Buscar

a visita de robert park ao brasil

Prévia do material em texto

C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r,
 v
. 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
35
Lícia do Prado Valladares
Este artigo insere-se nas preocupações teóricas da autora sobre a recepção da “Escola de Chica-
go”, no Brasil. Analisa a passagem de Robert Park ao final dos anos 30 na Bahia; suas motivações
e os efeitos para as ciências sociais internacionais. Essa viagem é pouco conhecida e o artigo traz
uma pequena colaboração para a história das ciências sociais, no Brasil e na Bahia. Baseada em
dados originais de pesquisa realizada no Brasil e nos Estados Unidos, o autora considera a
importância da visita de Park [e de Pierson] à Bahia. Retoma as noções clássicas de Homem
Marginal, desenvolvida por Park e de melting pot, usada por Park e discípulos, ao se referirem
à convivência, em Chicago, de comunidades com nacionalidades diferentes, que não se mistu-
ravam. O caso baiano, de miscigenação, intrigou Park, que acabou transformando a Bahia num
“laboratório social”, suscitando a vinda de outros antropólogos, e novas questões e interpreta-
ções teóricas, atualmente retomadas.
PALAVRAS-CHAVE: Escola de Chicago, Robert Park, Donald Pierson, relações raciais, Bahia e Brasil.
D
O
S
S
IÊ
A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL, O “HOMEM
MARGINAL” E A BAHIA COMO LABORATÓRIO
Lícia do Prado Valladares*
* Doutora em Sociologia. Professora na Université de Lille 1
(França) e membro do Centre Lillois d´Études et de Recherches
Sociologiques et Économiques - CLERSE/CNRS. Pesquisa-
dora associada ao IUPERJ, Rio de Janeiro (Brasil).
Faculté des Sciences Economiques et Sociales. Université
des Sciences et Technologies de Lille. 59655. Villeneuve
d’Ascq Cedex. France. licia.valladares@univ-lille1.fr.
A autora agradece a Mariza Corrêa, Gilberto Velho e a
Anete B. L. Ivo, primeiros incentivadores deste estudo,
e a Cecília Sepúlveda, Cláudia Cruz e Lerice Grazoni que,
na qualidade de assistentes de pesquisa, colheram dados
em Salvador, na Biblioteca Nacional, no Arquivo Nacio-
nal do Rio de Janeiro e no Arquivo Edgard Leuenroth da
UNICAMP. Agradecimentos vão também para a Diretora
da Casa de Oliveira Vianna, em Niterói, Rio de Janeiro e
a Maria Brandão (em Salvador) pelo arquivo de cartas de
Thales de Azevedo. Nos Estados Unidos, várias pessoas
foram extremamente simpáticas, dentre as quais: James
Grossman, editor da Encyclopedia of Chicago e diretor
da Newberry Library; Julia Gardner e Barbara Gilbert da
Special Collections Research Center, University of Chica-
go Library; Dani Smith, diretora do Department of Social
Science, Fisk University e Beth Howse do Archival and
Manuscript Collections of the Fisk University, Franklin
Library. William Kornblum, do Graduate Center, City
University of New York e Diana Brown, Bard College, que
foram interlocutores constantes. Anna Sant’Anna, do
Lincoln Institute of Land Policy de Harvard, intermediou
 INTRODUÇÃO
Robert E. Park visitou o Brasil durante um
mês e meio em 1937. Nessa época, ele se encontra-
va na Universidade de Fisk (Tennessee) após ter se
aposentado pela Universidade de Chicago, onde
ensinou no Departamento de Sociologia de 1913 a
1933. Ele veio ao Brasil acompanhado de sua espo-
sa, Clara Cahill Park. O principal motivo dessa
viagem era o de supervisionar o trabalho de cam-
po de Donald Pierson,1 seu aluno de PhD da Uni-
versidade de Chicago, que estava morando em Sal-
vador com sua esposa americana, desde 1935, es-
tudando relações entre brancos e pretos na Bahia.2
a relação com Lisa Redfield Peattie, neta do Robert Park.
Sou também grata a Peter Ward, professor do Department
of Sociology, University of Texas at Austin e a Bryan
Roberts, então diretor do Teresa Lozano Institute of Latin
American Studies, que me convidaram como visiting
ressource professor a Austin. Finalmente, não posso
deixar de mencionar Edmond Préteceille, que acompa-
nhou com enorme interesse minhas “aventuras” pelos
arquivos americanos.
**Tradução da documentação citada, do inglês para o por-
tuguês, de Any B. Leal Ivo, com revisão da autora.
1 Eram membros do Committee responsável pela tese de
Donald Pierson nada menos que Robert Redfield, Louis
Wirth e Robert Park. Robert Redfield, na qualidade de
presidente do Committe, é quem deveria ter vindo ao
Brasil. Charles Johnson, da Universidade de Fisk, diretor
do Departamento de Ciências Sociais, também cogitara
em vir, mas foi forçado a desistir por conta de sua agenda
de compromissos. Fonte: Carta do Park ao Pierson, em 7
de abril de1937, anunciando sua visita à Salvador (Ar-
quivo Edgard Leuenroth).
2 Mariza Corrêa, em História da Antropologia no Brasil (1930-
1960), colheu o testemunho de Donald Pierson, oferecen-
do, em “Algumas atividades no Brasil em prol da antropo-
logia e outras ciências sociais”, os principais momentos
que marcaram sua longa trajetória de dezoito anos no Bra-
sil. Várias das informações aqui reproduzidas sobre Donald
Pierson foram tiradas desse seu depoimento a Corrêa.
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r, 
v.
 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
36
A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...
Após ter passado julho e agosto de 1937 no
Brasil, primeiro no Rio de Janeiro, quando se encon-
trou com Artur Ramos,3 e, em seguida, em Salvador,
onde foi apresentado por Donald Pierson à cidade, à
sua rede de relações e aos candomblés baianos, Robert
Park retornou à Tennessee, onde, desde 1936, atua-
va como professor convidado da Universidade de
Fisk, a convite de seu ex-aluno Charles Johnson,4
então Diretor do Departamento de Ciências Sociais.
Nessa universidade (à época exclusiva para estudan-
tes negros), Robert Park ministrou, junto com Donald
Pierson,5 em 1938, um seminário sobre Raça e Cul-
tura. Em 1942, a tese de Donald Pierson Negroes in
Brazil: a study of race contact at Bahia foi publicada
pela University of Chicago Press, com uma introdu-
ção de Robert Park. O trabalho recebeu o prêmio
Anisfield, outorgado pela Social Science Research
Council como “o melhor livro científico do ano so-
bre relações de raça no mundo contemporâneo”.6 O
livro foi publicado em português sob o título de Bran-
cos e Prêtos na Bahia. Estudo de contato racial, em
1945, pela Companhia Editora Nacional, acompanha-
do de duas introduções, uma de Robert Park e a
outra de Arthur Ramos e republicado, nos Estados
Unidos, em 1966, pela Southern Illinois University
Press e, no Brasil, em 1971, com uma nova introdu-
ção, revista e atualizada pelo autor pela Editora Naci-
onal, série 241, Brasiliana.
A viagem de Robert Park ao Brasil é pouquíssimo
conhecida dos autores americanos que escreveram
sobre ele e sua obra. Somente Matthews (1977),
Raushenbush (1979) e Coser (1971) a mencionam,
mas sem lhe atribuir qualquer importância.7 É como
se, para a trajetória intelectual de Park, a viagem ao
Brasil importasse pouco.8 Com efeito, Raushenbush
(1979, p. 197-198), responsável pela principal biogra-
fia do autor, não menciona, entre as introduções feitas
por Park aos livros de seus orientandos, aquela escrita
para o livro do Donald Pierson! Republicada essa in-
trodução em Race and Culture (1950), sob o título de
The career of the Africans in Brazil, o capítulo não
interessou aos schollars [estudiosos] americanos.9 A
grande maioria dos livros e artigos escritos sobre Park
versa sobre a sua contribuição para a sociologia ameri-
cana, destacando dois períodos: aquele que antece-
deu a sua ida para Chicago, quando Park era jornalis-
ta, e o período em que Park, na Universidade de Chi-
cago, esteve à frente da corrente que viria a se chamar
de “Escola de Chicago”.10
Neste artigo, procuro mostrar a importân-
cia da viagem de Park ao Brasil no final dos anos
30, sugerindo que foi a partir de então que a ciên-
cia social internacional descobriu a Bahia, trans-
3 Fonte: Carta do Robert Park a Arthur Ramos, escrita de
Salvador, em 19 de agosto de 1937 (Biblioteca Nacional,
Arquivo Arthur Ramos I-35,36,2.032). Nessa carta,
Park faz menção ao Hugh Tucker, americano que vivia há
muitosanos no Rio e com quem foi até a residência de
Arthur Ramos.
4 Charles Johnson havia sido aluno do Park em Chicago.
Em 1922, escreveu o livro The negro in Chicago. A study
of race relations and a race riot in 1919. Ver Referências.
5 Donald Pierson foi, a convite do Robert Park, para
Tennessee, após sua estadia na Bahia. Robert Park con-
seguira para ele uma posição de assistente na Universi-
dade de Fisk. (Fonte: Carta do Robert Park a Charles
Johnson, então chefe do Departamento de Sociologia,
Archival and Manuscript Collections of the Fisk University
Franklin Library). Os Pierson’s moraram em Nashville
com o casal Park, enquanto Donald Pierson redigia a sua
tese de doutorado. Trata-se do único caso em que um
aluno de PhD de Robert Park morou com ele.
Raushenbush (1979) menciona o fato na biografia que
escreveu sobre Park.
6 Informação dada pelo próprio Pierson a Corrêa (1987, p.40).
7 O mesmo pode ser dito em relação aos autores franceses.
Chapoulie (2001), que escreveu o mais completo livro
em língua francesa sobre a tradição sociológica de Chica-
go, menciona Donald Pierson, mas não faz referência à
viagem de Park ao Brasil. No seu livro sobre A Escola de
Chicago (1992, traduzido para o português em 1995),
publicado na coleção Que Sais-je?, Coulon desconhece
Donald Pierson, não fazendo qualquer menção à viagem
de Park ao Brasil.
8 A neta de Park, Lisa Redfield Peattie, com quem conver-
sei longamente, não sabia que seu avô estivera no Brasil
e na Bahia! O mesmo pode ser dito de vários sociólogos
urbanos que encontrei nos Estados Unidos (nas Uni-
versidades de Harvard, Brown, City University of New
York, Columbia, Princeton, Austin), durante a minha
pesquisa entre outubro de 2008 e fevereiro de 2009.
9 Robert Park só escreveu sobre o Brasil uma vez. Não
encontrei o artigo prometido à revista África, intitulado
“Relics of The Persistance of African Culture in Bahia”.
Diz D. Westermann, do Internationales Institut fur
afrikanische Sprachen und Kulturen, em carta ao Park,
datada de 29 de Outubro de 1937: I should like to see the
ms of your article on Relics of the Persistence of African
Culture in Bahia. If it is not too long and not too far away
from the aims which our journal pursues, it might be
possible to publish it. So if you will kindly send dit, I
shall have pleasure in examining it [Eu gostaria de ver o
ms [manuscrito] do seu artigo sobre Relíquias da Persis-
tência da Cultura Africana na Bahia. Se não for muito
longo nem muito distante dos propósitos que a nossa
revista adota, é possível publicá-lo. Então, se você cordi-
almente me enviar, eu terei prazer em examiná-
lo].(Fonte:Archival and Manuscript Collections of the Fisk
University Franklin Library). Tal artigo, aparentemente,
não chegou a ser publicado.
10 Nas minhas buscas em bases bibliográficas nos Estados
Unidos, encontrei apenas um artigo sobre Robert Park
em Fisk. Ver Cahnmann (1978).
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r,
 v
. 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
37
Lícia do Prado Valladares
formada desde então em um “laboratório social”.
Trata-se de uma pequena contribuição à história
das ciências sociais no Brasil, pois me interesso
pela circulação das ideias e pela recepção da “Es-
cola de Chicago” entre nós.11
QUEM ERA O ROBERT PARK QUE VISITOU O
BRASIL? O QUE O TROUXE ATÉ AQUI?
Robert Park veio ao Brasil em 1937, quando
já estava com 73 anos (nascera em 1864, na
Pennsylvania) e já conhecia boa parte do mundo,
sendo um autêntico world wide traveler [homem do
mundo]. Diferentemente de seus conterrâneos ame-
ricanos da época, estivera na Europa e em outros
continentes. Como estudante, em Berlim (onde fre-
quentou cursos dados por Simmel), em Strasburgo12
e em Heildelberg, onde defendeu sua tese de
doutorado em 1903, The Crowd and the Public.13
Como jornalista, acompanhando o líder negro Booker
T. Washington em sua viagem pela Europa, ajudou-
o a escrever The Man Farthest Down (1912).14 Na
qualidade de professor, esteve por bastante tempo
em Honolulu e Hawai (onde coordenou o Survey of
Race relations in the Pacific Coast), na China (onde
foi professor convidado durante três meses em
Peiping), no Japão, nas Philipinas, na Indonésia, na
África do Sul. Nessas viagens de volta ao mundo, se
fez sempre acompanhar de Mrs. Park e foi em sua
companhia que desembarcou no Rio de Janeiro, do
navio Southern Cross, em 15 julho de 1937,15 antes
de seguir para Salvador.
Park vem, portanto, ao Brasil num momen-
to de sua vida em que já é um sociólogo reconhe-
cido tanto dentro como fora dos Estados Unidos.
Publicara, juntamente com Ernest Burgess, em
1921, Introduction to the Science of Sociology, co-
letânea apelidada de Green Bible [Bíblia Verde], tal
foi sua importância à época.16 Fora eleito, em 1925,
presidente da American Sociological Society e era
membro do conselho editorial de várias revistas
científicas. Suas ideias sobre a ecologia urbana eram
amplamente difundidas, e seu artigo Suggestions
for the investigation of human nature in the urban
environment, publicado no livro The City (1925),
editado junto com Ernest Burgess, tornou-se um
clássico para se pensar a cidade. Inúmeros dos
seus alunos de PhD em Chicago tiveram suas te-
ses publicadas, dentre as quais se tornaram clássi-
cos os estudos de Nels Anderson (1923), Thrasher
(1927), Louis Wirth (1929), Zorbaugh (1929), Shaw
(1930) e Stonequist (1937), dentre outros.
Robert Park já era conhecido dos principais
sociólogos e antropólogos brasileiros quando aqui
desembarcou em 1937, o mesmo podendo ser dito
da Escola de Chicago, da qual Robert Park tornara-
se figura chave. Gilberto Freyre, que estudara nos
Estados Unidos (na Columbia, New York, nos anos
1920) começa o seu livro Nordeste, aspectos da
influencia da canna sobre a vida e a paisagem do
nordeste do Brasil (1937), anunciando: “Este en-
saio é uma tentativa de estudo ecológico do Nor-
deste do Brasil” (grifo nosso) e, em nota de pé de
página, cita os principais autores da nova biblio-
grafia que “já inclue trabalhos de valor” (Freyre,
1937, p. 9-10), dentre os quais os de McKenzie e
os de Robert Park. Outro brasileiro de renome, Oli-
veira Vianna, já havia entrado em contacto com
Park e lhe enviado seus livros Raça e Assimilação,
publicado em 1932, e Populações Meridionais do
Brasil, cujo primeiro volume é de 1920.17 Arthur
Ramos, na introdução que escreveu ao livro do
11 Um primeiro interesse no estudo da recepção da Escola
de Chicago no Brasil está registrado em Valladares (2005),
onde já é feita uma menção à visita do Robert Park à
Bahia. Há vários trabalhos sobre a importância de Donald
Pierson na sociologia brasileira através dos dezesseis anos
em que foi professor na Escola Livre de Sociologia e
Política de São Paulo: Durham e Cardoso (1961); Corrêa
(1987); Limongi (1989); Massi (1989); Vila Nova (1998);
Mendoza (2005), entre inúmeros outros.
12 Sobre seus dois anos e meio passados em Strasbourgo,
ver Denis in Guth (2008).
13 O título original de sua tese em alemão era Masse und
Publikum. Sobre essa tese, escrita sob a orientação de
Wilhlem Windelband, ver o artigo de Guth in Guth
(2008).
14 Segundo Coser (1971) e vários outros autores america-
nos. Na ultima edição desse livro, consta Robert Park
como co-autor.
15 Fonte: Informação colhida junto ao Arquivo Nacional.
Fundo DPMAF, livro RV397.
16 Ver Schrecker in Guth (2008).
17 Carta de Robert Park a Oliveira Vianna, datada de 13 de
julho de 1933. Nessa carta, Park agradece o recebimento
dos livros dedicados a ele por Oliveira Vianna. (Fonte:
Biblioteca Oliveira Viana, Casa de Oliveira Vianna, Niterói,
Reg. n° 1035.1).
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r, 
v.
 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
38
A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...
Donald Pierson, diz que o “jovem sociólogo vinha
formado dentro da rígida disciplina metodológica
da sua universidade onde recebeu os ensinamentos
do grande Park” (Ramos, 1943. grifo nosso). Um
autor contemporâneo (Vila Nova, 1998) lembra-nosque a criação da Escola Livre de Sociologia e Polí-
tica de São Paulo esteve vinculada a uma preocu-
pação das elites com uma eficiente atuação na vida
social e com a “confiança iluminista na ciência
como instrumento seguro de reforma social” (p.
119). Segundo Vila Nova (1998), os autores do
projeto da Escola vão na direção do pragmatismo-
naturalista, no sentido desenvolvido pelos soció-
logos de Chicago.18 Vila Nova chega a afirmar que
“Park exerceu influência significativa sobre Freyre
quanto à sua concepção da sociologia como ciên-
cia mista ou anfíbia. É que a sociologia vem sendo
ao mesmo tempo ciência natural e, com outras ci-
ências chamadas sociais, ciência cultural” (Vila
Nova, 1998, p. 125).
Muito embora uma “obrigação universitá-
ria” teria sido a causa primeira da viagem de Park
ao Brasil, em 1937, o que parece tê-lo trazido até
aqui foi, com efeito, o seu interesse pelas relações
raciais. Nos seus tempos de jornalista, em que fora
secretário da Congo Reform Association e asses-
sor por sete anos de Booker T. Washington no
Tuskegee Institute no Alabama (antes, portanto,
de se tornar professor universitário), Robert Park
conheceu, entrevistou e conversou com centenas
de negros americanos, a maioria dos quais vivia
no campo. Entre 1906 e 1912, acompanhara Booker
T. Washington em várias viagens tanto ao Sul dos
Estados Unidos quanto à Europa. Chegara à con-
clusão de que os negros eram diferentes dos
migrantes europeus que viviam nos Estados Uni-
dos, apesar de ambos terem migrado para o novo
continente. Enquanto as condições de chegada
dos negros aos Estados Unidos tinha feito desapa-
recer todo traço da sua cultura africana de origem,
os europeus a mantinham no seu novo habitat.
Assim sendo, a noção de assimilação19 seria dife-
rente entre os dois grupos. Os negros tiveram de
reinterpretar a cultura anglo-saxã (apesar de serem
isolados do mundo dos brancos), enquanto que
os europeus trouxeram consigo a sua cultura e os
seus valores.
O contato entre raças e entre culturas era,
de fato, o que interessava a Robert Park. Não por
acaso seu livro póstumo, publicado em 1950 com
um prefácio de Everett Hugues, se chama Race and
Culture. Não por acaso também, quando Park se
aposenta pela universidade de Chicago, vai para a
Universidade de Fisk, uma universidade negra.
Sua opção por Fisk tem a ver com a relação próxi-
ma com seu ex-aluno Charles Johnson (à época,
chefe do Departamento de Sociologia), mas tam-
bém representa uma escolha consciente e clara. São
palavras do próprio Park:
My primary purpose in coming to Fisk was (1) to
renew my acquaitance with the South and (2) in
view of the fact that I had long been interested in
racial studies, explore the possibility of an
institute for the systematic study of race problems.
[Meu propósito original vindo para Fisk foi (1)
renovar minha familiaridade com o Sul e, (2)
tendo em vista que eu tenho estado há muito tem-
po interessado por estudos raciais, explorar a
possibilidade de um instituto para o estudo siste-
mático dos problemas raciais].20
Apesar de ter seu nome associado à sociolo-
gia urbana, trazendo para a universidade seu inte-
resse pela cidade, vista não tanto pela ótica
geográfica, mas como um “organismo social”, Park
nunca deixou de se interessar pelas questões do
contato racial e cultural, considerando-os cada vez
mais numa perspectiva internacional. Suas estadi-
as na China, na Índia, no Japão, em Havaí e na
África do Sul serviriam não apenas para ampliar
sua rede de relações universitárias, como também
para verificar suas ideias e conceitos nos diferentes
contextos. E, no dizer de Charles Johnson (1945):
Just as he found in race and color in America an
index to human relations, so race and culture
problems throughout the world gave him a key to
the understanding of the process of civilization.
18 Não por coincidência Donald Pierson é convidado em
1939 a integrar o corpo docente da Escola Livre de Soci-
ologia e Política de São Paulo.
19 Park diferenciava os processos de competição, conflito,
acomodação e assimilação. Ver Coser (1971).
20 Documento escrito por Robert Park “Comments of
Graduate Study at Fisk University”, datado de 19 de ou-
tubro de 1938. (Fonte: Archival and Manuscript
Collections of the Fisk University Franklin Library).
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r,
 v
. 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
39
Lícia do Prado Valladares
[Assim como ele encontrou na raça e cor na
América um registro das relações humanas, do
mesmo modo os problemas de raça e cultura atra-
vés do mundo deram-lhe a chave para entender
o processo de civilização].
O Brasil seria, portanto, mais um ponto de
referência no contexto internacional, embora dota-
do de uma dimensão própria. Lembremos que
Pierson fala de uma viagem de volta ao mundo em
1934, durante a qual Park teria visitado a América
do Sul. Não encontramos, nos arquivos america-
nos consultados, traços dessa sua passagem pelo
Brasil em 1934, mas Park aqui esteve,21 embora
muito rapidamente, e foi nessa primeira viagem
que conheceu, no Rio de Janeiro, Artur Ramos e
Oliveira Vianna (Corrêa, l987, p. 36-37) e que te-
ria adquirido o livro de Nina Rodrigues Os Africa-
nos no Brasil (Corrêa, 1987, p. 35).
Com efeito, o Brasil era conhecido dos aca-
dêmicos estrangeiros por ser uma região que dife-
ria do modelo americano de relações raciais e cul-
turais. Gilberto Freire havia publicado em 1922,
no volume 5 da Hispanic American Historical
Review, a sua dissertação de mestrado “Social Life
in Brazil in the middle of the XIX century”, germe
embrionário de Casa-grande e Senzala, publicado
pela primeira vez em 1933 (TUNA, 2008). Nina
Rodrigues era, já à época, referência obrigatória dos
estudos sobre o negro no Brasil. Dois Congressos
Afro-Brasileiros haviam sido organizados, no Re-
cife e em Salvador, respectivamente em 1934 e 1937,
contando ambos com a participação de brasileiros
(acadêmicos e pessoas ligadas aos candomblés) e
um ou outro estrangeiro.22 O Brasil era, sem dúvi-
da, um caso interessante sobre essa temática, que
merecia ser estudado e mais conhecido, diferenci-
ando-se substancialmente do caso norte-america-
no por basear-se na miscigenação.
Foi certamente sabendo que o Brasil apre-
sentava uma configuração particular de difícil re-
conciliação com as ideias sobre as relações raciais
nos Estados Unidos que Robert Park sugeriu a
Donald Pierson que viesse aqui estudar a “situa-
ção racial”.23 E foi, sem dúvida, querendo ver com
os próprios olhos uma situação onde o melting
pot24 de raças e culturas acabava por desembocar
na miscigenação, que planejou com sua esposa uma
longa estadia na Bahia em 1937.
O “Homem Marginal”
Quando chegou a Salvador, Park já era o
“conhecido e famoso americano Robert Park” da
Universidade de Chicago.
Em 1928, Park publicara um artigo na
American Journal of Sociology, intitulado “Human
Migration and the Marginal Man”. Este artigo vi-
ria a contribuir para uma discussão muito presen-
te à época sobre a integração dos imigrantes na
sociedade norte-americana e consistiria numa das
principais contribuições de Robert Park para a
história da sociologia americana (Coser, 1971).
A noção de homem marginal, quando pri-
meiramente cunhada, não é negativa, como poderia
parecer. No artigo em questão, Park desenvolve as
ideias de Simmel,25 baseando-se na figura do “es-
trangeiro” [The Stranger]. O estrangeiro é aquele que,
21 Conforme o Pierson atesta em entrevista concedida a
Corrêa (1987).
22 O primeiro congresso, de 1934, foi organizado por Gil-
berto Freyre no Recife, e o segundo foi organizado por
Edison Carneiro, em Salvador, em 1937, meses antes da
visita do Park. Arthur Ramos participou do primeiro con-
gresso, Donald Pierson participou do segundo, muito
embora se previsse também a participação de outro es-
trangeiro (foi o caso de Herskovitz) que não compare-
ceu. Sobre o primeiro Congresso Afro-brasileiro, ver
Levine (1973: 191), que diz: The fact that the Congress
identified Afro-Brazilian studiesas a subject worthy of
study, recognizing the multi-faceted nature of the subject
and approaching it from a wide range of disciplines is
significant in its own right.[O fato de que o Congresso ter
identificado os estudos Afro-Brasileiros como um as-
sunto digno de estudo, reconhecendo a natureza
multifacetada da temática e abordando-a através de uma
ampla série de disciplinas é em si significativo.].Ver tam-
bém Romo (2007) que, mais recentemente, escreveu
sobre o mesmo congresso.
23 Pierson, no prefácio à primeira edição norte-americana
do seu livro Brancos e Pretos na Bahia, diz: “Robert E.
Park voltava de uma longa viagem pelo mundo, durante
a qual tinha observado in loco alguns dos mais impor-
tantes centros de contato racial e cultural, inclusive o
Brasil” (Pierson, 1971, p. 76, 2ª edição).
24 N. da Editora: Segundo a autora (ver adiante) Chicago
havia sido caracterizada por Park e seus discípulos como
um “melting pot”, onde conviviam diferentes comunida-
des pertencentes a diversas nacionalidades, mas que
não se misturavam.
25 Park havia estudado com o Simmel na sua passagem por
Berlim e é considerado o introdutor de Simmel nos Esta-
dos Unidos, tendo incluído vários de seus artigos na cole-
tânea Introduction to the Science of Sociology (1921).
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r, 
v.
 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
40
A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...
vindo de fora, fica amanhã. Ele se instala na comu-
nidade, mas fica à sua margem, permanecendo, de
alguma maneira, exterior ao grupo social. Desenvol-
ve uma personalidade marginal na medida em que é
um homem à margem de duas culturas e duas soci-
edades. Segundo Simmel, o judeu emancipado é
tipicamente um homem marginal. Ele é, por excelên-
cia, um “estrangeiro”, um cosmopolita. Park, base-
ando-se em Simmel, mas também em autobiografias
de imigrantes judeus publicadas nos Estados Uni-
dos, nos diz que todas são versões de uma mesma
história: a história do homem marginal, daquele que
migrou para os Estados Unidos e está buscando um
lugar numa cidade que é mais livre, mais complexa e
mais cosmopolita do que o seu local de origem. Nes-
sas autobiografias, o conflito de culturas é o conflito
do self dividido [divided self], do velho e do novo
self. Para Park, portanto, o homem marginal é o pro-
duto de conflitos interculturais.
 A partir da tese de seu aluno Stonequist
(1937), Park dará mais tarde outro sentido à expres-
são homem marginal, que passará a ter uma
conotação mais negativa, incluindo a situação dos
negros do Sul dos Estados Unidos, que vivem à
margem da cultura branca. O homem marginal será
tipicamente um imigrante da segunda geração, que
sofre os efeitos da desorganização do grupo famili-
ar, como a delinquência juvenil, a criminalidade, o
divórcio. Livre de seus antigos valores e tradições,
ele tem sua antiga identidade afetada, mas encon-
tra-se ainda sem orientação diante dos novos valo-
res da sociedade que o acolhe… Nessa sua nova
concepção, o homem marginal continua sendo um
migrante, porém ele pode ser representado por um
europeu ou um negro do Sul dos Estados Unidos
que veio à cidade em busca de trabalho, ou ainda
um camponês americano que sofreu os efeitos do
êxodo rural. O homem marginal é alguém que, ao
separar-se de sua cultura de origem, constrói, no
processo de aculturação, uma nova identidade.
Para Park, portanto, o homem marginal é um
híbrido cultural, que se encontra entre duas culturas
distintas, não sendo plenamente aceito por nenhu-
ma delas. No entanto, a mestiçagem não deixa de ser
um enriquecimento, e o homem marginal é suscetí-
vel de criatividade, ligada ao fato de sua posição crí-
tica em relação ao meio que não lhe é familiar.
Park certamente chegou ao Brasil e à Bahia
querendo testar essas ideias... Como todo intelec-
tual, vinha imbuído de pensamentos e esquemas
provenientes das realidades com as quais se vira
confrontado.26
Um Melting Pot baiano?
Embora tendo vindo ao Brasil de Nashville,
onde vivia e ensinava, não há dúvidas de que,
para Park, Chicago era a referência do que seria
uma metrópole moderna, uma “cidade”.
Chicago havia sido caracterizada por Park e
seus discípulos como um melting pot, onde con-
viviam diferentes comunidades pertencentes a di-
versas nacionalidades, mas que não se mistura-
vam. Halbwachs, sociólogo francês, em visita a
Chicago nos anos 1930,27 espantou-se com a quan-
tidade de estrangeiros aí presentes: poloneses, ale-
mães, russos, italianos, gregos, tchecos, irlande-
ses, suecos, eslavos, judeus de diversas procedên-
cias, totalizando mais de vinte nacionalidades que
viviam numa mesma cidade, distribuídos em vári-
as comunidades (Halbwachs, 1932). Chicago, com
certeza, era uma cidade de estrangeiros, e eles
correspondiam, na mesma época, a cerca de 70%
da população local. Jane Addams, pioneira da
filantropia em Chicago desde o final do século XIX,
no livro Hull House Maps and Papers mostra, rua
por rua, a concentração dos diversos imigrantes.28
Porém, à diferença segundo a nacionalidade so-
26 Na leitura de Coulon (1995): “... se alguns grupos soci-
ais permanecem marginalizados e desenvolvem cultu-
ras intermediárias, híbridas, sem jamais se assimilar to-
talmente à cultura dominante, é porque o homem mar-
ginal possui uma ambiguidade fundamental. Mesmo
sendo um homem criativo, que inventa novas formas
de sociabilidade e novos traços culturais, é também o
que sofre esta situação dual de maneira dolorosa, com
manifestações psicológicas que ao mesmo tempo o re-
velam e o designam como um desviante social”.
27 Ver Topalov (2007), que descreve e analisa Halbwachs
em Chicago, em 1930.
28 Quanto à população negra de Chicago, ela somente teve
peso a partir de 1914, quando começaram a chegar os
negros vindos dos estados do Sul. Em 1930, a popula-
ção negra correspondia a 7% da população total
(Halbwachs, 1932).
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r,
 v
. 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
41
Lícia do Prado Valladares
brepunha-se uma diferença de classe social, o que
dava à cidade uma configuração espacial bastante
especial. Tinha-se assim, em Chicago, uma
aglutinação dos migrantes recentes e ainda não “in-
tegrados” à sociedade americana nas Little Italy ou
China Town ou no Ghetto Judaico (conhecido como
The Ghetto), localizados nas áreas centrais da me-
trópole. Verdadeiras “zonas morais”, tais territóri-
os (verdadeiros enclaves) supriam as funções de
proteção diante do novo ambiente e ajudavam os
diversos grupos étnicos na manutenção da tradi-
ção e na reprodução de valores.
Uma vez “integrados” à sociedade, os “no-
vos americanos” iam para a periferia, onde habita-
vam em bungalows [bangalôs] ou em bairros exclu-
sivos. A mobilidade residencial correspondia, en-
tão, à mobilidade social. O esquema de Burgess e
Park (inspirado por Chicago) da cidade em zonas
concêntricas (Park, Burgess e Mackenzie, 1925) re-
fletia bem essa dinâmica social e espacial: à medida
em que se progredia na escala social, as áreas cen-
trais da cidade eram deixadas em prol da periferia.
 A Salvador que Park encontrou em 1937
não correspondia ao modelo ideal de cidade ins-
pirado pelo caso de Chicago. Havia apenas 290.443
habitantes no município de Salvador em 1940, não
sendo, portanto, Salvador, àquela época, uma me-
trópole. Por outro lado, o Censo de 1940 nos in-
forma que Salvador não tinha uma população es-
trangeira substancial. Em 1940, os estrangeiros
totalizavam apenas 5.439 habitantes (quase 2% da
população total). E, dentre os estrangeiros, a colô-
nia espanhola era a mais numerosa,29 não haven-
do, no entanto, uma concentração deles em uma
só zona da cidade. Os espanhóis se encontravam
dispersos nos diferentes bairros de classe média.
Por outro lado, a migração para Salvador era, so-
bretudo, de baianos que se deslocavam do interior
para a capital. A população não era, portanto, com-
posta de estrangeiros, mas de baianos e de todos
os matizes, fruto da sua composição inter-racial.Homem marginal? Melting pot?
A composição da população de Salvador,
segundo a cor, no Recenseamento de 1940, era a
seguinte:
Onde estava, portanto, o melting pot? O caso
baiano era de miscigenação, como mostravam os
dados de 1940 (38% da população se declarou
parda30) e como reconheceu Donald Pierson 
(1971):
... a miscigenação se tem processado na Bahia
ininterruptamente e sem provocar atenção so-
bre si durante longo período de tempo. Talvez
em poucos lugares do mundo o cruzamento inter-
racial se tenha dado de maneira tão contínua e
em escala tão extensiva em tempos recentes.
(p.362).
A cidade do Salvador se encontrava dividi-
da em diferentes espaços étnicos, mas a divisão da
cidade estava também marcada por espaços ricos e
espaços pobres. Nas palavras do próprio Park
(Pierson, 1971, p. p.84):
 … para o estrangeiro que na Bahia percorra uma
das elevações onde moram os ricos, é uma expe-
riência um tanto bizarra, ouvir, vindo dentre as
palmeiras dos vales vizinhos, onde os pobres
moram, o insistente rufar dos tambores africa-
nos. Tão estreitas são as distâncias espaciais que
separam a Europa, situada nas elevações, da Áfri-
ca, situada nos vales, que é difícil perceber a
amplitude das distâncias sociais que as
separam. (grifos nossos)
O que chamou a atenção de Park foi, por-
tanto, a divisão de classes existente na sociedade
baiana, que se expressava também por uma divi-
são étnica e de ocupação do espaço urbano.
Park não ficou, porém, imune à miscigena-
ção que constatou na sua visita a Salvador e que
lhe foi mostrada por Donald Pierson ao percorre-
29 Informação proveniente da Enciclopédia dos Municípi-
os Brasileiros, XXI Volume, Rio de Janeiro.
30 Em 1950, segundo o Recenseamento, a população que
se definia como parda em Salvador já atingia 41% da
população total.
roC oremúN %
acnarB 298.101 80,53
aterP 274.67 33,62
adraP 476.111 54,83
aleramA 641 50,0
adaralcedoãnroC 952 90,0
latoT 344.092 00,001
.0491edoãçatibaheoãçalupop:ocifárgomeDosneC.EGBI:etnoF
]airpórpoãçarobalE[
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r, 
v.
 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
42
A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...
rem as ruas da cidade, ao visitarem pessoas da
sociedade baiana, ao assistirem a várias cerimôni-
as em terreiros de candomblé. A miscigenação,
uma característica do Brasil, não era nada frequen-
te nos Estados Unidos de então, onde a ideologia
racial tendia a se perpetuar, impossibilitando a
mistura racial.31 Park reconhecia as dificuldades
de um pesquisador estrangeiro (americano) diante
de tal situação. São palavras do próprio Park:
Mais difícil ainda para nós, cuja concepção do
problema do negro e das ‘relações raciais’ se for-
mou nos Estados Unidos, é compreender em to-
das as suas minúcias a ‘situação racial’ num país
de história e tradição diferentes. (Pierson, 1971,
p . 84-85).
O que a miscigenação representava no Bra-
sil e na Bahia?
Park chegou mesmo a repensar o significa-
do do melting-pot e escreveu, na Introdução do
livro de Pierson (1971, p. 82):
 Ao sugerir a possibilidade de estudos futuros
em seguida a este, estou levando em conta o se-
guinte: 1) que o Brasil é um dos mais importan-
tes “melting-pots” de raças e culturas em todo o
mundo, onde a miscigenação e aculturação estão
se processando; e 2) que o estudo comparativo
dos problemas de raça e cultura provavelmente
assumirá uma importância especial nesta épo-
ca, em que a estrutura de ordem mundial parece
estar se desintegrando devido à dissolução das
distâncias físicas e sociais, sobre as quais esta
ordem parece repousar.
A visita de Park a Bahia teve, ao que parece,
consequências na sua maneira de pensar a ques-
tão racial...32
Bahia: um laboratório social
O Brasil era considerado pelos scholars ame-
ricanos um verdadeiro “laboratório da civilização”,
afirmaria Arthur Ramos em 1943, na introdução à
primeira edição do livro do livro do Donald Pierson.
A referência era ao Brasil como um todo, mas não a
Salvador, na Bahia, em particular. Defenderemos
aqui a hipótese de que foi somente após a estadia
do Donald Pierson e da visita de Robert Park a Sal-
vador que essa cidade seria “transformada” em um
verdadeiro laboratório social.33
A cidade como laboratório foi uma das prin-
cipais contribuições de Robert Park à sociologia
urbana ou à ciência da cidade.34 A ideia primeira
teria vindo de Albion Small, então chefe do De-
partamento de Sociologia. A imagem da cidade
como laboratório foi, segundo Leclerc (1979), uma
forma publicitária que Park encontrara para explo-
rar o material rico que as cidades americanas ofe-
reciam para que se analisassem os problemas de
pobreza, da integração e das formas de organiza-
ção social da sociedade. Não interessava simples-
mente o estudo da cidade, mas a compreensão ci-
entífica de seus problemas que, em consequência
do rápido crescimento demográfico, da forte pre-
sença de imigrantes europeus, da intensificação do
conflito entre capital e trabalho, eram inúmeros.
Como a época era de estabelecimento dos
princípios científicos da sociologia, a metáfora do
laboratório fazia sentido. Como explicar, por exem-
plo, a anatomia da vida coletiva? Uma morfologia
que se transformava rapidamente e que, a olho nu,
sugeria uma evolução da vida urbana, da vida dos
grupos, das comunidades? A cidade não seria como
um laboratório na medida em que ela constituiria
um dispositivo de controle das condições sociais
de reprodução do comportamento humano?
 Salvador foi, então, “transformada” (como
o fizera com Chicago, Park e seus discípulos) em
um laboratório social. Iniciando-se pela estadia de
Pierson entre 1935 e 1937. Durante 16 meses, o
casal Pierson residiu na Vitória, na Barra e nas
Mercês (bairros à época de classe alta e média) e
no Rio Vermelho (que, segundo Pierson, na épo-
ca, era um bairro pobre, onde se encontravam os
principais candomblés da Bahia).35 Pierson fez tra-
31 São palavras de Park na Introdução do livro do Pierson
1971, p. 83): Fato que torna interessante a “situação
racial” brasileira, é que tendo uma população de côr
proporcionalmente maior que a dos Estados Unidos, o
Brasil não tem “problema racial“
32 A desenvolver em outro artigo.
33 Inicialmente, para os pesquisadores americanos.
34 Ver, nas Referências, o artigo do Park intitulado “The city
as a social laboratory”, publicado em 1929 na coletânea
Chicago: an experiment in social science research.
35 Fonte: Carta de Donald Pierson a Robert Park, datada de
24 de Fevereiro de 1937. Pierson fala do Rio Vermelho
como área que dava acesso ao Engenho Velho, Matta
Escura, Garcia e Gantois. Archival and Manuscript
Collections of the Fisk University Franklin Library.
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r,
 v
. 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
43
Lícia do Prado Valladares
balho de campo em toda a cidade. Seguindo os
ensinamentos do Park, “vasculhou” tudo o que
existia à época: bibliografia cientifica em portugu-
ês, francês, inglês, alemão, notícias em jornais,
material existente nas repartições públicas e no
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e em ou-
tros arquivos (documentos históricos). Frequen-
tou as festas populares de Salvador, seus clubes
sociais, seus inúmeros candomblés. Anotou tudo
que lhe parecia importante. Empregou a técnica
do questionário, mas fez também entrevistas for-
mais e informais, pediu a algumas pessoas que
elaborassem listas. Enfim, aproveitou-se da rede
de relações que estabeleceu, utilizando a técnica
hoje conhecida como a de “bola de neve”.36
 Donald Pierson seguiu, portanto, o que o
mestre propunha a seus alunos. 37
Park, por sua vez, na sua estadia de quase
dois meses em Salvador, também considerou a Bahia
como um verdadeiro laboratório, onde tudo estava
ainda por ser estudado cientificamente e onde o so-
ciólogo ou antropólogo poderia se certificar ou não
de suas ideias, ver em movimento os vários elemen-
tos de um conjunto, estudar a organização social da
cidade e da sociedade. Com efeito, as situaçõesen-
contradas por Pierson em Salvador eram bem diver-
sas daquelas que o próprio Park havia encontrado
em suas múltiplas andanças. A organização da soci-
edade, a ascensão social dos mestiços, a ruptura da
antiga ordem baseada na escravidão, tudo isso o
impressionou e o fez se perguntar se o mestiço baiano,
brasileiro, correspondia ou não ao homem marginal
que definira a partir dos Estados Unidos.
 Pierson disse de Park, quando este esteve
em Salvador:
... he poked his nose into everything, observing,
pausing to ask questions and to talk with anyone
whose work or other activity interested him at
the moment.
[... ele metia o nariz em todo lugar, observando,
parando para perguntar e falar com qualquer
pessoa cujo trabalho ou outra atividade o interes-
sasse no momento].38
Referindo-se, ainda, a Park, diz:
Perhaps what impressed me most about him was
his constant and absorbing interest in and
curiosity about all kinds and conditions of people
and in the ways in which they live.
[Talvez o que mais me impressionou nele foi seu
constante e absorvente interesse e curiosidade
sobre todo tipo de pessoas e o modo como elas
vivem.]39
A esposa de Pierson também se refere à ati-
tude do Park sobre Salvador:
Dr. Park and Donald roamed the city, talking with
all kinds of people as they wandered through the
fascinating streets and by-ways and out into the
outlying portions of the city where the huts of the
poor, including many Negro families, were
located.
[Dr. Park e Donald percorriam a cidade, falando
com toda espécie de pessoa, enquanto
perambulavam por ruas fascinantes e ruelas si-
tuadas nas partes remotas onde os casebres dos
mais pobres, incluindo os de muitas famílias ne-
gras, estavam localizados.]40
De volta aos Estados Unidos, em fins de
agosto de 1937, Park regressou à Universidade de
Fisk, onde ofereceu, juntamente com Donald
Pierson, um seminário sobre Raça e Cultura41 em
que (supomos) apresentou boa parte da bibliogra-
fia da tese do Donald Pierson,42 baseada em gran-
de parte em autores brasileiros.
36 Ver, no próprio livro do Pierson (Segunda edição, 1971),
o Apêndice D, Estudo de Contacto Racial na Bahia: pro-
cedimento de pesquisa.
37 É fato conhecido que Park dizia aos seus discípulos para
se comportarem como um repórter. São palavras de Nels
Anderson: De toutes les consignes données par Park
celle-ci m’est restée en mémoire: ‘Contentez-vous de
retranscrire ce que vous voyez, ce que vous entendez et
que vous savez, tout comme un journaliste’. [De todos
os conselhos dados por Park este me ficou na memória:
‘Contentai-vos em retranscrever o que virem, o que
ouvem e o que sabem, como um jornalista’](Anderson,
1923, tradução francesa em 1993, p. 29). Pierson diz, em
carta à Fred Matthews, datada de 7 Novembro de 1964:
Dr. Park’s advice to me before I left for Bahia was to put
down everything that seems interesting or important. [Dr.
Park me aconselhou a registrar tudo que parecesse inte-
ressante ou importante antes mesmo que eu partisse
para a Bahia.]. (Fonte: Special Collections, University of
Chicago Library, Robert Park Papers, Box 19).
38 Carta do Donald Pierson à Fred Matthews. (Fonte: Special
Collections, University of Chicago Library, Robert Park
Papers, Box 19).
39 Idem, ibidem
40 Pierson, Helen – Recollections of life with Dr and Mrs
Park (dact.) (Fonte: Special Collections, University of Chi-
cago Library, Robert Park Papers, Box 19).
41 Infelizmente, não encontramos nos arquivos da Uni-
versidade de Fisk nenhum traço desse Seminário.
42 Ver bibliografia selecionada da primeira edição (sobre a
Bahia e sobre o Brasil) (Pierson, 1971)
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r, 
v.
 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
44
A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...
A continuação da história...
Logo após a viagem de Park ao Brasil, dirigi-
ram-se à Bahia uma série de pesquisadores ameri-
canos, seguidos de franceses. 43 Fora descoberta a
Bahia pela ciência social internacional!44 Mas, como
veremos adiante, sociólogos e etnólogos não esta-
vam interessados nas mesmas questões: enquanto
os primeiros se perguntavam sobre as mudanças e
as formas de interação que apontavam para o futu-
ro (a mobilidade social, a “carreira” dos negros),
os etnólogos interessavam-se pela permanência das
formas sociais e pelas culturas tradicionais (a he-
rança africana através do candomblé).
Logo em seguida a Donald Pierson e a
Park, veio a antropóloga Ruth Landes, em 1938-
1939. Sua “saga” baiana está descrita em The city
of women, publicado pela primeira vez nos Es-
tados Unidos em 1947, quando Park já havia
falecido, e republicado recentemente no Brasil
(2002) com prefácio de Mariza Corrêa e apresen-
tação de Peter Fry. Antiga aluna de Ruth Benedict
e de Franz Boas, Ruth Landes dirigiu-se a Robert
Park quando pensou em vir à Bahia e, graças a
ele, passou, antes de vir ao Brasil, seis meses na
Universidade de Fisk, onde se encontrou e dis-
cutiu com Donald Pierson.45 Robert Park fez-lhe
cartas de recomendação a pessoas de sua confi-
ança no Brasil, como Hugh Tucker46 e Lois
Williams.47 Foi a Robert Park que Ruth Landes
escreveu várias vezes da Bahia, pedindo-lhe su-
gestões sobre artigos que havia traduzido (de
Edison Carneiro) ou que tinha a intenção de pu-
blicar em revistas americanas.48 Robert Park, sem
43 Dentre os franceses, o mais conhecido é o Roger Bastide,
que escreveu em 1958 “Le Candomblé de Bahia”. Sobre
a obra de Bastide, que morou em São Paulo 16 anos, ver
Peixoto (2000).
44 Como já dito e redito por vários autores (ver Referênci-
as), antes dos americanos já havia brasileiros estudando
a questão racial no Brasil (Nina Rodrigues, Arthur Ra-
mos, Gilberto Freyre, Edison Carneiro, entre outros).
Vários outros brasileiros, como Thales de Azevedo,
Florestan Fernandes, Oracy Nogueira, etc., dedicaram-se
também às relações raciais, cultura e identidade negra
no Brasil nos anos 1940, 1950 e 1960.
45 Sobre a passagem de Ruth Landes pela Fisk University,
onde foi instrutora, ver Cunha (2004) que pesquisou
longamente nos seus arquivos localizados no Smithsonian
Institute.
46 Em carta a Hugh Tucker, Robert Park escreve: She already
had fund for her enterprise before she knew that Mr.
Pierson had preceded her at Bahia studying in the same
general field. I met her just as I was leaving for New York
a year ago. I suggested she should get in touch with Mr.
Pierson when she returned and that he would be at Fisk
University in the fall, thereupon she postponed her visit
to Bahia until she had a chance to get acquainted with
Mr. Pierson’s investigations. She has been at Fisk for the
last six months and is planning to sail on the 23rd of
April for Rio. [Ela já tinha encontrado recursos para vir à
Bahia antes mesmo de saber que Mr. Pierson a tinha
precedido na Bahia, estudando temática semelhante. Eu
a conheci exatamente quando ela estava partindo para
New York um ano atrás. Eu lhe sugeri entrar em contato
com Mr. Pierson quando ela retornasse pois ele estaria
na Fisk University no outono; ela então postergou sua
visita à Bahia até ter a chance de inteirar-se sobre as
pesquisas de Mr. Pierson. Ela passou os últimos seis
meses em Fisk, planejando partir em viagem ao Rio no
dia 23 de abril.]. Mais adiante, na mesma carta, escreve:
She will probably have letters from Mr. Pierson to Arthur
Ramos and some of the other local sarvants [Ela prova-
velmente terá cartas de Mr. Pierson para Arthur Ramos e
alguns outros intelectuais locais]. (Fonte: carta de Robert
Park a Hugh Tucker, datada de 5 de abril de 1938. Archival
and Manuscript Collections of the Fisk University
Franklin Library).
47 Lois William trabalhava no Instituto Brasil-Estados
Unidos. Ela tinha estudado nos Estados Unidos e foi
um dos principais contatos do Robert Park no Rio de
Janeiro. Diz o Robert Park em carta a Lois William, datada
de 5 de abril de 1938: I trust that I am not imposing to
great a burden upon you in asking you to give her
assistance during her stay in Rio de Janeiro. […] I am
sure youcan be of great service to her in making her first
contact with Brazilian life and Brazilian people, and you
can save her from some of the pitfals that an unwary
investigator is likely to fall into.[Eu espero não estar lhe
impondo uma carga extra, pedindo-lhe que dê assistên-
cia a ela durante sua estadia no Rio de Janeiro [...] Eu
estou certo que você pode lhe ser de grande valia para
fazer os primeiros contatos com a vida brasileira e com o
povo brasileiro, e você pode salvá-la de algumas das cila-
das que um investigador incauto provavelmente cairia.]
(Archival and Manuscript Collections of the Fisk
University Franklin Library).
48 Escreve Robert Park, em carta datada de 28 de setembro
de 1939 a Ruth Landes , após sua volta da Bahia: I was
very glad to learn that you are back in this country and I
am looking forward to seeing you and hearing from your
own lips the story of your adventures in Brazil.[Fiquei
muito feliz em saber que você está de volta a esse país e
espero ver você e ouvir de sua própria boca a história de
suas aventuras no Brasil.]. E continua: I was planning
to submit your article to the American Journal of Sociology
for publication and I wrote them about the article which
you translated from Edison Carneiro. I thought also that
you might find an appropriate place in the journal África.
I wrote Mr. Westermann a year or more ago telling him of
the very interesting remains of African culture in Bahia
and that I thought you might want to publish your article
and that it was altogether the best thing I have seen. But
I understand you have already found a place for it in
some other publication. [Eu estava planejando subme-
ter seu artigo à Revista Americana de Sociologia para
publicação e lhes escrevi sobre o artigo que você tradu-
ziu de Edison Carneiro. Eu também pensei que você
pudesse encontrar um lugar apropriado na revista Áfri-
ca. Eu escrevi a Mr. Westermann um ano ou mais atrás
falando-lhe dos vários vestígios interessantes da cultura
africana na Bahia, dizendo-lhe que você pretendia publi-
car um artigo e que de modo geral sua produção é a
melhor coisa que eu já tinha visto. Mas eu a compreen-
do se você já encontrou um lugar para ele em alguma
outra publicação.] (Archival and Manuscript Collections
of the Fisk University Franklin Library).
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r,
 v
. 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
45
Lícia do Prado Valladares
dúvida, desempenhou um papel importante na sua
estadia em Salvador, pois lhe abriu as portas no
Brasil, assegurando-lhe ser a Bahia um terreno fér-
til para seus estudos sobre candomblé.49
Depois da Ruth Landes, foi a vez de Melville
Herskovits, antropólogo famoso que também pas-
sou vários meses em Salvador fazendo pesquisas e
que manteve uma longa correspondência com
Arthur Ramos (Guimarães, 2004b). Segundo Chor
Maio (1997), Herskovits veio ao Brasil e à Bahia
pela primeira vez em 1941, muito embora tenha en-
viado trabalhos ao 1° e ao 2° Congressos Afro-Brasi-
leiros aos quais não pôde comparecer. Esteve na
Bahia após ter estado no Daomé, no Haiti, em
Trinidad e Suriname. Sua relação com Robert Park
é meio ambígua, pois, apesar de ambos se interes-
sarem por estudos comparativos e pelas relações
raciais, tinham posições diferentes quanto ao papel
da cultura africana no processo de aculturação no
“Novo Mundo”.50 Enquanto Herskovits defendia
que diversos aspectos dos traços da cultura africa-
na permaneceram no processo de aculturação (como
a possessão), Park estava mais interessado no pro-
cesso de assimilação51 e na mobilidade social dos
negros. Não por acaso Pierson viu, na Bahia, uma
organização social que assumia a forma de uma or-
dem de livre competição, na qual os indivíduos en-
contram seu lugar pelos critérios da competência e
realizações pessoais e circunstâncias fortuitas, mais
que por sua origem racial (Pierson, 1971, p. 365).
Pierson não se limitou a estudar as marcas do
africanismo na cultura brasileira – as heranças afri-
canas – mas considerou, sobretudo, a miscigenação
e os novos canais de ascensão social, apostando na
hipótese assimilacionista à qual Park se filiava.
A Bahia, nos anos 1940, tornara-se, com
efeito, um terreno privilegiado para pesquisadores
estrangeiros.
Não cessaram, a partir de então, as vindas
de vários deles, inclusive Franklin Frazier, sociólo-
go e ex-aluno de Park em Chicago, que aqui esteve
em 1941, na mesma época em que Herskovits pas-
sava seus seis meses em Salvador. Seguindo os
passos de Pierson, “Frazier acreditava que o Brasil
era um exemplo singular de uma sociedade
multirracial de classes com reduzida taxa de ten-
sões étnicas se comparado com a experiência norte-
americana” (Maio, 1997, p.183). É conhecida a con-
trovérsia entre Herskovits e Frazier, que chegou a
gerar artigos polêmicos na American Sociological
Review,52 tendo como pano de fundo a realidade
baiana. Para Frazier, que entrevistara famílias ne-
gras, a nova dinâmica urbano-industrial fez com que
a tradição do candomblé viesse a se transformar em
folclore, sendo “as práticas culturais baianas”, na
verdade, parte da cultura nacional brasileira.
As polêmicas ajudaram, sem dúvida, a
Bahia a se tornar um campo favorável às pesqui-
sas. Os estudos sobre contato racial e sincretismo
se multiplicavam. Lá fora, ouvia-se falar da Bahia
com suas tradições, seu sincretismo religioso, seus
terreiros e suas mães de santo... Roger Bastide,
por exemplo, antropólogo francês que residia em
São Paulo, fascinou-se pela descoberta da África
em território brasileiro, estudando as religiões ne-
gras, o transe e a possessão do ritual do candom-
blé (Bastide, 1958).
No final dos anos 1940, sociólogos da Uni-
versidade de Columbia juntaram-se com antropó-
logos e sociólogos brasileiros (Wagley, Charles;
Azevedo, Thales de; Costa Pinto, Luiz, 1950) e
desenvolveram, no estado da Bahia, o Projeto
UNESCO. Originalmente sob a direção de Arthur
Ramos (que faleceu quando o projeto estava pres-
tes a iniciar-se), o estudo se voltava para as ques-
tões levantadas pela convivência de raças na for-
49 Diz a própria Ruth Landes em carta ao Park datada de 30
de Setembro de 1939: Won’t you write? After all a man of
your position carries the obligation of being permanently
inspiring to younger workers in reated fields. I already
owe so much to you (…..)Affectionately, Ruth
Landes.[Porque você não escreve? Afinal, todo homem
de sua posição carrega a obrigação de estar permanente-
mente inspirando os mais jovens que trabalham no mes-
mo campo de ação. Eu já devo tanto a você.... Afetuo-
samente, Ruth Landes.] (Archival and Manuscript
Collections of the Fisk University Franklin Library).
50 Park fez uma apreciação sobre um dos livros de Herskovits
no American Journal of Sociology. Ver Referências.
51 A teoria do ciclo das relações raciais desenvolvida por
Park dizia que a integração respeitava um padrão
sequencial. De início, haveria um processo de competi-
ção, seguido pelo conflito, desdobrando-se na acomoda-
ção, até finalmente chegar à assimilação.
52 Ver, nas referências, os artigos de Frazier e de Herskovits.
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r, 
v.
 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
46
A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...
mação e história do país. O Projeto se desenvolveu
também em outros contextos brasileiros (em São
Paulo, no Rio de Janeiro e em Pernambuco). Se-
gundo Chor Maio (1997, p. 50), o deslocamento do
campo de pesquisa da Bahia (em princípio, único
lugar a ser investigado) para outros estados brasilei-
ros indica a preocupação de se atentar menos para
a política de combate ao racismo e mais para as pos-
sibilidades abertas pelas ciências sociais, que já co-
meçavam seu processo de institucionalização. O Bra-
sil, visto por meio da Bahia, apresentaria o país ao
mundo mediante relações raciais harmoniosas.
Como contraponto, o Sudeste do Brasil se fazia
necessário: na região mais urbanizada e industria-
lizada, as tensões raciais se faziam presentes.Não é o caso aqui de listar todos aqueles
que, desde então (anos 1960 em diante), têm se
mobilizado no campo de estudos de relações raci-
ais no Brasil, hoje representados pelos estudos de
identidade racial e racismo (Guimarães, 2004a). Pre-
conceito de cor, preconceito de raça, preconceito
de marca, desigualdades raciais, discriminação
racial e racismo são noções presentes na atual so-
ciologia das relações raciais, campo renovado e
retomado nas ciências sociais brasileiras.
No âmbito da política, desde 2002 vem se
implantando o sistema de cotas em várias universi-
dades, visando a diminuir a desigualdade racial. A
Universidade do Estado da Bahia (UNEB) foi uma
das primeiras, reservando 40% das suas vagas de
vestibular aos agora chamados “afrodescendentes”
(pretos e pardos). De certo modo, a Bahia faz jus a
sua população mestiça, tão presente nos vários es-
tudos e análises que transformaram a cidade do
Salvador em um laboratório social.
À GUISA DE CONCLUSÃO
Howard Becker, numa das vezes em que
esteve no Brasil, me disse: one paper, one idea
[uma ideia por artigo]. Qual é, portanto, o meu
“ponto” neste artigo?
Eu quis mostrar, em primeiro lugar, que, na
historia das ciências sociais no Brasil, a visita do
Robert Park a Salvador, na Bahia, muito embora
pouquíssimo conhecida, foi importante. Apesar de
curta (um mês e meio) foi intensa e ocorreu quan-
do Donald Pierson já tinha concluído seu traba-
lho de campo e estava prestes a deixar Salvador.
Como já mencionado anteriormente, Pierson foi
de Salvador para Nashville, onde morou na casa
do Park e redigiu sua tese. Orientando e orientador
tiveram, portanto, um contato muito próximo, o
que permite inferir que as ideias de Park estavam
muito presentes no texto escrito por Pierson. Após
defender sua tese, Pierson voltou ao Brasil, a São
Paulo, onde, nos seus dezesseis anos na Escola de
Sociologia e Política, tentou replicar a “Escola de
Chicago” da época do Robert Park. Após a morte
do mestre (em 1944), continuou difundindo suas
ideias e sua prática de pesquisa no Brasil.
E que impacto no próprio Park teve sua visi-
ta a Salvador? Tudo nos conduz a concluir que essa
visita lhe deixou marcas e indagações. Não que se
tenha fascinado pelo ritual do candomblé, como soe
acontecer com inúmeros estrangeiros. O grande
impacto deve ter sido o de constatar uma realidade
diferente da americana, fato que suscitou provavel-
mente inúmeras questões e interpretações teóricas,
que, de imediato, não pôde “resolver”.
Eu pretendi mostrar também que Salvador
foi transformada num laboratório social a partir da
chegada de Donald Pierson, o que foi reforçado
com a visita de seu orientador. Os pesquisadores
americanos que vieram logo depois se dirigiram à
cidade já seguros e legitimados: estavam diante de
uma “realidade” que valia a pena ser desvendada,
estudada, conhecida, pesquisada com afinco.
Donald Pierson havia começado uma discussão
que se prolongaria num terreno fértil... A constru-
ção social da Bahia (Salvador) como laboratório
estava dada...
Uma questão fica em suspenso: e os pes-
quisadores vindos de outros países que não os
Estados Unidos eram portadores de outras ques-
tões? A Bahia também se tornou um laboratório
social para brasileiros como Edison Carneiro,
Thales de Azevedo e tantos outros que até hoje se
debruçam sobre a questão do contacto e das desi-
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r,
 v
. 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
47
Lícia do Prado Valladares
gualdades raciais? Estas, sem dúvida, são indaga-
ções que permanecem.
(Recebido para publicação em março de 2010)
(Aceito em abril de 2010)
REFERÊNCIAS
ANDERSON, Nels. The Hobo. The sociology of the homeless
man. Chicago: The University of Chicago Press, 1923.
AZEVEDO, Thales de. As elites de cor: um estudo de
ascensão social. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1955.
BASTIDE, Roger. Le candomblé de Bahia (rite Nagô).
Paris le Haye: Mouton et Cie., 1958.
CAHNMAN, Werner J. Robert E. Park at Fisk. Journal of
the History of the Behavioral Sciences; v. 15, n.4, Out, p.
328-336, 1978.
CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. Bahia: Secre-
taria de Educação e Saúde. Publicações do Museu do Es-
tado, n. 8, 1948.
CHAPOULIE, Jean-Michel. La tradition sociologique de
Chicago 1892-1961. Paris: Editions du Seuil, 2001.
CORRÊA, Mariza. História da Antropologia no Brasil
(1930-1960). Testemunhos: Emílio Willems e Donald
Pierson. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais; Cam-
pinas: Editora da Unicamp/Edt. Vértice, 1987.
COSER, Lewis. Masters of sociological thought. New York:
Harcout Brace Johanovich. 1971.
COULON, Alain. L’École de Chicago. Paris: PUF, Coll. Que
Sais-je? 1992. (Tradução em português: Papirus Editora,
1995).
CUNHA, Olívia Maria Gomes da. Tempo imperfeito: uma
etnografia do arquivo. Mana. v. 10, n. 2, Out., p. 287-322,
2004.
DENIS, Marie-Noele. Robert E. Park à Strasbourg. In:
GUTH, Suzie, (Org.). Modernité de Robert Ezra Park. Les
concepts de l’École de Chicago. Paris: L’ Harmattan, 2008.
p.71-81
DURHAM, Eunice; CARDOSO, Ruth. O ensino da antro-
pologia no Brasil. Revista Antropológica da USP, São Pau-
lo, v. 9, n. 1-2, jul-dez, p. 91-107, 1961.
FRAZIER, Franklin, The negro family in Bahia, Brazil.
American Sociological Review, n. 7, p.465-478, 1942.
FREYRE, Gilberto. Social Life in Brazil in the middle of
the XIX century. Hispanic American Historical Review, v.
5, n° 4, nov., 1922.
_______. Casa-Grande e Senzala, 2 vls., Recife: Imprensa
Oficial,1933.
______. Nordeste, aspectos da influencia da canna sobre
a vida e a paisagem do nordeste do Brasil. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio Editora,1937.
GUIMARÃES, Antonio Sérgio A., Preconceito de cor e
racismo no Brasil. Revista de Antropologia, v. 47, n. 1, p.
9-44, 2004a.
______. Comentários à correspondência entre Melville
Herskovits e Arthur Ramos (1935-1941). In: PEIXOTO,
Fernanda Áreas; PONTES, Heloisa e SCHWARCZ, Lilia M.
Antropologia, história, experiências. Belo Horizonte: Edi-
tora UFMG, 2004b. p. 169-198.
GRAFMEYER, Yves; JOSEPH, Isaac. (Orgs.). L ‘École de
Chicago. Naissance de l’ecologie urbaine. Paris: Champ
Urbain, 1979.
GROSSMAN, James R.; KEATING, Ann Durkin e REIFF,
Janice L. (Edts.). The encyclopedia of Chicago. Chicago:
the University of Chicago Press, 2004.
GUTH, Suzie (Org.) Modernité de Robert Ezra Park. Les
concepts de l’École de Chicago. Paris: L’ Harmattan, 2008.
______. Masse und Publikum. La thèse de Robert Park.
In: GUTH, Suzie, (Org.). Modernité de Robert Ezra Park.
Les concepts de l’École de Chicago. Paris: L’ Harmattan,
2008. p. 31-58.
HALBWACS, Maurice [1932]. Chicago experience
ethnique. In: GRAFMEYER, Yves e JOSEPH, Isaac.
(Orgs.) L’École de Chicago. Naissance de l’écologie urbaine.
1ª edição [1979]. Paris, Champs/Flammarion, 2004.
HERSKOVITS, Melville. The negro in Bahia, Brazil: a
problem in method. American Sociological Review, n. 8,
p. 394-402, 1943.
HULL-HOUSE MAPS AND PAPERS. A presentation of
nationalities and wages in a congested district of Chicago,
together with comments and essays on problems growing
out of the social conditions by the residents of Hull-House.
[1ª ed., 1895]. Urbana, Chicago: University of Illinois
Press, Introdução de Rima Lunin Schultz, 2007.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Enci-
clopédia dos Municípios Brasileiros, Rio de Janeiro: IBGE,
v. XXI, 1958.
JOHNSON, Charles. The negro in Chicago. A study of race
relations and a race riot in 1919. Chicago: the University
of Chicago Press, 1922.
______. Robert E. Park: in memoriam. Sociology and So-
cial Research, v. 28, (1943-44), Phylon, v. VI, 1945.
LANDES, Ruth, [1947] A Cidade das Mulheres. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2002.
LECLERC, Gérard. L’observation de l’homme. Une histoire
des enquêtes sociales. Paris: Le Seuil, 1979.
LEVINE, Robert M. The first Afro-Brazilian Congress:
opportunities for the study of race in the Brazilian
Northeast. Race, v. XV, n. 2, p. 185-193, 1973.
LIMONGI, Fernando. A Escola Livre de Sociologia e Polí-
ticaem São Paulo. In: MICELI, Sérgio (Org.). História das
ciências sociais no Brasil. São Paulo: Vértice; Editora Re-
vista dos Tribunais, IDESP, v. 1, 1989. p. 217-233.
MAIO, Marcos Chor. A história do Projeto UNESCO. Es-
tudos raciais e ciências sociais no Brasil, 1997. Tese [Dou-
torado em Ciências Políticas] – Programa de Pós-Gradua-
ção em Sociologia e Ciências Política do Instituto Univer-
sitário de Pesquisas do Rio de Janeiro- IUPERJ.
MASSI, Fernanda. Franceses e norte-americanos nas ci-
ências sociais brasileiras 1930-1960. In: MICELI, Sérgio
(Org.). História das ciências sociais no Brasil. São Paulo:
Vértice; Editora Revista dos Tribunais, IDESP, v. 1. 1989.
p. 410-459.
MATTEWS, Fred H. Quest for an American Sociology:
Robert E. Park and the Chicago School. Montreal e Lon-
dres: McGill-Queen’s University Press, 1977.
MENDOZA, Edgar S.G. Donald Pierson e a escola socioló-
gica de Chicago no Brasil: os estudos urbanos na cidade
de São Paulo (1935-1950). Sociologias. Porto Alegre, ano
7, n° 14, jun/dez, p. 440-470, 2005.
PARK, Robert E. Masse und Publikum. Berne:
Buchdruckerei Lack & Grunau, 1904.
______. Human Migration and the Marginal Man. American
Journal of Sociology, v. 23 n. 6, May, p. 881-893, 1928.
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r, 
v.
 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
48
A VISITA DO ROBERT PARK AO BRASIL...
______. Review of Life in a Haitian Valley by Melville J.
Herskovits. American Journal of Sociology, v. XLIII, n.2,
Sept., p. 346-348, 1937.
______. The city as a social laboratory. In: SMITH, T.V. e
WHYTE, Leonard (Orgs.). Chicago: an experiment in so-
cial science research. Chicago: The University of Chicago
Press, p. 1-19, 1929.
______. Race and Culture. Essays in the sociology of
contemporary man. London: The Free Press of Glencoe,
1950.
______. The career of the Africans in Brazil. “Introduction”
to PIERSON, Donald. Negroes in Brazil. Chicago:
University of Chicago Press, 1942.
______; BURGESS, Ernest. (Orgs.) Introduction to the
Science of Sociology (com novo prefácio por Morris
Janovitz). 1ª edição [1921]. Chicago e Londres: The
University of Chicago Press, 1970.
______; ______ ; MCKENZIE, R. The City. Suggestions
for the Investigation of Human Nature in the Urban
Environment. Chicago: University of Chicago Press, 1925.
PEIXOTO, Fernanda Áreas. Diálogos brasileiros: uma aná-
lise da obra de Roger Bastide. São Paulo: Editora da Uni-
versidade de São Paulo, 2000.
PIERSON, Donald. Negroes in Brazil: a study of race contact
at Bahia. Chicago: The University of Chicago Press, 1942.
______. [1945] Brancos e pretos na Bahia: estudo de
contacto racial. Introdução de Arthur Ramos e Robert E.
Park. 2ª Ed. São Paulo: Editora nacional, 1971.
RAMOS, Artur. [1943] Introdução à Primeira Edição Bra-
sileira. In: PIERSON, Donald. Brancos e prêtos na Bahia:
estudo de contacto racial. São Paulo: Editora Nacional,
1971. p. 67-70.
RAUSHENBUSH, Winifred. Robert E. Park: biography of
a sociologist. Chapel Hill: Univesity of North Carolina
Press, 1979.
RODRIGUES, Raimundo Nina. Os africanos no Brasil.
São Paulo: Cia Editora Nacional,1935.
ROMO, Anadelia. Rething race and culture in Brazil’s First
Afro-Brazilian Congresso of 1934. Journal of Latin
American Studies, n° 39, Fev., p. 31- 54, 2007.
SCHRECKER, Cherry. Robert E. Park et Ernest Burgess;
Introduction to the Science of Sociology. In: GUTH,
Suzie. (Org.). Modernité de Robert Ezra Park. Le s
concepts de l’Ecole de Chicago. Paris: L’ Harmattan, 2008.
p. 213-232.
SHAW, Clifford. The Jackrolle. A delinquent boy’s own
story. Chicago: the University of Chicago Press, 1930.
SIMMEL, Georg [1908] Digressions sur l’étranger. In:
GRAFMEYER, Yves et JOSEPH, Isaac (Orgs.). L ‘Ecole
de Chicago. Naissance de l’écologie urbaine. Paris: Champ
Urbain, 1979. p. 53-59.
STONEQUIST, Everett. The marginal man. New York:
Charles Scribner’s Son, 1937.
TOPALOV, Christian. La ville, lieu de l’assimilation
sociale?. In: JAISSON, Marie e BAUDELOT, Christian
(Orgs.). Maurice Halbwachs, sociologue retrouvé. Paris:
Editions Rue d’Ulm, 2007.p. 87-101.
TUNA, Gustavo Henrique. Primeiros passos em retros-
pectiva. In: FREYRE, Gilberto, Vida Social no Brasil nos
meados do século XIX. 4a. edição revista. São Paulo: Glo-
bal, 2008.
THRASHER, Frederick. The Gang. A study of 1313 gangs
in Chicago. Chicago: the University of Chicago Press, 1927.
VALLADARES, Lícia. (Org.) A escola de Chicago. Impac-
to de uma tradição no Brasil e na França. Rio de Janeiro:
IUPERJ; Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
VILA NOVA, Sebastião. Donald Pierson e a Escola de
Chicago na Sociologia Brasileira. Entre humanistas e
messiânicos. Lisboa: VEGA, Gabinete de Edições, 1998.
WAGLEY, Charles; AZEVEDO, Thales, COSTA PINTO,
Luiz. Uma pesquisa sobre a vida social no Estado da
Bahia. Salvador: Publicações do Museu do Estado, Secre-
taria de Educação e Saúde, 1950.
WASHIGTON, Booker T.; PARK, Robert E. [1912], The
man farthest down. New Brunswick: Transaction Book,
1984.
WIRTH, Louis. The ghetto. Chicago: the University of Chi-
cago Press, 1929.
ZORBAUGH, Harvey. The gold coast and the slum. Chica-
go: the University of Chicago Press, 1929.
C
A
D
ER
N
O
 C
R
H
, S
al
va
do
r,
 v
. 2
3,
 n
. 5
8,
 p
. 3
5-
49
, J
an
./A
br
. 2
01
0
49
Lícia do Prado Valladares
LA VISITE DE ROBERT PARK AU BRÉSIL,
“L´HOMME MARGINAL” ET BAHIA
SERVENT DE LABORATOIRE
Lícia do Prado Valladares
Cet article fait partie des préoccupations
théoriques de l’auteure concernant la venue de
“l’école de Chicago” au Brésil. Elle y fait l´analyse
du passage de Robert Park à Bahia, à la fin des
années 30, de ses motivations et des effets qu´il a
eu pour les sciences sociales internationales. Ce
voyage est peu connu, ce qui permet à l’article
d´apporter une collaboration à l´histoire des
sciences sociales au Brésil et à Bahia. Sur la base
des données originales d´une recherche menée au
Brésil et aux États-Unis, l’auteure considère
l’importance de la visite de Park [et de Pierson] à
Bahia. Elle reprend les notions classiques de
l’Homme Marginal, développées par Park, et celles
de melting-pot, utilisées par Park et ses disciples,
lorsque ce dernier faisait référence à la vie, à Chi-
cago, de communautés de nationalités différentes
qui ne se mélangeaient pas. Le cas du métissage
bahianais a intrigué Park au point de transformer
Bahia en un “laboratoire social” qui a suscité non
seulement la venue d´autres anthropologues mais
aussi de nouvelles questions et d´interprétations
théoriques qui sont reprises actuellement.
MOTS-CLÉS: Ecole de Chicago, Robert Park, Donald
Pierson, relations raciales, Bahia, Brésil.
THE VISIT OF ROBERT PARK TO BRAZIL,
THE “MARGINAL MAN” AND BAHIA AS A
LABORATORY
Licia do Prado Valladares
This paper is part of the theoretical concerns
of the author on the reception of the “Chicago
School” in Brazil. It analyzes the passage of Robert
Park in the late ’30s in Bahia, his motivations and
the effects on international social sciences. This
trip is little known, and the paper offers a little
collaboration to the history of social sciences in
Brazil and Bahia. Based on data from original
research conducted in Brazil and the United States,
the author considers the importance of the visit
by Park [and Pierson] to Bahia. It incorporates
classical notions of Marginal Man, developed by
Park and melting pot, used by Park and disciples,
which referred to the conviviality of Chicago
communities from different nationalities, who did
not mix, distinguishing it from the Bahian case, of
miscegenation. This singularity transformed Bahia
into a “social laboratory”, prompting the arrival of
other anthropologists, and new questions and
theoretical interpretations, now resumed.
KEYWORDS: Chicago School, Robert Park, Donald
Pierson, race relations, Bahia and Brazil.
Lícia do Prado Valladares - Doutora em Sociologia pela Universidade de Toulouse (Fr.). Livre-docente pela
Université de Lyon II. Professora na Universidade de Lille I (França)e membro do CLERSÉ. Foi Professora
Titular do IUPERJ (1980-2000), sendo hoje pesquisadora associada. Coordenou a URBANDATA desde 1989,
figurando atualmente como coordenadora emérita. Ministrou cursos em universidades estrangeiras como
professora convidada (Universidades de Paris; Génève, Budapest e Texas) e foi membro do Comitê do progra-
ma MOST da UNESCO. É autora de inúmeros artigos e livros em Sociologia Urbana, sobre favela, pobreza
urbana e história da pesquisa urbana, no Brasil, dentre os quais, destacam-se: Passa-se uma casa (Zahar,1978),
La favela d’un siècle à l’autre (Paris: Editions da MSH, 2006); A Invenção da Favela (Rio de Janeiro: FGV, 2005)
e a coletânea A Escola de Chicago (Belo Horizonte / Rio de Janeiro: Editora da UFMG/ IUPERJ, 2005).

Continue navegando