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ISOLAMENTO DIREITOS HUMANOS, Interseccionalidade e Nivia Valença Barros Lobelia da Silva Faceira Josélia Ferreira dos Reis Joice da Silva Brum (organizadoras) © Nivia Valença Barros, Lobelia da Silva Faceira, Joselia Ferreira dos Reis e Joice da Silva Brum (organização) Gramma Livraria e Editora Conselho Editorial: Bethania Assy, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Geraldo Tadeu Monteiro, Gláucio Marafon, Ivair Reinaldim, João Cézar de Castro Rocha, Lúcia Helena Salgado e Silva, Maria Cláudia Maia, Maria Isabel Mendes de Almeida, Mirian Goldenberg e Silene de Moraes Freire. Editor: Geraldo Tadeu Moreira Monteiro Produção editorial e revisão: Juliana Rios Capa e diagramação: Larissa Luz dos Santos Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Direitos humanos, interseccionalidade e isolamento / Nivia Valença Barros ... [et al.] organização. -- 1. ed. -- Rio de Janeiro : Gramma Livraria e Editora, 2020. Outros organizadores: Lobelia da Silva Faceira, Josélia Ferreira dos Reis, Joice da Silva Brum Bibliografia ISBN 978-65-86052-30-5 1. Cidadania 2. Direito - Aspectos políticos, 3. Direito - Aspectos sociais 4. Direitos humanos, 5. Direitos humanos - Brasil 6. Identidade social, 7. Isolamento social I. Barros, Nivia Valença, II. Faceira, Lobelia da Silva. III. Reis, Josélia Ferreira dos. IV. Brum, Joice da Silva 20-46563 CDU-347.121 Índices para catálogo sistemático: 1. Direitos humanos : interseccionalidade e isolamento : Direito 347.121 Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964 Gramma Livraria e Editora Rua da Quitanda, nº 67, sala 301 CEP.: 20.011-030 – Rio de Janeiro (RJ) Tel./Fax: (21) 2224-1469 E-mail: gramma.editorarj@gmail.com Site: www.grammaeditora.com Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) ISOLAMENTO DIREITOS HUMANOS, Interseccionalidade e Nivia Valença Barros Lobelia da Silva Faceira Josélia Ferreira dos Reis Joice da Silva Brum (organizadoras) DIREITOS HUMANOS, INTERSECCIONALIDADE E ISOLAMENTO Organização Nivia Valença Barros Coordenação Editorial Joice da Silva Brum Josélia Reis Lobelia da Silva Faceira Nivia Valença Barros Coordenação Executiva Ana Beatriz Quiroga Ida Cristina Rebello Motta Joice da Silva Brum Josélia Reis Karla Amaral Lobelia da Silva Faceira Marcelo Ricardo Prata Rosilene Pimentel Sandra Monica da Silva Schwarzstein Sheila Brum Vânia Quintão Wilma Pessôa Revisão Ana Beatriz Quiroga SUMÁRIO PREFÁCIO............................................................................9 Vania Morales Sierra APRESENTAÇÃO.............................................................17 Nivia Valença Barros Lobelia da Silva Faceira Josélia Reis Joice da Silva Brum - PRIMEIRA SEÇÃO - Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento: Os desafios no Campo Sociojurídico AS (IM) POSSIBILIDADES DO SERVIÇO SOCIAL E DA PSICOLOGIA NO CAMPO SOCIOJURÍDICO NO PERÍODO PANDÊMICO..................................................29 Josélia Reis Sheila Brum ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE PUNIÇÕES E AS ENTRELINHAS DA “SOCIOEDUCAÇÃO”....................55 Nivia Valença Barros Ida Cristina Rebello Motta Lobelia da Silva Faceira VIOLÊNCIA E PRISÃO: OS DESAFIOS DA GARANTIA DE DIREITOS NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO....77 Lobelia da Silva Faceira - SEGUNDA SEÇÃO - Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento: Questões Raciais e de Gênero VIOLÊNCIAS DE GÊNERO CONTRA MULHERES E MENINAS E OS AGRAVAMENTOS EM ÉPOCA DE ISOLAMENTO SOCIAL.................................................103 Nivia Valença Barros Rosilene Pimentel Joice da Silva Brum OS PROCESSOS DE ISOLAMENTO SOCIAL PARA A POPULAÇÃO LGBTI+ - PARA ALÉM DA PANDEMIA..129 Nivia Valença Barros Ana Beatriz Quiroga Marcelo Ricardo Prata Lilian Realce Lilian Realce Lilian Realce Lilian Realce VIOLÊNCIA RACIAL NO BRASIL NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19............................................149 Wilma Pessôa - TERCEIRA SEÇÃO - Direitos humanos, Interseccionalidade e Isolamento: Os Desafios no Âmbito do Protagonismo e do Trabalho Feminino MOVIMENTO FEMINISTA, TERSECCIONALIDADES E AS TÁTICAS DE PROTAGONISMO..........................177 Nivia Valença Barros Sandra Monica da Silva Schwarzstein Karla Amaral Ida Cristina Rebello Motta MULHER, TRABALHO E INTERSECCIONALIDADES: ISOLAMENTO NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19.........................................................................207 Josélia Ferreira dos Reis Vânia Quintão Nivia Valença Barros APONTAMENTOS FINAIS............................................233 QUEM SOMOS.................................................................235 Lilian Realce Lilian Realce 9Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento PREFÁCIO direitos humanos em tempo de políticas pandêmicas Vania Morales Sierra Os direitos humanos têm sido a principal referência para as lutas contra os processos de desumanização que acompanham o avanço da agenda neoliberal e o progressivo desmonte das políticas sociais no país. Cons- tituem uma referência do ponto de vista ético e legal, para a definição de limites à exploração econômica e a identifica- ção de diversas formas de discriminação. Como razão e cri- tério de moralidade, combinam simultaneamente univer- salismo e comunitarismo, coletividades e individualidades. A universalidade dos direitos humanos é o que permite o reconhecimento da “unidade básica do humano”, na varie- dade das culturas, na multiplicidade das raças, nas diferen- ças de gênero, nas desigualdades de classe. Como assinalou Geertz (1989), a humanidade não tem substancia, e o co- mum é o fato do humano depender da cultura para desen- volver a individualidade, “tornar-se humano é tornar-se in- dividual” (p. 64). As relações de dominação-subordinação, sociação-dessociação, guardam significados que podem ser apreendidos a partir da compreensão de processos históri- cos nos quais estão imbricados os componentes estruturais Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento10 e culturais. Neste sentido, a análise dos fenômenos sociais torna-se mais complexa e multidimensional. A temática dos direitos humanos só pode ser pensa- da na consideração com os inúmeros processos e formas de relacionamentos nos quais se elevam o sentimento de des- respeito e indignação social, diante de situações vivenciadas por indivíduos, grupos ou determinada sociedade. No exame de casos e de acontecimentos, a presença de fatores estru- turais pode ser identificada em situações constitutivas da problemática da ordem social. Constroem-se assim conhe- cimentos para a compreensão de “abusos”, “excessos”, viola- ções, que permitem ultrapassar o fato e alcançar a dimensão normativa. Trata-se de um processo permanente de captura do “social”, que requer um conjunto de respostas relaciona- das às questões que daí emergem. Neste sentido, os direitos humanos compreendem a comunicação desenvolvida em um processo cognitivo de reconhecimento de injustiças, de ava- liações e de sobreposições, na compreensão da intersecção de sistemas de discriminação relacionados à raça, gênero, etnia etc. Na perspectiva da interseccionalidade, os direitos humanos não são ideologia, pois se constituem e decorrem da atualização de problemáticas do “social”. Inseridos ou não no quadro legal, os direitos hu- manos expressam um sentido de justiça não derivado da representação abstrata, mas das experiências de sujeição, que são multiformes e multicausais. Constituem-se do mo- vimento de coletividades organizadas na intenção de pro- vocar uma inversão na relação abstrato/concreto, no sen- tido que parte do concreto ao abstrato. São forças éticas expressas nos movimentos de reivindicação, contestação e denúncia. Possuemuma história e um know how específico, relacionado a cada área – criança e adolescente, mulheres, negros, indígenas, detentos etc., e por isso dependem da capacidade cognitiva dos atores em função do desenvolvi- DVM Realce 11Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento mento de competências sociais, tais como a política, a téc- nica e a linguística. A luta pelos direitos humanos envolve todos os es- paços onde as relações sociais se desenvolvem (conselhos, Internet, praça pública, instituições etc.). A identificação de cada “público” remete às trajetórias que o constituem como grupo social específico. Produz-se então, um repertório de conhecimentos e técnicas próprios do campo de ação e de intervenção social. Neste processo, mesmo questões da vida privada adquirem publicidade, gerando a renovação cons- tante da cultura, num trabalho incessante de construção da própria democracia. Racismo, sexismo, xenofobia, homofo- bia etc., remetem ao autoritarismo e ao conservadorismo moral, que implicam em subtrações da cidadania. Portan- to, identidades depreciadas evocam situações vivenciadas, tanto no público quanto no privado, que expõem formas de sujeição, geradas na dinâmica dos relacionamentos so- ciais, cujos significados atribuídos pelos atores expressam elementos da cultura. No contexto da pandemia, a sociedade foi atingida distintivamente em termos de classes sociais, gênero, raça, geração, etnia e lugar de moradia. No entanto, se a aná- lise da questão permite identificar a variabilidade na in- tensidade e na forma como a doença atingiu os diferentes grupos, a situação de um modo geral se tornou objetiva para maior parte da população no Brasil. Ficou evidenciado o sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS) diante de uma demanda crescente por tratamento da doença. Em decorrência dessa fragilidade, o isolamento social surgiu como uma medida primordial para minorar ou tornar ad- ministrável os efeitos da pandemia. Tal medida, no entanto, tornou-se uma “patologia” e tem se mostrado um fator de vulnerabilidade social, um efeito perverso das medidas de prevenção. Vale lembrar que isolar-se significa apartar-se, Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento12 esconder-se da possibilidade de controle institucional ou de outros. Na perspectiva durkheimiana, o isolamento so- cial seria um risco à sociedade, pois o enfraquecimento dos vínculos sociais e o afrouxamento do controle social deixa- riam os indivíduos livres permitindo que agissem conforme a própria vontade, podendo, portanto, ser um fator de ano- mia social. Neste ponto de vista, a relação entre isolamento e vulnerabilidade social não se resumiria a uma questão do ambiente privado, passando a se referir também a um pro- blema relacionado à organização da ordem pública em tem- po de pandemia. Esta pode ter sido uma lição importante para a reflexão acerca dos efeitos das mudanças em curso, tal como o home office, o ensino online, e todas as novas modalidades de confinamento em casa, onde os processos de individualização tendem a ser ainda mais intensificados. No Brasil, o “social” surgiu como o problema da pan- demia em razão das múltiplas desigualdades sociais exis- tentes. O enfrentamento da situação tornou imprescindível o planejamento das formas de intervenção, pela necessida- de de reunir medidas de vigilância epidemiológica, assis- tência social e segurança pública. Neste sentido, superar os desafios trazidos com a propagação do contágio impli- cava em ultrapassar a mera relação saúde-doença, na qual a saúde significa apenas ausência de doença. Enfrentar a pandemia implicava então em considerar a princípio as condições objetivas em termos desigualdade em termos de renda, condições de moradia e acesso às políticas sociais. Uma resposta do governo se mostrava urgente e a proteção social se fazia inevitável. Neste contexto, o Sistema Único de Saúde forneceu o alarme para a situação da propagação do contágio do novo coronavírus, enquanto o Sistema Único de Assistência Social trouxe à tona os efeitos da pandemia no cotidiano das popu- lações em situação de vulnerabilidade total, decorrente da 13Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento falta de recursos financeiros e de recursos de poder. Grande parte da população desempregada, precarizada ou que foi perdendo seus empregos durante a pandemia tornara-se um problema político inadiável. Da parte do governo, as respostas à pandemia têm sido dadas a partir de uma política pandêmica sem comando e sem plano de enfrentamento, e não há, até o momento, coordenação das ações entre os níveis de gestão federal, es- tadual e municipal. Nas políticas sociais, a ação aparece con- centrada sobre a transferência de uma renda mínima emer- gencial. Por sua vez, este governo tem acentuado o risco à saúde, a ponto de ser denunciado no Tribunal Penal Interna- cional, em Haia, por ter cometido genocídio contra os povos indígenas e, posteriormente, por crime contra a humanidade, somente neste ano de 2020. De certo modo, mesmo antes da pandemia, os direitos humanos já se mostravam em declínio. O neoconservadoris- mo de inspiração americana adaptado ao Brasil com o cres- cimento dos evangélicos na política, a influência da bancada ruralista e dos políticos da segurança pública, conseguiu reu- nir na personalidade paranoica de Bolsonaro os paradoxos dessa fusão. Contrário a tudo que defende os direitos huma- nos, este governo tem desafiado as orientações da Organi- zação Mundial de Saúde e chegou a ser considerada a pior gestão do mundo na pandemia, pelo jornal Washington Post1. A confirmação veio nos dados do Índice de Percepção da De- mocracia, coletados no período entre 20 de abril e 3 de junho, que situaram o Brasil na última posição no ranking mundial de avaliação das respostas do governo à pandemia2. 1 THE WASHINGTON POST. Leaders risk lives by minimizing the coro- navirus. Bolsonaro is the worst. 14/04/2020. 2 FREY, João. Governo Bolsonaro tem a pior avaliação mundial de enfren- tamento à covid-19. Congresso em Foco. 17/06/2020. Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento14 Em termos de gestão das políticas públicas, Jair Bolso- naro é incompetente, tosco, autoritário, porém um mal ne- cessário para a direita, que o prefere no lugar de qualquer representante da esquerda. É isso que o transforma no Mito. Ele ainda representa a possibilidade de vitória nas eleições e, portanto, de realização dos interesses do capital contra os limites impostos pelos direitos humanos. Ou seja, o enfra- quecimento dos direitos humanos exprime a voracidade da acumulação do capital, na sua ânsia de romper de vez o pac- to da socialdemocracia, que tentava enquadrar no direito as condições de acumulação capitalista. Durante a pandemia, o Banco Central liberou os com- pulsórios que deveriam ser impostos aos bancos no valor de R$ 1,216 trilhão, o equivalente a 16,7% do PIB3. Dados da ONG Oxfam revelaram que 42 bilionários brasileiros ganha- ram 34 bilhões de dólares durante a pandemia, acumulando cerca de R$ 820 bilhões4. Observa-se, com isso, que enquanto os trabalhadores estão perdendo seus empregos, enfrentan- do dificuldades para obter os R$ 600,00 do governo, os mais ricos estão sabendo como tirar proveito da situação, acele- rando a capacidade de ampliação do seu capital. Fica claro que nem todos perderam nessa pandemia. Voltando a atenção para a dívida pública, constata-se que em 2019, o governo federal pagou R$ 2,8 bilhões por dia em juros e amortizações, um total de 38,27% dos gastos. Até maio de 2020, o gasto já estava em R$ 4,3 bilhões por dia, to- talizando 566 milhões, 740 mil, 914 reais, o que corresponde a 48, 15% do total de gastos5. Diante desta violência, a gravi- 3 AGÊNCIA ESTADO. Com crise, Banco Central já anunciou R$ 1,2 tri- lhão em recursos para bancos. Infomoney, 23/03/2020. 4 PLINIO, Teodoro. Oxfam: 42 bilionários brasileiros ganharam 34 bilhões de dólares durante a pandemia.Revista Forum, 27/07/2020. 5 Dados da Auditoria da Dívida Cidadã. Disponível no portal eletrônico: https://auditoriacidada.org.br/ 15Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento dade da situação de violação de direitos se acentua na medi- da em que não resta o suficiente do orçamento público para o seu enfrentamento. Além disso, a defesa de uma ideologia “salvacionista” pentecostal, que relega tudo à esfera privada e aos valores cristãos da sociedade tradicional, lança os di- reitos humanos numa disputa inglória, convertendo-se em risco à democracia. Este livro chega neste contexto, tratando da temática dos direitos humanos, conferindo publicidade às injustiças que, em grande parte, recaem sobre a política de assistência social, porta de entrada das queixas e das necessidades so- ciais que se tornam públicas, requerendo uma intervenção profissional ou mesmo uma resposta na forma de um novo programa. Os capítulos aqui reunidos denotam a resistência de um grupo de pesquisadores contra as obstruções dos ca- nais de publicização das situações de violação de direitos so- fridas durante a pandemia. O percurso teórico-metodológico de apreensão dos fenômenos sociais se orienta na perspecti- va da interseccionalidade não apenas por integrar as dimen- sões de raça, gênero e classe social, mas também por tratar da intersecção do sociojurídico e do assistencial no plano da intervenção social. Trata-se de um registro histórico impres- cindível de análises acerca de determinadas violações de di- reitos cometidas em contexto de pandemia do coronavírus no Brasil, constituindo-se um trabalho elaborado com o má- ximo de primor por pesquisadores que claramente assumem a defesa intransigente dos direitos humanos6. 6 Para maiores informações, ver GEERTZ, Clifford. Interpretação das Culturas. RJ: LTC, 1989. 17Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento APRESENTAÇÃO Nivia Valença Barros Lobelia da Silva Faceira Josélia Reis Joice da Silva Brum Este livro é fruto das reflexões e debates produzidos du-rante o Curso de Extensão “Direitos Humanos, Inter-seccionalidade e Isolamento” organizado pelo grupo de orientação da Profª Drª Nivia Valença Barros, compos- to pela pós-doutoranda Profª Drª Lobelia da Silva Faceira (UNIRIO); pelas doutoras Josélia Reis (ex-orientanda e atual- mente vice coordenadora de grupo de pesquisa NUDHESC - UFF) e Sandra Monica da Silva Schwarzstein (membro do nú- cleo de pesquisa NUDHESC - UFF); pelas doutorandas Profª Wilma Pessôa (Departamento de Sociologia da UFF), Joice da Silva Brum, Ida Cristina Rebello Motta e pelo doutoran- do Marcelo Ricardo Prata; pela mestra Sheila Brum (membro do grupo de pesquisa NUDHESC - UFF) e pelas mestran- das Ana Beatriz Quiroga, Rosilene Pimentel, Karla Amaral e Vania Quintão, que encontram-se vinculadas ao Núcleo de Pesquisa sobre Direitos Humanos, Sociais e Cidadania (NUDHESC/UFF), do Programa de Estudos Pós-Graduados em Política Social da Universidade Federal Fluminense. O curso foi realizado no período de 11 de julho a 08 de agosto de 2020, em ambiente virtual, de forma interativa, isto Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento18 é, os encontros não eram gravados previamente, aconteciam “ao vivo” e permitiam a interlocução com todos os presentes. Esta foi a forma que encontramos para democratizar nossos estudos e produções, em meio a pandemia de COVID-19, que obrigou muitos países no mundo a manter sua população em isolamento. No Brasil, o isolamento devido à pandemia ini- ciou-se em março e ocorreu em contextos específicos: mui- tas crises políticas, com a negação das questões científicas e médicas por parte do governo federal e aliados; escândalos de desvios de verbas da área da saúde; pressões para que a população voltasse aos locais de trabalho sem, contudo, ha- ver uma política para garantir esse retorno; obrigatoriedade do trabalho remoto (realizados nas próprias residências) sem o devido preparo; alto índice de mortalidade, principalmente, da população mais pobre; aumento da violência doméstica; desemprego; demora na concessão do auxílio governamental para a população pobre; inadequação no processo de sociabili- dade de crianças e adolescentes (educação e demais atividades de participação social); isolamento sem acompanhamento de proteção social de muitos idosos. Estes, entre outros contextos, fizeram parte de uma conjuntura de instabilidade, angústia e dor emocional. Diante deste quadro, a realização deste curso foi um ato de resistência e de construção de pontes e saberes. Assim, a partir da necessidade de pensar com urgên- cia os desafios postos pela pandemia, nós, profissionais, pes- quisadores e acadêmicos de diversas áreas de atuação, ana- lisamos, a partir de inserções variadas no campo da política social, os desafios na perspectiva da garantia de direitos hu- manos e sociais frente aos impactos produzidos pela pande- mia de COVID-19. Os capítulos que compõem a coletânea mantêm como fio condutor a concepção de Direitos Humanos e Intersec- cionalidade, sendo relevante conceituar brevemente estas categorias teóricas. 19Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento Os direitos humanos consistem em direitos universais garantidos a todo e qualquer indivíduo independentemente de sua classe social, etnia, gênero, nacionalidade ou posicio- namento político. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os direitos humanos são “garantias jurídicas univer- sais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana”. São exemplos de direitos humanos o direito à vida, o direito à integridade física, o direito à dignidade, entre outros. Os direitos humanos são garantias históricas, que mu- dam ao longo do tempo, adaptando-se às necessidades espe- cíficas de cada momento, sendo organizados por cada país por meio de negociação com organizações como a ONU e em encontros e conferências internacionais. A categoria teórica de interseccionalidade é utilizada a partir do conceito tratado por Kimberlé Crenshaw: A interseccionalidade é uma conceituação do proble- ma que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam de- sigualdades básicas que estruturam as posições re- lativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como as ações e políticas específicas geram opres- sões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento (CRENSHAW, 2002, p. 177). Utilizamos a interseccionalidade como uma ferramen- ta metodológica, não somente fazendo uma referência às fe- ministas negras, mas seguindo a direção dada de não hierar- quizar as opressões. Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento20 Os autores, cônscios da complexidade e relevância do tema, não têm qualquer preocupação de esgotá-lo, mas de publicizar reflexões, estudos e resultados de pesquisas, buscando contribuir para adensar o debate sobre os Direitos Humanos e a interseccionalidade nos diversos campos da política social, dando ênfase aos sujeitos sociais. O livro é constituído por oito capítulos divididos em três seções, além da apresentação, que se propõem a debater os desafios dos direitos humanos e sociais no cenário con- temporâneo, destacando os impactos e agravamentos de- sencadeados pela pandemia do COVID-19. A primeira seção intitula-se “Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamen- to: Os Desafios no Campo Sociojurídico” e é constituída por três capítulos que apresentam o processo de intensificação da violação de direitos no campo sociojurídico. A segunda seção “Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento: Questões Raciais e de Gênero”é composta por três capítulos que apresentam debates e reflexões sobre a questão racial e de gênero, dando destaque para os processos de violação de direitos e intensificação da violência contra mulheres e da população LGBTI+ no contexto de isolamento social. A terceira seção, “Direitos Humanos, Interseccionalidade e Iso- lamento: Os Desafios no Âmbito do Protagonismo e do Traba- lho Feminino” é formada por dois capítulos, que apresentam o debate sobre os desafios do trabalho e o protagonismo fe- minino durante o período da pandemia de COVID-19. 21Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento PRIMEIRA SEÇÃO - DIREITOS HUMANOS, INTERSECCIONALIDADE E ISOLAMENTO: OS DESAFIOS NO CAMPO SOCIOJURÍDICO O primeiro capítulo, As (Im) possibilidades do Serviço Social e da Psicologia no Campo Sociojurídico no Período Pan- dêmico, busca apresentar uma reflexão sobre a intervenção das equipes técnicas no âmbito jurídico, a partir da inserção profissional e em pesquisa das autoras. Discutem-se, a partir do contexto da pandemia de COVID-19, e do isolamento por ela imposto, os limites e possibilidades de contribuição do Serviço Social e da Psicologia para a garantia de direitos de um grupo particular de usuários dos serviços: pessoas que estão cumprindo penas e medidas restritivas de direitos. O segundo capítulo, Adolescência e Juventude - Puni- ções e as Entrelinhas da Socioeducação apresenta uma reflexão sobre a adolescência e juventude no Brasil, com a marca per- versa da desigualdade social, de segregação e de negligências. Uma sociedade patriarcal, branca, hierarquizada, misógina e excludente, estruturação que só recentemente encontrou formas de diminuir a mortalidade precocemente, na primeira infância, para estabelecer uma política genocida, de punição e de privação de liberdade na adolescência e encarceramento na juventude, sob o pretexto de inclusão em um processo de socioeducação, que ainda não se materializou. O terceiro capítulo, Violência e Prisão: os Desafios da Garantia de Direitos no Cenário Contemporâneo analisa os processos de produção e reprodução da violência no ce- nário contemporâneo e os desafios da garantia de direitos no sistema penitenciário brasileiro. O estudo parte de uma análise dos avanços e contradições que a Lei de Execuções Penais (Leis 7.210) efetiva na perspectiva do reconhecimen- to dos direitos da população carcerária e os desafios de sua consolidação na sociedade capitalista, intensificados pela pandemia de COVID-19. Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento22 SEGUNDA SEÇÃO - DIREITOS HUMANOS, INTERSECCIONALIDADE E ISOLAMENTO: QUESTÕES RACIAIS E DE GÊNERO O primeiro capítulo, Violência de Gênero Contra Mu- lheres e Meninas e os Agravamentos em Época de Isolamento Social promove reflexões sobre a violência doméstica e fa- miliar de gênero contra mulheres e meninas, o seu agra- vamento no contexto do isolamento social e as principais respostas da política pública para o seu enfrentamento. Busca-se destacar os múltiplos fatores que permeiam o “fi- car em casa” para mulheres e meninas evidenciando um preocupante aumento das situações de violência, pensan- do-se na intersecção de diferentes discriminações que atin- gem mulheres e meninas. O capítulo também analisa os da- dos sobre o aumento da violência e feminicídio, os efeitos da diminuição da procura por serviços especializados e as principais respostas de políticas públicas para o enfrenta- mento destas situações para a garantia dos direitos huma- nos de meninas e mulheres. O segundo capítulo, Os processos de Isolamento Social para a População LGBTI+ - para Além da Pandemia apre- senta reflexões sobre o isolamento social imposto à parcela significativa da população LGBTI+ em suas vivências co- tidianas. Os autores traçam um paralelo com algumas das questões vividas pela população devido à pandemia causa- da pelo coronavírus, apresentando dados estatísticos sobre as violências contra pessoas LGBTI+. O capítulo também problematiza elementos políticos e éticos que fundamen- tam o ódio contra a comunidade LGBTI+, resultando na necessidade de um olhar mais atento para a compreensão e enfrentamento da LGBTIfobia em tempos de pandemia. São discutidos os efeitos do isolamento vividos e a vul- nerabilidade da população LGBTI+, buscando, da mesma 23Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento forma, analisar o papel do Estado e a carência de políticas públicas efetivas, como por exemplo, as ações dos movi- mentos sociais LGBTI+ diante dos efeitos do isolamento. O terceiro capítulo Violência Racial no Brasil no Contexto da Pandemia de COVID-19 visa promover uma reflexão ini- cial sobre como a pandemia impactou a violência racial no Brasil em seus múltiplos aspectos: históricos, sociais, eco- nômicos, políticos, culturais, de gênero e também sobre os aspectos subjetivos que permeiam estes contextos. Tais re- flexões são discutidas partir de conceitos importantes da análise teórica do fenômeno do racismo estrutural e de suas características no Brasil em relação às questões como classe, gênero, movimentos sociais, interseccionalidade e violência institucional, em especial. Nesse sentido, desta- ca-se, em primeiro lugar, as especificidades da pandemia no modo como impacta a vida social, na medida em que impõe condições e limites aos padrões de relações sociais cotidianas em vários de seus aspectos, em geral, e no as- pecto da violência, em particular. A seguir, reflete como o impacto da pandemia se diferencia, no Brasil, conforme os grupos sociais, suas condições de vida e status. Busca-se assim perceber a complexidade dessa relação, sua multipli- cidade e interseccionalidade. A partir daí, debruça sobre a relação entre pandemia, violência e racismo, considerando a discussão do racismo no Brasil, suas características prin- cipais no plano estrutural e sua manifestação institucional, através da violência do Estado, e, no social, como violência de gênero e de classe. Por fim, trata da dialética do racismo em tempos de pandemia e de “pandemônio”, analisando o papel do Estado brasileiro nas atuais políticas e práticas dirigidas à população negra e periférica e como elas atuam num contexto excepcional de controle sanitário. Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento24 TERCEIRA SEÇÃO - DIREITOS HUMANOS, INTERSECCIONALIDADE E ISOLAMENTO: OS DESAFIOS NO ÂMBITO DO PROTAGONISMO E DO TRABALHO FEMININO O primeiro capítulo, Movimento Feminista, Interseccio- nalidades e as Táticas de Protagonismo apresenta reflexões sobre o Movimento de Mulheres e as táticas de protagonis- mo feminino adotadas em um período de isolamento. As autoras destacam a importância dos movimentos sociais e do movimento feminista para as conquistas das mulheres e de seu protagonismo social. Destacam a Economia Solidária para as mulheres, como uma tática que surge para a geração de renda com possibilidade de autonomia financeira e esta- belecimento de outros tipos de vínculos e relações de traba- lho, bem como a organização coletiva com outras mulheres. As reflexões são pautadas na interseccionalidade, classe, gê- nero e raça e correlacionam tais contextos com o isolamento social imposto pela pandemia de COVID-19. O segundo capítulo, Mulher, Trabalho e Intersecciona- lidades: Isolamento no Contexto da Pandemia de COVID-19 apresenta reflexões sobre os efeitos do isolamento em tem- pos da pandemia de COVID-19, para mulheres trabalhado- ras que também acumulam as tarefas na esfera privada. As autoras se pautam na interseccionalidade - classe, raça e gênero, bem como sobre o papel dos movimentos feminis- tas, procurando assim, estabelecer a compreensão sobre os desafios da mulher na árdua tarefa de agregar ao seu co- tidiano múltiplas responsabilidades, nos espaços públicos e privados e a potencialização deste último em tempos de isolamento. Destaca também a diferenciação entre serviço doméstico e o trabalho doméstico realizado pelas emprega-das domésticas. 25Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento É possível dizer, considerando a relevante contribuição de cada uma das autoras e autores, que o livro aponta as contradições e desafios no âmbito da garantia dos direitos humanos e sociais de grupos e sujeitos em situação de vul- nerabilidade social, ressaltando a intensificação de diversas formas de exclusão e violência, durante o período de distan- ciamento social, ocasionado pela COVID-19. Esperamos assim, que esta produção elaborada por pesquisadoras e pesquisador possa colaborar para o apro- fundamento de outras tantas reflexões sobre as temáticas aqui abordadas. Destacamos que somente a vivência em um grupo de pesquisa tornou este livro possível. P R I M E I R A S E Ç ÃO Direitos humanos, Interseccionalidade e Isolamento: Os desafi os no Campo Sociojurídico 29Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento AS (IM) POSSIBILIDADES DO SERVIÇO SOCIAL E DA PSICOLOGIA NO CAMPO SOCIOJURÍDICO NO PERÍODO PANDÊMICO Josélia Reis Sheila Brum Mas, o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem in- definidamente? Onde, afinal, está o perigo? (Michel Foucault, 2016) O objetivo deste capítulo é a apresentação de uma re-flexão sobre a intervenção das equipes técnicas, com-postas por assistentes sociais e psicólogos, no âmbito jurídico, a partir da inserção profissional e em pesquisa das autoras, em um momento histórico específico. Discute-se, a partir do contexto da pandemia de COVID-19, e do isolamen- to por ela imposto, os limites e possibilidades de contribuição do Serviço Social e da Psicologia para a garantia de direitos de um grupo particular de usuários dos serviços: pessoas que estão cumprindo penas e medidas restritivas de direitos. O fio condutor nesta trajetória é o conceito de direitos humanos numa perspectiva dialética, tal como nos sugere Jefferson Lee (2014, p.245), ao sinalizar que direitos são sempre sociais e que também são sempre humanos. Além disso, importante ressal- tar que existem “dimensões dos direitos humanos estritamen- te ligadas a dimensões jurídicas da vida social” (idem, p.277). Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento30 Assim, ao tratar das formas como a sociedade se re- laciona com os sistemas de justiça, cuida-se de questões que envolvem os direitos humanos, seja para a defesa de direitos individuais, coletivos ou difusos, seja na condição de pessoa a quem foi dirigida uma sanção judicial em virtu- de da violação das normas em uma determinada sociedade. A aplicação de penas e medidas alternativas, sanções em tese mais leves e que deveriam substituir o encarceramen- to, demandam no Brasil, de uma forma geral, o acompa- nhamento de Equipes Técnicas compostas por assistentes sociais e psicólogos. Inicialmente, este trabalho foi desenvolvido por pro- fissionais do quadro do Poder Judiciário, mas vem sendo paulatinamente deslocado para acompanhamento pela rede da política de assistência e, eventualmente para a atuação de profissionais autônomos, contratados para avaliação pontual no início da execução. Neste sentido, do ponto de vista da estrutura para a realização do trabalho de acompanhamento das pessoas em cumprimento de penas e medidas alternati- vas, esbarra-se num primeiro limite que é a falta de estrutura (Sierra e Reis, 2018, p.137) acompanhada de uma demanda crescente, por exemplo, do trabalho de assistentes sociais, principalmente, cujas condições de trabalho são, antes de tudo, precarizadas. Diante dos desafios postos, observa-se que o primeiro limite se dá justamente pela estrutura dos serviços. Embo- ra esta questão não seja aprofundada neste momento, urge sinalizar, tal como Josélia Reis (2019) apresenta em sua tese de doutoramento, para que a categoria e suas instituições representativas e de fiscalização atentem para a sedutora ar- madilha dos cadastros de profissionais para “trabalhar sem concurso para o Judiciário”. Por outro lado, para as equipes que integram os qua- dros permanentes das Instituições, a tensão e a disputa do 31Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento campo são uma constante, na medida em que as relações neste âmbito são marcadas por poderes institucionalmente constituídos e por forte hierarquia. Pensar nas possibilidades e limites da atuação técnica em determinados contextos institucionais ainda é considera- do um clichê, ou seja, algo repetido, bem conhecido. Mas, ao mesmo tempo, se reveste de importância na medida em que permite analisar conjunturas, registrar momentos históricos e organizar para a superação das questões que obstaculizam a intervenção profissional. Assim, neste contexto que se estrutura a presente re- flexão sobre a atuação do Serviço Social e da Psicologia no âmbito jurídico, no que tange às possibilidades e limites da contribuição desses profissionais durante o período de isola- mento social, imposto pela pandemia de COVID-19, doença causada pelo vírus SARS-Cov 2, a qual expõe e potencializa desigualdades sociais produzidas pelo contexto neoliberal, que, em muitos casos, avilta os direitos humanos das popu- lações mais vulneráveis, como os pobres, negros, encarce- rados, dentre outros. Parte-se da atuação cotidiana, a qual é pensada a partir do acúmulo de reflexões realizadas em pesquisas articuladas com a academia. Um dos elementos que integram esta análise é o mal estar. E este encontra-se na vivência e no discurso dos usuá- rios dos serviços, mas também se dá para os profissionais, uma vez que há o contato direto com as mazelas vividas pela população usuária e a inserção em um espaço marcado por uma dissimetria de poderes, com ideários positivistas. Desta forma, impacta tanto assistentes sociais, quanto psi- cólogos, já que convivem diretamente neste espaço e em contato frequente com situações de sofrimento, muitas ve- zes “oriundo das condições materiais/afetivas produzidas no contexto das desigualdades sociais da sociedade capita- lista” (Pereira, 2010, p.164). Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento32 Pandemia, execução penal e ação profissional A situação pandêmica tem tido como consequên- cia uma mudança brusca e radical das relações sociais e da economia mundial, com graves incidências sobre a saúde mental da população planetária, conforme apontado por An- tônio Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas (2020). E para os profissionais do campo psicossocial, trabalhadores do Judiciário, aponta para um desafio no que tange a uma práxis que promova a garantia de direitos daqueles envolvidos em conflitos judiciais, em especial os que buscam este espaço por falta de acesso a benefícios previstos em lei e os que se encontram em cumprimento de penas alternativas. Inseridos em um espaço de trabalho com fortes traços positivistas, marcado por relações de poder potencializadas e por uma lógica hierárquica, conforme acima apontado, esses profissionais precisam pensar em formas de trabalho que preservem o compromisso firmado em seus Códigos de Ética - ambos amparados nos valores preconizados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, e que garan- tam a prestação de um serviço de qualidade à sociedade, ain- da que em uma situação adversa, como a do momento, que impõe limites ao trabalho presencial e que impacta a rede de serviços das diversas políticas públicas. O lugar de fala das autoras é situado no Poder Judi- ciário Federal, especificamente na esfera da Execução Penal, com atuação em penas e medidas alternativas, também co- nhecidas como restritivas de direitos. No Poder Judiciário Fe- deral, tratam-se conflitos que têm necessariamente a União Federal como uma das partes do processo. Assim, quando se fala de penas e medidas alternativas na esfera federal, tra- ta-se de crimes cometidos com menor risco à pessoa e que envolvem a União, suasautarquias, empresas e fundações. 33Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento Mas, o fato de se tratar de crimes contra a União e com menor risco à pessoa, não exime seus autores do estig- ma de terem em algum momento da vida entrado em confli- to com as leis ou de serem denominados como criminosos. E, por este motivo, há um desafio maior para a garantia de direitos destes sujeitos, na medida em que um forte conteú- do moral, de base cristã, permeia o imaginário social, arti- culando a ideia de pena, a ser cumprida como restauração por uma ação nociva à sociedade, com a penitência que faz do sofrimento o elemento redentor do indivíduo. Na maio- ria dos casos, a própria pessoa que está cumprindo a pena e que é atravessada por ideias estigmatizantes, relaciona- das àqueles que cometeram algum tipo de crime, vivencia maior dificuldade em relação à situação processual, pois se vê no lugar daqueles que passou a identificar como “anor- mais”, “periculosos”... Esta situação aponta para o que Go- ffman (1975, p. 16) destaca sobre o indivíduo estigmatizado: Seus sentimentos mais profundos sobre o que ele é podem confundir a sua sensação de ser uma “pessoa normal” um ser humano como qualquer outro, uma criatura, portanto, que merece um destino agradável e uma oportunidade legítima. Observa-se, ainda, no que diz respeito aos relatos das pessoas em cumprimento de pena, o medo de julgamentos morais e prejuízos sociais, o que leva à omissão da situação processual dos indivíduos com os quais convivem, ocasio- nando a falta de suporte de pessoas próximas para o enfren- tamento das dificuldades geradas pelo processo penal. Esta situação é, muitas vezes, identificada pela psicologia como um fator ansiogênico. A questão se complexifica quando há também, em alguns casos, adoecimento psíquico, os quais ratificam a importância de um trabalho articulado com a rede de assistência em saúde mental. Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento34 É importante pensar o lugar de onde se fala e o perfil da população usuária, em se tratando da área penal, também é importante ressaltar que não obstante o tipo de crime cometido, estes indivíduos precisam da garantia de seus direitos ao tempo em que se responsabilizam e respondem por ações que prejudicaram a comunidade em geral. Desta forma, um dos principais fatores que incidem e causam impacto na vida das pessoas que estão envolvidas em uma situação penal, acusadas do cometimento de um crime, é a imagem do criminoso, construída no senso comum, por meio da indústria cultural como aquele sujeito de alta periculosidade que tem como principal objetivo em sua relação com o grupo social, causar o mal a quem o cerca. Acontece que esta imagem não é só carregada de noções pré- concebidas sobre o comportamento do criminoso, o racismo estrutural delineia um perfil de classe que possui importante recorte étnico racial a esta figura. O discurso oficial constrói uma narrativa onde as clas- ses pauperizadas são vistas como perigosas e, portanto, de- mandam controle social com vistas à manutenção da ordem, ainda que de forma violenta. É por este motivo que uma incur- são policial na favela, que resulte na morte de várias pessoas, ainda é socialmente aceita no Brasil, embora seja criticada por estudiosos e organismos de defesa dos direitos humanos. Po- demos considerar tal discurso como herança das ideias lom- brosianas de criminoso nato que, embora bastante criticadas por diversos autores, deixaram forte marca no âmbito penal, além da atuação da medicina e da psicologia, que no século XX funcionaram como dispositivos fundamentais aos julga- mentos e ofereceram elementos para o “conhecimento do cri- minoso”, muitas vezes atribuindo graus de periculosidade às pessoas e dando respaldo à práticas segregacionistas. Segundo Maria Lúcia Karam (2010) houve uma “trá- gica aliança reforçadora dos danos, das dores e enganos 35Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento que sustentam as nocivas ideias de punição, privação de li- berdade, estigmatização e exclusão como suposta forma de controle dos comportamentos etiquetados como “crimes”. Cristina Rauter (2003, p. 84) chama atenção para o que de- nomina de “exercício de futurologia”, prática relacionada à avaliação do grau de periculosidade e à possibilidade de prever reincidências. Quanto a este aspecto, não se pode negligenciar a atenção crítica às demandas dirigidas aos profissionais no âmbito jurídico, sendo estas muitas vezes permeadas por ideais classificatórios e normalizantes. Tendo como matriz norteadora os compromissos pro- fissionais e a estrutura da política de alternativas penais, apontadas com grande ênfase no Manual de Gestão Para as Alternativas Penais (2017), elaborado pelo Departamen- to Penitenciário Nacional - DEPEN (Ministério da Justiça e Cidadania), o papel da equipe técnica é construído na pers- pectiva da viabilização da garantia de direitos, de forma que os usuários tenham preservadas sua cidadania, dignidade e liberdade. Tal garantia começa com o direito de escuta e com a identificação de interesses, habilidades e necessida- des, para que seja realizado um plano de trabalho singular com cada pessoa, o que inclui a elaboração de um relatório endereçado ao juízo com sugestão de instituição e atividade para o cumprimento da pena alternativa, além de encami- nhamentos à rede de apoio e à rede de serviços públicos. Conforme apontado por Patrícia Carneiro: Para a efetivação do cumprimento das penas e me- didas alternativas é necessária a existência de uma rede social de apoio. Essa rede social é constituída por instituições cadastradas (...) que se propõem a receber beneficiários para cumprimento de penas e medidas (CARNEIRO, 2006, p.41). Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento36 Esta é uma práxis complexa e difícil, na medida em que a ordem neoliberal, também inscrita no Judiciário, está comprometida com exigências de celeridade, de produção e impõe restrições à escuta de um sujeito que se encontra em um momento singular de conflito com a lei, o qual suscita, para muitos, sentimentos que esbarram no desamparo estru- tural do humano e que são evidenciados por meio de relatos relacionados: à insegurança com o futuro, ao medo da per- da da liberdade e do convívio familiar, ao receio da privação de direitos e de seus meios de subsistência, vergonha perante os seus pares, medo da perda de credibilidade pessoal junto a familiares, amigos, colegas de trabalho, dentre outros. Tais situações, em alguns casos, podem ser deflagradoras ou po- tencializadoras de situação de adoecimento psíquico. Assim, a rede de serviços é utilizada num duplo movi- mento: se por um lado é preciso conhecer e articular os ser- viços para possíveis encaminhamentos das pessoas atendidas na esfera criminal, por outro também se depende dos equipa- mentos para que se possa efetivar a prestação dos serviços co- munitários. Via de regra, a identificação e habilitação das ins- tituições para recebimento das pessoas em cumprimento de penas e medidas alternativas é seguida pelo acompanhamento por parte dos membros da Equipe Técnica, os quais as dividem em grupos seguindo a lógica da referência por técnico. Este trabalho requer de psicólogos e assistentes sociais contatos telefônicos frequentes; visitas institucionais regu- lares e, atualmente no contexto da pandemia, reuniões por videoconferência onde se atualizam as questões institucio- nais; discute-se a rotina do acompanhamento para gestores recém-chegados e que nem sempre conhecem a existência da parceria com o Poder Judiciário para a prestação de serviços comunitários, além de estabelecerem planos individuais de acompanhamento para cada prestador de serviços, respei- tando seus limites; suas capacidades e viabilizando a inclu- 37Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento são no espaço institucional por meio do desenvolvimento de umtrabalho que tenha relação com sua história, interesses e suas potencialidades. Há demanda, também, junto aos representantes ins- titucionais e aos responsáveis diretos pelo acompanhamen- to dos sujeitos em cumprimento das penas e medidas alter- nativas de uma reflexão sobre estas serem um direito dos sujeitos, uma medida de responsabilização necessária para determinadas situações de infração penal e para a superação da ideia não só de periculosidade, mas de penalidade des- vinculada da noção de penitência, esta última relacionada a um forte conteúdo moralista. Superar a cultura punitivista é um desafio de grande monta e requer dos profissionais a busca constante pela qualificação e o exercício intelectual, que não necessariamente começará na academia, mas an- tes, na prática profissional e que pode se articular com as produções acadêmicas no sentido de consolidar as reflexões do campo sociojurídico. É preciso esclarecer que a demanda pela atuação técnica junto aos usuários no campo sociojurídico tem relação direta com a multiplicação de estatutos e normas legais tanto no que se refere ao âmbito criminal, quanto ao que Vania Sierra e Josélia Reis (2018, p. 142) destacam, quan- to à proteção social. Assim, para o Serviço Social: Por se tratar de uma profissão em que a defesa dos direitos da classe trabalhadora está definida no Có- digo de Ética e no seu projeto ético-político, o debate sobre o Poder Judiciário e o aumento das demandas judiciais (...) não pode ser apenas lateral, já que o Direito e o Poder Judiciário estão situados no centro das democracias constitucionais. Esta demanda esbarra com situações, em alguns ca- sos, onde o adoecimento psíquico é uma realidade, em ou- Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento38 tros há questões da saúde geral ou aspectos socioeconômi- cos preponderantes que podem se relacionar com a situação processual e/ou interferir e até obstaculizar o cumprimento das sanções impostas. Nestes momentos, a articulação com a rede de serviços torna-se um imperativo. No que tange às situações em que há um compro- metimento da saúde mental são observados, em alguns ca- sos, quadros de depressão, alterações cognitivas, ansiedade, alterações do sono, fobias, dentre outras situações, as quais são motivo de articulação específica com a rede de saúde mental para o cuidado e também de maior atenção quanto ao acompanhamento do cumprimento da pena, principal- mente quando a modalidade diz respeito à prestação de ser- viços comunitários. Quanto a este aspecto, no que tange à psicologia, Leila Torraca, na apresentação do livro “Temas de Psicologia Jurídica” (2000, p.7) aponta que: A psicologia adjetivada como jurídica deve dedi- car atenção especial à saúde mental dos indivíduos atendidos, promovendo uma reflexão crítica dos im- passes e interrogantes constantemente dirigidos aos que atuam neste âmbito. Rejeita-se o papel exclusi- vamente pericial, influência do ideário Positivista, quando vislumbrava-se que desvendar segredos ou conteúdos psíquicos contribuiria para uma efetiva aplicação das leis. Outras situações que envolvem a dinâmica do traba- lho e que suscitam maiores desdobramentos são as pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade, deman- dando a intervenção do Serviço Social para encaminhamen- to de providências no sentido de orientação e articulação com a rede de serviços para garantia de acesso às políticas públicas como, por exemplo, saúde e assistência social. Importante ressaltar que a demanda encaminhada pelo Direito, conforme já sinalizado, na maioria das vezes, é 39Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento atravessada pelas marcas do positivismo penal - que possui ideais avaliativos vinculados à defesa social e às concepções preconceituosas em relação àqueles que cometeram crime - e pelo modelo penal retributivo que pode justificar ideais de vingança, ambos com consequentes riscos de negligência de aspectos importantes da subjetividade e do mal-estar que aflige a maioria daqueles que são apenados. Jean Oury propõe em O Coletivo, a necessidade de se questionar a má utilização das hierarquias, na medida em que elas são esmagadoras das iniciativas. Ele aponta a neces- sidade de os profissionais se articularem, o que é uma reco- mendação importante para aqueles que trabalham com pes- soas em cumprimento de pena que, embora não estejam em um espaço como o exemplificado por Oury, estão expostos à forte hierarquia institucional. Atente-se ao fato de que um sujeito, quando classifi- cado “criminoso”, tendo ele cometido crime ou sido injus- tamente condenado (situação possível de acontecer), fica exposto ao julgamento dos demais, aos mais diversos pre- conceitos e à exclusão. Não são raros aqueles que omitem a vivência criminal das pessoas de sua convivência e temem que as mesmas tomem conhecimento do fato de estarem cumprindo pena, ainda que alternativa, pela preocupação com a estigmatização, sendo este também um fator ansiogê- nico. Neste sentido, para Goffman: (...) diante da necessidade de manipulação de in- formação sobre algo pessoal, as relações estabeleci- das ficam comprometidas, carentes de informações compartilhadas e, mesmo relações recentes, podem constituir um perigo quanto à exposição de informa- ções (GOFFMAN, 1975, p.98). Há o medo da não inserção no mercado de trabalho e da demissão por descoberta do processo penal. Não apenas Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento40 demissões, mas também divórcios são relatados como decor- rentes da situação processual. De uma forma geral, a crimina- lização gera impactos em vários âmbitos da vida de uma pes- soa, dentre eles o familiar e o social, além de prejuízos à saúde. Levando-se em consideração que o direito é um dis- positivo civilizatório de grande credibilidade na sociedade ocidental, podemos supor que não é sem consequências psí- quicas ser por ele classificado como criminoso. No caso da maioria das pessoas por nós atendidas, a vivência é de inten- so mal-estar, conforme anteriormente mencionado. Em seus relatos demonstram temor de serem causa de decepção para pais e filhos, de serem julgados ou depreciados pelas pessoas de sua convivência. Há uma preocupação em defenderem a autoimagem, enfatizam que nunca tiveram problemas com a justiça, o que é fato entre a maioria, e que estar sub judice é motivo de constrangimento. No contexto de trabalho diário, as pessoas que apre- sentam demandas jurídicas, endereçadas aos profissionais da equipe técnica, demonstram perplexidade e apreensão com a condenação jurídica, o que enfatiza a necessidade de escuta, principalmente quando descumprem a pena alternativa, si- tuação em que ela pode ser convertida em prisão. Diante da situação complexa que apresenta o Judiciá- rio, conforme acima especificada, a práxis deve ser pauta- da em reflexões e interrogações constantes que não se res- trinjam às atividades avaliativas, mas que incluam a leitura crítica de um contexto social que limita e/ou impede o acesso aos direitos, o que muitas vezes é o motivo do aumento da criminalidade. Um contexto que conclama o ódio e o recrudescimento penal, com expectativas de classificação, segregação e extermínio como solução para os conflitos sociais, onde o direito penal, muitas vezes, acaba por ratificar a violência policial, principalmente em seu aspecto seletivo e de cunho racista. 41Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento Conforme apontado em dissertação de mestrado por Sheila Brum Fonseca (2018), ao falar sobre as Teorias da Pena: A pena, enquanto resposta ao evento denominado crime, vem sendo, ao longo do tempo, naturalizada como solução exclusiva para o mal-estar causado por tal evento. Na maioria das vezes, caracterizada por coação, privação e violência estatal legitimada, a punição é justificada por diversas teorias, cada uma delas difusora de concepções específicas e, a nosso ver, simplificadassobre o crime, o criminoso e as for- mas de controle de ambos (FONSECA, 2018, p.24). O incômodo social gerado pelo crime e pela violência é manipulado pela mídia, por meio da espetacularização dos mesmos e da criação de “bodes expiatórios” para o mal-es- tar na civilização. São enfatizados os crimes cometidos por jovens, negros, pobres, moradores de favelas, o que ocorre sem o devido enquadramento das situações de privação e de desigualdade social às quais são submetidos. Igualmente vio- lento, o contexto social de desigualdade ceifa sonhos, possi- bilidades de desenvolvimento social e, muitas vezes, vidas de pessoas na mais tenra idade. O enquadramento da situação criminal focado em de- terminadas raças e populações, vem gerando, ao longo do tempo, a busca de respostas para o crime em explicações re- lacionadas a um déficit no criminoso, portador de anomalias físicas ou psíquicas. Situação que transfere para determina- dos grupos os diversos problemas gerados pela ordem ca- pitalista vigente, que privilegia poucos, em detrimento dos direitos de muitos. Como profissionais do campo psicossocial, cujo com- promisso é firmado em alinhamento com os princípios dos direitos humanos, com a escuta de sujeitos e a defesa de seus direitos, entende-se que quanto maior a hostilidade penal e Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento42 as exigências de celeridade nas atividades que movimentam a máquina penal, maior a necessidade e importância de uma atuação compromissada junto às pessoas em cumprimento de pena e da ratificação de nossos compromissos profissio- nais. Principalmente porque há um crescente antagonismo entre a celeridade da punição e vagar letárgico da garantia de direitos. Faz-se necessário, portanto, evitar qualquer atua- ção que compactue com injustiças e arbitrariedades; assim como a atenção ao imaginário social que associa crime e vio- lência às parcelas mais vulneráveis da população. Em um trabalho de 1930, intitulado o “Mal-estar na Civilização”, Freud aponta que o homem vive um mal-es- tar em relação às exigências da pulsão e as restrições da civilização. Para respeitar as leis, o homem precisa pagar um alto preço de renúncias. Há momentos nos quais as restrições civilizatórias não são suficientes para conter a agressividade, que não é exclusiva de determinados grupos. Segundo Freud, [...] os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas, são criaturas entre cujos dotes pulsio- nais deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Assim, o próximo é, para ele, alguém que o tenta a exercer sobre ele sua agressividade, explorar sua capacidade de trabalho sem compen- sação, utilizá-lo sexualmente sem consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo (FREUD, 1930, p.33). O fundador da psicanálise aponta a agressividade como uma possibilidade do humano em geral. Fazendo parte do convívio entre pessoas, desde os tempos primórdios, ela não é atribuída a grupos específicos. A civilização impõe res- trições, por meio do direito, com o objetivo de impedir que o gozo de alguns coloque em risco os direitos dos demais. 43Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento Entretanto, não são difíceis de constatar as mais diversas si- tuações que escapam a tal controle. Ainda segundo Freud (1930) a garantia de que a lei não será violada a favor de um indivíduo é uma exigência da civilização, o que, no caso do Brasil, não tem ocorrido desta forma e tem gerado prejuízo e vulnerabilidade para muitos. Segundo Birman (1999, p. 281): Com efeito, o Brasil tem hoje uma das constituições mais avançadas do mundo, coisa para ninguém botar defeito, mas os princípios dessa constituição, infe- lizmente, não funcionam nas práticas sociais da jus- tiça. Podemos afirmar, sem pestanejar, que se trata de uma das sociedades mais injustas do mundo, não obstante a beleza formal de sua constituição, já que não funciona concretamente para instituir a Justiça. Acrescente-se que, atualmente, tem sido alterada para a destituição de direitos antes por ela previstos. Birman (1999, p. 281) aponta ainda que: Além disso, nosso código criminal é profundamente marcado pela longa tradição escravagista e patrimo- nialista da sociedade brasileira. Assim, o roubo, mes- mo de uma bagatela - uma bicicleta, por exemplo-, recebe uma punição bem mais severa do que uma agressão física. Existe, pois uma evidente assincro- nia entre a constituição bastante avançada - do pon- to de vista dos seus princípios democráticos - e as práticas de processo criminal. No contexto de trabalho das equipes técnicas há uma diferença radical entre as pessoas que são criminalizadas, tendo em vista que tanto chegam para acompanhamento, aqueles que não possuem renda ou uma renda muito bai- xa, os quais passam pelas mais diversas privações e vulne- Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento44 rabilidades sociais e que apresentam muita dificuldade para cumprir as determinações judiciais, principalmente àquelas referentes ao pagamento de multas e prestações pecuniárias, quanto também são atendidas pessoas com altos rendimen- tos financeiros com todo um suporte de defesa técnica, e com condições de arcar com as sanções de ordem econômica sem maiores dificuldades. Essas diferenças não podem ser negligenciadas e o acompanhamento dos primeiros, deman- da maior atenção e articulação interinstitucional no que diz respeito ao acesso aos direitos. A prática profissional não deixa de ser desafiada coti- dianamente por concepções estigmatizantes em relação ao criminoso, por ideias de correção e retribuição, o que tem impactos sobre a demanda que é feita pelo Direito. Esta, na maioria das vezes, imprime foco na viabilização do cumpri- mento da pena, sem levar em conta a garantia de direitos, o que ocorre por meio das exigências de aumento do núme- ro de pessoas entrevistadas em detrimento do tempo gasto com escuta e acompanhamento. A leitura crítica do con- texto social, das concepções que atravessam a demanda e a afirmação de compromissos profissionais não podem dei- xar de compor de forma significativa e intensa o trabalho com as pessoas em cumprimento de pena. Quanto a este aspecto, destacamos dos princípios do Código de Ética dos Assistentes Sociais, o reconhecimento da liberdade como valor ético central e a defesa intransigente dos direitos hu- manos; e do Código de Ética Profissional da Psicóloga, o trabalho baseado no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. No que diz respeito à atuação profissional no período de isolamento social, algumas considerações de viés críti- co merecem ser traçadas. A pandemia de COVID-19 teve 45Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento um impacto significativo para os profissionais do serviço social e psicologia atuantes no Judiciário. Em evento on- line realizado pelo Sindjustiça - RJ no dia 04 de junho de 2020, “Ciclo de Debates Interdisciplinares em Tempos de Pandemia”, no qual estiveram presentes representantes do serviço social e da psicologia para reflexões sobre os limites e possibilidades do exercício profissional destas categorias no Poder Judiciário, uma grande preocupação destes traba- lhadores foi a estruturação do trabalho diante da situação de isolamento e a questão de como realizar avaliações por meio remoto, garantindo as condições éticas e técnicas da atuação profissional. Os desafios postos pela pandemia levaram inicial- mente ao isolamento e à suspensão total das atividades em fóruns e a adoção de trabalho remoto, levando em conta que estes trabalhadores obrigatoriamente se organizassem para dar conta da estrutura necessária para a realização das ativi- dades. Ter recursos de informática, acesso à rede mundial de computadores e articular as tarefas profissionais com o ser-viço doméstico e com a dinâmica familiar são os requisitos indispensáveis para tal. Além disso, pouco se considerou o desgaste emocional de quem, como todos, se encontra diante de um cenário mun- dial de ameaça de aniquilação por uma doença desconhecida e cujos efeitos não possuem um padrão que permita resposta adequada. Na sequência, a demanda por formas alternativas de atendimento ao público foram postas, principalmente na figura das videoconferências, utilizadas para a realização das audiências, que no contexto da pandemia, contaram com a presença dos profissionais da equipe técnica, bem como na requisição institucional pela realização de entrevistas por meio remoto para garantia do retorno ou do início da presta- ção de serviços comunitários pelas pessoas em cumprimento de penas e medidas alternativas. Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento46 Para estes últimos também foi pensada a possibili- dade de realização de trabalho remoto, no entanto, tal mo- dalidade de trabalho exige não só o conhecimento formal, adquirido no decorrer de anos de estudos (mesmo que até o Ensino Médio); mas habilidade no uso de mídias e de recur- sos digitais, bem como a existência dos mesmos recursos exigidos dos profissionais em teletrabalho. Ou seja, é ne- cessário que estes sujeitos possuam equipamentos eletrôni- cos e acesso à Internet. As pessoas em cumprimento de penas e medidas alter- nativas possuem, dentre as obrigações periódicas, a apresen- tação pessoal à vara para comprovar o cumprimento das pe- nas e, também, para atualizar os dados de contato e endereço. A partir do contexto da pandemia, estas sofreram alteração, sendo adotada a via digital para comprovação, o que acarre- tou dificuldades na medida em que não havia disponibiliza- ção de meios de contatos ágeis com os usuários do serviço. A preocupação maior, neste caso, se dirige àquelas pessoas idosas, ou mais pobres, cujo acesso à tecnologia é limitado. Neste sentido, já se percebem impactos importantes porque tais pessoas não possuem, por exemplo, endereço de correio eletrônico (e-mail) e, na impossibilidade de linhas de telefo- ne institucionais, as alternativas são reduzidas para tentar contatá-las, contribuindo para a morosidade dos contatos e obstaculizando o acompanhamento destas pela equipe técni- ca. Portanto, a exclusão digital é um elemento agravante na realidade do isolamento social e das alternativas pensadas para dar continuidade às rotinas institucionais. Além da exclusão digital, as questões técnicas e éti- cas que perpassam o fazer profissional de assistentes so- ciais e psicólogos são desafiados pela perspectiva de aten- dimentos remotos. Questiona-se como se garantir o direito dos usuários ao sigilo e como garantir as condições éticas e técnicas da entrevista. Além disso, como garantir que todos os usuários tenham acesso? 47Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento O trabalho da equipe técnica não se restringe às en- trevistas, elaboração de relatórios e encaminhamentos para cumprimento da pena, ele implica acompanhamento que se dá por meio de novos momentos de escuta além da en- trevista inicial, muitas vezes demandados pela pessoa em cumprimento por meio de contato telefônico direto com a equipe técnica, sendo este um meio de comunicação utiliza- do com frequência pelos usuários (pessoas em cumprimen- to de pena e instituições). No contexto pandêmico, houve uma interrupção brus- ca das atividades presenciais e o recurso telefônico deixou, por um período, de ser acessível para aqueles que cumprem penas, o que gerou preocupação na equipe, tendo em vis- ta a hipótese de que a preocupação com o cumprimento da pena, o medo da conversão em prisão seriam um acréscimo nas preocupações e dificuldades geradas pela pandemia. Por esse motivo os profissionais tiveram como uma das prin- cipais ações a solicitação do resgate dos meios de contato com os usuários, o que foi resgatado, parcialmente, ao lon- go da situação de isolamento social, possibilitando a escuta e o acolhimento das preocupações e dúvidas em relação ao cumprimento da pena. Outro fator importante foi o acom- panhamento das recomendações dos respectivos conselhos profissionais no enfrentamento dos desafios impostos pela necessidade de interrupção do trabalho presencial. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da apresentação das questões postas pelo isolamento provocado pela pandemia COVID-19, buscou- se apresentar os desafios postos para as equipes interdisci- plinares que atuam no Poder Judiciário Federal. O ponto de partida é a experiência e o acúmulo de conhecimento pro- duzido no decorrer da atuação técnica, que foi construída em articulação com o espaço acadêmico. O contexto atual Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento48 apresenta elementos que reforçam questões antigas e apre- sentam novos desafios no fazer das equipes compostas por assistentes sociais e psicólogos. Estes desafios mobilizaram as instituições de fiscalização do exercício profissional a pensarem a questão e, no Rio de Janeiro, o Conselho Regio- nal de Serviço Social, criou grupo de trabalho para mapear as demandas e ações implementadas pelas instituições do campo sociojurídico. Tanto para psicólogos, quanto para os assistentes sociais do Poder Judiciário, a perspectiva de entrevistas por videoconferência é contraditória: ao tempo em que pode proporcionar a continuidade do trabalho com a população usuária que consegue o acesso a este meio, por outro lado, pode acarretar prejuízo quanto à garantia do sigilo e em algumas áreas, como as que tratam das questões de violência doméstica e área criminal, entende-se que há um prejuízo pela falta do contato presencial. Tanto para a Psicologia, quanto para o Serviço Social a garantia do sigilo e a qualidade dos serviços prestados são fundamentais, conforme preconizado em seus Códigos de Ética e nas regulamentações profissionais, o que é causa de preocupação frente à possibilidade da entrevista remota em um espaço em que não é o da clínica ou o da garantia de acesso a políticas e benefícios, visto que a maioria das entre- vistas são derivadas de determinação judicial, variável im- portante que exige maior cuidado por parte do profissional. Quanto ao Conselho de Psicologia, vários recursos foram criados no sentido de orientar a categoria e, no que tange ao exercício da profissão no judiciário foi elaborado o Ofício Circular 63/202 de 11 de maio de 2020 que aponta, dentre outros fatores, a importância de: reconhecer peculiaridades e limites da atuação pro- fissional em serviços cuja qualidade pode ser preju- dicada pela modalidade de atendimento psicológico remoto, como é o caso da psicóloga que atua no Po- 49Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento der Judiciário e é comumente acionada para emitir laudos decorrentes de avaliação psicológica em pro- cessos judiciais. Esses têm sido recursos fundamentais para os psicó- logos do campo sociojurídico, como referência para nossas ações nesse período de maiores dificuldades. No tocante às relações interpessoais no trabalho, houve potencialização dos embates na medida em que nem sempre as instâncias institucionais conseguem perceber as especificidades do trabalho técnico e, o senso comum de que assistentes sociais e psicólogos centram seu trabalho na realização de entrevistas, acaba por encobrir uma série de ações que ultrapassam em muito a entrevista prévia para a sugestão de instituições para a prestação de serviços co- munitários. A articulação com a rede de serviços e políticas foi seriamente afetada, já que estas instituições também fo- ram seriamente impactadas com a pandemia. Assim, houve comprometimento dos encaminhamentos para acesso a es- tas instituições. Além disso, a suspensão do pagamento de prestações pecuniárias durante o período acabou afetando em alguma medida os serviços de assistência prestados por instituições que mantiveram atividades emergenciais paraatender a população neste momento. Assim, entre a “luta” para garantir o espaço de escuta e o desafio de implementar a entrevista à distância, as questões da ação de assistentes sociais e psicólogos vão se multiplican- do de forma complexa e cumulativa, tal como a realidade con- temporânea no contexto neoliberal. O desafio principal conti- nua o mesmo, garantir e viabilizar espaços de escuta, o acesso a direitos e preservar, conforme os códigos de ética profissio- nal, o respeito e a dignidade da pessoa humana. Um desafio majorado quando falamos de pessoas envolvidas em situações processuais marcadas pelo signo do crime. Direitos Humanos, Interseccionalidade e Isolamento50 REFERÊNCIAS ADORNO, T, W; HORKHEIMER, M. A dialética do esclareci- mento, Zahar, Rio de Janeiro, 2006. ARANTES, Ester. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação. Anotações sobre o mal estar. Disponível em http://www.crprj.org.br/documentos/ 2007capítulo-esther-arantes.pdf Consulta realizada em 23 de junho de 2012. 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