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Texto - Antropologia Cultural - Gonzaga de Mello

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32 
Capí tu lo II 
ANTROPOLOGIA CULTURAL, 
OBJETO E MÉTODO 
1. Antropologia e sua divisão 
2. Conceito de cultura 
2.1. Principais acepções do termo "cultura" 
2.2. Principais características da cultura 
2.3. Cultura e civilização 
2.4. Cultura e subcultura 
3. Métodos e técnicas em pesquisa antropológica 
"A antropologia não é hoje estudo só de 
museu, como antigamente, nem de necrotério: 
de dissecação de cadáveres de brancos, de 
amarelos e de negros" (FREYRE, G. Problemas 
brasileiros de antropologia, 4. ed., p. 4). 
1 A antropologia e sua divisão 
A antropologia é comumente definida como o estudo do homem e 
de seus trabalhos. Assim definida, deverá incluir algumas das ciên-
cias naturais e todas as ciências sociais; mas, por uma espécie de 
acordo tácito, os antropólogos tornaram como campos principais o 
estudo das origens do homem, a classificação de suas variedades e a 
investigação da vida dos chamados povos primitivos'. 
A definição mais curta de antropologia pode ser tirada do próprio sen-
tido etimológico do termo: Anthropos, palavra grega que significa "ho-
mem" e Logia, outro vocábulo helénico, que significa estudo ou ciência. 
Logo a antropologia é a ciência do homem. Ora, pode-se objetar que não é 
somente a antropologia que estuda o homem. Muitas são, realmente, as 
disciplinas científicas que se ocupam do homem, por exemplo, a genética, 
a sociologia, a zoologia, a psicologia etc. 
O que caracteriza a antropologia como disciplina científica não é ape-
nas o objeto material. Ao contrário, o que, na verdade, caracteriza as disci-
plinas científicas - como que dando-lhes forma - é o objeto formal. Como 
já foi dito, inúmeras disciplinas tratam do homem e de seu comportamen-
to. No entanto, o que a distingue das demais ciências sociais e humanas é o 
objetivo que nutre de estudar o homem como um todo. Para utilizar as pa-
lavras de Herskovits a respeito da unidade da antropologia, diz ele: 
Está no fato importantíssimo de que a antropologia, centrando sua 
atenção no homem, leva em conta todos os aspectos da existência 
humana, biológica e cultural, passada e presente, combinando esses 
diversos materiais numa abordagem integrada do problema da exis-
tência humana. Diversamente das disciplinas que tratam de aspec-
tos mais restritos do ser humano, a antropologia frisa o princípio de 
que a vida não se vive por categorias, mas é uma corrente contínua2. 
Essa nossa disciplina é, com efeito, bastante paradoxal: é uma das dis-
ciplinas mais especializadas e ao mesmo tempo uma das mais gerais. É es-
pecializada enquanto trata apenas de assuntos relacionados com o homem 
e sua experiência; geral, no que concerne à variedade incrível de aspectos 
1. LINTON, Ralph. Uma introdução à antropologia, p. 18. 
2. HERSKOVITS, Melville J. Antropologia cultural, tomo I, p. 16. 
28 
da realidade humana que envolve temas estudados por geneticistas, psicó-
logos, sociólogos, biólogos, geógrafos etc. 
É devido, pois, a esse caráter geral da antropologia que ela pode ser in-
cluída tanto entre as ciências naturais como entre as humanidades e as 
ciências sociais. 
A antropologia de que se falou até agora foi antropologia geral. Ocor-
re que, atualmente, nenhum ou quase nenhum estudioso da antropologia 
pode se dedicar ao vasto campo da antropologia geral ou dominá-lo plena-
mente. O próprio tempo encarregou-se de promover a divisão dessa disci-
plina. Vive-se, presentemente, a época das especializações tanto nas ciên-
cias como nas demais atividades humanas. Não nos cabe aqui discutir as 
vantagens e as desvantagens dessa divisão crescente das tarefas humanas. 
Ao que tudo indica, porém, a especialização decorre da própria necessida-
de de maior eficiência. Restringe-se o objeto de estudo para que sua com-
preensão se torne mais profunda. A antropologia geral também não esca-
pou a esse procedimento de retalhamento do objeto de estudo: o homem. 
Talvez por causa da especialização crescente é que hoje até o nome "an-
tropologia" indica coisas diferentes, conforme o país considerado. Na Euro-
pa Continental, por exemplo, o termo "antropologia" é empregado para de-
signar apenas o estudo físico do homem. "Nos Estados Unidos, a antropolo-
gia cultural divide-se habitualmente em etnologia e etnografía: a primeira se 
ocupa do estudo comparado da cultura e da investigação dos problemas teó-
ricos que brotam da análise dos costumes humanos, e a segunda da descri-
ção de culturas concretas"3. Como se não bastasse, ainda é utilizado o termo 
"antropologia social" por alguns nos Estados Unidos e Inglaterra como si-
nônimo de antropologia cultural ou etnologia. Toda essa imprecisão é um 
tributo pago pelas disciplinas científicas ainda novas. Em nossa discipli-
na, está em curso um processo de sistematização e reformulação. 
Decorrem disso as controvérsias a respeito da amplitude da antropolo-
gia cultural: uns tomam-na como parte da sociologia, Lucy Mair, por 
exemplo , e outros preferem ver a antropologia cultural como um campo 
3-HERSKOVITS, Melville J. Op. cit., p. 21. 
4- MAIR, Lucy. Introdução à antropologia social, 1969, p. 14. 
35 
bem mais amplo do que o da sociologia. A propósito, tratar-se-á do pro-
blema quando se falar da relação existente entre as duas disciplinas em 
questão. 
Félix Keesing apresenta a seguinte divisão da antropologia: 
Considerando o esquema acima, deve-se ter em mente que ele não 
passa de uma divisão da antropologia, pois outras divisões existem. Como 
já foi salientado, não é fácil falar da divisão de nossa disciplina, pois lhe 
falta consenso a respeito. Além dessas disciplinas antropológicas, existem 
disciplinas acadêmicas denominadas: antropologia filosófica, antropolo-
gia psicológica etc. No entanto, para os objetivos aqui propostos, acredita-
mos que o esquema, acima, é suficiente. 
A antropologia física estuda os aspectos biológicos do homem, misto 
de história natural e ciência natural do homem. A ela interessa não só o es-
tudo das populações hodiernas, mas também o estudo da evolução da es-
pécie humana. Estuda os problemas da origem do homem, as semelhanças 
e diferenças entre os povos. É de sua alçada o estudo das raças. 
Afinal, como lembram Beals e Hoijer, para se compreender bem o ho-
mem como produto de evolução, mister se faz alguma compreensão de to-
das as formas vitais e da natureza da própria vida6. Em outras palavras, 
faz-se necessário um conhecimento acerca do dinamismo vital que é co-
mum aos homens e aos animais dos mais simples aos mais complexos. 
Interessa ao estudioso da antropologia física conhecer os mecanismos vi-
tais todos, desde os processos de reprodução e de genética ao da conserva-
5. KEESING, Félix. Antropologia cultural, 1972. Vol. I, p. 30. 
6. BEALS, Ralph L. & HOIJER, Harry. Introdución a la Antropologia, 1971, p. 9. 
28 36 
ção. Não menos importante para um estudo desse tipo é o conhecimento 
da geografía. O homem é um animal terrestre e o mundo físico é uma con-
dição sine qua non para sua sobrevivência. 
O estudo físico do homem é realmente fascinante. Faz muito tempo 
que lemos o livro do Dr. Aléxis Carrel, O homem, esse desconhecido, mas 
jamais esquecemos o mundo maravilhoso que está por trás do corpo hu-
mano. 
O corpo humano é, indubitavelmente, a maravilha da criação, a mara-
vilha das maravilhas. Todavia, nele se descortina uma gama enorme de ca-
racterísticas que são exclusivas do homem. A esse conjunto de caracterís-
ticas do comportamento humano se denominou "cultura" - objeto do ou-
tro grande ramo da antropologia. 
A antropologia cultural é o nome que se dá ao outro grande ramo da 
antropologia geral. O campo dessa disciplina especial é vastíssimo, pois 
ela se propõe estudar a obra humana. Ora, essa obra que se denomina cul-
tura é "este conjunto complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, 
moral, lei, costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos 
pelo homem enquanto membro da sociedade"7. 
Como se vê, dentro da cultura estão assuntos relacionados com políti-ca, religião, arte, artesanato, economia, linguagem, práticas e teorias, 
crença e razão, um mundo realmente de aspectos os mais complexos. 
Como se não bastasse a amplitude de assuntos a serem estudados, ainda 
surgem problemas os mais variados. Exemplos disso são os seguintes te-
mas que pertencem ao campo da antropologia cultural: onde termina a bi-
ologia humana e se inicia a cultura? Quais as influências da biologia sobre 
a cultura e desta sobre a biologia humana? O ambiente tem a ver com a 
cultura? Que dizer da influência da cultura sobre o ambiente? A cultura 
dos povos modernos e civilizados difere em quê da dos povos primitivos? 
Não se pretende neste trabalho discutir prolixamente o problema de 
terminologia com relação aos nomes que as disciplinas antropológicas le-
vam. Observando a divisão apresentada por Keesing, é fácil distinguir 
7- BEALS, Ralph & HOIJER, Harry. Op. cit., p. 707. 
dentro da antropologia cultural três ramos bastante nítidos e tradicionais: a 
etnologia, a lingüística e a arqueologia pré-histórica. 
Etimológicamente, a etnologia (do grego ethnos = povo) significa o 
estudo ou a ciência do povo. Diz Herskovits que a etnología "se ocupa do 
estudo comparado da cultura e da investigação dos problemas teóricos que 
brotam da análise dos costumes humanos";... na Inglaterra e nos Estados 
Unidos, alguns dão-lhe o nome de "antropologia social"8. 
Já a lingüística trata de um aspecto restrito da cultura que é a lingua-
gem. Ela surgiu, inicialmente, da necessidade que tiveram os antropólo-
gos de aprender as línguas dos povos que estudavam. Tiveram que estudar 
freqüentemente língua de povos agrafos. Assim é que passaram a fazer o 
estudo comparativo dos idiomas e a examinar os vocábulos, a estrutura 
gramatical e lógica desses idiomas. Foi realmente importantíssimo o estu-
do da lingüística empreendido pelos antropólogos - trouxeram à luz inú-
meras línguas ainda desconhecidas pelos filólogos. 
O terceiro ramo da antropologia cultural é a arqueologia (archaicos = 
antigo) pré-histórica, que também se reveste de significação para a antro-
pologia geral. Embora este ramo seja da antropologia cultural, é inegável a 
contribuição que trouxe ao estudo da antropologia física. O trabalho ar-
queológico supõe bons conhecimentos de geologia e geografia física. 
Mas, não só, requer do arqueólogo o conhecimento de várias técnicas de 
escavação e conservação dos utensílios, dos artefatos e dos esqueletos 
descobertos. Utilizam técnicas especiais para determinar a idade dos ma-
teriais escavados, como o carbono 14. 
Voltemos ao problema do primeiro dos ramos da antropologia cultu-
ral e teçamos-lhe alguns comentários. 
A etnologia ali aparece dividida em três outras disciplinas especiais: 
etnologia (em sentido estrito), etnografía e antropologia social. As três 
pertencem ao campo da etnologia geral ou simplesmente antropologia 
cultural. A etnografía é mais fácil de distinguir das duas outras, uma vez 
que ela, como indica o próprio termo, é mais dedicada à descrição dos cos-
tumes, da cultura e da vida dos povos. 
8. HERSKOVITS, Melville J. Antropologia cultural, 1973, tomo I, p. 21. 
28 38 
Por outro lado, é forçoso reconhecer que a antropologia social e a et-
nologia especial quase que se confundem. Como já se teve oportunidade 
de observar, essa variação é devida principalmente às tradições nacionais. 
A etnologia estuda a cultura dos povos dando destaque às semelhanças e 
diferenças entre as culturas dos povos, analisando o desenvolvimento his-
tórico de uma cultura e a relação entre as culturas. 
A antropologia social, por seu turno, aproxima-se muito da sociolo-
gia, preocupando-se com a "instituição de generalizações sobre uma cul-
tura, a sociedade e a personalidade em um sentido mais universal"9. 
Bastante sugestiva é a opinião de Lévi-Strauss a respeito da relação 
existente entre etnografía, etnologia e antropologia10. No caso da etnogra-
fía não há dúvida em sua compreensão: "Corresponde aos primeiros está-
gios da pesquisa: observação e descrição, trabalho de campo". O autor 
ainda acrescenta: "A etnografía engloba também os métodos e as técnicas 
que se relacionam com o trabalho de campo, com a classificação, descri-
ção e análise dos fenômenos culturais particulares (quer se trate de armas, 
instrumentos, crenças ou instituições)". 
Lévi-Strauss acha que, "com relação à etnografía, a etnologia repre-
senta um primeiro passo em direção à síntese". Não significa que ela olvi-
de a observação direta, mas é essencialmente um segundo passo da pes-
quisa. Admite ainda esse autor que a etnologia pode tomar três direções: 
histórica, geográfica e sistemática. Em qualquer dessas direções, o que ca-
racteriza a etnologia é o seu caráter de sistematização. Para tanto supõe 
outras informações além dos dados de primeira mão obtidos na pesquisa 
de campo. "Em todos os casos, a etnologia compreende a etnografía como 
seu passo preliminar, e constitui seu prolongamento". 
O autor ainda lembra que em vários países, notadamente no continen-
te europeu, essa dualidade englobava toda a problemática do estudo da 
cultura. "Ao contrário, escreve ele, em toda parte onde encontramos os 
termos 'antropologia social' ou 'cultural', eles estão ligados a uma segun-
da e última etapa da síntese, tomando por base as conclusões da etnografía 
9- KEESING, Félix. Antropologia cultural, 1972, vol. I, p. 31. 
10. LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural, 1967, p. 394/396. 
e da etnologia". O autor conclui seu raciocínio, dizendo: "Etnografía, et-
nologia e antropologia não constituem três disciplinas diferentes, ou três 
concepções diferentes dos mesmos estudos. São de fato três etapas ou três 
momentos de uma mesma pesquisa, que não poderia nunca ser exclusiva 
dos dois outros". 
Quanto aos termos "antropologia social" e "cultural", Lévi-Strauss faz 
uma observação realmente significativa: "Em muitos casos, a adoção deste 
ou daquele termo (notadamente para designar uma cadeira de universidade) 
terá sido efeito do acaso"11. O que, no entanto, pode-se dizer é que o termo 
"antropologia cultural" vigora mais entre os americanos e centra sua aten-
ção precipuamente sobre o homo faber ou toolmaker. Ao passo que o termo 
"antropologia social" que, inicialmente, teria sido introduzido na Inglaterra 
porque fora "necessário inventar um título para distinguir uma nova cadeira 
de outras"12 (primeira cadeira ocupada por Sir J. G. Frazer), embora tratan-
do de aspectos materiais da cultura, volta-se principalmente para os aspec-
tos de organização social, costumes, instituições e crenças. 
Não nos iremos estender mais sobre o assunto. O propósito do presen-
te tema foi iniciar o leitor sobre o que seja a antropologia. Acreditamos 
que isso foi conseguido. Maiores informações serão fornecidas nos temas 
subsequentes. 
2 Conceito de cultura 
Cultura é este conjunto complexo que inclui conhecimento, crença, 
arte, moral, lei, costumes e várias outras aptidões e hábitos adquiri-
dos pelo homem como membro de uma sociedade13. 
Esta foi a conceituação de cultura apresentada por Tylor. Como o lei-
tor pode testemunhar, se cultura é tudo isso, inclui todo o comportamento 
humano. Herskovits não poderia ter encontrado um título mais sugestivo 
para seu livro: "Man and His Works. The Science of Cultural Anthropo-
11. LÉVI-STRAUSS, Claude. Op. cit., p. 396. 
12. LÉVI-STRAUSS, Claude. Op. cit., p. 397. 
13. LÉVI-STRAUSS, Claude. Op. cit., p. 397. 
40 
log}' (O homem e suas obras. A ciência da antropologia cultural). Com 
esse título ele dá a definição menor e mais concisa do objeto da antropolo-
gia cultural. Na realidade, a cultura, em sentido largo, é todo o conjunto de 
obras humanas. É a cultura que distingue o homem dos outros animais. 
Por mais perfeito que seja um ninho de passarinho, pouco representa como 
realização comparado com qualquer objeto feito pelo homem. A diferença 
está. ao nosso ver, na inconsciência que domina a atividade animal e na 
consciência que está presenteao ato humano. 
Antes de tratar das principais características da cultura, faremos algu-
mas considerações em torno de um aspecto da cultura ventilado por Ralph 
Linton. A certa altura de seu livro O homem: uma introdução à antropolo-
gia, indaga ele: "existem as culturas realmente, ou são simples abstrações 
que o investigador tira de seus estudos sobre os indivíduos"? E continua: 
"um e outro ponto de vista podem apresentar provas a seu favor. A cultura 
de qualquer sociedade consiste na soma total e organização de idéias, rea-
ções emocionais condicionadas e padrões de comportamento habitual que 
seus membros adquirem pela instrução ou pela imitação de que todos, em 
maior ou menor grau, participam. Tentando determinar o conteúdo de qual-
quer cultura, o investigador tem de abstrair francamente das personalidades 
dos membros componentes da sociedade estes elementos"14. 
Temos a considerar, de saída, que a cultura não é adquirida apenas, 
como o texto acima sugere, ela é também transformada, mudada e acres-
centada pela inovação ou descoberta. Claro que Linton está consciente 
disso, visto que no mesmo livro, em que se encontra o texto acima, consta 
um capítulo que trata desse fenômeno15. Fizemos o reparo apenas no senti-
do de prevenir o leitor. 
Quanto à existência ou não da cultura, cremos que o fato de a cultura 
existir não impede que o antropólogo, por questão metodológica, faça abs-
tração de certos aspectos da cultura a fim de dar destaque a outro. Aliás, a 
experiência comprova ser este um procedimento muito comum na ativida-
de científica. Talvez Linton, ao fazer aquela indagação, estivesse referin-
14. LINTON, Ralph. O homem, uma introdução à antropologia, p. 295. 
15. LINTON, Ralph. Op. cit., p. 310. 
41 
do-se aos vários sentidos que a cultura (enquanto termo) assume no estudo 
antropológico. Assim, fala-se de uma cultura universal e de culturas parti-
culares, de cultura objetiva e de cultura subjetiva, de cultura real e de cul-
tura ideal. Há um trecho de Lévi-Strauss em que mostra esta utilização 
metodológica do termo, ei-lo: 
Denominamos cultura todo o conjunto etnográfico que, do ponto 
de vista da investigação, apresenta, com relação a outros, afasta-
mentos significativos. Se se procura determinar afastamentos 
significativos entre a América do Norte e a Europa, tratar-se-ão 
as duas como culturas diferentes: mas, supondo-se que o interes-
se tenha por objeto afastamentos significativos entre, digamos, 
Paris e Marselha, estes dois conjuntos urbanos poderão ser pro-
visoriamente construídos como duas unidades culturais. Como o 
objeto último das pesquisas estruturais são as constantes ligadas 
a tais afastamentos, a noção de cultura pode corresponder a uma 
realidade objetiva, apesar de permanecer função do tipo de pes-
quisa considerado16. 
Não é de estranhar este procedimento dentro da antropologia. Pare-
ce-nos importante tomar a cultura em seus múltiplos aspectos, uma vez 
que, seja qual for a sua natureza, para ser conhecida, vivida e perpetuada, 
tem de ser objetivada ou materializada, isto é, exteriorizada. Isso porque, 
somente assim ela pode ser percebida e perpetuada. Dizemos isso para 
lembrar ao leitor que a cultura, embora seja, em última análise, obra do ho-
mem e exista para o homem, ela é uma tarefa social e não individual; ela é 
o conjunto de experiências vividas pelo homem através de mais de um mi-
lhão de anos de existência. Aos traços particulares das culturas dá-se o 
nome de "valores culturais". Falando da noção de valor cultural, Znaniec-
ki faz a seguinte distinção: 
Um valor se distingue de uma coisa porque possui um conjunto de 
significados, enquanto a coisa possui apenas conteúdo. Pelo conte-
údo, o valor se distingue como objeto empírico de outros objetos; 
pelo significado o valor sugere outros objetos com os quais foi as-
sociado no passado. Por exemplo, uma palavra de qualquer língua 
possui um conteúdo sensível composto de elementos auditivos, 
16. LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural, p. 355. 
28 
musculares e (nas línguas que conhecem a escrita) visuais; mas 
possui também um significado, isto é, sugere aqueles objetos para 
os quais foi feita para designar17. 
O texto de Znaniecki é interessante. Acontece que, em matéria de 
cultura, o fenômeno é mais complexo do que pode parecer, à primeira 
vista. Dizemos isso, porque um objeto natural pode, e normalmente 
acontece, receber significados por parte do homem. Senão vejamos, o 
sol por exemplo, nas diversas culturas, pode ter significado diferente. 
Para os Incas, apesar de ser um objeto natural, significava uma divinda-
de. O mesmo acontecia com alguns povos primitivos no significado da 
chuva, do relâmpago, da doença etc. O que podemos concluir é que o 
mundo cultural do homem tem uma abrangência muito grande, envol-
vendo também o mundo natural. Tanto assim, que podemos dizer que a 
natureza conhecida pelo homem não é aquela natureza pura e selvagem. 
É correto dizer-se que, onde o homem põe os pés, deixa de existir a natu-
reza virgem. Isto, em virtude de o homem, ao tomar conhecimento de 
qualquer coisa, o fazer dentro de um sistema ou estrutura de pensamento, 
que, em última análise, é sua cultura. 
É a cultura que faz com que uma criança criada no Japão seja japonesa 
e outra criada na Alemanha seja alemã. Podemos concluir esta parte intro-
dutória acerca da cultura, dizendo que ela, embora tenha sua origem na ca-
pacidade mental do homem, não é um processo individual, mas coletivo. 
Ela não será, com certeza, a simples soma de experiências interiorizadas 
por cada um dos indivíduos da sociedade. É, antes, uma resultante dessas 
experiências individuais, em confronto permanente, e as experiências 
cristalizadas sob as mais variadas formas, como documentos escritos, ar-
tefatos, obras de arte, fitas magnéticas, fotos, filmes etc. Um fato de fácil 
constatação é que um indivíduo por mais "culto" que possa ser (no sentido 
de quantidade e intensidade de culturas aprendidas) não consegue jamais 
conhecer toda a sua cultura. 
17. ZNANIECKI, Florian. A noção de valor cultural, p. 96. 
43 
2.1 Principais acepções do termo "cultura" 
a) Cultura objetiva e cultura subjetiva 
Diz -se subjetiva a cultura quando nos referimos ao conjunto de valo-
res, conhecimentos, crença, aptidões, qualidades, numa palavra, de expe-
riências presentes em cada indivíduo. Quando, todavia, falamos de cultura 
objetiva, estamos nos referindo a todo o conjunto definido por Tylor como 
cultura, quando exteriorizado. Isto é, hábitos, aptidões, idéias, comporta-
mentos, artefatos, objetos de arte, em suma, todo o conjunto da obra hu-
mana de todos os tempos e de toda a face da terra. 
Como sabemos, a cultura subjetiva é que fornece padrões individuais 
de comportamento. Isto, em princípio. Acontece que, na prática, o com-
portamento humano vai ser resultado da relação entre cultura subjetiva 
(aquela porção interiorizada pelos indivíduos) e a cultura objetiva que cria 
as situações particulares. Veremos esse fenômeno com mais vagar quando 
tratarmos da característica social da cultura. 
b) Cultura material e cultura não material 
Eis outra distinção importante para o estudo e a compreensão da cul-
tura. Dá-se o nome de cultura material à soma de artefatos (bens manufa-
turados e invenções de toda sorte) que resultam da utilização de uma tec-
nologia, isto é, habilidade de manipular e de construir. Como lembram 
oportunamente Beals e Hoijer: "Em sentido estrito, em conformidade com 
nossa definição de cultura como uma série de normas e temas para guiar o 
comportamento humano, a cultura material não é, absolutamente, uma 
parte da cultura, senão tão somente um resultado ou produto dela"18. Iría-
mos mais longe, admitindo que a cultura material é também cultura, em-
bora se apresente de forma diferente. O motivo que nos leva a essa opinião 
é o seguinte: de certa forma, toda cultura pode ser vista como um produto e 
um resultado; uma vez que os padrões culturais de hoje são o resultadode 
uma elaboração atual de uma tradição imemorável. E mais, achamos que a 
18. BEALS, Ralph & HOIJER, Harry. Introducción a la Antropologia, p. 293. 
28 44 
cultura, desde que é "um fenômeno psicossocial", supõe exteriorização e 
manifestação. Ademais, só podemos analisá-la através de sua expressão 
externa que possibilita uma observação direta ou indireta. 
Aceitamos esta diferença como um recurso metodológico para distin-
ção deste aspecto do outro aspecto mais específico da cultura, o não material 
(ações, hábitos, aptidões, significados, crenças, conhecimentos etc). No 
entanto, como já salientamos, alhures, mesmo os atos e ações inconscien-
tes do homem são providos de conteúdo e significado. Aliás, na interação, 
o mais importante não é a intenção, mas a compreensão da mensagem. Em 
suma, conhecemos as coisas através da percepção. Esse é um passo impor-
tante do fenômeno cognoscitivo. 
c) Cultura real e cultura ideal 
Alguns falam de cultura real e cultura ideal. A cultura real é aquilo que 
concretamente fazem as pessoas na sua vida cotidiana e social. Cultura 
ideal é mais o conjunto de comportamento que as pessoas dizem e acredi-
tam que deveriam ter19. Talvez esse binômio encontre sua razão de ser na 
relação inevitável entre cultura subjetiva e cultura objetiva que sempre 
ocorre nas situações concretas da vida social, onde o comportamento do 
outro é norma para o indivíduo. Alguns autores, em lugar de falar de cultu-
ra objetiva e cultura subjetiva, falam de cultura manifesta e não manifesta. 
Hoebel é um deles e chama atenção para a importância da cultura subjeti-
va ou não manifesta para a acuidade dos sentidos do indivíduo. Vejam-se, 
a seguir, algumas observações significativas apresentadas por ele: 
A visão aguda dos índios das planícies não resulta de acuidade vi-
sual superior. Vem da habilidade adquirida em compreender o que 
significam os movimentos de um animal ou cavaleiro, o tipo de po-
eira que levanta e a cobertura do terreno20. 
19. HOEBEL, E. Adamson. A natureza da cultura, p. 215. 
20. HOEBEL, E. Adamson. Op. cit., p. 216. 
E mais além, exemplifica sua observação com a fábula do camponês e 
do grilo: 
Certo dia, um camponês caminhava por movimentada rua em com-
panhia de seu amigo, criado na cidade, quando, repentinamente, to-
mou-o pelo braço, exclamando: "Ouça o canto do grilo". O pobre 
homem do asfalto nada ouvia. Até que o camponês lhe mostrou 
uma fenda num edifício onde o grilo proclamava sua presença, sem 
ser ouvido pela multidão de transeuntes. Como é que você pôde ou-
vir um som tão fraco no meio de todo esse barulho? - perguntou ad-
mirado o homem da cidade. "Olhe", respondeu o camponês, dei-
xando cair uma moeda na calçada. Cerca de uma dúzia de pessoas 
voltou-se ao ouvir o fraco tilintar da moeda. "Tudo depende das co-
isas pelas quais a gente aprendeu a se interessar"21. 
O mesmo fato já foi, muitas vezes, comprovado por testes de percep-
ção pelos psicólogos sociais. 
d) Advertência: o uso popular do termo "cultura" 
As acepções consideradas são de uso corrente no estudo antropológi-
co. O aluno deve se resguardar do uso popular do termo. O público fala 
com freqüência nos seguintes termos: "fulano tem uma cultura fabulosa", 
"sicrano é mais culto que beltrano" e assim por diante. O sentido de cultu-
ra, nesse caso, é simplesmente o de que uma pessoa culta é aquela que é 
bem instruída e educada com boas maneiras. É neste sentido que podemos 
dizer que alguém tem uma cultura superior ou uma boa cultura. Já nas 
acepções técnicas do termo, jamais o antropólogo poderá dizer que uma 
cultura é superior a outra. O que se pode dizer é que determinada cultura 
dispõe de uma tecnologia avançada ou determinada instituição sofisticada 
é desenvolvida. Isso em virtude de cada cultura ser o melhor, o máximo le-
gado deixado pelas gerações anteriores. O antropólogo jamais se escanda-
lizará com os costumes dos povos, por mais extravagantes que possam pa-
recer. Porquanto, embora, à primeira vista, pareçam desconexos e extra-
vagantes, devem ser vistos dentro do contexto cultural que forma uma uni-
21. HOEBEL, E. Adamson. Op. cit., p. 216. 
28 46 
dade harmônica e lógica. É um assunto que voltaremos a abordar, quando 
for tratado o problema da unidade e da diversidade das culturas22. 
2.2 Principais características da cultura 
a) A cultura é simbólica 
O que é um símbolo? "Resumidamente, dizem Beals e Hoijer, um sím-
bolo pode ser definido como fenômeno físico (tal como, por exemplo, um ob-
jeto, artefato ou seqüência de sons) que tem um significado conferido por 
aquele que o utiliza. Este significado é arbitrário no sentido de que não tem 
uma relação necessária com as propriedades físicas do fenômeno que supor-
ta"23. Necessário se faz atentar para o enunciado: Significado conferido por 
aquele que o utiliza, pois dele discordamos e nos parece infeliz sua formulação. 
Entendemos que o símbolo é social por natureza: existe a comunica-
ção de significado. Ora, é imprescindível que o significado não seja confe-
rido só pelo comunicador, mas o seja tanto por ele como pelo interlocutor. 
Do contrário não será símbolo, coisa nenhuma. Talvez, os autores citados 
quisessem com aquela frase dizer: um fenômeno físico que tem um signi-
ficado "transmitido" (em lugar de "conferido") por aquele que o utiliza. 
Senão, vejamos: no sinal da cruz usado pelos católicos, o significado não 
está a depender da intenção daquele que o utiliza e sim, daqueles que co-
nhecem ou reconhecem o símbolo religioso em questão. 
Podemos, seguramente, dizer que todo símbolo é cultural. Isso porque 
supõe uma ordenação inteligente de todo o mundo visível (incluindo tam-
22. KLINEBERG, Otto. Psicologia social. 3. ed., 2 vols., Brasil/Portugal, Fundo de Cultu-
ra, 1967, vol. 1, p. 220/1. Lê-se aí: "Tomando mais um exemplo de uma série de pesquisas 
importantes, Posman, Brunner e McGinnies exploram a relação entre percepção e sistemas 
de valores individuais. Classificaram-se estudantes segundo seus escores no estudo de va-
lores de Allport-Vernon, com base na tipologia de Spranger, e que possibilita descrever os 
testados segundo a predominância relativa de valores religiosos, sociais, teóricos, econô-
micos, políticos e estéticos. Forneceram aos pesquisadores uma série de palavras, mas a 
apresentação taquistoscópica era tão rápida e tão pouco iluminada, que as palavras eram 
inicialmente "ambíguas", em muitos casos. Com aumento, tanto de luz quanto de freqüên-
cia de apresentação, as palavras foram gradualmente reconhecidas, com graus variáveis de 
dificuldade. A maior descoberta do estudo foi a de serem as palavras correspondentes aos 
valores predominantes dos testados mais facilmente reconhecidas; pessoas com altos valo-
res religiosos, por exemplo, viam palavras religiosas mais depressa e com maior exatidão. 
Portanto, interpreta-se que o sistema de valores participa significativamente na determina-
ção da facilidade e na seleção da percepção". 
23. BEALS, Ralph & HOIJER, Harry. Introducción a la Antropologia, p. 278. 
bém o comportamento humano e animal) - é esta ordenação ou sistemati-
zação que permite a classificação das coisas, dos animais e dos homens. 
Por outro lado, para haver esta sistematização, mister se faz que seja dado 
significado ao conjunto que forma o mundo visível. A cultura é como se 
fosse uma memória coletiva que reconstrói toda a experiência dos grupos 
ou das sociedades. E a memória individual, na concepção de Halbwachs, 
citado por Stoetzel, não é conforme à crença popular. 
Halbwachs contesta absolutamente que haja uma conservação das 
imagens na mente. Nosso conhecimento do passado não é conser-
vado, mas reconstruído. A memória não é uma operação mecânica, 
e sim, função simbólica, isto é, utiliza símbolos. Assim, a lembran-
ça depende da possibilidade de possuirmos idéias gerais, sem as 
quais não, teríamos nenhum passado pessoal24. 
Como será visto mais adiante, ao tratarmos dos processos culturais, é 
significativo notar que, emboraa linguagem seja "essencialmente social 
em sua origem e principais funções"2 , muitas vezes, somos surpreendidos 
falando sozinhos, "pensando alto", como se diz. Isso mostra que a cultura, 
subjetiva como objetiva, é um conjunto de significados sistematizados, 
transmitido necessariamente através de símbolos e sinais. Ao nosso ver, 
portanto, a característica básica da cultura é seu caráter simbólico. É essa 
propriedade da cultura que permite que ela seja transmitida e seja social26. 
24. STOETZEL, Jean. Psicologia social, p. 136. 
25. RUSSELL, Bertrand. O conhecimento humano, sua finalidade e limites. Vol. I, p. 13. 
26. Quando falamos que a cultura é simbólica não nos preocupamos em estabelecer a dife-
rença entre "signo lingüístico" (significante) e símbolo. Segundo Ferdinand de Saussure: 
"O símbolo tem como característica não ser jamais completamente arbitrário; ele não está 
vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o significante e o significado. O sím-
bolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um objeto qualquer, um carro, 
por exemplo. A palavra "arbitrário" requer também uma observação. Não deve dar a idéia 
de que o significado dependa da livre escolha do que fala (ver-se-á, mais adiante, que não 
está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma vez que esteja ele estabe-
lecido num grupo lingüístico); queremos dizer que o significante é ¡motivado, isto é, arbi-
trário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade" 
(SAUSSURE, F. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1972, 82-83). 
Na verdade, para os propósitos do presente trabalho, não se faz necessária esta distinção. 
Mas fique o registro. O que importa nisso tudo é deixar patente o fato de a cultura corres-
ponder à esfera do humano, do simbólico, do faz de conta. Não é por acaso que as institui-
ções de mais carga simbólica sejam as mais estáveis. São exemplo disso as religiões, o di-
reito, os idiomas etc. Qual a razão de a esfera econômica e técnica ser a mais volúvel e me-
nos estável das instituições? Não é talvez por causa da menor carga de simbolismo que ela 
encerra? Ao que tudo indica, a convenção "arbitrária" encontra sua força e vigor como ins-
tituição na própria arbitrariedade que ela encerra; isto é, a tradição impõe a sua permanên-
cia e falta-lhe um argumento concreto que justifique sua mudança. 
28 
b) A cultura é social 
Este enunciado é uma conseqüência da constatação anterior de que a 
cultura é simbólica. O símbolo sempre supõe dois polos: um emissor e ou-
tro receptor. Consequentemente, é forçoso admitir-se o caráter social da 
cultura. Como poderíamos pensar em hábitos, costumes, padronização de 
comportamento apenas a nível individual? São processos sociais. E possí-
vel fazer uma distinção entre sociedade e cultura, entre o fenômeno social 
e o cultural. A propósito, afirma Keesing: 
A cultura não poderia existir sem pessoas a ela relacionadas e trans-
mitindo-a a seus descendentes: sem a sociedade. Mas poderá a so-
ciedade existir sem a cultura? Por exemplo, outros animais além do 
homem não se agregam em grupos organizados? Não haverá forma 
de comportamento social humano em que os costumes aprendidos 
e configurados tenham pouca ou nenhuma participação, como no 
comportamento das multidões ou no pânico?27 
Tanto a sociedade como a cultura foram definidas como fenômenos 
independentes dos indivíduos. O primeiro autor a falar sobre a cultura dos 
indivíduos foi Herbert Spencer. Para ele a sociedade independia dos indi-
víduos e representava um nível mais elevado na progressão evolucionista. 
Segundo ele, conforme depoimento de Herskovits, "a cultura considerada 
como mais que o homem, constitui o terceiro termo da progressão inorgâ-
nica, orgânica e superorgânica"28. Outro autor a empregar essa terminolo-
gia foi Kroeber. Com efeito, não podemos negar que tanto a sociedade 
como a cultura, embora obras humanas ambas, não dependem dos indiví-
duos. Não podemos esquecer que a cultura de hoje, transmitida aos indiví-
duos, representa uma conquista e um acúmulo de experiências humanas 
de centenas de séculos. Para os autores citados, o homem cultural é uma 
criação da cultura, ele é formado pela cultura e todo o seu comportamento 
é pautado na cultura interiorizada (cultura subjetiva). Não vamos nos es-
tender nesse assunto, por ora, porquanto dele trataremos quando falarmos 
do item referente à relação entre cultura e indivíduo. Não podemos, contu-
do, furtar-nos de fixar desde já nossa posição. A realidade patente é queja-
27. DAVIS, Kingsley. A sociedade humana. Vol. I, p. 40. 
28- HERSKOVITS, Melville J. Antropologia cultural. Vol. I, p. 308. 
49 
mais se teve notícia de alguém desprovido completamente de cultura 
(aquela porção de experiências aprendidas). Desse modo, todos os indiví-
duos, antes de fazer seu primeiro ato consciente, ao que tudo indica, já têm 
uma conduta padronizada que a cultura interiorizada lhe proporciona e 
que modela, inclusive, seus processos psicológicos e orgânicos. 
E mais, a cultura pode ser vista fora do homem (cultura material) nos 
artefatos, nos objetos, nas mensagens gravadas (livros, pinturas, inscri-
ções etc). Também é verdade que é apenas o homem que vê sentido nessas 
coisas, só ele entende a cultura. Doutro lado, ninguém escreve um livro 
para si, ninguém aprende a falar para falar consigo. 
Numa discussão sobre o caráter social da cultura não se pode escapar 
de tratar da relação entre cultura e sociedade. O fato social é um fenômeno 
orgânico ou superorgânico? Como já foi dito, autores há que falam de so-
ciedades animais; neste caso, o fenômeno seria primordialmente orgânico. 
Importa, pois, definir o que vem a ser a sociedade. 
Joseph H. Fichter assim se expressa: 
Uma sociedade é o maior número de seres humanos que agem con-
juntamente para satisfazer suas necessidades sociais e comparti-
lham uma cultura comum29. 
Enquanto Davis sugere que o social antecede ao cultural, quando diz: 
"De fato, a sociedade humana, com todas as suas manifestações culturais, 
desenvolveu-se de um grupo ancestral antropoide biossocial, que, por sua 
vez, surgira do grupo de tipo geral mamífero"30. Esse autor divide o fato 
social em dois tipos, um chamado biossocial e outro, sociocultural. O bios-
social seria um fenômeno comum entre alguns animais (formigas, abe-
lhas) e herdado pela hereditariedade. Já o sociocultural seria o fenômeno 
social próprio da espécie humana e herdado pela cultura31. 
Essa distinção feita por Davis parece pertinente e somos levados a 
aceitá-la imediatamente. Todavia, pode-se indagar se não seria possível a 
existência do fenômeno cultural entre os animais como acontece com o fe-
29. FICHTER, Joseph H. Sociologia. São Paulo: 1972, p. 166. 
30. DAVIS, Kingsley. A sociedade humana. Vol. I, p. 50. 
31. DAVIS, Kingsley. Op. cit., vol. I, p. 48. 
28 
nômeno social. Seria o caso de se indagar: Como pode haver fenômeno 
social sem comunicação, e comunicação sem utilização de símbolos? 
Consideremos a dança das abelhas citada por psicólogos e descrita por 
Robert M. Goldenson em seu livro La mente umana: 
Ficamos estupefatos diante da maravilhosa complexidade da col-
meia construída exclusivamente por instinto, mas existe uma outra 
empresa ainda mais digna de nota: quando descobrem alimento as 
abelhas podem voltar à colmeia e referir exatamente onde ele se en-
contra. Fazem isto executando um especial tipo de dança: indicam a 
distância a que se encontra o alimento com o número de danças 
executadas e indicam a direção girando-se e agitando-se de um 
modo particular32. 
Na seqüência, o autor fala do cérebro da abelha e depois de lembrar 
que ele é ligado a grandes olhos capazes de formar imagens e com órgãos 
de tato, fala e odor que, juntos, colaboram para que as abelhas cumpram 
suas funções específicas de rainha, zangão e operária. Mas conclui que fa-
zem tudo isso por instinto. 
Ante tudo isso, pode-se indagar: será que os fenômenos, ditossupe-
rorgânicos, não são simplesmente os mesmos que os inorgânicos, distin-
tos apenas em seu grau de complexidade? A questão é complicada e não a 
responderemos. Fica pois em aberto. 
Nossa posição com referência à relação entre sociedade e cultura parte 
do princípio de que o fenômeno social animal é de natureza distinta daque-
le humano. Tal distinção, ao que parece, reside precisamente no fato de 
toda sociedade humana jamais prescindir do fenômeno da cultura. Por 
isso, podemos dizer que todo fato cultural é social, mas nem todo fato so-
cial é cultural. Para Durkheim, "o fato social é toda maneira de agir, fixa 
ou não, susceptível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior"33. 
Em geral a sociologia estuda o fenômeno social como a interação entre 
pessoas, isto é, a ação humana como regra de comportamento para os indi-
víduos. Já a cultura, que não deixa de ser também um processo de intera-
ção entre os indivíduos, também supõe todas as maneiras possíveis de in-
32. GOLDENSON, Robert M. La mente umana, p. 21. 
33. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico, p. 12. 
51 
fluência dos valores culturais sobre os indivíduos. Assim é que a interação 
(que não precisa ser recíproca) pode dar-se entre um homem que admira 
uma obra de arte ou assiste a um filme ou, ainda, que lê um livro. 
É bem de se notar que, no caso de captação da mensagem de um filme 
ou de um livro, o indivíduo não está interagindo com algo material e me-
cânico. Ao contrário, interessam-lhe os significados da mensagem huma-
na neles contidos. E isso que ocorre, igualmente, com alguém que conse-
gue captar o significado de uma bela catedral medieval. 
c) A cultura é dinâmica e estável 
Existem muitos paradoxos no estudo da cultura. Afirmamos que ela é 
dinâmica e, no entanto, não é errado dizer-se que ela é também, de certo 
modo, estável. Estável enquanto lhe destacamos a tradição e a institucio-
nalização de padrões de comportamento. De outro lado, não podemos ol-
vidar seu caráter eminentemente dinâmico e mutável. Veja-se um álbum 
de fotografias antigas. Achamos graça no que vemos porque aí temos uma 
mostra dos costumes e da moda de vinte ou quarenta anos atrás. Tudo 
aquilo nos parece ridículo. O mesmo acontece quando tomamos um ro-
mance antigo e descortinamos nele todo um mundo diverso do nosso com 
padrões próprios de seu tempo. Aí se constata que a cultura muda. As mu-
danças podem ser pequenas ou grandes. Mudanças há tão pequenas que 
passam despercebidas. Há, todavia, mudanças violentas e bruscas como as 
provocadas por revoluções e cataclismos. 
Por outro lado, a própria natureza da aprendizagem da cultura lhe de-
termina uma transformação lenta e inarredável. A endoculturação pela 
qual os indivíduos passam inclui uma conotação subjetiva, como será vis-
to a seu tempo. O que, de fato, supõe uma certa variação nos padrões de 
comportamento. Mesmo pequena e imperceptível, tal variação ocorrida 
em cada comportamento individual irá possivelmente provocar uma mo-
dificação bem substancial no cómputo geral. É o que se poderia chamar de 
uma "evolução cultural" em contraposição àquela evolução biológica pró-
pria dos animais. Como se percebe, além dessa mudança cultural imper-
ceptível, a cultura ainda experimenta a mudança desejada e consciente. 
28 
Ao passo que entre os animais irracionais, as modificações do comporta-
mento existem por conta das combinações de transmissão bio-hereditária. 
Motivo por que as mudanças no comportamento animal são em menor nú-
mero e em menor proporção. 
Ao que tudo indica, a mudança cultural ocorre em razão das novas ne-
cessidades das novas situações. A propósito, todos os acontecimentos, 
embora semelhantes, são com efeito inéditos e únicos. Exemplo disso é re-
gistrado por Klineberg e atribuído a Linton: "A regra maometana de que 
um homem pode casar com a mulher divorciada de seu filho adotivo é de-
vida ao fato de que o profeta desejou casar com a mulher de seu filho ado-
tivo e teve uma revelação de que isso era possível"14. 
d) A cultura é seletiva 
Isto quer dizer que a cultura é um contínuo, um processo que implica 
sempre reformulações. A própria cultura subjetiva, isto é, a cultura a nível 
individual, implica necessariamente numa reformulação da cultura objeti-
va, como foi visto. Esse processo de reformulação se acentua na sucessão 
das gerações. É fácil perceber que nesse processo de transmissão de pa-
drões de comportamento alguns valores são relegados ao esquecimento e 
outros novos são integrados. Nesse processo parece existir uma seleção de 
padrões. Tal seleção não é necessariamente consciente e desejada. Acredi-
tamos que a maioria dos valores é consagrada de forma inconsciente. Em 
determinados setores da cultura não se encontra justificativa para o apare-
cimento e o desaparecimento de certos padrões de cultura. Tal seleção pa-
rece mais racional no que se refere à adoção de novas tecnologias. Isso não 
significa que o aparecimento de uma técnica mais eficiente resulte neces-
sariamente no alijamento de técnicas obsoletas, mesmo porque a adoção 
de técnicas avançadas implica também em problema econômico, de poder 
aquisitivo. Isso faz com que, ao lado de técnicas avançadíssimas, sobrevi-
vam técnicas obsoletas, mas relativamente ainda eficientes. 
34. KLINEBERG, Otto. Psicologia social. Yol. I, p. 85. 
53 
e) A cultura é universal e regional 
Como já foi visto, o homem é um animal construtor de cultura. Este 
fato não deixa de ser um reconhecimento da universalidade da cultura, 
como salienta Herskovits35. Nunca foi constatada a existência de seres hu-
manos desprovidos de cultura, um animal pode sobreviver e bem viver 
sem conhecer outros companheiros, um gato pode ser criado sem jamais 
ter contato com outros gatos e certamente terá um desenvolvimento nor-
mal; quando grande pegará ratos, terá agilidade peculiar, miará e fará tudo 
o que os outros gatos fazem. 
Com o homem, contudo, é diferente. A cultura penetra todo o ser hu-
mano. Até a maneira de andar do homem é resultado da endoculturação. 
Muitas de suas características, comumente atribuídas à bio-hereditariedade, 
não passam de efeitos da endoculturação. Exemplo disso é a crença popular 
expressa no aforismo popular de que "filho de gato é gatinho" ou na cren-
ça de que o comportamento dos filhos depende do sangue paterno e mater-
no que lhes corre nas veias. Assim, filha de prostituta mais cedo ou mais tar-
de assume também essa condição. É possível que isso aconteça, na prática. 
Mas não será com certeza o sangue o determinante do fato; é provável que o 
convívio e a aprendizagem tenham uma influência bem mais acentuada. 
Dissemos que não se conhecem casos de pessoas desprovidas de pa-
drões culturais. Na verdade, os poucos casos de crianças isoladas revelam 
que a afirmação tem fundamento. Saliente-se ainda o fato de os casos mi-
rabolantes de "meninos-feras" e "meninos-lobos" serem, geralmente, ca-
sos carentes de informações precisas e cheios de falhas no controle das ob-
servações. Existe, contudo, um caso digno de nota relatado por Davis que 
iremos transcrever para evidenciar o grau de importância de que se reveste 
a cultura para todos os homens. Escreve este autor: 
O caso foi de uma filha ilegítima, Ana, cujo avô jamais se confor-
mou com o erro da mãe e, assim, obrigou a criança a ficar trancada 
num quarto do andar superior da casa. Por esse motivo, a pequena 
recebia apenas os cuidados necessários para mantê-la viva. Rara-
mente mudavam-lhe a posição. Suas vestes e roupas de cama vivi-
35. HERSKOVITS, Melville J. Op. cit., tomo I, p. 33. 
28 
am imundas. Aparentemente, não recebeu qualquer instrução, e ne-
nhuma atenção afetiva. Finalmente, ao ser removida do quarto que 
ocupava até então, já aos seis anos de idade, Ana não sabia falar 
nem andar, nem fazer coisa alguma que demonstrasse a posse de al-
guma inteligência. Apresentava-se extremamente pálida e subnu-
trida, com pernas esqueléticas e o abdome intumescido. Demons-
trava apatia absoluta,deitada de costas, imóvel, inexpressiva, indi-
ferente ao que quer que fosse. 
Aparentemente era surda e possivelmente cega. E, sem dúvida, in-
capaz de alimentar-se com suas próprias mãos ou de fazer qualquer 
gesto voluntário. Não passava de um organismo humano que per-
dera quase seis anos de socialização (endoculturação). Suas condi-
ções físicas demonstravam o quão pouco seus recursos puramente 
biológicos, quando agiam isoladamente, eram capazes de contribu-
ir para transformá-la num ser completo. 
Ao morrer de ictericia hemorrágica quatro anos e meio depois, rea-
lizara progressos consideráveis em comparação às suas condições 
anteriores36. 
Este autor ainda relata outro caso semelhante e mostra a importância 
da socialização ou endoculturação. A cultura condicionou tanto o homem 
que nem a parte física fica imune à sua ação. O homem é um todo harmô-
nico e a distinção que se faz entre o físico e o mental dá-se mais por razões 
metodológicas e didáticas do que por uma separação real e concreta. Bom 
seria que se pudesse estudar o homem como um todo, como se propõe a 
antropologia geral... 
Concluímos que a cultura como fenômeno é universal. Se um casal es-
capasse a uma hipotética guerra mundial e os dois ficassem isolados numa 
região qualquer, sua cultura ficaria reduzida às culturas subjetivas de am-
bos. Seu nível de vida, no seu aspecto tecnológico, ao menos, cairia a ní-
veis baixíssimos. Ponhamo-nos em seus lugares e vejamos o que utiliza-
mos e não sabemos produzir: carros, alimentos enlatados, papel, tecidos, 
tintas, todo o gênero de máquinas, sabão, cimento, energia elétrica etc. O 
mesmo parece acontecer com os demais padrões de comportamento. Re-
36. DAVIS, Kingsley. A sociedade humana. Vol. I, p. 242. 
55 
cebemos, ao que parece, muito mais de nossa cultura do que lhe damos. 
Afinal a cultura resulta de um processo antiquíssimo. 
Com essas considerações fica patenteado o que dissemos da caracte-
rística social da cultura. Cada membro da sociedade tem suas tarefas e 
seus interesses dentro da cultura. Cada grupo alimenta seus interesses e 
tem tarefas a cumprir dentro do conjunto cultural. Assim se formam os pa-
drões regionais de cultura conforme as situações próprias e as suas neces-
sidades particulares. Em vista disso se pode falar de culturas regionais. 
Não que elas sejam diferentes do fenômeno geral da cultura universal. Isso 
não. Apenas representam formas diferentes, momentos distintos de um 
mesmo fenômeno denominado "cultura". 
Como não é possível estudar as manifestações culturais simultanea-
mente e bem, estudamos seus diversos aspectos (instituição por instituição), 
suas manifestações em lugares diferentes (culturas regionais e nacionais) 
para, assim, descobrirmos as semelhanças e as diferenças das culturas. Des-
tarte se torna fácil descobrir como é universal o fenômeno cultural. 
Os aspectos comuns a todas as culturas regionais são denominados 
"universais da cultura". Como escreve Herskovits: 
Todos os povos têm algum modo de obter meios de vida. Conse-
guem-no através de equipamento tecnológico utilizado para ar-
rancar do ambiente natural os recursos para viver e os levar avante 
em suas atividades diárias. Conhecem uma forma de distribuir o 
que assim produzem, sistema econômico que lhes permite tirar o 
maior proveito dos escassos meios de que dispõem. Todos os po-
vos dão expressão formal à instituição da família ou a vários gêne-
ros de estruturas mais amplas de parentesco e a associações basea-
das em laços de sangue. Nenhum vive em completa anarquia, pois 
que por toda parte se encontram provas de um gênero de controle 
político. Não existe nenhum que não tenha uma filosofia de vida, 
um conceito de origem e do funcionamento do universo e de como 
se deve tratar com os poderes do mundo sobrenatural para conse-
guirmos fins desejados; em síntese, um sistema religioso. Com 
cantos, danças, fábulas e forma de arte gráfica e plástica para ob-
ter satisfação estética, linguagem para dar curso às idéias, a um 
sistema de sanções para dar significação e direção à vida, encer-
rando este sumário aqueles aspectos da cultura que, como ela pró-
28 
pria em seu conjunto, são atributos de todos os grupos humanos, 
onde quer que possam viver37. 
De certo modo, as denominadas culturas regionais são de mais fácil 
percepção do que a cultura universal. Embora reconhecendo o aspecto 
universal da cultura, temos concretamente acesso direto às realidades re-
gionais. Poder-se-ia dizer que o aspecto universal da cultura é mais abstra-
to do que o regional. 
Em síntese, em qualquer cultura particular vamos encontrar as várias 
instituições políticas, religiosas, econômicas, lúdicas etc. Muito embora 
elas representem caráter universal de cultura, veremos que suas formas 
dependem do contexto cultural em que estão inseridas. São exemplos dis-
so o costume e a prática da crisma, no Nordeste brasileiro. Embora, origi-
nariamente, a crisma pertença à instituição religiosa, temos dúvidas em 
afirmar que entre nós sua prática seja hoje precipuamente dessa natureza. 
A crisma nesta região apresenta hoje um caráter nitidamente político e de 
parentesco. Raramente se toma por padrinho alguém de status inferior ao 
do crismando. Parece que os pais do jovem, em vez de confirmar o filho na 
fé, procuram proporcionar-lhe proteção e favor. O termo "apadrinhamen-
to", entre nós, já passou a significar "proteção", "garantia", "tutela" etc. 
f) A cultura é determinante e determinada 
O enunciado acima envolve um paradoxo. Implicitamente, é insinua-
do que a cultura faz o homem e este faz a cultura. Quando se tratou do ca-
ráter social da cultura aventou-se a tese de que a cultura se impõe aos indi-
víduos e estes pouco podem fazer no sentido de fugir aos padrões culturais. 
Façamos algumas reflexões sobre o assunto. 
Consideremos em primeiro lugar a assertiva de que a cultura deter-
mina o comportamento humano e é responsável pela padronização com-
portamental do homem. Pode-se considerar esta verdade examinando al-
guns exemplos. 
37. HERSKOVITS, Melville J. Antropologia cultural, tomo I, p. 33. 
57 
Kroeber considera o maometismo um fenômeno social (podemos 
dizer "cultural", pois a cultura é a dimensão institucional da socie-
dade), ao suprimir as possibilidades imitativas das artes pictóricas e 
plásticas. Ele afetou obviamente a civilização de muitos povos, as-
sim como deve ter alterado a profissão de muitas pessoas nascidas 
em três continentes durante milênios. 
Ainda dentro de uma esfera de civilização limitada nacionalmente 
têm que ocorrer resultados semelhantes. O lógico ou o administra-
dor por temperamento, nascido numa casa de pescadores ou de var-
redores, não conseguirá, talvez, as satisfações e certamente não terá 
o êxito que obteria se tivesse nascido de pais brâmanes ou xátrias, e 
o que é verdade para a índia o é também para a Europa3*. 
A herança cultural é assaz forte para a conformação dos hábitos e cos-
tumes, para o modo de pensar e de comportar-se do homem; tão forte 
como a hereditariedade o é para a conformação física do homem. Nesse 
aspecto, é correto dizer-se que a cultura é um processo inconsciente. Tam-
bém é opinião de Kroeber que "a marcha da história, ou, como se diz cor-
retamente, o progresso da civilização, é independente do nascimento de 
personalidades singulares, as quais, assim como dão uma média substan-
cialmente idêntica, no que se refere à generalidade, em todos os tempos e 
lugares, também fornecem o mesmo substrato para o social ... O efeito 
concreto de cada indivíduo sobre a civilização é determinado por ela pró-
pria. A psique e o corpo não passam de facetas do mesmo material ou ati-
vidade orgânica, a substância social - ou o tecido insubstancial, se assim 
se preferir chamá-la - ou o que denominamos civilização. Transcende-os 
apesar de estar arraigado na vida"39. 
O mesmo autor também proclama: "Es evidente, pues, que el lenguaje 
de los animales es bajo todos conceptos algo completamente orgânico y en 
modoalguno 'social', en el sentido de ser superorgánico"40. 
Ao que parece não são os gênios que determinam a cultura, mas é 
esta que determina o surgimento dos gênios. Exemplos há de grandes 
38. HERSKOVITS, Melville J. Op. c i t , tomo I, p. 38. 
39. HERSKOVITS, Melville J. Op. cit., tomo I, p. 39. 
40. KROEBER, A.L. Antropologia General, p. 121. 
28 58 
descobertas que passaram desapercebidas na sua época. Ao que tudo in-
dica, tal acontece porque a cultura não está preparada para receber aque-
las contribuições. Foi o caso da obra de Gregor Mendel sobre a heredita-
riedade, que passou inadvertida. Pelo visto, nossa cultura não estava ma-
dura para recebê-la. Convém observar que a obra de Mendel foi publica-
da em 1865 e só em 1900 saiu do esquecimento. Mesmo assim, isto ocor-
reu em face da redescoberta de seus princípios por três investigadores 
que trabalharam isoladamente41. 
É precisamente este caráter determinante da cultura que permite a 
existência de ciências do comportamento. Caso não existissem regularida-
des ou leis de comportamento humano, como se poderia estudar o fenôme-
no sociocultural? E a cultura ou o seu conhecimento que permite aos 
membros de uma sociedade ter expectativas mais ou menos seguras com 
relação ao comportamento dos demais membros. O comportamento hu-
mano é, num grau maior ou menor, normado ou padronizado. Diante de 
um comerciário postado atrás de um balcão, sabe o cliente qual o compor-
tamento dele esperado e qual o seu igualmente. Temos ciência do com-
portamento próprio de um chefe de estado, de uma prostituta ou de uma 
moça de família. Cada um tem um comportamento delineado pela posição 
que ocupa dentro da sociedade. Raif Dahrendorf chega a falar do processo 
de socialização ou endoculturação, nos seguintes termos: 
O processo de socialização é sempre um processo de despersonali-
zação; ao final, a liberdade e a individualidade pessoal são suprimi-
das através do controle e da generalidade dos papéis sociais42. 
Admitimos que existam evidências sobre o papel relativamente deter-
minista da cultura sobre os indivíduos. Mas o que dizer de cultura tomada 
como produto, como resultado da criação humana? Se se considera a cul-
tura no seu aspecto histórico, ela teve sua origem nos indivíduos. Ora, na 
ocasião em que afirmamos que a cultura determina o comportamento hu-
mano na sociedade, implicitamente estamos afirmando que a obra humana 
41. HERSKOVITS, Melville J. Op. cit., tomo I, p. 39. 
42. DAHRENDORF, Ralf. Homo Sociologicus. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969, 
P- 79. 
passa a se impor aos indivíduos: sim, sobre os indivíduos, pois a cultura é 
antes de tudo uma obra coletiva, sua força reside no seu caráter social. A 
cultura é uma espécie de inércia do pensamento. Difícil é mudar a cultura, 
mas uma vez aceita a modificação dificilmente ela abre mão do novo pa-
drão. Naturalmente tais movimentos dependem do "volume", do "peso" e 
da "força" dos novos padrões. O que é sabido é que a cultura tende a ser 
conservadora. 
Entretanto, não se pode esquecer que a cultura muda e se transforma 
ao longo do tempo. Tais modificações são, em sua maioria, adaptação às 
novas necessidades humanas. Não é aqui o lugar para o estudo dos proces-
sos culturais, contudo, podemos, para facilitar o raciocínio, considerar al-
guns pontos pertinentes. As modificações da cultura podem encontrar 
suas raízes em modificações geofísicas com e sem participação humana, 
em modificações sociais, tais como revoluções, invasões; ainda podemos 
considerar o caso de modificações demográficas com o crescimento ou di-
minuição do número de habitantes, o aparecimento de mais homens do 
que mulheres ou vice-versa, o problema da composição das idades etc.; 
em resumo poderíamos agrupar tais fatores ou variáveis da mudança tra-
tando de fatores biológicos, fatores sociais, fatores culturais4,. 
Admitir todos esses fatores como capazes de provocar modificações 
culturais é mais do que razoável. No entanto, nosso problema em pauta é 
saber se os indivíduos podem também modificar a cultura. Dito de outra 
forma, discute-se aqui não o fator psicológico como fator de mudança cul-
tural, porém se determinada geração pode modificar sua cultura. 
A cultura representa o esforço adaptativo do homem frente à realidade 
que o cerca. A propósito escreveu Leslie Spier: 
Como todos os animais, o homem necessitou adaptar-se ao meio. 
Esta adaptação foi, fisiológicamente, em escala muito pequena, e 
em grande extensão uma mudança de hábitos para enfrentar novas 
condições. Esta grande capacidade de adaptação, dirigida pela inte-
43. LAKATOS, Eva Maria. Sociologia geral, p. 253/258. 
28 60 
ligência - inventando novos recursos e procedimentos - é que dis-
tancia o homem dos outros animais44. 
É inegável que a cultura resulta em um encadeamento lógico e inteli-
gente, o que não significa dizer que ela própria seja produto de um procedi-
mento predominantemente consciente. A cultura cabe o domínio do meio 
ambiente, a garantia da sobrevivência e do conforto humanos, bem como a 
satisfação humana, seja no domínio da estética, da inteligência, da biologia 
ou do sobrenatural. Não é exagero a afirmação de que a cultura que não 
muda ao longo do tempo e, consequentemente, não se adapta às novas situa-
ções tende a definhar e morrer. Com isso não queremos afirmar que a tarefa 
de adaptação que deve ser processada por cada geração seja mais significa-
tiva do que a cultura até então realizada. De modo algum. Todavia, é fácil 
perceber que a cultura realizada não passa de uma resultante da ação de cada 
geração - dissemos resultante, pois não seria adequada a palavra "soma". 
Nesse sentido é que dizemos que a cultura é determinada. 
2.3 Cultura e civilização 
Há inegavelmente muita confusão no uso dos termos "civilização" e 
"cultura". Já foi visto o sentido que aqui emprestamos ao termo cultura, isto 
é, o objeto da antropologia cultural. Muito significativas são as considera-
ções do Mestre Câmara Cascudo a respeito. Diz ele entre outras coisas: 
Civis: cidadão, deu civilidade, civilização, civismo, cidade. Está 
sempre ligado ao homem portador de direitos, expoente de força 
disciplinadora, detentor das garantias ideais de um patrimônio po-
lítico (polis, cidade, polícia, polidez), como ainda de urbs, cidade, 
urbanismo, urbanidade, urbano. São vocábulos decorrentes da 
ação espiritual e doutrinária do próprio indivíduo, conquista do 
convívio, da aproximação relações humanas associadas ao plano 
do espírito, da projeção imánente da dignidade, da soberania e do-
mínio da espécie... 
Cultura naturalmente não é sinônimo de civilização. Cultura reli-
giosa, cultura artística, cultura filosófica, cultura jurídica, não é 
religião, arte, filosofia, direito. É o exercício de sua produção, am-
44. SPIER, Leslie. As invenções e a sociedade humana, p. 267. 
plitude do equipamento, melhoria, aperfeiçoamento, profundeza 
de sua aparelhagem. Herança de técnicas conquistadas pelas gera-
ções anteriores, acresce-se na incessante colaboração contempo-
rânea em todos os ângulos da massa. Valerá métodos, formas nor-
mativas, realizações, processos de modificação, possibilitando o 
conhecimento através dos meios físicos de elaboração continuada 
e do uso persistente. 
Para compreender o fenômeno total da civilização é preciso atender 
que o todo civilizador é maior que a soma das partes culturais. 
A transmissibilidade dos elementos culturais não é sinônimo de 
transferência de civilização. Pode um povo receber de outro povo 
parte vultosa de técnicas, organização social, linguagem, possíveis 
permanentes ou constantes antropológicas, sem que fique possuin-
do características reais da civilização comunicada?45 
Ao que parece, nosso autor toma civilização como significando cultu-
ra particular identificável de um agrupamento humano; uma espécie de 
cultura como maneira sui generís de ser de um povo; talvez uma espécie 
de estilo próprio na forma de vida dos grupos humanos; civilização seria 
uma espéciede conjuntos de traços culturais, de instituições organizadas 
num todo com uma direção ou orientação facilmente identificável; ainda, 
uma espécie de caráter, gênio, espírito ou alma possuída por uma cultura 
nacional (regional ou particular) que é capaz de distingui-la das demais46. 
Outro autor que também se preocupou em distinguir os dois termos em 
pauta foi o professor Waldemar Valente. Salienta que o uso do termo "civi-
lização" está muito ligado à valorização das culturas particulares. Civiliza-
ção seria um povo cuja fase de desenvolvimento estivesse acima das fases 
da selvageria e da barbárie. Como se percebe, tal uso do termo civilização 
deriva diretamente do esquema evolucionista de Lewis Morgan. Contudo, 
este uso, como lembra o professor Valente, é exclusivo da corrente evoluci-
onista. E acrescenta: "Selvagens, no sentido rigorosamente etnológico, sem 
nenhuma marca de civilização, não existem nem nunca existiram no perío-
do histórico da humanidade"47. 
45. CÂMARA CASCUDO, Luís da. Civilização e cultura. Vol. I, p. 25 e 27-28. 
46. KEESING, Félix M. Antropologia cultural. Vol. I, p. 247-257. 
47. VALENTE, Waldemar. Introdução ao estudo da antropologia cultural, p. 24. 
28 62 
É bem de notar que o problema em foco diz respeito a questões etimo-
lógicas. Houve tempo em que o termo "cultura" significava apenas culti-
vo criação ou técnicas de acelerar o processo produtivo. Ainda nos restam 
termos como agricultura, horticultura e outros. No entanto, mesmo saben-
do o sentido que hoje emprestamos ao termo "cultura", que na tradição la-
tina era civilização, optamos pelo uso dos termos "cultura nacional", "cul-
tura particular", cultura regional" etc. 
A impressão que temos é que o uso do termo "civilização" nas obras 
de etnologia, de modo geral, traz uma conotação de cultura realizada, de 
patrimônio cultural, de marca indelével de uma unidade social pertinente 
ao passado vivido, espécie de tradição cultural, sagrada e que impõe às no-
vas gerações; ao passo que a cultura seria expressão cultural, mais geral, 
que inclui não apenas a civilização, mas também uma participação ativa 
por parte das novas gerações; talvez se possa dizer que a civilização seria 
uma espécie de agente conformador das novas gerações e a cultura, um 
produto da ação dessas gerações impregnadas pela ação da civilização e 
das novas condições gerais de vida. 
De resto, firmamos a posição de utilizar apenas o termo "cultura" 
acompanhado sempre que possível de uma adjetivação que lhe confira 
maior precisão, utilizaremos o termo "civilização" apenas em dois senti-
dos básicos: como cultura nacional e como estágio de cultura (quando se 
discutir o problema do evolucionismo). Concluindo, utilizamos as pala-
vras de Beals e Hoijer: "Nenhum antropólogo moderno considera a civili-
zação como qualitativamente diferente da cultura, nem há uma distinção 
48 entre o civilizado e o incivilizado" . 
2.4 Cultura e subcultura 
Objetivando esclarecer o uso do termo subcultura, necessário se faz 
deixar claro, de saída, que ele não significa cultura inferior. Não tem, pois, 
uma conotação valorativa, não se opondo à cultura nesse mister. 
O termo também não está ligado necessariamente ao problema do es-
paço, embora a cultura do Nordeste brasileiro seja uma subcultura contra-
48. BEALS, Ralph L. & HOIJER, Harry. Introducción a la Antropologia, p. 263. 
posta à cultura global brasileira. Ressalte-se que, na prática, a subcultura 
quase sempre identifica-se com a cultura regional, parte da cultura nacio-
nal. Isso se justifica tendo em vista a forte correlação existente entre cultu-
ra e ambiente49. Tal correlação ocorre muito mais pelo isolamento que o 
espaço ocasiona do que por uma influência direta do ambiente sobre a cul-
tura, embora esta última não seja de se desprezar. 
Tem razão Lévi-Strauss quando salienta o caráter metodológico e 
operacional do termo "cultura" e, por extensão, do termo "subcultura". 
Escreveu este autor: 
Denominamos cultura (particular) todo conjunto etnográfico que, 
do ponto de vista da investigação, apresenta, com relação a outros, 
afastamentos significativos. Se se procura determinar afastamentos 
significativos entre a América do Norte e a Europa, tratar-se-ão as 
duas como culturas diferentes; mas, supondo que o interesse tenha 
por objeto afastamentos significativos entre - digamos - Paris e 
Marselha, estes dois conjuntos urbanos poderão ser provisoriamen-
te constituídos como duas unidades culturais50. 
Esse aparente nominalismo do mestre francês, aqui endossado, não 
põe em perigo o conceito de cultura que viemos descrevendo e precisando. 
Embora se defenda aqui o caráter concreto e real do fenômeno cultural, 
não se pode negar que as culturas nem sempre se apresentam com suas 
fronteiras plenamente claras e discerníveis. 
Note-se que a idéia de subcultura não coincide com aquela de área cul-
tural, que será visto mais adiante. Quase toda área cultural corresponde a 
uma subcultura, mas nem toda subcultura identifica-se com área cultural. 
A subcultura pode estar ligada a castas ou classes sociais. O que al-
guns autores denominam de cultura da pobreza pode corresponder a uma 
subcultura. Beals e Hoijer dão um exemplo significativo de três subcultu-
ras que formavam a cultura da grande nação Quichua do Peru em tempos 
remotos: os Incas, os Curacas, e os plebeus. Os Incas eram formados pela 
aristocracia governante, familiares do imperador; os Curacas, uma nobre-
49. Cf. o cap. referente. Cultura e ambiente. 
50. LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural, p. 335. 
28 
za provinciana; e a terceira, a massa pobre e com seu estilo próprio de 
vida. Cada uma dessas categorias, embora comungasse com a cultura Qui-
chua, possuíam modos de vida próprios, habilidades próprias e idiomas 
diferentes51. 
Em suma, a subcultura está para a cultura como o subsistema está 
para o sistema - as subculturas são partes constitutivas da cultura global 
considerada. 
3 Métodos e técnicas em pesquisa antropológica 
Inicialmente se faz necessário ver o significado do termo "metodolo-
gia". Fala-se, com freqüência, de metodologia científica, de metodologia 
das ciências sociais e de metodologia antropológica. Dois são os usos mais 
freqüentes do termo "metodologia". O primeiro deles refere-se ao conjun-
to de técnicas usadas por uma disciplina particular com o objetivo de ma-
nipular os dados a fim de se chegar a um conhecimento. Neste caso, a me-
todologia antropológica corresponderia ao que se denomina de métodos e 
técnicas em pesquisa antropológica. O segundo refere-se ao uso do termo 
no sentido descrito por Hughes: 
O termo é, porém, usado principalmente para referir-se ao estudo 
mais abstrato dos fundamentos lógicos da disciplina mesma; neste 
sentido, metodologia é sinônimo de "filosofia da ciência". O exem-
plo clássico de metodologia neste sentido é o System of Logic, de 
John Stuart Mili, 1842 que se destina a generalizar "os modos de in-
dagar a verdade e de avaliar as provas" e compreende uma discus-
são sobre a indução e a dedução, a idéia de uma lei natural, a nature-
za da causação, a experimentação, a conceitualização e a classifica-
ção, e a assim por diante52. 
Evidentemente, não nos é possível tratar aqui da metodologia antro-
pológica, falta-nos espaço. Seria o caso de discutir a possibilidade de se ter 
uma antropologia científica. Não seria possível, por outro lado, indagar 
sobre a cientificidade da antropologia sem enveredar pelas discussões in-
51-BEALS, Ralph L. & HOIJER, Harry. Introducción a la antropologia, p. 264-265 
52. MITCHELL, G. Duncan. Dizionario di sociologia, p. 178. 
65 
findáveis a respeito da distinção entre ciência natural e ciência humana. A 
distinção entre uma e outra seria apenas relativa às técnicas ou ao próprio 
método? É notória a posição da tradição alemã, encabeçada por Max We-
ber, que advoga a distinção entre ambas. Segundo este autor as ciências 
humanas deveriam adotar não uma postura explicativa, mas uma posturacompreensiva. Ou seja, o pesquisador deveria colocar-se no lugar dos ato-
res sociais localizados no tempo e no espaço, procurando inferir o que ele 
denomina de "tipos ideais". Há também uma postura, ainda comum, opos-
ta e conhecida como posição positivista, cujo expoente máximo na socio-
logia foi, talvez, Durkheim. Este não admitia distinção entre as ciências 
naturais e as humanas. O que se deveria fazer era o aprimoramento meto-
dológico de modo a se poder tratar os fatos humanos como coisa. Isto quer 
dizer que, se necessário, dever-se-ia perder em aprofundamento das ques-
tões contanto que não se sacrificasse a precisão. 
Como se pode ver, a discussão não é de fácil solução. Ninguém pode 
negar a especificidade, do comportamento humano. Nele os atores emi-
tem palavras dotadas de significação para os interlocutores e para os pes-
quisadores. O mesmo se diga da ação humana que é portadora de uma car-
ga enorme de simbolismo. Ninguém pode, com inteira certeza, afirmar 
que a causalidade do comportamento humano obedece a leis semelhantes 
ou iguais àquelas que determinam o acontecimento natural. No comporta-
mento humano há lugar para história - uma história cujos autores e agen-
tes são os homens. Por outro lado, até onde o homem não absorve as in-
fluências de seu ambiente, da coletividade, do mundo orgânico etc.? A di-
ficuldade em responder a todas essas indagações reside em crenças e valo-
res humanos cultuados e cultivados durante milênios. Quem nos pode as-
segurar que não é o orgulho humano de se proclamar "animais racionais li-
vres" o que mais dificulta o progresso das ciências humanas? E possível. 
Note-se que o homem - o cientista social, em particular - lá no fundo, tem 
pavor de descobrir que o homem não é tão livre como se apregoa nem tão 
racional como se deseja. Há também um medo generalizado de que as 
ciências humanas progridam tanto que venham, no futuro, a servir aos go-
vernos como instrumentos de dominação. 
28 66 
Por uma questão de coerência, nossa posição está em não ver ou reco-
nhecer duas ciências diferentes: uma para o estudo da natureza e outra 
para o conhecimento do homem. Reconhecemos, no entanto, uma distin-
ção entre ciência natural e ciência humana. Apenas uma distinção. O ho-
mem, por mais peculiar que ele seja, é parte da natureza. Sua cultura é pas-
sível de ser estudada cientificamente, pois pode ser vista, ouvida, sentida e 
observada. Poderá ser experimentada? A resposta é afirmativa. O experi-
mento não deve ser sempre provocado. O que faz uma intervenção tor-
nar-se experimento é o possibilitar uma observação controlada. Quanto à 
cientificidade da astronomia, ninguém põe dúvida. No entanto, custa ad-
mitir que esta possa intervir no curso dos astros, provocar os chamados 
movimentos virtuais. No entanto, as ciências humanas, não obstante todas 
as limitações que a ética, a moral e a religião possam lhe impor, podem 
provocar ou intervir nos acontecimentos humanos. Aliás, toda pesquisa de 
campo implica, indiretamente, sempre em uma experimentação ou altera-
ção do curso dos acontecimentos. A simples presença de um etnólogo 
numa aldeia índia provoca modificações sensíveis na vida dos nativos. O 
problema, portanto, não está em saber se as ciências humanas podem ou 
não interferir na vida das populações estudadas. 
Aqueles que negam às ciências do comportamento a condição de ciên-
cia afirmam que elas não são capazes de controlar os seus experimentos ou 
observá-los. A esses bastaria lembrar que não convém subestimar a condi-
ção profissional dos cientistas sociais. Não se trata de negar as dificulda-
des enfrentadas no campo da pesquisa social e humana. Trata-se de lem-
brar que tais pesquisadores passam por uma formação especializada, to-
mam conhecimento de todo um patrimônio de conquistas da disciplina, 
participam de pesquisas e gastam toda a vida em estudar aspectos do com-
portamento humano. Uma coisa é forçoso reconhecer: se tais pesquisado-
res não são capazes de estudar o homem cientificamente, das duas uma: ou 
o homem não é natural ou não há ciência. A não utilização de laboratórios 
por parte do antropólogo não quer dizer muita coisa em termos de credibi-
lidade de sua ciência. 
O laboratório tem sido apresentado como vantagem e sinônimo de ob-
servação controlada (experimento). No entanto, há que se considerar dois 
pontos de suma importância: primeiro, o cientista social pode perguntar 
qualquer coisa a seu objeto de pesquisa e obterá informações, ao passo que 
o cientista natural pouco pode obter de sua cobaia; segundo, o laboratório 
pode controlar muito bem o experimento, mas ninguém poderá assegurar 
que o comportamento observado no laboratório não seja artificial, isto é, 
ninguém poderá assegurar que nas condições naturais as coisas acontece-
rão do mesmo jeito. Nesse aspecto, as ciências do comportamento levam 
grande vantagem sobre as ciências naturais. Elas vão ao habitat observar, 
analisar, verificar como realmente as coisas acontecem. 
Em suma, o que podemos concluir sobre esses aspectos metodológi-
cos é que embora a ciência ou o conhecimento científico seja único, unici-
dade de método e unicidade de objeto, cada ciência tem o seu objeto for-
mal. A cada uma delas vão interessar aspectos particulares do universo. Se 
o seu objeto de estudo é peculiar, peculiares deverão ser os métodos de 
pesquisa, as técnicas empregadas e o instrumento utilizado. Vejamos a se-
guir quais são os principais métodos e técnicas da antropologia. 
Não é grande a bibliografia em que se descrevem métodos empre-
gados atualmente pelos antropólogos em campo. Como, segundo 
vimos, o método representa uma das maiores contribuições cientí-
ficas da antropologia cultural, como constitui um postulado bási-
co do processo científico e como convém enunciar claramente os 
meios pelos quais se obtém um determinado corpo de materiais, 
importa analisar esta omissão. A dificuldade do etnógrafo em des-
crever seu método provém da diferença existente entre seus mate-
riais e os manipulados pelo cientista no laboratório. Não é preciso 
descrever muitos aparelhos. O êxito de sua obra depende, em 
grande parte, de sua sensibilidade diante das situações com as 
quais se depara, da interação entre sua personalidade e as dos nati-
vos, e não de sua habilidade em manipular tubos de ensaio, balan-
ças ou incubadoras53. 
Ainda com relação aos aspectos gerais dos métodos e técnicas antro-
pológicos, é necessário lembrar que eles estão relacionados também com a 
orientação teórica empregada. Assim, é fácil imaginar uma pesquisa de 
caráter evolucionista. Neste caso as técnicas a serem empregadas podem 
53. HERSKOVITS, Melville J. Antropologia cultural, tomo I. p. 100. 
28 68 
ser tomadas de empréstimo à arqueologia histórica, mas não bastam. 
Usa-se o que se denominou de método comparativo, isto é, toma-se o 
maior número de informações sobre o tema no tempo e no espaço e proce-
de-se à comparação, para daí tirar as inferências. Admitindo-se a unidade 
psíquica do homem (isto é, admitindo-se que o homem biológica e psico-
logicamente é idêntico em todos os lugares e durante largo período de 
tempo) tomam-se as observações do padrão de vida do nativo contempo-
râneo para serem aplicadas na reconstituição de uma cultura desaparecida. 
Aí está um exemplo de procedimento metodológico na antropologia. 
Como se percebe, há pressupostos teóricos, há postulados metodológicos 
e há um conjunto de técnicas (entrevistas, observação participante, histó-
ria de vida etc.). 
O que foi dito acima visa apenas a mostrar como a orientação teórica 
implica também em uma disposição metodológica. Destarte, não admira 
que o funcionalismo introduza novos posicionamentos metodológicos. 
Podendo-se falar em um método funcionalista. Este, por exemplo, ao con-
trário do método histórico-cultural, acha que é possível estudar uma popu-
lação sem conhecimento de sua história, de seus contatos culturais anteri-
ores etc. No caso, trata-se de uma visão sistêmica sincrónica onde se

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