação ao mundo físico. Os agentes de produção e reprodução dessa segunda natureza são o Estado e o capital, e configuram uma paisagem geográfica da acumulação do capital, que visa mais pelos interesses vinculados à acumulação e a especulação sobre a terra, do que as necessidades das pessoas. A relação com a natureza constitui um limite para a acumulação do capital diretamente relacionado com as soluções tecnológicas, sociais e culturais presentes. A visão da natureza como um produto social, parte da ideia de que os recursos naturais são apreciações culturais econômicas e tecnológicas. Desta forma um recurso pode ser substituído por outro, e novas tecnologias e estilos de vida podem dirigir mudanças para fontes de recursos diferentes, independentemente de que estes sejam raros e restritos. 
	O capitalismo tem levado a cabo uma reorganização drástica, da paisagem geográfica da produção, da distribuição e do consumo com enormes mudanças nas relações e configurações espaço‐temporais. O surgimento do Estado moderno, que corresponde com o surgimento do capitalismo coincidiram com uma divisão de grande parte da superfície terrestre em colônias e impérios, que formam a base territorial do poder politico. As formas de associação humana com base no território caracterizam as sociedades humanas desde suas origens, território e lugar sempre têm sido utilizados pelas instituições para organizar as populações e as relações de poder. As vantagens naturais não são determinantes na configuração regional da divisão do trabalho. É a conjunção de forças politicas e econômicas que cria formas tecnológicas e organizacionais, relações com a natureza, sistemas de produção, modos de vida, e atitudes culturais locais. O Estado faz o papel de recipiente geográfico, e “guardião” dessas configurações, por meio de tecnologias de governança. O “sucesso” de um Estado é muitas vezes valorizado segundo a capacidade do mesmo de captar fluxos de capital, de proporcionar as condições para a acumulação do capital, e garantir uma qualidade de vida de seus habitantes.
	A questão da organização política e a relação entre o Estado soberano e os indivíduos soberanos, foram sempre instável e altamente problemáticas. Com a aparição de organizações supranacionais, os estados delegam parte da sua autonomia, como no caso do FMI, seguindo uma tendência a definir unidades territoriais acima e além do Estado, na maioria motivada por interesses econômicos. As guerras entre os estados são um exemplo de destruição criativa, nas quais se destrói tanto infraestruturas físicas, quanto forças de trabalho, ambientes, relações sociais. A reconstrução depois da guerra serve para absorver o excedente de capital e mão de obra. A concorrência entre os estados leva a conflitos de todo tipo, e o complexo militar‐industrial, serve para utilizar o poder do Estado em beneficio próprio.
	A lógica territorial é definida em termos de estratégias politicas, diplomáticas, econômicas e militares mobilizadas pelo Estado em seu próprio interesse. Esta lógica visa controlar e gerenciar as atividades da população no território de forma que se favoreça a acumulação de poder e riqueza dentro das suas fronteiras. Esse poder pode ser usado internamente ou externamente para exercer poder sobre outros Estados. As práticas clássicas europeias de imperialismo e colonialismo baseados na ocupação territorial foram deixadas pelos EUA, adotando a hegemonia global, sem abandonar os objetivos de controle territorial. Dessa forma, exercendo esse controle através de formas de governança local que aparentemente preservaram a independência e que mantiveram a hegemonia. 
	Com a explosão da atividade financeira e das mudanças globais na atividade produtiva, aparece um novo imperialismo que luta pela hegemonia financeira e militar, mais do que pelo controle direto sobre o território. A china tem um papel importante na determinação do tipo de capitalismo que pode se configurar a partir da crise atual, a economia se desloca geograficamente, o que terá grandes repercussões no futuro. A reprodução do capitalismo implica novas geografias, por meio da destruição criativa pode lidar com o problema da absorção do excedente de capital, não sem violentas correções, e perigos potenciais.
· Que fazer? E quem vai fazê-lo? 
	O último capítulo, Que fazer? E quem vai fazê‐lo? Aborda a necessidade de fazerestas perguntas para poder consolidar um movimento anticapitalista suficientemente forte, unificado que seja capaz de desafiar a reprodução da classe capitalista e a perpetuação do seu poder a nível mundial, assim como de limitar o poder financeiro e militar. Para o autor dificilmente pode surgir qualquer movimento global anticapitalista,sem ter uma visão sobre o que tem que ser feito e por que. A falta de uma visão alternativa impede a formação de um movimento de oposição. Para superar este bloqueio e necessário que o movimento politico, e a visão de que fazer e porque fazê‐lo, se reforcem mutuamente, transformando-se em uma espiral. Uma politica revolucionária deve capacidade de enfrentar o problema da interminável acumulação do capital composto, conseguindo desmitificá‐lo como principal motor da historia da humanidade. 
	O movimento político move‐se pelas diferentes esferas de atividade, desde os processos de trabalho, a relação com a natureza, até as relações sociais, as concepções sobre tecnologia e formas de organização revolucionariam, de forma que umas reforcem outras. Deve ser reconhecido, que desenvolvimento não é o mesmo que crescimento, assim como que o crescimento não é uma condição previa para a redução da pobreza. Por outro lado um movimento anticapitalista tem que mobilizar aqueles que trabalham em esferas distintas. Tem de haver em comum alguns objetivos, algumas normas gerais e guias integradoras que incluam respeito a natureza, igualitarismo radical nas relações sociais, processos de trabalho organizados pelos produtores. Tem de haver em suma concepções mentais que visem a autorrealização a serviço dos outros, assim como inovações tecnológicas e organizacionais que procurem o bem comum. Também e necessário uma nova concepção sobre propriedade, baseada mais no sentido comum do que nos direitos de propriedade privada, devem ser encontrados meios para cortar a ligação entre igualitarismo radical e propriedade privada.
	Pontes como o desenvolvimento de direitos de propriedade comuns e gestões democráticas podem ser de grande utilidade para este fim. Precisamos de novas concepções mentais para compreender o mundo. Superar as concepções arraigadas às teorias neoliberais que se incorporarem nas universidades e nos meios de comunicação e que contribuíram na produção da atual crise, é também um objetivo importante. Para essa superação a ala intelectual dos alienados e descontentes, deve priorizar o debate sobre a forma de mudar o curso do desenvolvimento humano. Construindo uma teoria da política correvolucionária,
definindo os contextos em que a mudança deve ocorrer, que meios utilizar e porque utiliza‐los, se poderá esclarecer a dinâmica do capitalismo e os problemas sistêmicos que derivam do crescimento composto. Para que isso seja significativo os alienados e descontentes devem juntar‐se com os destituídos e despossuídos, não com o objetivo de instruí‐los sobre o que devem fazer ou não, e sim sobre o que nós os alienados e descontentes podemos e devemos fazer, identificando as causas dos problemas que todos enfrentamos. O objetivo sonhado seria uma grande aliança de todos os destituídos e despossuídos que seja capaz de controlar
a organização da produção e a distribuição do produto excedente para o beneficio comum em longo prazo. 
	Conseguir isso de forma pacifica e de forma voluntaria não é fácil, despossuirmos a nós mesmos do que possuímos agora, cria um obstáculo para a criação de uma ordem social nova, mais justa e equilibrada. Pensar que isso poderia acontecer sem nenhuma luta ativa, que inclua certo grau de violência, é pouco realista e pouco provável. A questão subjacente a todas as tendências anticapitalistas, é se poderia mudar o mundo. Essa mudança seria material, social, mental e politica, de forma que fosse capaz de confrontar o estado das relações sociais e das relações com a natureza, assim como o dogma do crescimento composto infinito.
	Na concepção original de Marx e Engels os comunistas não pertencem a partidos políticos, eles simplesmente são aqueles que entendem os limites, deficiências e tendências destrutivas do capitalismo. Comunistas são aqueles que trabalham para produzir um futuro diferente da perpetuação do poder de classe, se outro mundo e possível, outro comunismo pode ser possível, se queremos mudar o estado das coisas de forma real. Infelizmente o termo comunismo está muito carregado para poder reintroduzi‐lo no discurso politico, o nome não é tão importante, o que importa é a luta pela sobrevivência com justiça, assim como entender a necessidade de dar luz ao enigma do capital, tirar seus mistérios para ver assim com mais facilidade o que tem de ser feito e porque, e como começar a fazê‐lo. Para isso precisamos de determinação, paciência e tenacidade, mobilizações e compromissos políticos firmes.

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