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259 UNIDADE 3 | CAPÍTULO 11 Algumas ideias dos contratualistas Como seria a vida sem o Estado? Por que se formaria o Estado? O que as pessoas poderiam esperar do Estado? Hobbes Violenta e pobre (a guerra de todos contra todos). O medo de morrer faria as pessoas aceitarem uma autoridade que garantisse a ordem. Que a paz e a ordem fossem garantidas. Locke As pessoas já teriam direitos naturais. Ninguém é bom juiz de si mesmo, e o Estado seria necessário para decidir conflitos entre as pessoas. Que os direitos e as liberdades individuais fossem preservados. Rousseau As pessoas seriam livres e se contentariam com pouco. Para defender a propriedade, que daria início à desigualdade entre as pessoas. Que os cidadãos possam participar ativamente das decisões do Estado, em nome do interesse de todos. As ideias de Hobbes, Locke e Rousseau ajudam a entender melhor o que ex- plicamos sobre política e sobre o Estado. Hobbes formulou uma justificativa con- sistente para a existência do Estado, e suas ideias sempre voltam à tona quando a ordem pública está seriamente ameaçada (por exemplo, quando há uma guer- ra civil ou um surto de violência). Locke foi o primeiro grande defensor moderno da liberdade e dos direitos do cidadão, tanto políticos quanto econômicos. E Rousseau discutiu com especial competência as questões da democracia e da igualdade. 4. REGIME S POLÍTICOS: A DEMOCRACIA Na discussão sobre os contratualistas, vimos que há opiniões diferentes sobre como o Estado deve ser organizado, quais são os direitos e deveres dos cidadãos e que valores os cidadãos devem ter para que a política funcione bem. Depen- dendo de sua posição diante dessas questões, podemos dizer que você defende certo tipo de regime político. Segundo o Dicionário de política organizado pelos italianos Norberto Bobbio (1909-2004), Nicola Matteucci (1926-2006) e Gian- franco Pasquino (1942-), um regime político é o conjunto de instituições, leis e valores que regulam a luta pelo poder em determinada sociedade. Boa parte das diferenças entre os regimes políticos democráticos da atualida- de se explica pela maneira como, em cada país, se organizam três poderes fun- damentais: o Legislativo (que tem o poder de escrever e votar as leis), o Executivo (que controla o poder para aplicar as leis com base na força — usando, por exem- plo, a polícia) e o Judiciário (que garante que o Executivo aplique seu poder so- mente dentro do que diz a lei). O regime político que mais nos interessa neste livro é a democracia, que é o adotado no Brasil. O regime político em um país é democrático quando ele tem três características principais, segundo os cientistas políticos Mike Alvarez (1962-), José Antonio Cheibub (1960-), Fernando Limongi (1958-) e Adam Przeworski (1940-): 1. O chefe de governo do Poder Executivo é eleito pelo voto: isso ocorre não só quando os eleitores votam diretamente para presidente da República (como no Brasil), mas também quando votam nos parlamentares que, por sua vez, elegem o primeiro-ministro (como na Inglaterra). Veja na seção BIOGRAFIAS quem são Norberto Bobbio (1909-2004), Nicola Matteucci (1926-2006), Gianfranco Pasquino (1942-), Mike Alvarez (1962-), José Antonio Cheibub (1960-), Fernando Limongi (1958-) e Adam Przeworski (1940-). 260 POLÍTICA, PODER E ESTADO 2. Os membros do Poder Legislativo são eleitos pelo povo: os eleitores escolhem os parlamentares (deputados, senadores) que vão elaborar as leis do país. 3. Há mais de um partido: isto é, se só um partido puder disputar eleições, elas obviamente não serão livres: se só há uma opção para escolher, não há escolha. Este último ponto é importante. Quando dizemos que numa democracia há eleições, estamos falando de eleições “limpas”, ou seja, que transcorram confor- me as regras eleitorais. No Brasil do começo do século XX, por exemplo, havia eleições, mas o voto não era secreto. Portanto, os detentores do poder coagiam os eleitores a votar em quem eles mandassem e até mesmo se vingavam daque- les que tivessem votado em outro candidato. Ainda hoje, em vários países, há fraudes na contagem dos votos: o partido do governo sempre ganha, não impor- ta quantos votos tenha tido. É claro que, nesses casos, não há democracia. Como bem disse o cientista político polonês Adam Przeworski, para existir democracia, é preciso que haja a possibilidade de o governo perder a eleição. Foto aérea de 2010 da praça dos Três Poderes, em Brasília (DF), onde foram construídas as sedes dos órgãos máximos de cada poder: o Judiciário (Supremo Tribunal Federal, onde onze ministros julgam se a lei máxima — a Constituição — está sendo respeitada e cumprida), o Legislativo (Congresso Nacional, onde se reúnem senadores e deputados) e o Executivo (Palácio do Planalto, onde trabalha o presidente). Mesmo em países democráticos, há diferenças importantes na configura- ção dos regimes políticos. A principal diferença é entre os sistemas de gover- no parlamentarista e presidencialista. Nos regimes parlamentaristas, como o inglês e o alemão, os cidadãos votam nos deputados (o Poder Legislativo), que, por sua vez, elegem o chefe de gover- no do Poder Executivo (o primeiro-ministro). A maioria dos deputados pode, a qualquer momento, derrubar o governo, caso decida que ele não está desempe- nhando bem suas funções. Nos regimes presidencialistas, como o brasileiro e o estadunidense, o Poder Legislativo também é eleito pelo povo. A diferença é que o chefe de governo do Poder Executivo é escolhido pelo povo, e não pelos deputados. O Poder Legis- lativo não pode derrubar o presidente apenas por considerar que ele está fa- zendo um mau governo. U b ir a ja ra M a ch a d o /O lh a r Im a g e m 261 UNIDADE 3 | CAPÍTULO 11 No Brasil, em 1993, houve um plebiscito para escolher a configuração do regi- me político. Os cidadãos foram às urnas para decidir se o sistema de governo seria presidencialista ou parlamentarista, e a forma de governo, monarquia ou re- pública. Venceram o presidencialismo e a república, vigentes no país até hoje. As- sim, os brasileiros votam de quatro em quatro anos para presidente da República, para deputado e para senador, e é possível votar em partidos diferentes para cada um dos cargos. Isso pode levar a impasses, porque o presidente, muitas ve- zes, não tem apoio da maioria no Poder Legislativo para aprovar as leis que de- fende. Falaremos mais da política brasileira no Capítulo 14. Vale lembrar, a propósito, que nem todos os regimes políticos são democráti- cos. Nos regimes autoritários, a população não tem o direito de escolher seus go- vernantes: quem controla o Poder Executivo (isto é, a força) em geral faz as leis que bem entende e as aplica como quer. Além disso, as pessoas raramente têm liberdade para manifestar suas opiniões sobre política e não podem se defender se o Estado atacar seus direitos. No mundo atual, a China e a Arábia Saudita são exemplos de regimes autoritários. Em foto de 2016, Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos. Acima, uma reunião dos deputados alemães no Parlamento, em Berlim. Foto de 2015. VOCÊ JÁ PENSOU NISTO? Pense em alguém que tenha autoridade sobre você, que de alguma forma mande em você: seus pais, seu professor, seu líder religioso, etc. Você já deve ter percebido que essas pessoas não podem mandar você fazer qualquer coisa. Precisam seguir algumas regras que não criaram: os costumes da sociedade, a lei, as regras da escola, os princípios da religião, entre outras. Se eles pudessem sem- pre fazer as próprias regras, você acha que isso aumentaria ou diminuiria as chances de abusarem do poder? Como isso pode ser relacionado à di- visão entre Poder Legislativo e Poder Executivo? F a b ri zi o B e n s ch /R e u te rs /L a ti n s to ck J im Y o u n g /Re u te rs /L a ti n s to ck 262 POLÍTICA, PODER E ESTADO + PARA SABER MAIS • Sudão do Sul: um novo Estado Em 9 de julho de 2011, foi criado um novo país, a República do Sudão do Sul, formado a partir da independência da região sul do Su- dão. Como vários outros países, o Sudão do Sul tem sua origem em uma guerra: a san- grenta guerra civil entre o governo do Sudão e os rebeldes do Exército Popular da Liberta- ção do Sudão. Um dos motivos principais da guerra era o fato de que a maior parte das reservas de petróleo do Sudão se localizava no sul do país. Além disso, havia diversos conflitos étnicos entre os povos que compu- nham o Sudão. Em janeiro de 2005, as duas partes assina- ram um tratado de paz em Naivasha, no Quê- nia. O tratado previa para 2011 um referendo (votação popular para aprovar ou rejeitar uma proposta) que decidiria se o Sudão do Sul se tornaria independente. O referendo aconteceu em 7 de janeiro de 2011, e a maio- ria dos eleitores do Sudão do Sul optou pela independência. Desde então, uma das prioridades do governo do Sudão do Sul tem sido, como é caracterís- tico de um novo Estado, tentar desarmar a população, garantindo para si o monopólio da violência legítima. A Organização das Nações Unidas (ONU) financia um programa que bus- ca garantir a reinserção dos antigos comba- tentes da guerra contra o Sudão na vida civil. Não sabemos se esses esforços serão bem- -sucedidos, mas outros exemplos históricos nos permitem supor que não será fácil a con- solidação do Estado do Sudão do Sul. Na Eu- ropa, por exemplo, a consolidação dos Esta- dos Nacionais foi muito sangrenta: na Inglaterra, que hoje é um dos países mais es- táveis do mundo, houve grandes conflitos po- líticos e religiosos. Na América do Sul, a vio- lentíssima Guerra do Paraguai foi muito importante na consolidação dos Estados da região (inclusive o Brasil). É importante ter isso em mente para não achar que os atuais conflitos africanos são causados por algo específico das culturas dos povos da África. A consolidação dos Estados Nacionais sempre é difícil, e só nos resta espe- rar que os diversos setores da sociedade sul- -sudanesa, os países vizinhos da nova nação, e os órgãos de governança global (como a ONU) consigam que a construção do Sudão do Sul seja a menos violenta possível. 5. PARTIDOS POLÍTICOS Em uma democracia, deve haver liberdade para que todos apresentem pro- postas a serem discutidas com os demais cidadãos. Mas como cada cidadão, so- zinho, pode ter influência sobre todos os outros? Digamos que você tenha uma boa ideia sobre uma nova lei, ou sobre como o país deve ser governado. Como agir para que todos os outros brasileiros ouçam sua opinião e possam avaliar se você tem razão? Uma solução é juntar-se a outros cidadãos que pensam mais ou menos como você para ampliar sua influência. Essa é a ideia por trás dos partidos políticos. Os partidos políticos são associações que têm o objetivo de disputar o poder político. Quando você resolve se filiar a um partido político, sabe que as ideias do partido não vão ser exatamente iguais às suas (afinal, os outros membros do partido tam- bém têm o direito de dar suas opiniões, que nem sempre coincidirão com a sua). Mas, se fizer uma boa escolha, você vai optar pelo partido com ideias mais próxi- mas das suas. Boa parte da política consiste nisso: juntar-se a outras pessoas para defender ideias e interesses semelhantes. Como surgiram os partidos modernos? Sempre que há Estado, há grupos que lutam entre si para controlá-lo. Mesmo onde o rei tem poder absoluto existem grupos diferentes tentando convencê-lo a fazer coisas diferentes. Porém, esses gru- pos não são semelhantes aos partidos modernos, que se formaram quando o di- reito ao voto foi se tornando mais abrangente, passando a incluir os homens brancos de classe média e depois os mais pobres, os negros, as mulheres, etc. A partir desse momento, todos os grupos que queriam ganhar influência sobre o Estado precisaram correr atrás do apoio dos eleitores.
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