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Departamento de Teoria Literária e Literatura – TEL Tópicos Especiais em Literatura Brasileira Professora: Elisabeth Ingeburg Souza Hess Aluna: Monique Veloso Moraes Matrícula: 13/0127612 Senhora – José de Alencar (abordagem histórica) Brasília, 2018 1. Análise da metodologia da obra Senhora é um romance escrito por José de Alencar, cujo enredo gira em torno da história de Fernando Seixas, rapaz pobre e que tem ambição de subir na escala social, e Aurélia, moça que Seixas era apaixonado, mas que não tinha um dote bom para que ele começasse a fazer parte da Elite. Mas, durante a história, Aurélia recebe uma herança inesperada do avô paterno e utiliza o seu dinheiro para “comprar” Seixas, a partir dessa “posse” que se desenrola a história. A obra foi publicada em 1875, em folhetim. Narrado em 3ª pessoa, o livro tem um tempo cronológico, porém, não linear, visto que é uma obra estruturada em flash-backs, o enredo se desenvolve, principalmente, no Rio de Janeiro – Bairro das Laranjeiras. Senhora foi uma das últimas obras escritas por José de Alencar, nessa obra ele usa como tema o casamento como forma de ascensão social, o que gerou discussões sobre certos valores e comportamentos da sociedade carioca da metade do século XIX. O livro pertence à estética romântica, mas apresenta algumas inovações quanto a isso, pois não somente se percebe o amor como única forma de redimir todos os males (estética romântica) mas também apresenta uma forte crítica à futilidade dos comportamentos e à fragilidade dos valores burgueses resultantes do então emergente capitalismo brasileiro, o que anuncia um pouco da renovação realista. A obra é classificada como um romance urbano, pois representa os costumes da elite brasileira e teve como cenário o Rio de Janeiro, capital do império. O livro se divide em quatro partes que se intitulam: O Preço; Quitação; Posse; e O Resgate. Estes títulos já anunciam a problemática da contradição entre o dinheiro e o amor que é desenvolvida no enredo, na medida em que constituem palavras relacionadas às fases de uma transação comercial. Senhora, ao mesmo tempo em que reproduz a estrutura das narrativas românticas, debruça um olhar crítico para os problemas da sociedade na época. Mas, apesar da crítica, a história de amor não é apagada, ao contrário, o amor é um elemento de transformação dos personagens. 2. Problema do valor literário da obra Segundo Cândido (1965), Senhora parece representar, na forma ficcional, uma dimensão estrutural da sociedade carioca da segunda metade do século XIX, ancorada no dinheiro, moeda de troca da relação afetiva da recém- herdeira, Aurélia, e do jovem ambicioso, Seixas, que busca ascender na vida através de um casamento bem sucedido. O autor completa com a ideia de que a composição do livro repousa uma espécie de longa e complicada transação no correr da qual a posição dos cônjuges vai se alterando. Seixas exprime um comportamento obsessivo quanto a compra a que se submeteu e Aurélia obsessiva pela vingança, comportamentos que manifestam a mineralização da personalidade, tocada pela desumanização capitalista, até que a dialética do amor recupere a normalidade convencional. Aurélia, durante toda a narrativa, de posse do dinheiro, ela é tomada pela compreensão da estrutura econômico-social que vive e reduz seus pretendentes à condição de mercadoria: Uma noite, no Cassino, a Lísia Soares, que fazia-se íntima com ela, e desejava ardentemente vê-la casada, dirigiu-lhe um gracejo acerca do Alfredo Moreira, rapaz elegante que chegara recentemente da Europa: - É um moço muito distinto, respondeu Aurélia sorrindo; vale bem como noivo cem contos de réis; mas eu tenho dinheiro para pagar um marido de maior preço, Lísia; não me contento com esse (ALENCAR, 1961, p. 9). O leitor, ao ver esse comportamento da protagonista, vê-se diante de um juízo a respeito da “heroína”, pois ela não vê obstáculos para realizar seus caprichos e se aproveita da estrutura social que faz parte, que obriga os menos afortunados a depender de um protetor que o abrigue, para realizar a sua tão desejada e esperada vingança. Nesse momento o leitor não sabe se fica ao lado da heroína ou se os desejos dela vão contra tudo o que esperam de uma protagonista romântica. Ao ler o romance, repara-se que Fernando Seixas tem consciência da sua situação, em alguns trechos ele tenta esclarecer isso para Aurélia: Quer isso dizer que o senhor considera-se meu escravo? Perguntou Aurélia fitando Seixas. - Creio que lho declarei positivamente, desde o primeiro dia, ou antes desde a noite de que data a nossa comum existência, e minha presença aqui, a minha permanência em sua casa sob outra condição, fôra acrescentar à primeira humilhação uma indignidade sem nome (ALENCAR, 1961, p. 174). Ele se vê como um escravo branco, que está ciente da sua subordinação, o escravo não tem para onde ir e nem a quem recorrer, essa é a situação de Seixas, e a perversidade dessa situação é percebida quando o escritor cria uma armadilha moral que orienta a leitura e a simpatia do leitor pela herdeira vingativa. Nesse sentido, não se pode deixar de mencionar que Seixas só consegue quitar a sua dívida porque adquiriu um cargo através das influências do “secretário” de Aurélia, Lemos. A estrutura leva o leitor à ilusão de que a força de vontade e o esforço de Fernando o levam a quitar sua dívida, quando, na verdade, Alencar não se prova de mencionar o modo que Fernando adquire as condições para reverter a vingança de sua mulher, em uma palavra: o favor. Portanto, percebe-se que a possibilidade de ele exercer a sua liberdade está condicionada à vontade de Aurélia. Um romance como Senhora, ainda que não tenha encontrado uma forma capaz de representar a oscilação do desejo da classe dominante, possibilitou novos caminhos para a representação da sociedade brasileira no geral. Essa análise sustenta-se na tese de que são as relações materiais os elementos constitutivos do caráter de uma sociedade. Assim, José de Alencar estabelece o dinheiro como protagonista primordial do seu romance (SPINELLI, 2008). 3. Necessidade da literatura Sendo um dos últimos de Alencar, Senhora é um romance urbano que retrata o casamento por interesse numa sociedade de aparências do século XIX. Nesse século a sociedade vivia de aparências e contradições, o autor critica essa sociedade não de uma perspectiva esperançosa de mudanças, mas de perspectivas atuais e sem soluções aparentes, sendo o casamento por interesse um costume social muito criticado pelo autor. Aurélia, a “heroína” da história, representa o “perfil de mulher” da sociedade brasileira através de uma visão romântica, através desse perfil, Alencar busca compreender os sentimentos e os motivos que os impulsionam através do relato minucioso dos pensamentos e ações da mulher. Senhora faz parte da fase literária romântica, porém, em várias passagens e através dos personagens do enredo, podemos notar características pertencentes ao realismo. O autor, nessa obra, faz uma dura crítica à visão do casamento como uma transação comercial e não a união de um casal apaixonado. Ler Senhora é entender uma fase da nossa literatura e também da nossa sociedade brasileira, que passava por muitas minúcias que são citadas durante o enredo da história. 4. Justificativa histórica/razão social O Brasil presente na representação de Senhora anima-se pela mão de obra do trabalho escravo para gerar a riqueza dos latifúndios. A consequência desse processo é a impossibilidade de constituição de um mercado interno de acordo com o modelo europeu. O indivíduo burguês se vê impossibilitado de ascensão social através da sua capacidade de trabalho. O resultado é o amesquinhamento do meio social, de modo que somenteum casamento bem sucedido e a proteção da elite facilitarão a estabilidade econômica do menos favorecido. Dentro do enredo conseguimos perceber essa situação econômico- social através da fala de Aurélia: Esquece que desses dezenove anos, dezoito os vivi na extrema pobreza e um no seio da riqueza para onde fui transportada de repente. Tenho as duas grandes lições do mundo: a da miséria e a da opulência. Conheci outrora o dinheiro como tirano; hoje o conheço como um cativo submisso. Por conseguinte devo ser mais velha do que o senhor que nunca foi nem tão pobre, como eu fui, nem tão rico, como eu sou (ALENCAR, 1961, p. 20). 5. Objetivos O presente projeto tem como objetivo levar o leitor à curiosidade de (re)ler a obra Senhora, de José de Alencar, com um olhar mais crítico e atento às intenções do autor ao escrevê-lo e também baseado em uma visão crítica- literária, para o melhor aproveitamento da leitura, percebendo as nuances da escola literária, do autor e do contexto histórico-social da escrita da obra. 6. Fundamentação teórica: conceitos O romantismo, movimento do qual a obra faz parte, foi um movimento artístico, político e filosófico surgido nas últimas décadas do século XVIII e que durou até grande parte do século XIX. Os autores românticos se voltaram cada vez mais para si mesmos, retratando o drama humano, amores trágicos e ideais utópicos, marcando o século pelo lirismo, pela subjetividade, pela emoção e pelo eu. O romantismo, resumidamente, valoriza as forças criativas do indivíduo e da imaginação popular. Opõe-se à arte equilibrada dos clássicos e baseia-se na inspiração fugaz dos momentos fortes da vida subjetiva: fé, paixão, intuição, saudade, sentimento da natureza e lendas nacionais. A primeira geração do romantismo foi marcada pelo lirismo, subjetivismo, sonho, exagero e busca pelo exótico. Na segunda geração nota-se o pessimismo e certo gosto pela morte, religiosidade e naturalismo. Já na terceira geração, da qual o livro Senhora, de José de Alencar, pertence, é uma fase de transição para o realismo, a qual denuncia os vícios e males da sociedade com o intuito de pôr a descoberto realidades desconhecidas que revelam fragilidades. 7. Referências ALENCAR, José. Senhora. São Paulo: Edigraf, 1961. CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1965. SPINELLI, D. (2008). A dialética texto e contexto em Senhora, de José de Alencar ou considerações sobre literatura e sociedade, de Antonio Candido. Kalíope. Revista do Programa de Estudos Pós Graduados em Literatura e Crítica Literária. ISSN 1808-6977, 4(7).