Prévia do material em texto
Independência das Treze Colônias inglesas da América do Norte – Formação dos EUA Por volta de 1770, a poderosa empresa comercial inglesa Companhia das Índias Orientais enfrentava dura situação financeira, agravada pelos milhares de toneladas de chá guardados em seus depósitos, sem nenhuma perspectiva de venda. Nas colônias americanas, um florescente contrabando garantia o abastecimento com o produto holandês, que, passando ao largo de alfândegas e coletorias de impostos, ficava muito mais barato para o consumidor. Em 1773, finalmente, a Inglaterra reagiu, de forma fulminante. Uma lei aprovada no Parlamento concedeu o monopólio do comércio de chá à Companhia das Índias, eliminou a presença dos intermediários e, graças àqueles estoques incômodos, conseguiu tornar o produto inglês, legal, mais barato que o holandês, contrabandeado. Os comerciantes americanos perceberam que o sucesso daquela empreitada poderia levar o governo inglês a estabelecer outros monopólios, e partiram para o contra-ataque. Os jornais discutiram largamente o assunto, falou-se em boicote, e grandes comícios começaram a acontecer nos principais portos americanos, onde os oradores discursavam sobre direitos e liberdade. Foi nesse ambiente incendiário que chegaram a Boston, no final daquele ano, os três primeiros navios da Companhia nas Índias: carregados de chá. A população foi ao cais, numa grande manifestação, para impedir c desembarque da carga; o governa-dor, ao contrário, queria que o chá fosse descarregado, para cobrar os seus impostos. Quando caiu a noite, um grupo de colonos disfarçados de índios peles-vermelhas, abordou os três navios. A reação inglesa uniu ainda mais as colônias amotinadas Os caixotes foram arrebentados e todo o chá inglês jogado ao mar. 0 incidente, que contou com os aplausos e a torcida dos populares que estavam no porto, passou à história com o nome de Festa do Chá de Boston, e causou prejuízos de 75 mil dólares à coroa. Era apenas mais um de uma série que se repetiu em Charleston, Nova York, Annapolis — todas as grandes cidades da colônia, marcando o clima de inquietação nelas reinante. A Inglaterra começava a perder terreno na América, onde aceleradamente se criavam as condições que levariam ao primeiro grande acontecimento daquele processo revolucionário, que mudaria o mundo no final do século XVIII. A luta pela independência ganhou, assim, os contornos de uma verdadeira revolução. Criando os Estados Unidos da América, ela deu forma política real, pela primeira vez, ao ideário liberal e iluminista. A colonização na América do Norte foi feita no século XVII por protestantes fugitivos das guerras religiosas na Europa, aos quais os quakers eram os mais destacados No final do século XVII, as treze colônias britânicas estavam com mais de 2 milhões de habitantes e ocupavam uma larga faixa da costa leste, entre o Atlântico e os montes Apalaches. As colônias do Norte se dedicavam à pecuária, a pequena lavoura, à manufatura, ã construção naval e ao comércio. Exportavam para a Inglaterra apenas produtos da extração vegetal e da pesca, em pequenas quantidades. A Inglaterra, por seu lado, permitia o funcionamento das manufaturas e da construção naval e não colocava grandes obstáculos ao comércio com as Antilhas e o Sul. Esse comércio teve grande importância no crescimento do Centro-Norte. As colônias compravam açúcar e melaço das Antilhas, transformavam o melaço em rum para trocar por escravos da África e vendiam farinha de peixe, gado, tecidos, barcos e escravos para as Antilhas e as colônias do Sul. Os portos mais importantes desse comércio eram Boston, Filadélfia e Nova York. Ricas e produtivas, as colônias do Norte logo se tornaram com- petidoras da metrópole na construção naval, nos fretes e no comércio com as ilhas holandesas e francesas do Caribe. Nas colônias do Sul predominavam grandes plantações de tabaco e algodão, organizadas sobre o trabalho escravo, que canalizavam grandes investimentos dos capitalistas ingleses. O Sul exportava essa produção para a metrópole e importava de lá os manufaturados de que necessitava. As treze colônias eram independentes entre si. Haviam sido fundadas por particulares, proprietários de cartas-patentes fornecidas pela coroa britânica. Tinham assembléias, eleitas por colonos proprietários, que elaboravam leis e votavam impostos. Os governadores, nomeados pelo governo inglês para representar a coroa, eram escolhidos entre os colonos, que também pagavam seus salários. Em meados do século XVIII, a metrópole começou a se preocupar com a relativa autonomia dos americanos; aias estavam comerciando cada vez mais entre si e com as Antilhas e aumentando a sua produção de manufaturados. Era preciso fortalecer o Império Britânico, monopolizando o comércio com as colônias e as matérias-primas que elas produziam. Era preciso eliminar a concorrência de seus manufaturados e transforma-las em consumidoras da Revolução Industrial que avançava na Inglaterra. Assim, uma série de Atos de Navegação obrigou as colônias a exportar seus produtos acenas para a metrópole e a comprar manufaturados de lá. Proclamou-se a Independência; só depois organizou-se o Exército Mas durante algum tempo a Inglaterra, envolvida na Guerra dos Sete Anos com a França, não teve forças para fazer cumprir essas determinações. Em 1765 foi baixada a Lei do Selo, exigindo estampilhas para documentos oficiais, contratos, jornais e uma série de produtos importados Ampliavam-se, assim, as fontes de recursos para a administração e se fechava mais ainda o cerco ao comércio clandestino. Os colonos americanos, a partir disso, passaram a se organizar para defender sua autonomia político-administrativa e sua liberdade de comprar e vender. De acordo com a Carta Magna, promulgada na Inglaterra em 1215, os cidadãos britânicos não eram obrigados a pagar nenhum imposto sem a aprovação do Parlamento. Ora, os colonos americanos eram cidadãos ingleses mas não elegiam deputados para essa Casa. E adotaram o lema: "Nenhum imposto sem representação". Para levar á prática esse lema surgiram grupos como os Filhos da Liberdade, articulados principalmente pelos grandes comerciantes, que destruíam as residências dos agentes do Selo, jogavam a, mobília na rua e queimavam as estampilhas em praça pública. Pior ainda, esses comerciantes boicotavam a importação de tecidos da Inglaterra e os teares das colônias voltaram a funcionar a toda força. Foi em função disso que os industriais ingleses, encurralados, começaram a pressionar o Parlamento para revogar a lei. E ela caiu em 1766 Mas a Inglaterra continuou baixando outras leis, sempre para arrecadar tributos e combater o contrabando. Em 1767 o primeiro-ministro Charles Townshend lançou uma série de atos, que receberam seu nome, estabelecendo impostos sobre produtos importados como o chá, os corantes, o vidro, o papel e diversos artigos de luxo. Até ai os fiscais da coroa tinham receio de aplicar as leis porque sabiam que haveria arruaças. Os governadores tam- bém não podiam fazer muita coisa, porque eram escolhidos entre os colonos e assalariados por eles. A luta pela independência virou uma verdadeira revolução Mas segundo os Atos, os governadores passariam a ser pagos com os impostos arrecadados. E mais navios e oficiais seriam enviados para fiscalizar o comércio clandestino. A partir desse momento a reação à metrópole se concentrou na importante cidade portuária de Boston As autoridades fiscais foram abertamente desafiadas e o contrabando descarregado dos navios. Choques com as tropas inglesas resultaram em mortes, como no incidente conhecido como Massacre de Boston. Os Atos foram revogados em 1770; logo depois, para afirmar a sua autoridade, a metrópole decretou, em 1774, as Leis Coercitivas ou Intoleráveis. Aumentou suas tropas em Boston e interditou o porto até a coroa ser indenizada pelo carregamento de chá destruído. Ocupou Massachusetts, dissolveua assembléia local e conferiu poderes maiores ao governador. Esses acontecimentos uniram de vez as colônias contra a metrópole, sob a liderança de políticos e intelectuais como Thomas Jefferson, Samuel Adams, Richard Lee e Benjamin Franklin. Eram todos profundamente influenciados pelas idéias liberais e iluministas. A eles se juntaram outros agitadores e revolucionários, que produziam discursos e panfletos como Senso comum, do publicista inglês Thomas Paine. Foi com base nessas idéias que as treze colônias organizaram em 1774 o Primeiro Congresso da Filadélfia, onde redigiram a Declaração dos Direitos dos Colonos. O documento dizia que eles, como cidadãos ingleses, não podiam ser taxados sem ser consultados. E pedia ao rei a suspensão das limitações ao seu comércio e à sua indústria. A Inglaterra respondeu declarando as colônias em estado de rebelião e baixou em 1775 o Ato Restritivo, proibindo que aias comerciassem com outros países, sob pena da apreensão dos navios. Esse Ato e mais a tensão que se seguiu provocaram os primeiros choques armados erre colonos e soldados ingleses. Em Lexington, a 10 de abril de 1775, os britânicos foram derrotados. Sofreram mil baixas e o episódio repercutiu enormemente na metrópole. Cola- boraram na vitória dos americanos os chamados minutemen, corpos de combatentes especializados em sabotagem e capazes de acudir a um chamado "em um minuto". Os americanos não pararam ai. Nos dois anos seguintes, 1775176, reuniram o Segundo Congresso da Filadélfia. A 4 de julho de 1776 lançaram a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, redigida por Thomas Jefferson. E passaram a arrecadar recursos para a formação de um exército, cujo comando foi entregue a George Washington, um rico proprietário do Sul que se destacara na Guerra dos Sete Anos, que a Inglaterra moveu con- tra a França. As treze colônias da América se desligavam definitivamente do Império Britânico Apesar de proclamada oficialmente, essa independência levou alguns anos para ser conquistada de fato. O começo foi difícil. As colônias se recusavam a formar um governo central e havia grandes proprietários rurais e comerciantes que ainda desejavam um entendimento com a metrópole. Por outro lado, o exercito americano não estava suficientemente organiza-lo e não tinha recursos financeiros para enfrentar os ingleses. A grande vantagem aos americanos era o conhecimento do terreno e as eficientes ações de sabotagem as tropas da coroa Apesar de vitórias importantes como a de Saratoga, em 1777, eles tinham dificuldades para manter as posições conquistadas Foi quando enviaram Benjamin Franklin à França para buscar apoio Brilhante personalidade e hábil negociador Franklin explorou a tradicional rivalidade entre a Franca e a Inglaterra, conseguindo tropas francesas em seu apoio. Seu grande aliado nessa gestão foi o general francês La Fayette, nobre liberal que apoiou a independência e influenciou Luis, XV para mandar soldados, sob seu comando Franklin conseguiu ainda o apoio da Espanha, cuia monarquia era unida a francesa por laços de família. E mais tarde o da Liga de Neutralidade Armada formada em 1780 por Catarina II da Rússia, com a adesão da Dinamarca, da Prússia e da Holanda para resistir ao poderio dos navios ingleses e garantir a liberdade nos mares. A Inglaterra ficou isolada e, em 1781, depois de derrotada em Yorktown por tropas francesas e americanas, capitulou. No Tratado de Versalhes, em 1783, a Inglaterra reconhe- ceu a independência dos Estados Unidos da América, com um território que ia do Atlântico aos Grandes Lagos e ao Mississipi. O novo pais conquistou a independência ainda como uma confederação de Estados autônomos Em 1787, porém, depois de vários problemas políticos e econômicos com esse tipo de organização, os treze Estados resolveram se reunir sob um go- verno centrai e adotar uma Constituição. O primeiro presidente dos Estados Unidos da América foi George Washington, que exerceu dois mandatos consecutivos, de 1789 a 1797. Gilberto Galvão Publicado na Revista Superinteressante Fonte básica Nós, o povo (a epopéia norte-americana), de Leo Hubberman. Editora Brasiliense. Eles nem queriam um governo federal A Confederação dos Estados Americanos, criada em 1776 peio Segundo Congresso da Filadélfia, levava em conta as diferentes características das colônias americanas e as transformava em Estados inteiramente autônomos. Pelos artigos da Confederação, de 1777, a escravidão não era tocada e os cidadãos livres conservavam seus privilégios e imunidades. Era garantida a liberdade de comércio entre os Estados e cada um tinha a sua própria Constituição. Os Estados se uniam em torne de um Congresso para promover a sua segurança e resolver as questões comuns e delegavam a ele as questões externas Os delegados desse Congresso eram indicados pelo Legislativo dos Estados e tinham os mandatos rotativos, com prazo determinado e limitados quanto ao poder. Mas, com a Independência, em 1783, os Estados se vieram diante de problemas comuns que não tinham como resolver, organizado sob a forma de Confederação era preciso ocupar os novos territórios, organizar a defesa contra os índios, elaborar leis para o comércio interno e externo e fortalecer as instituições políticas. O Estados não tinham um governo central forte e sua autonomia dificultava as decisões comuns. Suas despesas eram maiores que a receita, as moedas locais se desvalorizavam e o caos começava a se instalar na Confederação. Foi diante disso que se reuniu a Convenção Constitucional da Filadélfia, em 1787, para discutir um novo tipo de organização política Nessa Convenção se destacaram os republicanos, liderados por Thomas Jefferson, que queriam manter a autonomia dos Estados, e os federalistas, comandados por Alexander Hamilton e George Washington que propunham um poder centra fortalecido. A Constituição de 1787 que saiu dessa Convenção, foi o primeiro documento desse tipo a ser produzido, e levou três anos para ser aceita por todos os Estados. Foi também acrescida de várias emendas, no decorrer do tempo, mas até hoje conserva seus princípios fundamentais e revela um claro compromisso entre aquelas duas correntes. Os Estados obedecem a essa Constituição, mas cada um também tem a sua própria Carta e conserva ampla autonomia nas questões locais. Na época, em quase todos os Estados, o voto era direito apenas dos proprietários e dos homens. As mulheres ficavam excluídas. Todos os cidadãos são iguais perante a lei. Todos têm direito à liberdade, à propriedade e à vida e não podem ser privados de nenhum deles sem processo legal. A eles são garantidas a liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de associação, o habeas corpus e a inviolabilidade do lar. A liberdade de culto também é garantida e a Igreja é separada do Estado Os cidadãos têm ainda o direito de eleger livremente seus representantes, por eleições diretas e sufrágio universal. São eles que detêm o poder político, delegando-o ou retirando-o desses representantes, conforme decidirem. O presidente da República pode ser deposto por traição, corrupção ou crimes maiores. Os poderes são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. 0 Executivo é exercido por um presidente, eleito por um Colégio Eleitoral formado por representantes dos Estados. Esses representantes, por sua vez, são eleitos pelo Legislativo dos Estados. O Legislativo é representado por um Congresso, composto pela Câmara dos Representantes e pelo Senado. O Senado tem controle sobre o Executivo, aprovando ou vetando medidas, especialmente de política externa. No Judiciário se destaca a Suprema Corte, que soluciona problemas entre os Estados e a União e veta decisões do Executivo ou do Legislativo que tiram a Constituição. Independência das Treze Colônias inglesas da América do Norte – Formação dos EUA