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Estados Unidos e América Latina (Gerson Moura)

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MOURA, Gerson. Estados Unidos e América Latina. São Paulo: Contexto, 1990. 
1 - UM POVO ELEITO E O CONTINENTE SELVAGEM
“’Os Estados Unidos são praticamente soberanos neste continente e sua ordem é lei para os súditos nas áreas em que intervêm’”. Esta frase, dita por um alto funcionário norte-americano durante uma disputa sobre a Venezuela em 1895, sintetiza uma política para a América Latina, que iria vigorar pelo século XX afora. O que o governo americano proclamara como intenção em 1823 com a Doutrina Monroe virou realidade no final do século XIX, início do século XX”.
“Para entender essa ‘vocação para o expansionismo’ vamos viajar um pouco pelo tempo. Desde a fundação das treze colônias na costa leste da América do Norte no século XVII, a ocupação de espaços constitui um traço marcante da presença anglo-saxã na América. É bem verdade que outros colonizadores europeus estavam também ocupando espaços, mas impressiona no caso da América inglesa a velocidade, assim como a variedade das formas de ocupação e atividades econômicas. Impressiona também a convicção de um direito divino à ocupação, assim como de uma missão especial desse povo na América. Essa crença na sua própria excepcionalidade resultava de uma tradição religiosa (puritana) que realçava a realização da virtude individual, assim como de uma tradição republicana que fundava as instituições políticas na ação e na vontade enérgica de homens livres. No momento mesmo em que se tornaram independentes da Inglaterra, os dirigentes americanos afirmavam a singularidade absoluta de seu país no sistema internacional das nações. Para Hamilton, um dos Pais Fundadores, parecia ser a missão dos americanos demonstrar ao mundo que era possível aos homens controlar racionalmente sua vida em comum” (p. 11). 
“Nessa diversidade complexa chamada América Latina – constituída por duas dezenas de Estados separados por diferentes culturas, regimes políticos distintos e até rivalidade mortais – consolidava-se, em meados do século XIX, aquilo que alguns autores chamam de “um novo pacto colonial”. Feita a independência nas primeiras décadas do século, isto é, abolido o velho pacto colonial, os países latino-americanos ajustaram sua estrutura produtiva na direção dos países industriais mais avançados, tornando-se em geral fornecedores de bens primários (agrícolas ou minerais) e comprando deles bens de consumo industriais. A este ‘novo pacto colonial’ somou-se, ao final do século, um permanente fluxo de capitais que chegavam sob a forma de empréstimos ou investimentos diretos. Foram típicas dessa época a construção de ferrovias, a instalação de serviços públicos (gás, telefone, luz, água potável, transportes urbanos) e a modernização da produção de exportação”.
“Uma certa industrialização havida no final do século XIX na América Latina foi insuficiente para conferir um impulso próprio ao crescimento econômico, além de se dar em forma altamente concentrada, beneficiando certos grupos sociais, determinadas regiões dentro de cada país e alguns ramos de atividade econômica. O resultado geral foi o aprofundamento da dependência da economia latino-americana aos países mais industrializados, especialmente Grã-Bretanha, Estados Unidos, França e Alemanha (nessa ordem, os maiores exportadores de capital para o nosso continente). Note-se também a forte influência europeia ocidental em vários planos da vida latino-americana, tais como a organização militar, o pensamento filosófico e as manifestações culturais e artísticas em geral” (p. 13).
“As grandes definições da política exterior americana no século XIX são bem conhecidas. Em 1823, um discurso do presidente Monroe fixou duas diretrizes daí por diante como Doutrina de Monroe. Pronunciada no contexto da restauração monárquica na Europa e das tentativas espanholas de recuperar o poder que perdia em suas colônias americanas, a Doutrina continha duas afirmações fundamentais: 1º) os EUA não permitiriam a recolonização da América pelas potências europeias; 2º) os EUA defenderiam o direito dos povos americanos à autodeterminação nacional. A possibilidade de defender de fato esses dois pontos era mínima naquele momento, mas Washington confiava no poder britânico, que se antepunha entre as metrópoles ibéricas (comerciais, especialmente). Nesse momento, portanto, a Doutrina de Monroe traduzia mais uma intenção do que uma realidade, mas já apontava para um papel internacional que os EUA se reservavam. Ao mesmo tempo, tendo evitado fazer essa declaração de intenções em conjunto com a Grã-Bretanha, o governo americano pretendia, no fundo, afastar também sua ex-metrópole dos negócios do Novo Mundo”.
“Em meio à ‘corrida para o oeste’, na metade do século XIX, surgiu uma expressão que iria marcar, senão a política da expansão, pelo menos o clima intelectual em que ela se dava. Tratava-se do ‘Destino Manifesto’, expressão jornalística que se popularizou rapidamente e que via a expansão territorial americana como um processo ilimitado, que não se deteria nas praias da Califórnia, mas avançaria pelo Pacífico afora e acabaria por dar a volta ao mundo. Essa visão carismática da expansão parece dar razão à tese de um autor, Walter Webb, de que para os americanos a fronteira não era uma linha distante da qual se devia parar, mas uma área que convidava a entrar. Antes mesmo que se iniciasse a expansão nos oceanos, já começavam a se formar o clima de opinião pública e as justificativas religiosas, culturais, políticas e econômicas da nova expansão”.
“No final do século, os animadores do expansionismo além-mar já elaboravam suas estratégicas e justificações. A montagem de um poder naval, ardorosamente defendida pelo Capitão Alfred Mahan como fundamento do poder nacional, acelerou-se nas últimas décadas do século e possibilitou a guerra contra a Espanha em 1898. Para os expansionistas, o movimento de conquistas era natural” (p. 14). 
2 – BONS VIZINHOS NA PAZ E NA GUERRA
“Theodore Roosevelt deixou o governo em 1909, mas a intervenção continuou na década seguinte. Com o presidente Taft, ela se escudava na diplomacia do dólar, com o presidente Wilson ela fazia parte de uma política preventiva. A primeira, grosseiramente pragmática, e a segunda, pretensamente ética, faziam da superioridade (material ou moral) americana o eixo fundamental das relações com o restante do continente”.
“O governo Taft achava perfeitamente legítimo que o poder do Estado fosse empregado para proteger, estimular, defender os capitais e as propriedades americanas no exterior. De outro lado, o uso de recursos econômicos financeiros privados dos EUA serviria para fortalecer a influência americana, especialmente no Caribe e América Central. Essa associação de interesses levou à intervenção na Nicarágua em 1909, onde os funcionários de uma companhia de mineração americana, a US Nicaragua Concession, ajudaram a promover uma revolta conta o presidente Zelaya. Com ajuda dos fuzileiros americanos, puseram no poder um ex-secretário de tal companhia de mineração, o sr. Adolfo Díaz. Em 1912, Taft mandou novamente os fuzileiros à Nicarágua para impedir que o sr. Díaz fosse derrubado por uma revolta popular. A circunstância ajudou a estabelecer uma base militar americana no país e obter o arrendamento de duas ilhas nicaraguenses por 99 anos” (p. 22). 
[...]
“Com a eleição de Franklin Roosevelt para a presidência da República em 1933, os EUA anunciaram um novo tempo e uma nova política para a América Latina. Conhecida como ‘política da boa vizinhança’ ela anunciava as seguintes disposições: os EUA não mais apelariam para o método da intervenção, sobretudo da intervenção militar, a igualdade jurídica de todas as nações americanas seria reconhecida, tanto na teoria quanto na prática; haveria consultas interamericanas sempre que os problemas de uma república ameaçassem tornar-se um perigo para as demais; procurar-se-ia cooperar de todas as formas possíveis para elevar o bem-estar dos povos das Américas” (p. 28). 
“Aparentemente, o intervencionismo militar já ia morrendo de inanição no finaldos anos 20. Já não havia ameaças europeias evidentes no continente, uma série de mecanismos econômicos e político-militares garantia estabilidade política nos países mais ‘problemáticos’ e ‘o apoio, dentro dos EUA, a uma política intervencionista havia declinado’. Por outro lado, os latino-americanos “começaram a pressionar (os EUA) a renunciar a esse direito e aceitar o princípio de não-intervenção em suas relações mútuas”. Essas pressões culminaram, como vimos, na 6º Conferência Internacional dos Estados Americanos em Havana em janeiro-fevereiro de 1928. Na 7ª Conferência Internacional dos Estados Americanos em Montevidéu, em dezembro de 1933, o Secretário de Estado americano, Cordell Hull, teve que aceitar a Convenção dos Direitos e Deveres dos Estados, que formulava claramente a política de não-intervenção”.
“Mais recentemente, historiadores da política da ‘boa vizinhança’ concordam que o governo Roosevelt conseguiu descartar os elementos obsoletos do intervencionismo, enquanto manteve aqueles aspectos considerados vitais para a segurança dos Estados Unidos. Washington não usou a força armada contra os países latino-americanos como nos tempos do ‘porrete grande’ ou nos termos de ‘diplomacia do dólar’, mas usou outras formas de pressão política e econômica para atingir seus objetivos. O intervencionismo “suave” dos Estados Unidos contra o governo de Grau em Cuba, no início dos anos 30, é o melhor exemplo de como a política da ‘boa vizinhança’ lidou com esses assuntos. Outros exemplos incluem a permanência de tropas americanas no Panamá e em Guantânamo (Cuba). Embora alguns métodos tivessem mudado, os objetivos da política externa americana continuaram os mesmos: minimizar a influência europeia na América Latina, manter a liderança dos EUA no hemisfério e encorajar a estabilidade política dos países do continente”.
“A América Latina tinha adquirido uma dupla importância para os EUA na conjuntura dos anos 30. A primeira era o fato óbvio de que a recuperação econômica americana exigiria um mercado externo crescente para sua indústria, assim como um suprimento crescente de matérias-primas e novas áreas de investimento. Na conjuntura de ‘mercados protegidos’ dos anos 30, o sul do continente tornava-se particularmente precioso para a economia americana. A segunda dimensão era a importância política: amarrada ao isolacionismo do Congresso (e da opinião pública) face aos assuntos europeus, a América Latina tornou-se a mais viável área de ‘laboratório’ de experimentos políticos capazes de fortalecer a liderança dos EUA” (p. 28). 
3 – DE COSTAS PARA O SUL
“A partir de 1945, os EUA se tornaram uma superpotência imperial, organizando, representando e vigiando a totalidade do mundo capitalista. Face a um competidor político e ideológico de peso, a URSS, os EUA tinham ao mesmo tempo que controlar a instabilidade política e social das regiões mais afetadas pela guerra, que prenunciavam revoluções sociais iminentes”. 
“Não é de espantar, portanto, que as preocupações dos líderes americanos se voltassem prioritariamente para as áreas devastadas da Europa (especialmente aquelas em que a presença de tropas soviéticas ou a existência de movimentos políticos radicais ameaçavam sua liderança) e para a Ásia (onde as lutas pela independência nacional também assumiam contornos de revolução social). A reconstrução da Europa e os destinos políticos da Ásia eram as grandes questões da política internacional dos EUA. Nesse quadro, a América Latina ocupava o último lugar no rol das prioridades e por isso certas formulações da “parceria privilegiada” que repontavam aqui e acolá no continente constituíam uma pura ilusão. Afinal, uma grande potência não tem amigos, tem interesses”.
“Nos quinze anos que se seguiram ao final da guerra (1945-1960), pode-se caracterizar as relações EUA-América Latina como um exercício tranquilo de poder regional. Tão tranquilo que a política americana para a região tem sido caracterizada como de ‘negligência benigna’ (p. 39). É bem verdade que nesse período a América Latina ainda era importante em termos econômicos para os EUA, mas, de um modo geral, tomava-se por concedido que o continente seguiria a liderança americana nos foros internacionais como a ONU, o que de fato aconteceu, apesar de uma ou outra manifestação de desagrado. Pode-se acompanhar a consolidação (e, ao final do período, um primeiro sintoma de crise) nessa hegemonia norte-americana tranquila, nas dimensões econômicas, políticas e militares do período” 
“A partir de 1945, as relações econômicas EUA-América Latina podem ser caracterizadas, em geral, pelo seguinte: 1º) tentativa norte-americana de manter relações tradicionais consolidadas durante a Segunda Guerra Mundial; 2º) tentativa latino-americana (ou de alguns países pelo menos) de criar novas condições na relação com Washington, tendo em vista projetos de desenvolvimento econômico”.
“Essa discrepância de intenções ficou clara desde a Conferência Interamericana do México em fevereiro/março de 1945, destinada a determinar a posição dos países latino-americanos na nova ordem internacional. Um pequeno parênteses nos ajudará a entender o contexto dessa reunião: em 1944, as grandes potências já davam passos no sentido de construir o mundo do pós-guerra e em julho daquele ano assentaram as bases da nova ordem econômica internacional na Conferência de Bretton Woods. Essa conferência consagrou alguns princípios básicos do intercâmbio econômico internacional, que se poderia sintetizar no livre-comércio e na livre circulação dos capitais. Também criou duas instituições poderosas para assegurar a estabilidade econômica do mundo capitalista: O FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial (na origem, Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento). Fechado os parênteses, voltamos à Conferência do México, na qual se enfrentaram duas concepções antagônicas. Alguns países latino-americanos queriam debater a melhor política para se obter o desenvolvimento econômico, com ênfase na industrialização e numa política de proteção ao mercado interno; para isso, visualizavam nos EUA como fonte de recursos para grandes empreendimentos, via empréstimos de governo-a-governo (como fora o caso da usina siderúrgica de Volta Redonda, no Brasil). Os EUA insistiam nos princípios consagrados em Bretton Woods: não discriminação, abolição de práticas comerciais restritivas, redução de barreiras alfandegárias, eliminação do nacionalismo econômico, tratamento justo à empresa e aos capitais estrangeiros, promoção da empresa privada e consequente desestímulo à ação com intervenção do Estado na economia” (p. 40). 
“Nos anos seguintes, a mesma coisa. Na Conferência do Rio de Janeiro em 1947, o Secretário de Estado, George Marshall, disse francamente que o governo americano estava concedendo prioridade à reconstrução europeia e, portanto, a América Latina não poderia esperar muita ajuda americana. Em 1948, na Conferência de Bogotá, a mesma cantilena: de um lado, os latino-americanos reivindicando empréstimos a longo prazo para estabelecimento de projetos de desenvolvimento, proteção para indústrias recém-estabelecidas e facilidades para suas exportações; do outro lado, a delegação americana aferrada a Bretton Woods. Tanto no México em 1945, como em Bogotá em 1948, o resultado das conferências foi uma declaração vaga que tentava conciliar as duas posições, isto é, o inconciliável”.
“A insistência norte-americana nos ataques ao nacionalismo econômico e à intervenção estatal na América Latina tinha mais do que uma motivação ideológica, tinha o propósito claro de proteger e assegurar os interesses privados norte-americanos – um modelo de livre competição no qual a força do capital americano prevaleceria em toda linha no continente. Por contraposição, o modelo defendido por vários países latino-americanos, amparado nos estudos da CEPAL (a Comissão Econômica da ONU para a América Latina) procurava romper a situação de dependência na qual o modelo primário-exportador mantinha suas economias. No modelolatino-americano, os empréstimos governo-a-governo poderiam desempenhar um papel importante de impulso inicial no processo industrializador, mas Washington manteve-se irredutível nesse ponto. O máximo que se permitiu foi a montagem de programas de assistência técnica, frequentemente ligados ao fornecimento de produtos acabados de indústrias norte-americanas aos vizinhos do sul. Um exemplo vistoso desse esforço foi o programa conhecido como Ponto Quatro, lançado em 1949”.
“O Ponto Quatro era uma espécie de primo pobre do Plano Marhsall; este era um programa posto em ação na Europa desde 1947, com a finalidade de recuperar a economia europeia abalada pela guerra e se contrapor à influência soviética. O contraste entre o Plano Marshall e o Ponto Quatro era cruel: o primeiro dispunha de US$ 3,1 bilhões enquanto o segundo teria US$ 35 milhões. O primeiro emprestava e doava com vista ao reerguimento da economia industrial do Primeiro Mundo; o segundo propunha-se a fornecer programas de assistência técnica e a desenvolver a exploração de matérias-primas nas áreas ‘atrasadas’. No Brasil, por exemplo, o Ponto Quatro interessou-se em programas de saúde e treinamento industrial e também na prospecção de minérios, alguns dos quais particularmente raros, como manganês, tório e urânio...” (p. 41).
“O Ponto Quatro era uma expressão clara do papel que a América Latina representava aos olhos de Washington. Preocupado com suas recém-assumidas ‘responsabilidades mundiais’, o governo americano se empenhava, através de múltiplas agências civis e militares, numa investigação de caráter quase planetário sobre recursos do solo e do subsolo. O Ponto Quatro, entre outras coisas, fazia parte desse esforço. A América Latina deveria continuar a ser uma área fornecedora de matérias-primas vitais e receptora amável de capitais americanos”.
“Com o governo Eisenhower, nos anos 50, praticamente nada mudou: se os capitais privados americanos tivessem liberdade de ação, o desenvolvimento latino-americano fluiria naturalmente. Políticas nacionalistas (como a de Perón) eram vistas com desconfiança e até animosidade em Washington. Também com desconfiança eram tratados os esforços industrializadores latino-americanos. Iniciativas originadas ao sul do continente em matéria de desenvolvimento econômico ou morriam no nascedouro, como os primeiros apelos pela integração econômica latino-americana; ou eram ‘cozinhadas em fogo brando’, até se derreterem no esquecimento coletivo, tal como ocorreu com a OPA (Operação Pan-Americana), proposta pelo presidente Juscelino Kubitschek”.
“Uma pequena mudança ocorreu ao final do período Eisenhower graças a dois acontecimentos marcantes: a visita do vice-presidente Nixon a sete países latino-americanos em 1958 e a vitória da revolução cubana em 1959. No primeiro caso, a hostilidade de vários grupos (especialmente na Venezuela) à visita do vice-presidente reforçou nos EUA o ponto de vista liberal de que as relações de Washington com o resto do continente deveriam sofrer uma revisão de prioridades. Como resultado, o governo americano finalmente concordou com o estabelecimento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e com a necessidade de promover a estabilização de preços de produtos latino-americanos de exportação. No segundo caso, o da revolução cubana, o governo Eisenhower começou a mudar sua retórica, passando a apoiar a reforma social e um certo papel do Estado na promoção do desenvolvimento econômico, como parte de uma estratégia maior para obter apoio latino-americano contra o regime revolucionário cubano. O alcance dessa mudança foi, no entanto, muito limitado e não teve maior impacto nas relações interamericanas. Mesmo nesse momento, o fundamental ainda era a questão da segurança, agora claramente ameaçada pela revolução cubana. A articulação político-militar dos últimos quinze anos encontrava finalmente uma “ameaça” objetiva para se autojustificar” (p. 42). 
“Em 1947, dando sequência às resoluções da Conferência do México, reuniu-se a Conferência Interamericana do Rio de Janeiro para discutir um tratado sobre assistência recíproca em caso de agressão ou ameaça de agressão. Conhecido como TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca), esse tratado dizia que ‘um ataque armado de qualquer Estado contra um Estado americano será considerado como um ataque contra todos os Estados americanos’. Não havia porém, àquela altura, qualquer sinal de agressão ou ameaça de agressão externa contra qualquer Estado americano. Se considerarmos, a reversão das alianças que ocorria no plano mundial, o único inimigo potencial dos EUA era a URSS e esta desempenhou o papel de ator oculto da Conferência. Para os chefes militares americanos era perfeitamente claro que o TIAR era um instrumento para garantir ‘a segurança do hemisfério ocidental e nosso acesso aos recursos do hemisfério, que sejam essenciais a qualquer projeção transoceânica de um maior poder ofensivo dos EUA’ (palavras de um relatório do Secretário de Defesa em 1949)”.
“O TIAR deveria, portanto, ajudar os objetivos estratégicos dos EUA na América Latina, a saber: manter um fluxo contínuo de matérias-primas essenciais, assegurar a estabilidade política para garantir aquele fluxo contínuo de matérias-primas, manter aberta a possibilidade de utilização de bases latino-americanas por forças americanas, proteger linhas de comunicação e finalmente assegurar o apoio latino-americano às posições internacionais dos EUA. Pode-se perceber que o TIAR não era propriamente um tratado de defesa político-militar dos EUA sobre o conjunto do continente”.
“O envolvimento americano na guerra da Coreia, a partir de 1950, acentuou a necessidade de garantir o suprimento de materiais estratégicos latino-americanos, nos quadros da ‘defesa hemisférica’. Daí, um reforço da assistência militar para certos países do continente, com os quais se estabeleceram tratados bilaterais de segurança mútua. Assinados majoritariamente em 1952, esses tratados forneciam assistência militar, o que incluía treinamento e equipamentos (em especial material recondicionado ou excedente nos estoques norte-americanos). Até meados da década de 60, mais de dois bilhões de dólares tinham sido utilizados nesses programas. Nas palavras de um historiador americano, os EUA passaram a exercer nessa época ‘um monopólio virtual do fornecimento de armas, treinamento e influência sobre os militares latino-americanos’. De fato, além das armas e do treinamento vieram também as noções de segurança nacional e segurança coletiva cujo significado, voltado para as ameaças ‘internas’, distanciava-se enormemente das velhas concepções de defesa nacional e defesa coletiva, que tinham alimentado até então as forças armadas. As “escolas de guerra”, montadas a partir do modelo do ‘War College’ de Washington, disseminavam as novas doutrinas militares geradas do norte (p. 44). 
[...]
“Para consumo externo, os Estados americanos se reuniram em igualdade de condições em Bogotá, em 1948, para criar a OEA (Organização dos Estados Americanos), um organismo permanente de articulação política dos países do continente. Alguns governos latino-americanos imaginavam que a OEA seria um lugar de diálogo mais fácil com os EUA e que ela conferiria uma maior dose de poder a seus países. Na realidade, o sistema interamericano instituído em Bogotá constituía apenas um pedaço de um sistema de poder mais vasto, de escala virtualmente planetária, o grande sistema norte-americano. A obsessão americana com a ‘ameaça’ como fator de agressão ao sistema interamericano e nesses termos foi incorporada à Carta da OEA no seu artigo 32. Este seria acionado 17 anos mais tarde para justificar a intervenção armada na República Dominicana”.
“Nos anos 50, a luta contra o ‘comunismo internacional’ continuou ocupando os melhores esforços de Washington. A revolução boliviana de 1952, que produziu um governo de centro-esquerda, teve a imediata oposição de Washington, que suspendeu indefinidamente qualquer ajuda econômica ao país e só mudou de posiçãoquando um governo moderado assumiu o controle da situação”.
“Também o governo de Jacobo Arbenz na Guatemala foi objeto da reação norte-americana. Eleito com uma plataforma reformista, o governo Arbenz procurou realizar uma reforma agrária em terras ociosas, quebrar o monopólio de certos serviços urbanos (transportes, docas etc.) assim como adotar uma política externa independente. Sua ação atingiu em cheio os interesses da United Fruit Company e as expectativas do Departamento de Estado quanto ao bom comportamento político dos seus vizinhos menores. Sob o comando de um anticomunista, John Foster Dulles, o Departamento de Estado via no governo Arbenz uma expressão clara do comunismo internacional e começou a agir. O governo Arbenz foi atacado em duas frentes: de um lado, um grupo de emigrados guatemaltecos, armado e treinado pela CIA (Central Intelligence Agency) e liderado pelo coronel Castillo Armas invadiu o país a partir de Honduras e Nicarágua, com apoio aéreo de três aviões pilotados por mercenários americanos, recrutados também pela CIA; de outro lado, os setores conservadores das forças armadas guatemaltecas articularam a deposição de Arbenz, em franco conluio com o embaixador americano na Guatemala (ou sob sua liderança, segundo alguns autores)”.
“A ação contra Arbenz foi precedida de uma Conferência Interamericana em Caracas (1954), na qual os latino-americanos queriam mesmo era discutir projetos de desenvolvimento econômico, mas na qual prevaleceram outra vez as considerações de segurança. Contra uma débil oposição, o secretário Dulles obteve da Conferência uma declaração contra o ‘movimento comunista internacional’, que poderia ‘chegar a dominar as instituições políticas de qualquer Estado americano’. A resolução abriu caminho para o reconhecimento do movimento armado contra Arbenz e as articulações que resultaram no ultimato dos chefes militares ao presidente. Com a entrada de Castillo Armas na presidência, voltou a reinar a paz no seio da família interamericana, enquanto voltavam às mãos da United Fruit e outros latifundiários os bens anteriormente desapropriados. É importante notar que, na ocasião em que condenava o governo Arbenz na Conferência de Caracas, o governo americano condecorava o general Pérez Jimenez, o odiado ditador da Venezuela, fato que simbolizava bem a natureza das relações EUA-América Latina nos anos cinquenta: reforma e democracia eram menos importantes do que a estabilidade política e a garantia dos capitais norte-americanos ao sul do Rio Grande” (p. 46). 
“No apagar das luzes do governo Eisenhower, dois acontecimentos sérios abalaram as relações EUA-América Latina: a visita do vice-presidente Nixon a vários países da América do Sul em 1958, e a revolução cubana em 1959”.
“Programada como uma ‘missão de boa vontade’, a visita do vice-presidente americano, considerado por liberais e esquerdistas como político extremamente reacionário, ocorreu em meio a uma série de descontentamentos com a política americana no continente. A obsessão anticomunista, que se traduzia em apoio às ditaduras do continente, gerara oposições intensas fora e até mesmo dentro dos EUA. Mas no que dizia respeito ao governo Eisenhower, prevalecia a imobilidade da ‘negligência benigna’” (p. 46)
“A missão de boa vontade de Nixon partia do pressuposto de que tudo iria bem se fizesse um bom exercício de relações públicas: era preciso explicar aos vizinhos do sul as boas razões da política norte-americana para o continente. Na Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia a visita transcorreu sem maiores incidentes, apesar de uma ou outra reclamação. No Peru, uma visita à Universidade de San Marcos, não desejada pelos estudantes, acabou em tumulto e ofensas a Nixon. No Equador e Colômbia as coisas se passaram sem maior problema, mas na Venezuela a visita teve um desfecho quase trágico. Os venezuelanos tinham vivas na memória a repressão brutal da ditadura de Péres Jimenez, apoiada pelos EUA, assim como a condecoração da Legião de Mérito concedida ao ditador por Eisenhower. Sabia-se também que ele e seu odiado chefe de polícia viviam muito bem em Miami. No desembarque no aeroporto de Caracas e no transporte da comitiva até o centro da cidade, Nixon foi alvo de vaias, tomates, insultos e finalmente, quando o cortejo parou devido ao trafego intenso, teve os vidros do carro atacados com paus e pedras até que alguns soldados conseguiram dominar a situação e colocar o vice-presidente a salvo na embaixada americana. Em Washington, a Casa Branca entrou em pânico e o presidente Eisenhower, temeroso do que pudesse acontecer na própria embaixada em Caracas, autorizou o envio de centenas de fuzileiros e para-quedistas para Guantânamo e Porto Rico e dois aviões para Curação, com a finalidade de resgatar o vice-presidente em caso de necessidade. Essa providência desastrada gerou uma reação indignada em toda a América Latina. Ficou a impressão de que por trás dos abraços e das declarações de igualdade e fraternidade americanas, jazia a imutável tendência americana de apelar para a força”.
“Na esteira dessa visita dramática, vozes surgiram pedindo uma revisão da política americana para a América Latina. O presidente Juscelino Kubitschek lançou a OPA (Operação Pan-Americana), que imaginava a possibilidade de atacar os problemas sociais mediante projetos de desenvolvimento econômico com recursos norte-americanos. De um modo geral, a resposta do governo Eisenhower foi débil. Não se mudou muita coisa, embora se tenha procurado apoiar certas iniciativas reclamadas pelos vizinhos do sul, especialmente o apoio para o Banco Interamericano de Desenvolvimento e um sinal verde para se estudar a integração econômica latino-americana” (p. 47).
[...]
“Outro acontecimento, de efeitos mais devastadores, se encarregaria de mudar essa situação: a revolução cubana, iniciada com a derrubada de Fulgêncio Batista no início de 1959. Como já vimos, com a provável exceção do Panamá, Cuba era o país do ‘lago americano’ mais completamente integrado à economia norte-americana e no qual a ‘estabilidade política’ era mais bem cuidada por Washington (lembre-nos da Emenda Platt e da discreta intervenção política realizada durante a boa vizinhança de Roosevelt para assegurar o bom comportamento do governo de Grau San Martin). A extrema dependência cubana face à economia americana não estava somente na questão comercial, caracterizada por uma relação preferencial mútua – quotas de importação do açúcar cubano a preço especial e vantagens tarifárias para produtos industriais americanos na ilha – mas também na extraordinária porcentagem de propriedades territoriais, urbanas, de serviços públicos, mineração etc., nas mãos de empresas norte-americanas. Essa dimensão do problema é essencial para se entender as crescentes dificuldades na relação entre os dois países a partir de 1959, assim como o impacto da revolução nas relações EUA-América Latina”.
“Seria um equívoco pensar que os julgamentos sumários e fuzilamentos de policiais e torturadores do antigo regime – assim como a recusa de Fidel Castro em realizar imediatamente eleições e respeitar a tradicional divisão de poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário tenham constituído o ponto de partida da fricção entre EUA e Cuba. Repressão e ditadura jamais constituíram motivos reais de desentendimento de Washington com os pequenos países do Caribe, muito pelo contrário. As dificuldades de fundo começaram quando o governo cubano promoveu reformas sociais profundas, especialmente a reforma agrária e a reforma urbana. Imediata e automaticamente, os interesses econômicos norte-americanos foram atingidos em profundidade, e o governo americano tomou suas dores. Por seu lado, os revolucionários cubanos estavam certos de que, à semelhança da Guatemala em 1954, a oposição interna e os remanescentes do antigo regime iriam se orientar para os EUA e possivelmente obter de Washington apoio para reverter a situação cubana. Para fugir ao embargo americano de venda de armas, começaram a apelar para fontes europeias.E para fortalecer-se internamente, aproximaram-se do Partido Comunista Cubano, o mais bem organizado dos partidos políticos da ilha”.
“No início de 1960, o governo Eisenhower começou a tomar providências para “colocar Fidel Castro na linha”, na realidade, para tirá-lo do poder. Essas providências foram basicamente as seguintes: treinar uma força contra-revolucionária oficialmente decidida em março de 1960 (mas desde dezembro de 1959 a CIA já estava recrutando exilados anticastristas); aconselhar as companhias de petróleo Esso e Texaco, que tinham refinarias em Cuba, a não refinar o petróleo adquirido por Cuba na URSS, o que de fato ocorreu em julho de 1960; reduzir drasticamente a quota de importação do açúcar cubano em 1960 e suprimi-lo totalmente em 1961” (p. 49).
“Compreendendo o perigo mortal dessas decisões, o governo cubano rapidamente voltou-se para a URSS e o bloco socialista, para colocar sua produção açucareira, adquirir armas e petróleo, ao mesmo tempo que expropriava as refinarias que se recusavam a colaborar com ele. Em agosto de 1960 expropriou as empresas de capital norte-americano na ilha”.
“Antes que a expedição contra-revolucionária partisse para Cuba (o que veio a ocorrer em 1961), Eisenhower terminou o seu mandato. Nesse último ano, procurou aproximar-se dos demais governos latino-americanos com um discurso novo e reformista, de modo a articular politicamente uma resistência hemisférica ao ‘perigo cubano’. A essa altura, porém, a força do exemplo cubano percorria o continente, não tanto pela definição do regime como “socialista” (que só ocorreu em 1961), mas muito mais pela possibilidade de uma política interna e externa independente face ao poder imperial. Esse era o maior perigo e para isso os EUA teriam que abandonar a ‘negligência benigna’ e apresentar alternativas viáveis para mudanças rápidas na América Latina. Foi o que pretendeu John Kennedy, o sucessor de Eisenhower” (p. 49).
4 – DA SALVAÇÃO À PUNIÇÃO
“Como vimos, a reação norte-americana à tomada do poder em Cuba pelos ‘barbudos’ de Fidel Castro começou em 1960, mas alcançou sua expressão máxima em 1961, quando Kennedy já se tornara o novo presidente dos EUA (p. 50). A reação de Washington ocorreu simultaneamente em duas frentes: 1º) em relação a Cuba, apoiou o envio de um grupo armado de exilados cubanos, recrutado e treinado pela CIA, cuja presença na ilha deveria aglutinar o descontentamento presumido da população com o novo regime. Ao mesmo tempo, promovia o bloqueio político e econômico da ilha, procurando caracterizar o regime como um ‘corpo estranho’ no organismo interamericano. O primeiro esforço, conhecido como o desembarque na Baía dos Porcos, foi um fracasso retumbante e serviu para acentuar a popularidade de Fidel e a confiança na revolução. O segundo esforço – o bloqueio econômico – foi mais bem-sucedido, embora o governo cubano reorientasse afinal o conjunto da sua economia norte-americana (com uma série de limitações que isso representou); 2º em relação ao conjunto do continente, Washington procurou mobilizar os países latino-americanos para uma condenação formal do regime cubano, a sua exclusão dos organismos interamericanos e a adoção de um embargo comercial geral contra a ilha. Essa mobilização se fez em dois movimentos sucessivos durante duas Conferências Interamericanas em Punta del Este (Uruguai).
“Na Primeira Conferência de Punta del Este, em agosto de 1961, os EUA propuseram um plano de ampla assistência à América Latina, tendo em vista a promoção de reformas profundas na estrutura social, que reduzisse a desigualdade social e assegurasse a liberdade política, sem o ônus de uma revolução sangrenta. Nascia aí a Aliança para o Progresso. Tendo-se apresentado como reformador social do continente, na segunda Conferência de Punta del Este, em janeiro de 1962, o governo americano propôs a expulsão de Cuba da OEA. Uma boa parte dos países latino-americanos aceitou com entusiasmo a Aliança para o Progresso, mas nem por isso acreditava que deveria expulsar Cuba do convívio interamericano. O desembarque na Baía dos Porcos tinha sido, em geral, condenado como uma intervenção desnecessária e injustificada nos assuntos internos de um país latino-americano e como um precedente perigoso para futuras situações semelhantes. Não obstante, os EUA conseguiram exatamente os dois terços necessários à expulsão de Cuba (14 votos contra 6). O 14º voto (Haiti) foi obtido à custa do talão de cheques do representante norte-americano, que reativou ajuda para obras no aeroporto de Port-au-Prince. Significativamente, os países mais populosos e de regime democrático do continente (Argentina, Brasil, México, Chile, Bolívia e Equador) não apoiaram a proposta americana” (p. 51). 
“A ideia básica do isolacionismo de Cuba era a de que, não mantendo relações diplomáticas ou comerciais com o resto do continente, a ilha ficaria impedida de ‘exportar a revolução’. Paralelamente, os programas da Aliança para o Progresso produziriam profundas transformações sociais que limitariam ainda mais as chances de crescimento do comunismo internacional no continente. Por via das dúvidas, discretas intervenções nos assuntos internos dos países latino-americanos, fascinados com a experiência cubana, ajudariam a resolver problemas eventuais. Foi assim com a Guiana Britânica, onde a CIA operou através de organizações sindicais em 1962-63 com a finalidade de desestabilizar Cheddi Jaggan, que se auto-intitulava nacionalista e socialista e acreditava na capacidade do planejamento estatal para produzir o desenvolvimento do seu país. Igualmente, Washington se ocupou em equipar e treinar as forças armadas para missões de tipo novo para qual elas não estavam ainda preparadas: o combate a grupos guerrilheiros, que poderiam surgir e que na realidade já estavam surgindo como resultado do êxito da experiência cubana”. 
“Ainda em 1962, Cuba tornou-se o pivô da mais séria crise produzida pela guerra fria, conhecida como ‘a crise dos mísseis’, e que quase se transformou numa guerra de verdade. Em outubro de 1962, os EUA chegaram à conclusão de que os soviéticos tinham instalado em Cuba misseis com ogivas atômicas e continuavam a enviar esse tipo de armamento para a ilha. Ainda hoje se discute os motivos que levaram os soviéticos a dar esse passo arriscado no contexto da guerra fria. Tenham sido os mísseis solicitados por Fidel para defesa da ilha, ou tenha ele concordado com sua instalação em nome da estratégia global do mundo socialista, o fato é que a descoberta criava um precedente radical para a segurança dos EUA. Tratava-se, no fundo, de uma ameaça mais política do que militar (os mísseis mal alcançariam a Flórida), mas inaceitável do ponto de vista americano”.
“Os EUA determinaram uma quarentena à ilha e exigiram a retirada dos mísseis já instalados. Durante dez dias a paz mundial esteve por um fio, até que os dois governantes máximos dos EUA e URSS, John Kennedy e Nikita Krushev, chegaram a um acordo básico: os soviéticos retirariam os mísseis e os EUA se comprometeriam a respeitar a independência de Cuba. O incidente serviu para alimentar temores na América Latina em torno da experiência cubana e os EUA utilizariam amplamente o caso para evidenciar o perigo representado por um regime “estranho” ao convívio interamericano. Em julho de 1964, uma Conferência de Chanceleres determinou o rompimento de relações diplomáticas e comerciais com Cuba. Somente o México não se dispôs a seguir a determinação” (p. 52). 
[...]
“Animado de uma nova visão das relações EUA-América Latina, ou estimulado a mudar, a partir da revolução cubana, o fato é que o governo Kennedy pôs em ação um ambicioso plano de assistência à América Latina, a Aliança para o Progresso, com a finalidade de ‘transformar o continente americano num campo de ideias e esforços revolucionários’ e ‘demonstrar ao mundo inteiro que o progresso econômico e a justiça social podem ser melhor obtidos no quadro das instituições democráticas’. De saída, o governo Kennedy contribuiu com 500 milhões de dólarespara o BID e comprometeu-se a fornecer a maior parte de um plano para carrear 20 bilhões de dólares à América Latina, no prazo de dez anos, com a finalidade de produzir crescimento econômico, mudanças sociais estruturais e democratização política – em uma palavra, a revolução com liberdade. Na alocação dos recursos da Aliança, o governo dos EUA promoveria ou apoiaria os esforços latino-americanos para sustentar governos democráticos representativos, promover a reforma agrária, assegurar uma política de salários e benefícios sociais para os trabalhadores urbanos, promover medidas de habitação e saúde, reduzir o analfabetismo, fazer uma reforma fiscal e buscar estabilização de preços para os produtos latino-americanos de exportação. Um autor resumiu da seguinte forma a Aliança: os EUA prometiam fundos para financiar o desenvolvimento econômico e os governos latino-americanos promoveriam a reforma social. Para que a Aliança funcionasse, cada governo latino-americano deveria apresentar um programa nacional em desenvolvimento econômico e social. Paralelamente, mobilizavam-se nos EUA milhares de jovens, especialmente estudantes, conhecidos como ‘Peace Corps’, que vinham para a América Latina ajudar no estabelecimento de programas de ação mais imediatos nas áreas de saúde, educação, alimentação etc”.
“A esperança suscitada no continente foi muito grande e o próprio Fidel Castro estimou em 1961 que a Aliança era um esforço positivo, embora modesto, no sentido de promover mudanças socais na América Latina. O que mais se realizou no quadro da Aliança foram programas de assistência imediata: o programa Alimentos para a Paz distribuiu comida para populações carentes, com ajuda de órgãos oficiais e privados e de assistência social e religiosa; em regiões assoladas pela seca, cavaram-se poços para uso comunitário; estimulou-se o artesanato local e regional como alternativa a um processo industrializador lento e dispendioso; programas de habitação popular foram postos em ação em regiões mais carentes; construíram-se estradas para escoar a produção local; forneceu-se assistência técnica em vários níveis; deu-se assessoria aos órgãos públicos, especialmente nas áreas de saúde, educação, agricultura, transportes e finanças (p. 54). Esses programas da Aliança para o Progresso mal ultrapassaram o nível do assistencialismo ou então estiveram rigidamente subordinados aos interesses dos poderosos locais ou regionais. Não se pode falar de contribuição significativa da Aliança ao desenvolvimento econômico, menos ainda à reforma das estruturas sociais, ou à manutenção da democracia política”.
“Do ponto-de-vista do fortalecimento da democracia, a Aliança tornou-se rapidamente um instrumento político destinado a sustentar os governos pró-americanos e a desestabilizar os antiamericanos (ou neutros). No Brasil, por exemplo, cuja região nordeste era considerada área vital e teste decisivo da capacidade da Aliança, as agências americanas recuaram gradualmente da colaboração com as agências federais e passaram a prestigiar os governos estaduais que faziam oposição ao presidente João Goulart (p. 55). A Aliança deixou de colaborar com a Sudene (seu superintendente, Celso Furtado, seria um comunista a mais) e apoiou governadores comprometidos com as oligarquias regionais. Essa discreta operação política tinha pouco que ver com a metas desinteressadas de Punta del Este I”.
“Nas formulações iniciais da Aliança, a ordem e a segurança constituíam uma condição para que a reforma das estruturas sociais e a manutenção da democracia política se dessem pacificamente. Aos poucos, ordem e segurança foram ocupando a parte central do palco e se tornando o próprio objetivo das realizações da Aliança. A busca da estabilidade política (instabilidade = oportunidade para ação subversiva) conduzia a um apoio progressivo aos militares latino-americanos, que seriam a força mais capaz de produzir o desenvolvimento ordeiro (p. 56). O compromisso a longo prazo com a democracia permitia uma racionalização do apoio a curto prazo a governo autoritários e anticomunistas. Ou, vendo do outro lado, regimes de centro-esquerda, nacionalistas ou excessivamente independentes em sua política exterior constituíam um problema a ser resolvido a curto prazo. Assim foi com a Argentina, cujo governo civil foi derrubado em março de 1962 por um golpe militar. Os liberais do governo Kennedy desejavam uma condenação do golpe, mas os conservadores venceram e Kennedy não apenas reconheceu o novo governo como não suspendeu os programas de assistência econômica. O inefável senhor Morrison notou na ocasião que ‘a condenação (do regime militar argentino), teria sido por demais infeliz. Os militares na Argentina tinham produzido o rompimento de relações com Cuba’”.
“O próprio presidente Kennedy era prisioneiro de dois objetivos que se antagonizavam, isto é, a reforma social e a proibição de uma nova Cuba no hemisfério. Na prática, esses objetivos teriam significado respectivamente apoiar-se na esquerda democrática latino-americana e sustentar as forças da ordem (policiais e militares) contra a agitação social. Ele mesmo expressou esse dilema, por ocasião do assassinato do ditador da República Dominiciana, Rafael Leonidas Trujilo, nas seguintes palavras: ‘Há três possibilidades (de governo na América Latina), em ordem de preferência decrescente: um governo democrático decente, um regime à la Trujilo, um regime fidelista. Nós devemos ter como objetivo o primeiro, mas não podemos realmente renunciar ao segundo, até estarmos certos de que podemos evitar o terceiro’”.
“Desse modo, ao mesmo tempo em que apoiava programas de reforma social, o governo Kennedy punha em ação programas para ensinar os governos do sul a lidar com movimentos ‘subversivos’ ou revolucionários, especialmente as guerrilhas. Convencido de que os movimentos de libertação nacional tinham vínculos com os soviéticos (ou que estes se utilizavam daqueles movimentos em seu jogo de poder mundial), o governo Kennedy pôs ênfase num vasto programa de operações de contra-insurgência que deveriam ser levadas a efeito pelas forças policiais e militares latino-americanas. Assessores militares especializados em guerra antiguerrilha foram enviados à América Latina enquanto o treinamento de quadros era feito no Panamá e nos EUA. O equipamento fornecido para essa finalidade pela AID (Agência para o Desenvolvimento Internacional) incluía helicópteros, armas de pequeno porte, material de comunicações, equipamento para controle de multidões (bombas de efeito moral, escudos, cassetetes), etc” (p. 57). 
“Quando John Kennedy foi assassinado em 1963 e Lyndon Johnson assumiu a presidência, a Aliança reformista agonizava. Johnson promoveu o seu enterro e deu um tônico à Aliança repressiva. Àquela altura, a revolução cubana parecia não mais constituir um perigo e as atenções dos EUA se voltavam para o sudeste asiático, onde centenas de milhares de soldados americanos combatiam um inimigo invisível no Vietnã. O fluxo de recursos para a América Latina cristalizou-se no fortalecimento das condições para o capital privado e na ajuda aos regimes militares estabilizadores, o que significou uma maior ajuda aos esforços de contra-insurgência. Tinha-se em vista não apenas os movimentos guerrilheiros que atuavam nas áreas rurais, como também os movimentos políticos urbanos que se autodeiniriam como revolucionários”.
“Animados pelo exemplo cubano, mas certamente desvinculados da URSS ou mesmo dos partidos comunistas locais, os movimentos guerrilheiros que surgiram no Peru, Guatemala, Venezuela, Bolívia, Colômbia e Uruguai na primeira metade dos anos 60 foram combatidos por forças treinadas e equipadas pelos EUA. Ao findar-se o mandato de Johnson em 1968, os principais movimentos tinham sido controlados ou destruídos. Em 1967, tropas bolivianas treinadas pelos ‘boinas verdes’ americanos tinham liquidado a guerrilha iniciada por Che Guevara em 1965 na Bolívia. Parte desse know how da contra-insurgência já se desenvolvera nos campos e matas do Vietnã e setransferia via Aliança para o Progresso às forças da repressão na América Latina. Na década seguinte, esses conhecimentos se aplicariam aos movimentos revolucionários urbanos e até mesmo às oposições de ação exclusivamente política. Aí, os métodos modernos de interrogatório policial foram deslizando para a prática da tortura de presos políticos, ao mesmo tempo que produziam justificativas dessa prática”.
“No plano interamericano, o subsecretário Thomas Mann elaborou em 1964 a doutrina de que a eventual oposição dos EUA aos regimes militares tinha dado em nada e significara uma intervenção nos assuntos internos dos vizinhos continentais. Em termos pragmáticos, a ‘doutrina Mann’ preconizava: apoiar o crescimento econômico e ficar neutro quanto à reforma social; proteger os 9 bilhões de dólares investidos na América Latina; evitar a intervenção nos assuntos internos dos países (i.e., evitar preferência por regimes democráticos ou ditatoriais) e opor-se ativamente ao comunismo. Muito cedo se pôde verificar essa ‘virada’ nas ênfases da política exterior” (p. 58). 
[...]
“Enquanto afundava na América o barco da Aliança para o Progresso, uma vasta rearticulação começava a dar frutos no sistema internacional. Os países que se definiam como não-alinhados produziram um forte impacto nas Nações Unidas com sua insistência em não submeter seus problemas à lógica rígida da guerra fria. Esse movimento no interior da ONU acabou por atrair boa parte dos países latino-americanos, até então votos cativos de Washington. Dessa ampla articulação, nasceu a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), cujo primeiro encontro realizado em1964 representava uma possibilidade nova de atuação para a América Latina. As insatisfações e críticas que se produziam no continente ao imobilismo nas relações interamericanas ajudava também a pavimentar uma política exterior mais independente por parte de alguns grandes países latino-americanos” (p. 59). 
“Essa independência de atitudes políticas no continente foi particularmente notável no caso da Argentina, do Brasil (antes dos golpes militares de meados da década dos 60) e do México. Defensores dos princípios de autodeterminação dos povos e de não-intervenção, esses três países constituíram uma linha de defesa contra o renovado intervencionismo americano do pós-guerra. De um modo geral, os países que procuravam assumir uma política externa independente apresentavam internamente políticas de corte nacionalista e reformista. Esses países seriam, teoricamente, aliados naturais dos promotores da Aliança para o Progresso, mas sua independência era vista por Washington como neutralismo inaceitável diante do ‘comunismo internacional’ e sua política nacionalista como um ataque aos bens e à propriedade norte-americana. Muito cedo, Washington começou a tomar providências contra políticas e políticos nacionalistas na América Latina”.
“Os EUA estavam dando ajuda econômica à América Latina, mas essa ajuda econômica poderia ser utilizada como arma política, como estabeleceu a famosa Emenda Hickenlooper. Esta determinava que, em caso de confisco de bens ou anulação de contratos de investidores americanos no estrangeiro, toda ajuda oficial àquele país seria suspensa, a menos que se fizessem significativos progressos para uma compensação pronta e adequada das perdas americanas. Aprovada a emenda, o governo americano constituía naturalmente a instância privilegiada que determinava se a compensação tinha sido adequada ou não – o que gerou um ressentimento generalizado na América Latina” (p. 60). 
[...] 
“Num outro plano, manifestava-se a vontade latino-americana de escapar aos condicionamentos tradicionais de suas economias. Foi particularmente forte nos anos 60 a ideia de integração econômica como alternativa à estagnação econômica e à limitação dos mercados nacionais. Essa formulação partia das análises da CEPAL, que procuravam elucidar o tipo de inserção que tinham as economias latino-americanas no mercado mundial e viam na integração econômica um caminho de superação. As experiências então realizadas não seguiram a tendência cepalina de constituir um mercado latino-americano, mas assumiram um formato regional. Em 1960, surgiu a ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio), por iniciativa de Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, com a finalidade de criar uma zona de livre-comércio em doze anos. As dificuldades de promover de imediato a liberação de todo o comércio levaram à formulação, em 1964, de uma lista comum e de listas nacionais de produtos liberados. Não se conseguiu avançar nesse caminho e a experiência feneceu ao final dos anos 70, vindo a ser substituída pela ALADI (Associação Latino-Americana de Integração) um mero quadro de referência no qual as partes contratantes estabelecem acordos de alcance parcial, periodicamente renováveis” (p. 61).

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