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Biopolítica segundo Foucault e Agamben

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BIOPOLÍTICA SEGUNDO FOUCAULT E AGAMBEN 
ANDERSON ALVES ESTEVES∗ 
 
RESUMO: O objeto deste artigo é o conceito de biopolítica, elaborado por 
Michel Foucault, e trabalhado, posteriormente, por Giorgio Agamben, que o 
transformou em tanatopolítica. No primeiro filósofo, a biopolítica foi pensada em 
compasso com o poder sobre o indivíduo (disciplinarização) e sob o contexto 
da história da sexualidade; no segundo, em compasso com o estado de 
exceção como a regra da Modernidade. Em ambos, o conceito concerne ao 
domínio sobre a população. 
PALAVRAS-CHAVES : Biopolítica - Disciplinarização-Tanatopolítica - Estado 
de Exceção 
ABSTRACT : The aim of this article is the conception of the Biopolitcs, written 
by Michel Foucault, and afterwards worked by Giorgio Agamben, who 
transformed it to Thanathpolitics. The previous philosopher thought about 
Biopolitics as the power on an individual discipline and about the history of 
sexuality; the latter philosopher, together with the state of exception as the rule 
of Modernity. Both, the conception concerns to the domination on the whole 
people. 
KEYWORDS: Biopolitics - Disciplining-Tanatopolitic -State of Exception 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
∗
 Mestrando em Filosofia (PUC-SP), especialista em Sociologia (FESPSP), bacharel em Filosofia (USP) e 
em Ciências Sociais (FSA), professor da Faculdade Interação Americana, autor de material didático em 
Filosofia e de artigos científicos. 
INTRODUÇÃO 
 
 Em Vontade de saber, fazendo uma história da sexualidade, Foucault iniciou 
o que se convencionou chamar de biopolítica: a sexualidade não foi vista por 
ele pela lógica da repressão, como tradicionalmente vinha acontecendo em 
muitos autores. Foucault notou que, no período abordado por ele (a partir do 
século XVII), houve também períodos de afrouxamento da repressão, em 
especial no século XX – toleram-se relações pré-nupciais, desqualifica-se o 
perverso, eliminam-se tabus acerca da sexualidade infantil. A história da 
sexualidade trabalhada por Foucault segue a lógica das técnicas – este 
trabalho se inicia com um acompanhamento dos capítulos IV e V de Vontade 
de saber e, em seguida, explora as primeira e última aulas de Em defesa da 
sociedade, textos fundamentais para a idéia de biopolítica em Foucault e que, 
neste último texto, a partir da idéia de poder como uma relação de forças em 
conflito, há a desqualificação do poder de soberania sobre a vida e a morte dos 
indivíduos. Cresce, ao mesmo tempo, as técnicas de poder sobre o indivíduo 
(disciplinarização) e sobre a população (biopolítica). 
 Na trilogia Homo sacer, de Agamben, a intersecção entre o biopolítico e o 
jurídico e a implicação da vida nua na esfera política são trabalhadas pelo autor 
de maneira nova, fazendo parte desta nova abordagem sobre biopolítica, 
também, um conceito de soberania que decorre do pensamento de Schmitt e a 
idéia do estado de exceção como uma regra da Modernidade, permitindo a 
Agamben alcançar as idéias de campo como o paradigma de governo na 
política contemporânea, a permanência do estado de exceção e a biopolítica 
transformando-se em tanatopolítica. Todos estes conceitos são expostos neste 
artigo na medida em que a exposição sobre a argumentação de Agamben é 
realizada. 
 
FOUCAULT 
 Em Vontade de saber, Foucault diagnosticou um movimento na história da 
sexualidade moderna que teve seu ponto de partida na repressão, mas com 
um itinerário que encaminhou-se, com o tempo, para o abrandamento: na 
Reforma e na Contra-Reforma, por exemplo, a concupiscência foi introduzida 
no discurso religioso a partir de técnicas elaboradas desde o século XVI. No 
mesmo espírito de inclusão da sexualidade na esfera discursiva, o século XVIII 
trouxera uma tecnologia de sexo inteiramente nova e independente do 
procedimento eclesiástico: a pedagogia encarregou-se das crianças, a 
medicina da fisiologia feminina, a economia da demografia – além do sexo 
tornar-se uma questão leiga, tornou-se também questão para o Estado. Na 
passagem do século XVIII para o século XIX, o sexo foi tomado como questão 
da instituição médica e de patologia, tanto que, dentro da Medicina, uma parte 
da mesma dedicou-se especificamente ao sexo, separando-se da Medicina 
geral do corpo. Trata-se de um projeto médico e também de um projeto político: 
ocorre uma gestão estatal de casamentos, nascimentos e sobrevivências: 
“A medicina das perversões e os programas de eugenia foram, na 
tecnologia do sexo, as duas grandes inovações da segunda metade 
do século XIX”1. 
 O núcleo sólido das novas tecnologias do sexo foi o conjunto perversão-
hereditariedade-degenerescência, cuja crença era a o repouso da perversão 
sexual em uma hereditariedade carregada de doenças; tal crença apregoava, 
ainda, que havia um esgotamento da descendência destas pessoas por conta 
de raquitismo e esterilidade das gerações futuras. Foi o exagero desta prática 
social de tecnologia do sexo que deu ensejo ao racismo de Estado. Com a 
Psicanálise, mais uma tecnologia que tratou do sexo, no fim do século XIX, o 
sistema de degenerescência foi rompido – a Psicanálise libertou-se e se opôs à 
hereditariedade, ao racismo e à eugenia. 
 Seja como inclusão da concupiscência no discurso; seja como pedagogia, 
como medicina ou como economia; seja como teoria da degenerescência ou 
como Psicanálise, a história da sexualidade moderna não combina, segundo 
Foucault, com a hipótese repressiva, já que, na Modernidade, por todas as 
tecnologias do sexo acima expostas, houve um afrouxamento da repressão. 
Nas palavras de Foucault: 
“A genealogia de todas estas técnicas com suas mutações, seus 
deslocamentos, suas continuidades e rupturas, não coincide com a 
hipótese de uma grande fase repressiva inaugurada durante a época 
clássica e em vias de encerrar-se, lentamente, no decorrer do século 
XX. Houve, ao contrário, inventividade perpétua, produção constante 
de métodos e procedimentos, com dois momentos particularmente 
fecundos nessa história prolífica: por volta da metade do século XVI, o 
desenvolvimento dos processos de direção e de exame de 
consciência; no início do século XIX, o aparecimento das tecnologias 
médicas do sexo”2. 
 Em seu curso no Collège de France, Em defesa da sociedade, Foucault 
também desvinculou a idéia de poder da hipótese repressiva: a idéia de poder 
não é uma dedução da economia, como ocorre tanto com a concepção jurídica 
como com a concepção marxista, o poder seria, na primeira, um bem que se 
poderia transferir ou alienar, e seria, na segunda, a manutenção das relações 
de produção e do domínio da classe social que se apropriou das forças 
produtivas – em ambas as concepções, a política decorre da economia, já que 
o modelo dessas concepções é a troca e a circulação de bens, em um caso, e 
 
1 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução de Maria 
Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque, Rio de Janeiro: Edições Graal, 3° 
edição, 1980, p. 112. 
2 Op. Cit., p. 113. 
uma funcionalidade econômica, em outra. Isto é, Foucault está libertando a 
idéia de poder do enclausuramento econômico e deslocando sua pesquisa 
para a idéia de poder como relação de força. Mas não como uma força 
repressora ou como uma guerra contínua. A refutação da fundamentação do 
poder na economia e na repressão, libera o pensamento de Foucault de dois 
sistemas: 
“Um que seria o velho sistema que vocês encontram nos filósofos do 
século XVIII, se articula em torno do poder como direito original que 
se cede, constitutivo da soberania, e tendo o contrato como matriz 
do poder político. E haveria o risco de esse poder assim constituído, 
quando ultrapassa a si mesmo, ou seja, quando vai além dos 
próprios termos do contrato, tornar-se opressão. Poder-contrato, 
tendo como limite, ou melhor, como ultrapassagem do limite, a 
opressão.E vocês teriam o outro sistema que tentaria, pelo 
contrário, analisar o poder político não mais de acordo com o 
esquema contrato-opressão, mas de acordo com o esquema guerra-
repressão. E, neste momento, a repressão não é o que era a 
opressão em relação ao contrato, ou seja, um abuso, mas, ao 
contrário, o simples efeito e o simples prosseguimento de uma 
relação de dominação. A repressão nada mais seria que o emprego, 
no interior dessa pseudopaz solapada por uma guerra contínua, de 
uma relação de força perpétua. Portanto, dois esquemas de análise 
do poder; o esquema jurídico, e o esquema guerra-opressão, ou 
dominação-repressão, no qual a oposição pertinente não é a do 
legítimo e do ilegítimo, como no esquema precedente, mas a 
oposição entre luta e submissão”3. 
 As pesquisas de Foucault apontavam em outra direção: as histórias da 
sexualidade, do direito penal e do poder psiquiátrico ofereceram fragmentos 
que expressavam a eficácia das ofensivas dispersas e descontínuas que 
criticavam as práticas, os discursos, as coisas e as próprias instituições 
estudas por Foucault, deslocando a pesquisa das teorias totalitárias (globais, 
envolventes) para pesquisas locais. Ademais, estas críticas locais promoveram 
uma reviravolta dos saberes, uma insurreição de saberes que estavam 
sujeitados: saberes historicamente sepultados pelos conjuntos funcionais e 
sistemáticos de análise foram recuperados por Foucault, saberes anteriormente 
desqualificados e não reconhecidos por padrões de cientificidade também 
passaram a ter recepção por parte dele. Sem a tutela dos discursos 
englobadores, Foucault realizou, então, uma genealogia que aclopou as 
críticas locais aos saberes desqualificados e que ofereceu uma sabedoria 
sobre as lutas e as memórias dos combates (que a ciência centralizadora não 
oferece) – a genealogia pôde fazer intervir os discursos antes desconsiderados 
pelos esquemas totalitários. 
 É este o procedimento genealógico, exemplificado aqui com a periodização 
da sexualidade, que ajudou Foucault a formar o conceito de biopolítica: a 
periodização da sexualidade expressa, concomitantemente, a lógica das 
 
3 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). 
Tradução de Maria Ermantina Galvão, São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 24. 
técnicas que ela segue e a hegemonia que a burguesia construiu: para 
Foucault, as tecnologias do sexo maximizam a vida, atribuem longevidade a ela 
e tentam impedir patologias nos descendentes, distribui os prazeres e os 
discursos de maneira que contrariam a hipótese repressiva. A burguesia 
investiu consideravelmente em um instrumento que lhe oferecia saúde futura, 
uma higiene, uma descendência que marcava a distinção de classe (não mais 
pelo sangue, como a aristocracia o fizera, mas pelo sexo, a partir de preceitos 
biológicos, médicos e eugênicos) a partir de substrato biológico 
(autossexualização). A burguesia não castrou a sexualidade, ela criou 
dispositivos que expandiram a força infinitamente, lhe ofereceram vida e saúde, 
garantiram a perenidade. Trata-se de um agenciamento político sobre a vida 
constituída por dispositivos de sexualidade diagnosticados por Foucault na sua 
analítica do poder. 
 Aproximando-se mais ainda da idéia de biopolítica, Foucault aborda as 
mudanças no direito de morte e o poder sobre a vida no último capítulo de 
Vontade de saber: o primeiro momento foi o privilégio que o soberano teve 
sobre o direito de vida e morte de seus submetidos, que o pai de família 
romano tem sobre seus filhos e escravos. O segundo momento foi o exposto 
pelos teóricos clássicos: o direito de vida e morte foi atenuado na medida em 
que deixou de ser a forma principal de ação do soberano; Foucault considerou 
que, concomitante à perda da primazia do confisco, houve a incitação, o 
reforço, o controle, a vigilância, a majoração e a organização das forças 
submetidas. O poder de morte apresenta-se, a partir de tal situação, como 
complemento e como situação-limite do poder de majoração e exercício sobre 
a vida. Neste espírito, o princípio de poder matar para viver tornou-se a 
estratégia dos Estados nacionais e deslocou a existência para uma questão 
biológica, não para uma questão jurídica: 1) o genocídio tornou-se uma 
questão de poder exercido sobre a vida, a espécie, a raça, isto é, dos 
fenômenos de toda uma população; 2) a pena de morte foi dificultada na 
medida em que a gestão sobre a vida se multiplicou eficazmente. Estes dois 
casos mostram a importância da idéia de biopolítica em Foucault: ela expressa 
um contexto no qual declina o poder de causar a morte e ascende o poder de 
causar a vida, no qual desqualifica-se a morte e fixa o poder sobre a gestão da 
vida. 
 Os séculos XVII e XVIII são os marcos identificados por Foucault em que o 
poder sobre a vida desenvolve-se a ponto de deslocar a questão da existência 
dos termos jurídicos para termos biológicos, fazendo do corpo do indivíduo 
uma máquina e do corpo da espécie um alvo de intervenção e controle 
populacional. Dois momentos, dois pólos que seguem as características 
abaixo: 
“(...) Um dos pólos, o primeiro a ser formado, ao que parece, centrou-
se no corpo como máquina: no seu adestramento, na ampliação de 
suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento paralelo 
de sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de 
controle eficazes e econômicos – tudo isso assegurado por 
procedimentos de poder que caracterizam as disciplinas: anátomo-
política do corpo humano. O segundo, que se formou um pouco mais 
tarde, por volta da metade do século XVIII, centrou-se no corpo-
espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como 
suporte dos processos biológicos: a proliferação, os nascimentos e a 
mortalidade, o nível de saúde, a duração da vida, a longevidade, com 
todas as condições que podem fazê-los variar; tais processos são 
assumidos mediante toda uma série de intervenções e controles 
reguladores: uma biopolítica da população. As disciplinas do corpo e 
as regulações da população constituem dois pólos em torno dos 
quais se desenvolveu a organização do poder sobre a vida. A 
instalação – durante a época clássica, desta grande tecnologia de 
duas faces – anatômica e biológica, individualizante e especificante, 
voltada para os desempenhos do corpo e encarando os processos da 
vida – caracteriza um poder cuja função mais elevada já não é mais 
matar, mas investir sobre a vida, de cima para baixo”4. 
 Esta administração dos corpos e esta gestão calculista sobre a vida, 
próprias à era clássica, na qual as disciplinas se desenvolvem, é o que 
Foucault chama de era do biopoder: em uma direção, o biopoder disciplina os 
corpos, tal como as instituições exército e escola fazem com os submetidos a 
eles; em outra direção, o biopoder regula a população a partir da demografia, 
da tabulação das riquezas e da circulação, da estimativa. Em ambas as 
direções, não antitéticas, a sexualidade é um dispositivo importante para a 
coordenação das duas técnicas – daí toda a importância que Foucault atribui a 
uma história da sexualidade. 
 Era clássica, era do biopoder, capitalismo: fenômenos históricos que não se 
separam no pensamento de Foucault – biopoder é um elemento sem o qual o 
próprio desenvolvimento capitalista não abre mão na medida em que se faz 
mister um controle dos corpos no aparelho de produção e um ajustamento dos 
fenômenos populacionais aos processos econômicos. Há exigência de 
crescimento da produção em compasso com a utilidade e docilidade dos 
corpos e, assim, métodos de majoração das forças e da vida são executados 
para que o desempenho econômico seja eficaz, extraindo dos corpos o máximo 
de tempo e de trabalho e mantendo-os sob perene vigilância – anatomia, 
biopolítica e capitalismo não se desarticulam5. Esta dinâmica torna a vida alvo 
de um imprescindível controle de saber e de poder: ela torna-seobjeto de 
cálculos explícitos e entra definitivamente para a história no sentido de ser o 
destino de técnicas políticas específicas de saber e de poder: os seres vivos 
são distribuídos nos domínios do valor e da utilidade – esta sociedades que 
construiu constituições, a partir do século XVIII, que normalizam a vida é uma 
 
4 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. Op. Cit., p. 131. 
5 “(...) Esse novo tipo de poder, que já não é, pois, de modo algum transcritível nos termos de 
soberania, é, acho eu, uma das grandes invenções da sociedade burguesa. Ele foi um dos 
instrumentos fundamentais da implantação do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que 
lhe é correlativo. Esse poder não soberano, alheio portanto à forma da soberania, é o poder 
‘disciplinar’” (FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-
1976). Tradução de Maria Ermantina Galvão, São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 43). 
sociedade, segundo Foucault, normalizadora, “efeito histórico de uma 
tecnologia de poder centrada na vida”6. 
 Na esteira desta época do biopoder, a sexualidade é um dispositivo que 
recebe um veemente investimento, já que ela relaciona-se tanto sobre a 
disciplinarização dos corpos como na regulação das populações (articula 
disciplina e biopolítica, serve como matriz das disciplinas e como regulação da 
vida populacional – a explosão discursiva ocorrida na era clássica não foi 
gratuita, como já foi tratado). Na era anterior a do biopoder, o sangue constitui 
um elemento pelo qual os mecanismos de poder atuam (simbólica do sangue); 
com o biopoder, os mecanismos de poder deslocam-se para o sexo, já que 
dirigem-se ao corpo e à vida (analítica do sexo). O cuidado que Foucault toma, 
também, é o de mostrar que a simbólica do sangue e a analítica do poder não 
se sucedem, mas se justapõem: há uma obsessão com o sangue e a lei por 
parte da gestão da sexualidade. A segunda metade do século XIX produziu um 
racismo estatal e biologizante com políticas de povoamento, de família, de 
casamento, de educação, de hierarquização social, de propriedade, de 
conduta, de saúde – tudo para a proteção e para depuração do sangue, para 
triunfar a raça, tal como o nazismo pretendeu. Para a sexualidade encontrar-se 
escrita no sistema da lei, a Psicanálise esforçou-se para contemplá-la a partir 
das leis da aliança, da consangüinidade interdita, do Pai-soberano. Seja como 
obsessão com o sangue, seja como obsessão com a lei, “o dispositivo de 
sexualidade deve ser pensado a partir das técnicas de poder que lhe são 
contemporâneas”7. 
 
 Na última aula do curso Em defesa da sociedade, Foucault também 
articulou os conceitos que refutam a idéia de poder como repressão com a 
formação do conceito de biopolítica. Ademais, o curso também conta com a 
exposição da desqualificação da idéia de poder soberano sobre a vida e a 
morte dos indivíduos: cada vez mais a morte é uma intervenção que se torna 
encerrada como situação-limite, cada vez mais é colocada fora das relações de 
poder. 
 Compreendendo o poder como uma relação de forças em conflito, como 
uma guerra8, Foucault notou que os processos históricos nos quais esta 
relação se insere tem a vida, a partir dos séculos XVIII e XIX, como objeto do 
poder, como estatizada. Ao contrário da teoria clássica da soberania, que 
coloca a vida e a morte em poder do soberano, um novo direito político 
constituído no século XIX, caracteriza-se muito mais em “fazer viver e de deixar 
morrer”9: o fim da vida, antes um recurso inicial e ritualizado, agora é evitado – 
a teoria clássica da soberania tornou-se inoperante para organizar a vida no 
contexto de uma sociedade em explosão demográfica e industrializada. Fez-se 
mister outra mecânica de poder: 
 
6 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. Op. Cit., p. 135. 
7 Op. Cit., p. 141. 
8 Na aula de 21 de janeiro de Em defesa da sociedade, na qual Foucault fundamenta a política 
na guerra: esta é uma relação social permanente entre sujeitos que ocupam lugares próprios e 
se engajam na defesa de seus interesses e no contexto histórico em que se encontram. 
9 FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade, Op. Cit., p. 287. 
“(...) Agora que o poder é cada vez menos o direito de fazer morrer e 
cada vez mais o direito de intervir para fazer viver, e na maneira de 
viver, e no ‘como’ da vida, a partir do momento em que, portanto, o 
poder intervém sobretudo nesse nível para aumentar a vida, para 
controlar seus acidentes, sua eventualidades, suas deficiências, daí 
por diante a morte, como termo da vida, é evidentemente o termo, o 
limite e extremidade do poder. Ela está do lado de fora, em relação 
ao poder: é o que cai fora de seu domínio, e sobre o que o poder só 
terá domínio de modo geral, global, estatístico. Isso sobre o que o 
poder tem domínio não é a morte, é mortalidade. E nessa medida, é 
normal que a morte, agora, passe para o âmbito do privado e do que 
há de mais privado”10. 
 É esta nova mecânica de poder que interessa entender, ela ocorre no 
âmbito das técnicas de poder e não no âmbito da teoria política. Em um nível, 
há a técnica orgânico-institucional, centrada no corpo dos indivíduos, 
distribuindo-os, organizando-os, exercitando-os, treinando-os, tornando-os 
úteis, docilizando-os e para que os indivíduos fossem racionalizados dessa 
forma, são vigiados, hierarquizados, disciplinados – processo que ocorre desde 
o final do século XVII. Em outro nível, uma tecnologia de poder biológico-
estatal que se remete a uma escala não individualizante, mas à “espécie”, à 
“multiplicidade”, à “massa global”11 e, assim, ocupa-se do nascimento, da 
morte, da produção, da doença do homem como espécie. Esta tecnologia 
própria ao nível da espécie foi denominada por Foucault de biopolítica: 
interessa a ela a natalidade, a longevidade, a reprodução, a mortalidade e, 
assim, as técnicas de controle enveredam, agora, pela medição, pela 
estatística, em suma, por um saber-poder sobre a vida. Biopolítica não significa 
fazer o mesmo que, por exemplo, fizeram os tratamentos das epidemias 
durante a Idade Média. Significa tomar a vida como um problema no quadro de 
uma endemia: as doenças são tratadas como algo permanente na espécie e 
que prejudicam a força da população, o tempo de trabalho, aumenta os custos 
econômicos – um permanente risco de morte exige uma permanente 
mobilização pela vida – “um poder contínuo, científico, que é o poder de ‘fazer 
viver’”12. Tal empreendimento medicalizou toda a população, deu ensejo à 
higiene pública, centralizou informações, instituiu serviços de assistência à 
velhice, aos acidentes, às enfermidades, racionalizou a seguridade, pensou os 
problemas que o meio geográfico representa à população (os problemas de 
viver em cidades, por exemplo). 
 Para Foucault, o campo da intervenção de poder específico da biopolítica, 
assim, produziu, concomitantemente, um saber específico para ela, além de ter 
produzido também novidades importantes. A primeira foi a novidade de uma 
nova personagem entrar em cena na vida política: se a biopolítica toma a 
população como objeto, e não apenas o indivíduo, ela se torna importante 
política e cientificamente – o biológico é alvo do Estado. Na esteira deste 
 
10 Op. Cit., pp. 295-296. 
11 Op. Cit., p. 289. 
12 Op. Cit., p. 294. 
primeiro processo, um segundo também torna-se importante: tratam-se de 
fenômenos coletivos, de âmbito da massa e cujo resultado político e econômico 
importam muito. Para dar conta destes fenômenos, é importante também o 
modo de abordá-los, isto é, tornam-se importantes as tecnologia peculiares à 
biopolítica: previsões, estimativas estatísticas, medições globais para intervir 
em fenômenos globais; por exemplo, estimulando a natalidade e baixando a 
morbidade para “fixar um equilíbrio, manter umamédia, estabelecer uma 
espécie de homeóstase, assegurar compensações”13. Não se trata, em 
biopolítica, de disciplinarização de um indivíduo, mas de uma regulamentação 
da vida da população: o primeiro nível das técnicas de poder tem um objeto e o 
segundo, outro. 
 O objeto específico desta regulamentação é vida da população, a 
tecnologia de poder tem como objetivo controlar os eventos que se dirigem à 
massa da população, deixando para o outro nível de tecnologia o treinamento 
individual e concentrando-se no equilíbrio global, na segurança diante dos 
perigos internos naquilo que concerne aos processos biológicos das massas14. 
A sexualidade, neste aspecto, é de suma importância, já que é alvo tanto da 
disciplinarização (controle da masturbação por parte da família e da escola, por 
exemplo) como da regulamentação (interessa para a procriação). Destarte, a 
sexualidade encontra-se em uma “encruzilhada do corpo e da população”15 
cuja importância remete-se ao organismo individual e ao fenômeno global; por 
isso, a medicina remete-se às conseqüências nestas duas séries – a 
masturbação em exagero é punida em uma criança, a sexualidade devassa 
atravessa e perturba gerações (teoria da degenerescência). Como interessa ao 
orgânico e ao biológico, a sexualidade é objeto de intervenção política por um 
saber-poder, a medicina, que a disciplina e a regulamenta. 
 Isto é, a sexualidade é um elemento que circula entre as duas séries e, 
assim, Foucault considera que ela é objeto de “normalização”: 
 
13 Op. Cit., p. 293. 
14 Foucault considera que há duas séries de técnicas de poder, uma disciplinar, de âmbito 
individual, e outra regulamentadora, de âmbito populacional; elas se sobrepõe ao invés de se 
antagonizarem, se articulam ao invés de se excluírem: “(...) A série corpo – organismo – 
disciplina – instituições; e a série população – processos biológicos – mecanismo 
regulamentadores – Estado. Um conjunto orgânico institucional: a organo-disciplina da 
instituição, se vocês quiserem, e, de outro lado, um conjunto biológico e estatal: a bio-
regulamentação pelo Estado. Não quero fazer essa oposição entre Estado e instituição aturar 
no absoluto, porque as disciplinas sempre tendem, de fato, a ultrapassar o âmbito institucional 
e local em que são consideradas. E, depois, elas adquirem facilmente uma dimensão estatal 
em certos aparelhos como a polícia, por exemplo, que e a um só tempo um aparelho de 
disciplina e um aparelho de Estado (o que prova que a disciplina nem sempre é institucional). 
E, da mesma forma, essas grandes regulações globais que proliferam ao longo do século XIX, 
nós as encontramos, é claro, no nível estatal,, mas também abaixo do nível estatal, com toda 
uma série de instituições subestatais, como as instituições médicas, as caixas de auxílio, os 
seguros etc”. Op. Cit., pp. 298-299. 
15 Op. Cit., p. 300. 
“(...) A norma é o que pode tanto se aplicar a um corpo que se quer 
disciplinar quanto a uma população que se quer regulamentar. (...) A 
sociedade de normalização é uma sociedade em que se cruzam, 
conforme uma articulação ortogonal, a norma da disciplina e a norma 
da regulamentação. Dizer que o poder, no século XIX, tomou posse 
da vida, dizer pelo menos que o poder, no século XIX, incumbiu-se 
da vida, é dizer que ele conseguiu cobrir toda a superfície que se 
estende do orgânico ao biológico, do corpo à população, mediante o 
jogo duplo das tecnologias de disciplina, de uma parte, e das 
tecnologias de regulamentação, de outra”16. 
 Esta sociedade de normalização, então, encontra-se em um paradoxo, 
segundo Foucault: de um lado, a morte é desqualificada e o poder de 
soberania recua consideravelmente, já que a biopolítica avança sem cessar, de 
outro, a morte quando desejada pelo poder é exercida por ele apesar desta 
biopolítica. Para Foucault, as sociedades regulamentadoras resolveram o 
paradoxo pela mediação do racismo, pela estatização dele: por ele, há o divisor 
de águas entre o que deve viver e o que deve morrer; a distinção, qualificação 
e hierarquização das raças, atribuindo vida a algumas (majorando-as) e morte 
a outras; matar a raça “inferior” para garantir a vida, a saúde, a pureza da raça 
superior, dando segurança biológica para esta: 
“(...) A morte do outro não é simplesmente a minha vida, na medida 
em que seria minha segurança pessoal, a morte do outro, (a morte 
da raça ruim, da raça inferior ou do degenerado, ou do anormal) é o 
que vai deixar a vida em geral mais sadia e mais pura. Portanto, 
relação não militar, guerreira ou política, mas relação biológica”17. 
Pelo racismo, nota-se, a sociedade normalizadora aceita retirar a vida, apesar 
da biopolítica que caracteriza esta sociedade. E mais, biopolítca e racismo não 
se excluem neste aspecto, este é a “condição”18 para que o Estado exerça o 
direito de matar; afinal, em compasso com o racismo, Foucault lembra que 
ocorreram a colonização e o evolucionismo. Pelo racismo, lembra também, 
populações são expostas a uma guerra permanente: é preciso eliminar o 
adversário política e biologicamente, garantindo a própria segurança e a 
regeneração de um ponto de vista biológico – articula-se o direito de morte (de 
uns) com a proteção à vida (de outros), a função de morte com a economia do 
biopoder, a eliminação e a purificação das raças. 
 A abordagem que Foucault, neste aspecto, faz do nazismo é esclarecedora 
para a biopolítica: trata-se de um estado que combina assassinato, racismo, 
disciplina e regulamentação biológica: 
“(...) Poder disciplinar, biopoder: tudo isso percorreu, sustentou a 
muque a sociedade nazista (assunção do biológico, da procriação, 
da hereditariedade; assunção também da doença, dos acidentes). 
Não há sociedade a um só tempo mais disciplinar e mais 
 
16 Op. Cit., p. 302. 
17 Op. Cit., p. 305. 
18 Op. Cit., p. 306. 
previdenciária do que a que foi implantada, ou em todo caso 
projetada, pelos nazistas”19. 
Ao mesmo tempo, o nazismo desencadeou o direito de morte. Mas, ao declarar 
a guerra e ao assassinar o inimigo, expôs-se, concomitantemente, a própria 
raça ao perigo da morte – o risco de morte e a obediência caracterizaram a 
política nazista de exposição da população à morte, garantindo para esta a 
constituição de si mesma como raça “superior” e a possibilidade da 
regeneração perante às raças “inferiores”. Em outros termos, o nazismo 
generalizou tanto a biopolítica como o direito soberano de matar. 
 
 
 
AGAMBEN 
 
 Na introdução de Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I, Agamben 
situou conceitualmente o leitor dos seus textos a partir de dois momentos 
históricos no Ocidente: segundo ele, os gregos usavam dois termos para 
referirem-se à vida – zoé como um viver comum a todos os seres humanos e 
bíos como uma forma própria de viver concernente a um indivíduo ou a um 
grupo, isto é, uma vida qualificada, particularizada. A vida natural, portanto, 
entre os gregos, enquadra-se como zoé e é excluída da polis: o homem da 
polis não é aquele que limita a vida à reprodução, é o homem da política cujo 
sentido é viver segundo o bem. O segundo momento considerado por 
Agamben é a Idade Moderna: nela a vida natural começa a ser incluída nos 
mecanismos de poder estatal, trazendo a zoé para a esfera da política, 
expandindo a noção de política para biopolítica e trazendo consigo um controle 
disciplinar e uma série de tecnologias de poder para docilizar os corpos das 
pessoas, comenta Agamben a partir da produção foucaultiana: ocorre uma 
crescente implicação da vida natural do homem nos mecanismos e nos 
cálculos do poder. Outra referência citada por Agamben para demarcar a 
especificidade do período moderno foi a obra de Hannah Arendt: ela trabalhara 
o modo como a vida biológica ocupou o centro da cena política na 
Modernidade, fazendo declinar o espaço público neste período. 
 Foucaultinvestigara o poder por duas diretrizes, segundo Agamben, sendo 
que a primeira constituiu-se do estudo das técnicas políticas pelas quais o 
Estado assume e integra a vida natural dos indivíduos, já a segunda constituiu-
se do estudo das tecnologias do eu nas quais a subjetivação vincula a 
identidade e a consciência do indivíduo ao poder de controle externo a ele. 
 
19 Op. Cit., p. 309. 
Agamben deseja encontrar uma convergência de toque entre estes dois pontos 
de individualização e totalização: 
“(...) É possível, em um âmbito tão decisivo, contentar-se com 
explicações psicológicas, como aquela ainda que não desprovida de 
sugestões, que estabelece um paralelismo entre neuroses externas 
e neuroses internas? E diante de fenômenos como o poder 
midiático-espetacular, que está hoje por toda parte transformando o 
espaço público, é legítimo ou até mesmo possível manter distintas 
tecnologias subjetivas e técnicas políticas?20” 
Diante destas candentes questões, Agamben definiu com clareza seu objeto no 
livro: trata-se de investigar a intersecção entre o que é jurídico-institucional e o 
que é biopolítico e não separar estes dois âmbitos um do outro. Trata-se, 
ainda, de mostrar as implicações da vida nua na esfera política como “núcleo 
originário do poder soberano”21, de mostrar como a contribuição original do 
poder soberano foi o corpo biopolítico – a vida nua entra na política a partir de 
uma qualificação, de uma mediação. 
 O que torna necessário explicar é a relação entre política e vida nua no 
Ocidente, cuja característica é a exclusão da segunda pela primeira, a 
politização da vida nua, absorvendo esta na política e, portanto, a 
categorização política da Modernidade reside em uma zoé-bíos, exclusão-
inclusão22. Assim, Agamben marca seu ponto de distinção tanto de Aristóteles 
como de Foucault: 
 
20 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Tradução de 
Henrique Burigo, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002, p. 14. 
 
21 Op. Cit., p. 14. 
22 A imagem que Agamben busca para esta situação é a do homo sacer: trata-se daquele que, 
no direito romano arcaico, fora incluído porque fora, anteriormente, excluído da sociedade de 
algum modo, aquele que fora condenado pelo Estado e encontrava-se exposto a ele – sua vida 
estava exposta, era matável, nua, mas o Estado não findava com ela. Ver “Homo sacer”, 
primeiro capítulo da segunda parte de Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Agamben, 
no terceiro capítulo da mesma parte, ainda comenta que a vida se torna sacra no seguinte 
sentido: a vida da pessoa é posta para fora da jurisdição sem que adentre na vida divina e, 
assim, a violência executada contra ela não era sacrílega; por isso, a analogia com a exceção 
soberana ocorre na medida em que a lei aplica-se desaplicando-se – o homo sacer pertence a 
Deus na forma da insacrificabilidade e é incluído na comunidade na forma da matabilidade, 
aquele cuja vida se encontra nua sob o bando soberano. A analogia é entre a sacratio e a 
exceção soberana, aliás, é “estrutural”, segundo Agamben: “(...) Aquilo que é capturado no 
bando soberano é uma vida humana matável e insacrificável: o homo sacer. Se chamamos 
vida nua ou vida sacra a esta vida que constitui o conteúdo primeiro do poder soberano, 
dispomos ainda de um princípio de resposta para o quesito benjaminiano acerca da ‘origem do 
dogma da sacralidade da vida’. Sacra, isto é, matável e insacrificável, é originariamente a vida 
no bando soberano, e a produção da vida nua é, neste sentido, o préstimo original da 
soberania. A sacralidade da vida, que se desejaria hoje fazer valer contra o poder soberano 
como um direito humano em todos os sentidos fundamental, exprime, ao contrário, em sua 
origem, justamente a sujeição da vida a um poder de morte, a sua irreparável exposição na 
relação de abandono”. (Op. Cit., p. 91). Fora do âmbito religioso e do âmbito profano, todos são 
soberanos frente ao homo sacer; fora do âmbito religioso e do âmbito profano, todos são 
homines sacri frente ao soberano – eis um espaço político em sentido próprio, já que se está 
“(...) A tese foucaultiana deverá, então, ser corrigida ou, pelo 
menos, integrada, no sentido de que aquilo que caracteriza a 
política moderna não é tanto a inclusão da zoé na polis, em si 
antiqüíssima, nem simplesmente o fato de que a vida como tal 
venha a ser um objeto eminente dos cálculos e das previsões do 
poder estatal; decisivo é, sobretudo, o fato de que, lado a lado 
com o processo pelo qual a exceção se torna em todos os 
lugares a regra, o espaço da vida nua, situado originariamente à 
margem do ordenamento, vem progressivamente coincidir com o 
espaço político, a exclusão e inclusão, externo e interno, bíos e 
zoé, direito e fato entram em uma zona de irredutível 
indistinção”23. 
Assim, as democracias modernas encontram-se em uma situação aporética na 
medida em que, ao colocar em jogo a liberdade e a felicidade dos homens sob 
a questão da vida nua, submetem esta ao seu domínio, já que bíos e zoé 
acabaram por não se discernirem, fazendo Agamben chamar a atenção do 
leitor, aliás, para uma solidariedade entre a democracia e totalitarismo. 
 Como Agamben explora o conceito schimittiano de soberania e o paradoxo 
ali existente, no qual o soberano é aquele que está dentro e fora do 
ordenamento jurídico, aquele que decide se a constituição deve ou não ser 
suspensa, ele pôde notar um compasso entre este paradoxo e o paradoxo da 
exceção, no qual o que está em jogo é a suspensão da lei – o monopólio de 
tais decisões encontra-se com o soberano e, por encontrar-se, então, fora do 
direito, ele inclui a partir da exclusão. A exceção deliberada pelo soberano é a 
regra da Modernidade segundo a análise de Agamben: a vida nua é 
incorporada no cálculo político, tal como ocorre em um campo de 
concentração. Por tal característica, a soberania não pode ser entendida 
apenas como categoria jurídica e política, se a exceção é a estrutura da 
soberania, a estrutura dela é a estrutura de bando24: 
“(...) Chamemos bando (...) a esta potência (...) da lei de manter-se 
na própria privação, de aplicar-se desaplicando-se. A relação de 
 
em uma esfera que excede tanto as esferas do direito como do sacrifício, abrindo uma zona de 
indistinção que Agamben quer definir. 
23 Op. Cit., p. 16. 
24 Agamben ilustra a estrutura de bando da soberania com o texto Diante da Lei, de Kafka, no 
qual a lei se afirma na sua forma mais pura na medida em que nada prescreve – o camponês 
encontra-se totalmente entregue à lei, mas esta nada lhe exige. E, para Agamben, o esquema 
da exceção soberana é concernente na medida em que a lei aplica-se desaplicando-se. Trata-
se de uma lei que vigora sem significado e, assim, é a figura de Kant que trazida à tona por 
Agamben, já que a ética kantiana coloca o sujeito ético diante de uma lei que vigora sem 
significar. Lei e vida, então, na literatura kafkiana e na ética kantiana, são indiscerníveis e este 
processo é semelhante ao estado de exceção. No entanto, é a partir de Jean Luc Nancy que 
Agamben pinta com mais precisão a estrutura ontológica do abandono: “A soberania é, de fato, 
precisamente esta ‘lei além da lei à qual somos abandonados’, ou seja o poder 
autopressuponente do nómos, e somente se conseguirmos pensar o ser do abandono além de 
toda idéia de lei (ainda que seja na forma vazia de uma vigência sem significado), poder-se-á 
dizer que saímos do paradoxo da soberania em direção a uma política livre de todo o bando. 
Uma pura forma da lei é apenas a forma vazia da relação; ,mas a forma vazia da relação não é 
mais uma lei, e sim uma zona de indiscernibilidade entre lei e vida, ou seja, um estado de 
exceção” (Op cit.,p. 66). 
exceção é uma relação de bando. Aquele que foi banido não é, na 
verdade, simplesmente posto fora da lei e indiferente a esta, mas é 
abandonado por ela, ou seja, exposto e colocado em risco o limiar 
em que vida e direito, externo e interno se confundem. Dele não é 
literalmente possível que esteja fora ou dentro do ordenamento (...). 
É neste sentido que o paradoxo da soberania pode assumir a forma: 
‘não existe um fora da lei’. A relação originária da lei com a vida não 
é a aplicação, mas o Abandono. A potência insuperável do nomos, a 
sua originária ‘força de lei’, é que ele mantém a vida em seu bando 
abandonando-a”25. 
Sujeitos a um poder de morte, a vida do homo sacer entra na cidade com a 
dupla exceção da matabilidade e da insacrificabilidade, trata-se de uma vida 
sacra é uma zona de indistinção na qual bíos e zoé se constituem em 
compasso – é por esse abandono a um poder de morte que a vida (nua) 
humana se politiza, já que é um elemento político originário da soberania. 
 O fato da soberania estar contemplada no Estado de direito em nada 
diminui o paradoxo da soberania, segundo Agamben: desde Píndaro, o 
Ocidente caracteriza-se pela composição entre violência e justiça, tornando-os 
indistintos – “o soberano é o ponto de indiferença entre violência e direito, o 
limiar em que a violência transpassa em direito e o direito em violência”26. Ou, 
para explorar outras fontes, Agamben também cita Platão (Górgias 484b, 1-10) 
e expõem a violência aplicando-se aos justos, aplicando-se à natureza e, mais 
uma vez, coincidindo violência e direito. Em Hobbes, a indistinção entre direito 
e violência foi trabalhada pelo poder do soberano ser a violência do mais forte 
aplicada sobre os demais e, dessa forma, a figura do soberano faz sobreviver o 
estado de natureza – expandindo o paradoxo da soberania, agora, a natureza e 
a lei são indistintas, o homem e o lobo são iguais e, sob o estado de natureza, 
a condição de cada um para com o outro é a de homo sacer, de vida nua, e é 
sobre essa condição que a soberania opera com um espaço autenticamente 
político. O estado de natureza é, de Hobbes a Rousseau, um estado de 
exceção e a fundação da sociedade civil mantém, mediante a decisão 
soberana, a vida nua, o homo sacer – homem e lobo, natureza e cultura 
encontram-se em uma zona de indiferença. Eis o relacionamento político-
jurídico originário, a saber, o bando: é assim que vida nua e poder soberano se 
mantém unidos27. Com Schimitt, nota-se que o nómos da soberania aproxima-
se também do estado de natureza: recorrendo a Píndaro, Schimitt observa a 
 
25 Op. Cit., p. 36. 
26 Op. Cit., p. 38. 
27 “É esta estrutura de bando que devemos aprender a reconhecer nas relações políticas e nos 
espaços públicos em que ainda vivemos. Mais íntimo que toda interioridade e mais externo que 
toda a estraneidade é, na cidade, o banimento da vida sacra. Ela é o nómos soberano que 
condiciona todas as outras normas, a espacialização originária que torna possível e governa 
toda localização e toda territorialização. E se, na modernidade, a vida se coloca sempre mais 
claramente no cento da política estatal (que se tornou, nos temos de Foucault, biopolítica), se, 
no nosso tempo, em um sentido virtualmente como homines sacri, isto somente é possível 
porque a relação de bando constituía desde a origem a estrutura própria do poder soberano” 
Op. Cit., p. 117. 
superioridade do nómos do soberano frente à concepção positivística da lei e, 
dessa forma, aproxima o nómos do soberano e o estado de exceção: 
“(...) Estado de natureza e estado de exceção são apenas as duas 
faces de um único processo topológico no qual, como numa fita de 
Moebius ou em uma garrafa de Leyden, o que era pressuposto como 
externo (o estado de natureza) ressurge agora no interior (como 
estado de exceção), e o poder soberano é justamente esta 
impossibilidade de discernir externo e interno, natureza e exceção, 
phýsis e nómos. O estado de exceção, logo, não é tanto uma 
suspensão espaço-temporal, quanto uma figura topológica 
complexa, em que não só a exceção e a regra, mas até mesmo o 
estado de natureza e o direito, o fora e o dentro transitam um pelo 
outro. É justamente nesta zona topológica de indistinção, que 
deveria permanecer ocultar aos olhos da justiça, que nós devemos 
tentar em fixar o olhar”. 
 O fato de existir um poder constituinte e deste se relacionar com o poder 
constituído também em nada diminui o paradoxo da soberania: de um lado, o 
poder constituído está no estabelecido na ordem do Estado, de outro, o poder 
constituinte situa-se fora dele. Porém, recorrendo a Sieyès, Agamben observa 
que a constituição se pressupõe como poder constituinte e, por isso, exprime o 
paradoxo da soberania: se o poder soberano se pressupõe como estado de 
natureza, 
“que é assim mantido em relação de bando com o estado de direito, 
assim ele se divide em poder constituinte e poder constituído e se 
conserva em relacionamento com ambos, situando-se em seu ponto 
de indiferença”28. 
Em termos aristotélicos, a relação entre poder constituinte e poder constituído é 
traduzida por Agamben pela relação entre potência e ato: em relação ao ato, a 
potência o precede, o condiciona e permanece nele e, ainda, continua 
autônoma em relação a ele, já que pode ou não passar ao ato. Assim, a 
relação da potência com o ato é uma relação de suspensão – ela decide 
soberanamente sobre a realização ou não do ato. Para Agamben, o paradigma 
da soberania foi exposto por Aristóteles nesta doutrina do ato e da potência: 
“À estrutura da potência, que se mantém em relação com o ato 
precisamente através de seu poder não ser, corresponde aquela do 
bando soberano, que aplica-se à exceção desaplicando-se. A 
potência (no seu dúplice aspecto de potência de e potência de não) 
é o modo através do qual o ser se funda soberanamente, ou seja, 
sem nada que o preceda e determine senão o próprio poder não ser. 
E soberano é aquele ato que se realiza simplesmente retirando a 
própria potência de não ser, deixando-se ser, doando-se a si”29. 
Como a soberania é dúplice, já que, como potência, se auto-suspende e se 
mantém, isto é, mantém uma relação de bando consigo mesma, há uma zona 
de indistinção entre ato e potência puros e é esta indistinção que caracteriza o 
soberano. 
 
28 Op. Cit., p. 48. 
29 Op. Cit., p. 54. 
 Foi Benjamin quem notou o nexo entre direito e violência como uma 
premissa necessária para o estudo da soberania: a violência ou põe o direito 
ou o conserva. Desta forma, é preciso encontrar, também, uma figura que 
rompa com esta dialética circular e a saída benjaminiana é a idéia de violência 
divina: não se trata de por ou de conservar o poder, mas de depô-lo – no 
estado de exceção, a violência conserva e suspende o direito, existe 
executando-o. Isto é, a violência soberana abre uma zona de indistinção entre 
lei e natureza, o que é externo e o que é interno, entre a violência e o direito e 
cabe ao soberano a decisão. Assim, exceção e regra são indiscerníveis, já que 
a violência tanto põe como conserva o direito, isto é, o depõe, a violência é o 
meio que estabelece o direito e o fim pelo qual o direito executa-se 
violentamente. Neste nexo entre direito e violência, a vida nua e a sua relação 
com a violência jurídica, segundo Agamben, precisam ser explorados; afinal, o 
domínio do direito sobre o vivente é coextensivo à vida nua e encontra seus 
limites nela e, por outro lado, um fim da violência jurídica remonta à culpa da 
vida nua natural e entrega o vivente à pena, purificando-o legalmente30. 
 
 Como já foi exposto, Agamben leva a reflexão sobre a biopolítica a um 
patamar bem diferente daquele que Foucault e Hannah Arendt alcançaram. 
Graças ao conceito de vida nua ou de vida sacra, Agamben pôde convergir o 
pensamento deles e entrelaçar de modo mais íntimo os âmbitos da política eda vida; assim, a vida nua torna-se inteligível mediante a política e, 
concomitantemente, a política moderna torna-se inteligível ao se levar em 
conta a vida nua. Assim, Agamben citou Karl Löwith como o primeiro a definir 
politização da vida a peculiaridade dos estados totalitários e a semelhança 
destes com os estados democráticos: a vida aparece inscrita na ordem estatal, 
a nuance do processo fica por conta da primazia do privado sobre o público na 
democracia burguesa e da vida biológica como critério político por excelência 
das escolhas soberanas nos estados totalitários; porém, em ambos os casos, a 
biopolítica é o que caracteriza as duas formas e expõe a vida nua em uma 
zona indistinta de operação política, jurídica, médica, científica e sacerdotal – 
além de biopolítca, a denominação de tanatopolítica também é usada por 
Agamben, já que a decisão sobre a vida e a morte das pessoas por parte do 
soberano é pensada a partir da simbiose destas diferentes áreas. Somente por 
este campo da biopolítica é possível entender a política moderna, somente por 
 
30 Para Agamben, estas questões são objeto de um frutífero debate entre Benjamin e Schmitt e 
é tal debate o objeto do capítulo 4 de Estado de exceção: “(...) A discussão se dá numa mesma 
zona de anomia que, de um lado, deve ser mantida a todo custo em relação com o direito e, de 
outro, deve ser também implacavelmente libertada dessa relação. O que está em questão na 
zona de anomia é, pois, a relação entre violência e direito – em última análise, o estatuto da 
violência como código da ação humana. Ao gesto de Schmitt que, a cada vez, tenta reinscrever 
a violência no contexto jurídico, Benjamin responde procurando, a cada vez, assegurar a ela – 
como violência pura – uma existência fora do direito”. AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção: 
homo sacer II, 1. Tradução de Iraci D. Poleti, São Paulo: Boitempo, 2° edição, 2007, p. 92. 
ela se entende os primeiros registros de Habeas corpus, em 1679, e se 
entende como a vida nua entra para o nível de um sujeito político, fazendo a 
democracia moderna nascer da reivindicação e exposição do corpo, desta 
“centralidade do ‘corpo’”31. 
 É por isso que não se pode entender as declarações sobre os direitos do 
homem independentemente da emergência dos estados nacionais: a vida 
natural agora inscrita da ordem jurídico-política dos estados nacionais está no 
primeiro plano da estrutura do Estado e do próprio fundamento/legitimidade 
deste; afinal, a Declaração de 1789 expressa a vida nua como fonte do direito – 
do nascimento do homem à nação (nascere) os direitos se conservam, a vida 
nua é regulamentada pela biopolítica. Ao invés de soberania régia de origem 
divina, há agora a soberania nacional e a passagem de uma para a outra 
ocorre pelo nascimento como “portador imediato da soberania”32 – deixa-se de 
ser súdito e passa-se a ser cidadão, mas com a vida nua investida pelo estado 
desde o nascimento. Esta articulação entre nascimento e nação é tão 
importante para se entender a política moderna que, quando se passou por 
uma crise da função das declarações dos direitos e a articulação e o estado-
nação entram em crise, formou-se um movimento biopolítico que fez da “vida 
natural o local por excelência da decisão soberana”33, a saber, o fascismo e o 
nazismo. Outra questão moderna inteligível a partir dos presentes conceitos de 
vida nua e biopolítca é a dos refugiados: a quebra da relação entre nascimento 
e nacionalidade gera a crise da soberania moderna, já que os refugiados 
rompem com o nexo nascimento-nação e deslegitimam a ação do estado-
nação. Ao mesmo tempo, e mais significativamente, os mesmos estados dão 
origem a normas que permitem desnaturalizar e desnacionalizar em massa os 
seus próprios cidadãos: 
“(...) uma das poucas regras às quais os nazistas se ativeram 
constantemente no curso da ‘solução final’, era a de que somente 
depois de terem sido completamente desnacionalizados (até da 
cidadania residual que lhes cabia após as leis de Nuremberg), os 
hebreus podiam ser enviados aos campos de extermínio”34. 
Tanto o problema dos refugiados como o problema do nazismo mostram a 
crise do nexo nascimento-nação e a soberania nacional que daí decorre a partir 
da declaração dos direitos: os estados discriminam no seu próprio interior uma 
vida nua privada de valor político e, também, no caso dos refugiados, os 
direitos do homem separam-se deste na medida em que a pessoa é expulsa do 
seu estado até que seja recodificada em uma outra identidade nacional. 
 Se os estados nacionais já encontravam-se, no século XX, na discriminação 
política das vidas nuas no interior dos seus domínios, eles alcançaram também 
 
31 AGAMBEN, Giordio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Op. Cit., p. 131. 
32 Op. Cit., p. 135. 
33 Op. Cit., p. 135. 
34 Op. Cit., p. 139. 
o patamar de declarar que algumas destas vidas eram indignas de serem 
vividas: citando Karl Binding e Alfred Hoche, Die Freigabe der Vernichtung 
lebensunweten Lebens, Agamben comenta que um homem vivente tem 
soberania sobre a sua existência e, por isso, alguns se suicidam e é impossível 
que sejam punidos. Desta discussão, os autores derivam a necessidade de 
autorização do aniquilamento das vidas que sejam indignas de serem vividas, 
segundo eles: trata-se daqueles com doenças incuráveis e de “idiotas 
incuráveis” e que, eles ou sua família, expressaram o desejo de morte; a partir 
deste desejo, uma comissão estatal composta de um médico, um psiquiatra e 
um jurista teria o poder de decisão final da questão. Não se trata, portanto, de 
homicídio, mas da fixação de um limiar além do qual a vida cessa de ter valor 
jurídico, trata-se da vida nua do homo sacer – Agamben considera que este 
limite alargou-se na história do Ocidente e chegou, hoje, ao interior de toda 
vida humana e de todo cidadão, deixando de ser apenas confinada a uma 
categoria definida e ocupando o ser biológico de cada vivente. No nazismo, por 
exemplo, o programa de eutanásia alargou-se para os judeus e para todos os 
outros indesejáveis ao estado – a biopolítica nazista converte-se em 
tanatopolítica na medida em que, ao zelar pelo corpo biológico da nação, a 
decisão soberana de aniquilar a vida matável é executada. Isto é, a biopolítica 
moderna caracteriza-se pelo estabelecimento da soberania no poder de 
decisão sobre o valor ou desvalor da vida como tal e, conseqüentemente, o 
encaminhamento da mesma à vida ou a morte. 
 Ademais, ao politizar a vida biológica de tal modo, valorizando-
a/desvalorizando-a, o nazismo colocou a vida biológica como a própria base de 
sua (bio)política e regulando-a pela eugenia – a política policia a vida biológica 
impedindo a degeneração genética e promovendo a saúde hereditária para o 
Reich. Política e vida são imediatamente ligadas uma à outra, usando uma 
expressão de Verschuer, Agamben mostra que a política tem por missão 
justamente dar “forma à vida do povo” – a vida é, ao mesmo tempo, sujeito e 
objeto da política estatal. Levando a questão a um âmbito ainda mais geral, 
Agamben conclui: 
“(...) Quando vida e política, divididos na origem e articulados entre si 
através da terra de ninguém do estado de exceção, na qual habita a 
vida nua, tendem a identificar-se, então toda a vida torna-se sacra e 
toda a política torna-se exceção”35. 
E mais: além da vida, a morte também é politizada: as cobaias humanas 
(Versuchepersonen) no início do século XX, nos cárceres dos EUA, e os 
inúmeros casos sob o nazismo mostram que estas cobaias eram os excluídos 
da comunidade política e, portanto, privados dos direitos – condenados à morte 
ou detentos dos campos de concentração eram vida nua, homines sacri, mata-
se, mas não se trata de homicídio. Mas a politização da morte talvez seja ainda 
 
35 Op. Cit., p. 155. 
mais fortea partir da idéia de além-coma, um estado em que a dependência da 
sobrevivência é tecnológica. Porém, os aparelhos não evitavam a morte 
cerebral e, assim, apesar desta, o corpo tinha suas funções vegetativas em 
funcionamento graças ao aparelho. Isto é, a morte passa por uma redefinição: 
a vida nua do além-comatoso é controlada tecnologicamente pelo homem, é 
uma vida que se pode encerrar sem que se cometa o homicídio, é uma 
politização da vida e da morte em grau elevado e que é contemplada tanto no 
totalitarismo quanto nas democracias modernas. 
 Diante de tal biopolítica e tanatopolítica modernas, Agamben então 
caracteriza a matriz do espaço político em que vivemos, a saber, o campo. O 
campo é aquele espaço no qual se superou o conceito jurídico de crime: em 
1896, os espanhóis montaram um em Cuba; no início do século XX, os 
ingleses aprisionaram os bôeres em campos; na Alemanha, uma lei prussiana 
de 1851 já tratava da Schutzhaft (custódia preventiva) e sob a República de 
Weimar, em 1923, baseada na Schutzhaft, criou-se a Konzentrationslager für 
Ausländer, que hospedava comunistas e judeus orientais refugiados. Os 
nazistas fizeram o mesmo, mas com a novidade de confundir o estado de 
exceção com a própria norma, a ponto dos juristas nazistas falarem em um 
“estado de exceção desejado”. E, com o estado de exceção tornando-se regra, 
o campo de concentração é o espaço característico à situação – ao invés de 
suspensão temporal do ordenamento, ocorre uma disposição permanente e 
estável fora do mesmo ordenamento. No entanto, comentando que o campo de 
concentração está localizado dentro do próprio território nacional, Agamben 
mostra que este local está fora do ordenamento jurídico normal e o objeto que 
ele recebe é capturado fora do campo de concentração e dentro do território 
nacional, isto é, ele inclui mediante a exclusão, ele normaliza a exceção, torna 
fato e direito indiscerníveis: 
“(...) O campo é, digamos, a estrutura em que o estado de exceção, 
em cuja possível decisão se baseia o poder soberano, é realizado 
normalmente. O soberano não se limita mais a decidir sobre a 
exceção, como estava no espírito da constituição de Weimar, com 
base no reconhecimento de uma dada situação factícia (o perigo 
para a segurança pública): exibindo a nu a íntima estrutura de bando 
que caracteriza o seu poder, ele agora produz a situação de fato 
como conseqüência da decisão sobre a exceção. Por isso, 
observando-se bem, no campo a quaestio iuris não é mais 
absolutamente distinguível da quaestio facti e, neste sentido, 
qualquer questionamento sobre a legalidade ou ilegalidade daquilo 
que nele sucede é simplesmente desprovido de sentido. O campo é 
um híbrido de direito e de fato, no qual os dois termos tornaram-se 
indiscerníveis”36. 
Como direito e fato se confundem, Hannah Arendt já havia dito que no campo 
de concentração tudo era possível. O que Agamben introduz é a idéia de que 
 
36 Op. Cit., p. 177. 
este campo é um espaço biopolítico jamais visto anteriormente37, já que a vida 
nua está diante do poder sem nenhuma mediação e a decisão política 
soberana opera a partir da indiferenciação entre fato e direito, vida e política (é 
neste sentido que se compreende que a palavra do Führer era a lei) – “a 
política torna-se biopolítica e o homo sacer se confunde virtualmente com o 
cidadão”38. A rigor, a argumentação de Agamben é para demonstrar como o 
campo é o espaço político peculiar à Modernidade: o estado-nação que 
funciona a partir no nexo entre localização (território), ordenamento (Estado) e 
regras de inscrição da vida (nascimento ou nação) encontra-se em crise e, 
então, o Estado assume os cuidados da vida biológica diretamente – será a 
partir do campo que regulará a inscrição da vida. À guisa de conclusão sobre a 
política moderna, eis as palavras de Agamben: 
“(...) O estado de exceção que era essencialmente uma suspensão 
temporal do ordenamento, torna-se agora uma nova e estável 
disposição espacial, na qual habita aquela vida nua que, em 
proporção crescente, não pode mais ser inscrita no ordenamento. O 
descolamento crescente entre o nascimento (a vida nua) e o Estado-
nação é o fato novo da política do nosso tempo, e aquilo que 
chamamos de campo é o seu resíduo. A um ordenamento sem 
localização (o estado de exceção, no qual a lei é suspensa) 
corresponde agora uma localização sem ordenamento (o campo, 
como espaço permanente de exceção). O sistema político não 
ordena mais formas de vida e normas jurídicas em um espaço 
determinado, mas contém em seu interior uma localização 
deslocante que o excede, na qual toda forma de vida e toda norma 
podem virtualmente ser capturadas. O campo como localização 
deslocante é a matriz oculta da política em que ainda vivemos, que 
devemos aprender a reconhecer através de todas as suas 
metamorfoses, nas zones d’attente de nossos aeroportos bem como 
em certas periferias de nossas cidades. Este é o quarto, inseparável 
elemento que veio a juntar-se, rompendo-a, à velha trindade Estado-
nação (nascimento)-território”39. 
 O campo, de modo geral, e Auschwitz, como um dos exemplos, é a norma 
do espaço político contemporâneo e, levando a análise às últimas 
conseqüências, é, também, o paradigma biopolítico moderno: a vida nua, nele, 
é exposta da forma que os “muçulmanos”40 eram expostos em Auschwitz como 
objetos do que a biopolítica, como Foucault já apontara, morrer, isto é, 
 
37 Como não há nada no corpo que impeça a ação do soberano, não há como se pensar uma 
nova economia de prazer para ele e, assim, se fundar uma nova política além dos “dispositivos 
do poder” existentes, argumenta Agamben contra Foucault (Op. Cit., pp. 192-193). 
38 Op. Cit., p. 178. 
39 Op. Cit., 182. 
40 Sobre a denominação de muçulmano aos que estavam expostos, resignados e sem ação 
contra a SS, em Auschwitz, Agamben considera que o mais provável é que o termo foi usado 
por se remeter, etimologicamente e pela acepção que, desde a Idade Média, os europeus 
faziam dos muçulmanos , a quem “se submete incondicionalmente à vontade de Deus”. Os 
muçulmanos foram os que morreram em série e que não sobreviveram para, mais tarde, 
testemunhar o ocorrido; são os sobreviventes que falam por eles e, estes, não são as 
testemunhas, portanto, que expressam a voz dos próprios muçulmanos. AGAMBEN, Giorgio. O 
que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo sacer III). Tradução de Selvino J. 
Assmann, São Paulo: Boitempo, 2008, p. 52. 
biopolítica e tanatopolítica na medida que o racismo é inerente a um estado 
totalitário e biopolítico como o nazismo. Em O que resta de Auschwitz, 
Agamben diz: 
“O não-ariano transmuta-se em judeu, o judeu em deportado (...), o 
deportado em internado (...), até que, no campo, as cesuras 
biopolíticas alcancem o seu limite último. O limite é o muçulmano. 
(...) Compreende-se então a função decisiva dos campos no sistema 
da biopolítica nazista. Eles não são apenas o lugar da morte e do 
extermínio, mas também, e antes de qualquer outra coisa, o lugar de 
produção do muçulmano, da última substância biopolítica isolável no 
continuum biológico. Para além disso, há somente a câmara de 
gás”41. 
Para Agamben, mais que deixar morrer, a especificidade da biopolítica do 
século XX é a de fazer sobreviver, separando certos tipos de vida e 
qualificando-os como vida orgânica ou vida animal, o não-humano do humano, 
o muçulmano da testemunha, a vida vegetativa da vida consciente, entre zoé e 
bíos – separado dos outros, o muçulmano, por exemplo, torna-se a substância 
biopolítica absoluta. 
 
 Como já foi exposto laconicamente, a característica da política moderna, 
além de estar ambientada em um campo, é a de constituir-se em um 
permanente estado de exceção – e, ademais, tal estado de exceção é também 
biopolítico. Em Estado de exceção: homo sacer II, Agamben expôs estas idéiase, neste artigo, seguiu-se sua argumentação para aquilo que concerne com 
mais proximidade ao presente objeto. 
 Para Agamben, a situação moderna é a de um permanente estado de 
exceção: logo que assumiu o poder, Hitler promulgou o Decreto para a 
proteção do povo e do Estado e este jamais foi revogado. Esta permanência do 
estado de exceção é o “paradigma de governo dominante na política 
contemporânea”42, independentemente da democracia ou do absolutismo: nos 
dois casos há uma estrutura biopolítica de inclusão do vivente em uma 
exclusão do direito conforme os exemplos das leis pós 11 de Setembro dos 
EUA ratificam ao anular o estatuto jurídico do indivíduo e deixando-o 
inominável e inclassificável (a military order que autoriza a indefinitive detention 
de cidadãos suspeitos e o USA Patriot Act, promulgado pelo senado, que 
permite manter preso o estrangeiro que seja suspeito de atividades perigosas à 
segurança dos Estados Unidos). Nota-se a expansão do poder executivo 
(iniciada por conta das duas guerras mundiais) e uma redução do legislativo à 
ratificação de ‘disposições promulgadas pelo executivo sob a forma de 
 
41 Op. Cit., p. 90. 
42 AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção: homo sacer II, 1. Tradução de Iraci D. Poleti, São 
Paulo: Boitempo, 2° edição, 2007, p. 13. 
decretos com força-de-lei”43 (repúblicas deixam de ser parlamentares para 
tornarem-se governamentais) tanto no caso do decreto de Hitler como no caso 
democrático44: o estado de exceção como regra é, para Agamben, uma técnica 
de governo usada em ambos os casos. Em termos jurídicos, apesar de uns 
defenderem a inclusão do estado de exceção no ordenamento e outros 
defenderem a exclusão, Agamben considera que, na verdade, a discussão 
correta não é esta, mas o lugar onde a inclusão e a exclusão se indeterminam, 
isto é, a zona de indiferença entre o fora e o dentro. 
 Para Agamben, a construção mais rigorosa de uma teoria do estado de 
exceção levando em conta as questões de âmbito jurídico foi a obra de Carl 
Schmitt: em 1921, Schmitt apresentou o estado de exceção mediante a figura 
da ditadura, que pode ser de dois tipos, a saber, a ditadura comissária e a 
ditadura soberana. A primeira pretende “defender ou restaurar a constituição 
vigente”45. A segunda alcança a máxima crítica da exceção. Já no livro de 
1922, a questão se remete diretamente para o estado de exceção e para a 
questão da soberania: embora ocorra uma suspensão da ordem jurídica, há 
articulação do estado de exceção com a ordem jurídica; afinal o que se 
inscreve no direito é algo exterior a ele. Articulação paradoxal, segundo Schmitt 
em Die Diktatur: na ditadura comissária a inscrição é operada pela distinção 
entre normas do direito e normas de realização do direito, na ditadura soberana 
é a distinção entre poder constituinte e poder constituído que opera a inscrição. 
Já em Politische Theologie, o que opera a inscrição do estado de exceção na 
ordem jurídica é a distinção entre norma e decisão, considerando-se ambos 
como autônomos – o soberano decide pelo estado de exceção e ancora sua 
decisão na ordem jurídica. Fora da ordem jurídica por decidir em suspendê-la, 
o soberano encontra-se, concomitantemente, dentro dela já que é o 
responsável pela decisão em suspensão da constituição: 
“Estar-fora e, ao mesmo tempo, pertencer: tal é a estrutura 
topológica do estado de exceção, e apenas porque o soberano que 
decide sobre a exceção é, na realidade, logicamente definido por ela 
em seu ser, é que ele pode também ser definido pelo oximoro 
êxtase-pertencimento”46. 
Outra distinção feita por Schmitt foi entre norma do direito e norma de 
realização do direito: na ditadura comissária o segundo momento é autônomo 
em relação ao primeiro; na ditadura soberana a velha constituição foi suprimida 
e a nova é, ainda, constituinte, isto é, se aplica uma lei que não está em vigor. 
Em 1989, Derrida falou, baseando-se na Revolução Francesa, da distinção 
entre eficácia da lei, que leva em conta a atividade legislativa e seus efeitos 
 
43 Op. Cit., p. 18. 
44 No item 1.7 de Estado de exceção, Agamben expôs uma breve história do estado de 
exceção na qual o dispositivo tem origem na Revolução Francesa decretado pela Assembléia 
Constituinte em 1791. Tanto na democracia como na ditadura, argumenta Agamben. 
45 Op. Cit., p. 53. 
46 Op. Cit., p. 57. 
jurídicos, e força-de-lei, decretos que podem ser realizados pelo poder 
executivo e que, assim, diferem da essência da lei na medida em que são 
aplicáveis pelo soberano – tal como se a força-de-lei operasse sem lei. 
 Ainda sobre a relação entre o estado de exceção e o direito, Agamben 
encontrou um dispositivo no Império Romano que trás luz à relação entre 
ambos e permite observar o estado de exceção em sua forma paradigmática, a 
saber, o iustitium: 
“Quando tinha notícia de alguma situação que punha em perigo a 
República, o Senado emitia um senatus consultum ultimum por meio 
do qual pedia aos cônsules (ou a seus substitutos em Roma, interrex 
ou pró-cônsules) e, em alguns casos, também aos pretores e aos 
tribunos da plebe e, no limite, a cada cidadão, que tomasse qualquer 
medida considerada necessária para a salvação do Estado (rem 
publicam defendant, operamque dent ne quid respublica detrimenti 
capiat). Esse senatus-consulto tinha por base um decreto que 
declarava o tumultus (isto é, a situação de emergência em Roma, 
provocada por uma guerra externa, uma insurreição ou uma guerra 
civil) e dava lugar, habitualmente, à proclamação de um iustitium 
(institium edicere ou indicere)”47. 
Trata-se, portanto, de uma interrupção do direito e, conseqüentemente, uma 
produção de um vazio jurídico; uma situação que não se limita apenas a 
ditaduras, como este exemplo, e também os exemplos modernos, expressam – 
na ditadura ou na democracia, trata-se de uma zona de anomia caracterizada 
pela desativação das determinações jurídicas e que, ao mesmo tempo, é 
essencial à ordem jurídica na medida em que assegura uma relação com ela, 
salvando a ordem jurídica a partir da situação de emergência. Essa zona 
indefinível é, como foi dito, uma força-de-lei sem lei. 
 A evolução semântica do termo iustitium de designação de estado de 
exceção para a designação de luto público pela morte de um soberano ou de 
um parente seu é, segundo Agamben, importante para o entendimento da 
forma paradigmática do estado de exceção. A partir da monografia de Augusto 
Fraschetti sobre Augusto, que evidenciou o significado político do luto público e 
mostrou o tumulto que os funerais do soberano provocavam, isto é, estes 
tumultos eram administrados pelo iustitium e este foi assimilado àquele. Com a 
morte do soberano, a suspensão do direito tornou-se parte integrante do ritual 
fúnebre e, isto é o importante, o estado de exceção e a anomia ligada à pessoa 
do soberano liberta-se da subordinação ao direito. O soberano é uma lei viva e, 
assim, está desobrigado do direito; porém, concomitantemente, como a lei 
coincide no próprio soberano, este continua relacionando-se com ela. Este é “o 
nexo que o estado de exceção estabelece entre um fora e um dentro da lei e, 
nesse sentido, constitui o arquétipo da teoria moderna da soberania”48. O 
tumulto era controlado e o estado de exceção era transformado em luto público 
 
47 Op. Cit., p. 67. 
48 Op. Cit., p. 107. 
e este em iustitium – eis a indiscernibilidade entre o nomos e a anomia do 
corpo do soberano, a indiscernibilidade entre estado de exceção e luto público. 
Indiscernibilidade e solidariedade entre anomia e direito. O mesmo ocorre com 
as festas periódicas que suspendem as hierarquias jurídicas e sociais e 
caracterizam-se pela permissividade temporária, tal como o carnaval – uma 
anomia e uma tolerância em relação a ela, uma suspensão da lei e uma 
conexão com ela (indiscernibilidadee solidariedade). Direito e vida se 
relacionam em anomia com o direito se aplicando ao caos e à vida, sob o 
estado de exceção. 
 Para Agamben, esta relação entre direito e vida (biopolítica) e este poder 
que o senado romano tem em suspender o direito, a auctoritas do senado, 
marcam profundamente toda a política ocidental. No contexto do Império 
Romano, auctoritas, no direito privado, remetia-se à propriedade do auctor, 
àquele que interfere dando validade jurídica ao ato de um sujeito que, sozinho, 
não goza desta possibilidade, tal como um pai autoriza o matrimônio de um 
filho, expressando a auctoritas do pai a partir da própria condição que este tem 
de pai. No direito público, auctoritas designa a prerrogativa própria ao senado 
que tem o poder de ratificar, por exemplo, as decisões populares e de colocar o 
iustitium em vigência, suspendendo, assim, a ordem jurídica: 
“(...) A auctoritas parece agir como uma força que suspende a 
potestas onde Lea agia e a reativa onde ela não estava mais em 
vigor. É um poder que suspende ou reativa o direito, mas não tem 
vigência formal como direito”49. 
Ao mesmo tempo que se excluem, auctoritas e potestas se suplementam. 
Ainda no contexto do direito público, a auctoritas patrum promove o 
interregnum, isto é, com a morte do monarca, o senado nomeava um interrex 
para garantir o exercício do poder suspendendo a constituição (suspendendo a 
potestas) – cabe ao interrex nomear o próprio sucessor. Na hostis iudicatio a 
auctoritas também suspende o poder: se a segurança da república fosse 
ameaçada por um cidadão, este era declarado pelo senado inimigo público e 
perdia seus direitos – a auctoritas suspendia o estatuto do cidadão em questão. 
Augusto, reivindicando a auctoritas como fundamento do próprio status de 
princeps expressa uma auctoritas principis: a auctoritas deriva, aqui, da pessoa 
e se constitui a partir da própria pessoa, vivendo e desaparecendo com ela. Eis 
aqui, uma biopolítica: 
“(...) Para compreender fenômenos modernos como o Duce fascista 
e o Führer nazista, é importante não esquecer sua continuidade com 
o princípio de auctoritas principis. (...) As qualidades de Duce e de 
Führer estão ligadas diretamente à pessoa física e pertencem à 
tradição biopolítica da auctoritas e não à tradição jurídica da 
potestas”50. 
 
49 Op. Cit., p. 121. 
50 Op. Cit., p. 127. 
Se a auctoritas é inerente à pessoa viva, há uma imanência do direito à vida – 
o poder carismático teorizado por Max Weber liga, por exemplo, a auctoritas à 
pessoa do chefe político e, nos casos do fascismo e do nazismo, tal carisma 
aparece em compasso com a suspensão da ordem jurídica. Direito e vida se 
articulam mediante a auctoritas que faz com que um implique o outro 
(biopolítica). 
 E mais: nota-se que o Ocidente tem uma tradição política caracterizada pela 
auctoritas e pela potestas sendo que o primeiro é um elemento normativo e o 
segundo um elemento anômico: para ser aplicado, o elemento normativo 
precisa do anômico, embora se afirme somente se validar ou suspender a 
potestas – o que permite a relação entre os dois elementos é o estado de 
exceção, a partir dele os dois entram na zona de indiscernibilidade. Agamben 
comenta que quando os dois elementos coincidem em uma só pessoa, fazendo 
do estado de exceção uma regra, o sistema jurídico-político torna-se uma 
“máquina letal”: 
“(...) O estado de exceção, hoje, atingiu exatamente seu máximo 
desdobramento planetário. O aspecto normativo do direito pode ser, 
assim, impunemente eliminado e contestado por uma violência 
governamental que, ao ignorar no âmbito externo o direito 
internacional e produzir no âmbito interno um estado de exceção 
permanente, pretende, no entanto, ainda aplicar o direito”51. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
51 Op. Cit., p. 131. 
REFERÊNCIAS 
 
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Tradução 
de Henrique Burigo, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002. 
____. Estado de exceção: homo sacer II, 1. Tradução de Iraci D. Poleti, São 
Paulo: Boitempo, 2° edição, 2007. 
____. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo sacer III). 
Tradução de Selvino J. Assmann, São Paulo: Boitempo, 2008. 
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Tradução 
de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque, Rio de 
Janeiro: Edições Graal, 3° edição, 1980. 
____. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). 
Tradução de Maria Ermantina Galvão, São Paulo: Martins Fontes, 1999. 
____. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete, 
Petrópolis: Vozes, 25° edição, 2002.

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