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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE LETRAS MATHEUS FERREIRA BOSCOLI AS PAIXÕES DE VINÍCIUS DE MORAES: O PERCURSO GERATIVO DO AMOR PLATÔNICO E DO LIRISMO SENSUAL GOIÂNIA 2017 MATHEUS FERREIRA BOSCOLI AS PAIXÕES DE VINÍCIUS DE MORAES: O PERCURSO GERATIVO DO AMOR PLATÔNICO E DO LIRISMO SENSUAL Monografia de Graduação apresentada ao corpo docente de Letras-Linguística, da Faculdade de Letras na Universidade Federal de Goiás, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Linguística, sob a orientação do Professor Dr. Sebastião Elias Milani. GOIÂNIA 2017 FACULDADE DE LETRAS/UFG NOVEMBRO/2017 BANCA EXAMINADORA __________________________________________ Presidente: Prof. Dr. Sebastião Elias Milani Departamento de Estudos Linguísticos Faculdade de Letras - UFG __________________________________________ Primeira arguidora: Professora Dra. Edna Silva Faria Departamento de Estudos Linguísticos Faculdade de Letras - UFG __________________________________________ Segundo arguidor: Professor Dr. Alexandre Ferreira da Costa Departamento de Estudos Linguísticos Faculdade de Letras - UFG Aprovado em: ___/___/_____ AGRADECIMENTOS Agradeço a todos os amigos, colegas de curso, professores e pessoas que contribuíram para que este trabalho pudesse se concretizar. São eles e elas: Giselle, Webert, Bruna, Keityane, Kamilla, EloGio, Amanda Ristov, por me mostrar o caminho da força de vontade e da empatia, o camarada Márcio Cruzeiro, que sabe mostrar como a vida pode ser bem mais simples, o meu avô Almir Ferreira, ser que mais acredita e me tem fé como artista, sujeito, e neto. Agradeço, à professora Gláucia Vieira Cândido, ao professor Fabrício Clemente, ao professor Jamesson Buarque, ao professor Rodrigo Vieira Marques, à professora Edna, e meu orientador e professor Sebastião, que sempre instiga o conhecimento e a curiosidade para redescobrir as coisas do mundo. RESUMO A seguinte monografia buscou compreender a construção do Percurso Gerativo de Sentido em amostras literárias selecionadas de Vinícius de Moraes, por meio de análise semiótica. Como base teórica foram considerados os estudos da Semiótica da ação, que se ocupou das ações dos sujeitos, até a Semiótica das Paixões, que passou a considerar os valores desses sujeitos, e a força do querer como volição motivadora do ser. Baseado nos estudos prévios acerca da Enunciação e da Semântica de Louis Hjelmslev, o percurso do amor platônico e do lirismo sensual pôde ser compreendido no quadrado semiótico de A. J. Greimas (1966). A biografia do poeta relembra eventos importantes, mostrando a maneira em que o característico eu-lírico imerso nos estados passionais eufóricos e disfóricos contou tanto acerca do amor. A análise foi dividida em duas partes, sequencialmente identificando os aspectos da privação e da liquidação, que compõem o dito “circuito da paixão”. Foram percebidas as amizades e as parcerias de Moraes como elementos-chave de sua criatividade, e engendrando a própria vida em composição poética, transgrediu toda e qualquer barreira formal de escrita, e/ou moral de sua época. Em termos modais da manipulação nota-se que sua poética pendula entre temáticas contrastantes, que tendem a assumir uma voz actante que usa da tentação e da sedução para dizer o que pretende. Dentre poemas e canções, a intensidade de cada um dos momentos narrados se denuncia em algum instante de seu texto, e na transposição de inúmeras paixões em poética-lírica, transmitiu sua inteligibilidade para com as coisas do amor. O método do percurso gerativo fora escolhido por abranger níveis convenientes à proposta da pesquisa. Por meio do eixo semântico, aplicando o quadrado na interpretação e na identificação de ego, hic e nunc das narrativas complexas, puderam ser classificados os estados líricos. A comprovação cíclica entre a junção e a disjunção amorosa, representam em essência, enfim, o objetivo deste estudo. Palavras-chave: Semiótica, Percurso-Gerativo-de-Sentido, Paixões, Lirismo. ABSTRACT The following monograph sought to understand the construction of the Path Gerative of Sense in selected literary samples of Vinícius de Moraes, through greimasian semiotic analysis. As a theoretical basis, we considered the studies in Semiotics of action, which dealt with subjects' actions, until the Semiotics of Passions, which began to consider the values of these subjects, and the essence of will as motivating volition of subject’s being. Based on previous studies on Louis Hjelmslev's Enunciation and Structural Semantics, the course of platonic love and sensual lyricism could be understood in Greimas's semiotic square. The poet's biography recalls important events, showing how the characteristic lyrical self immersed in the euphoric and dysphoric passion states told so much about love. The analysis was divided into two parts, sequentially identifying the aspects of deprivation and liquidation, which make up the said circuit of passion. Moraes' friendships and partnerships were perceived as key elements of his creativity, and engendering his own life in poetic composition, he transgressed every formal and / or moral barrier of his time. In modal manipulation terms it is noted that his poetics hangs between contrasting themes, which tend to assume an actant voice that uses the temptation and the seduction to say what he intends. Between poems and songs, the intensity of each of the moments narrated denounces at some point in his text, and in the transposition of innumerable passions in poetic-lyric, transmitted his intelligibility to the things of love. The method of the generative course was chosen because it encompasses levels appropriate to the research proposal. By means of the semantic axis, applying the square in the interpretation and identification of ego, hic and nunc of the complex narratives, the lyrical states could be classified. The proof of the repeated cycles between the conjunction and the love disjunction, represent, in essence, the objective of this study. Keywords: Semiotics, Path-generative-of-Sense, Passions, Lyricism. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................08 CAPÍTULO 1 – DA VIDA DO POETA 1.1 – Biografia pessoal e artística de Vinícius de Moraes........................................................10 1.2 – Amizade e amores fator de criatividade...........................................................................11 CAPÍTULO 2 – ENTRE A POÉTICA E A SEMIÓTICA DA AÇÃO 2.1 – O Percurso Gerativo de Sentido em Algirdas Julien Greimas.........................................13 2.2 – No caminho da disjunção lírica........................................................................................14 2.3 – O retorno à conjunção......................................................................................................18CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................23 REFERÊNCIAS......................................................................................................................24 ANEXOS..................................................................................................................................26 8 INTRODUÇÃO O presente projeto consistiu em análise semiótica baseada na temática “entre o querer e o viver de um grande amor”, em alguns poemas e canções selecionadas do poeta Vinícius de Moraes. Nota-se metamorfose lírica em sua vasta obra, da década de 30 à década de 70. A cronologia das obras segue em: “O caminho para a distância”, “Novos poemas”, “Poemas, Sonetos, Baladas”, “Pátria Minha”, “Novos Poemas II” e “Poemas Esparsos”. Diante disso, fez-se este o primeiro critério pelo qual fora escolhido, pois traz consigo uma gama variada de objetos de análise. No decorrer da pesquisa, notaram-se certos padrões de ideologia e de estilística recorrentes, usadas para reafirmar o que já fora dito em outrora, ou em poemas de mesma época. De forma geralmente mais simples, sem mistérios, enigmas ou rebuscamentos, destacaram-se inúmeras paixões, mais explícita ou implicitamente que ainda, porém, permitem distintas formas de reflexão sob as vertentes da Semiótica. Para a realização deste trabalho, as análises se fundamentaram em teorias da Enunciação e seguiram as perspectivas da semiótica greimasiana. As influências francesas em epistemologia e literatura no Brasil foram marcantes durante o século XIX até a primeira metade do século XX, segundo Polleto (2005). Destaca- se Moraes como leitor de renomados simbolistas clássicos, representados principalmente por Rimbaud (1854-1891) e Baudelaire (1821-1867). Logo, compreende-se o autor ser possuidor de transformações de estilo que abrangeram seu próprio Simbolismo místico e o engajamento político, até enfim se afeiçoar ao característico requinte de amor ora platônico, ora sensual. De modos sensíveis e precisos descreveu ao longo da vida em canções/poesia suas concepções acerca do amor. Afinal, Moraes foi escolhido devido à estilística rica para os fins do projeto, que se sucede na validação do estudo semiótico descrito. Ao considerar os estudos aprofundados em Enunciação, vale relembrar Algirdas Julien Greimas (1917-1992) como seguidor dos princípios da análise estrutural1, e que Louis T. Hjelmslev (1899-1965) corrobora os postulados de Saussure, em que a Semiótica se ocupa do entendimento da significação existente no mundo. Assim, forma e substância expandiram- se na projeção dos planos de Conteúdo e de Expressão, oriundos do Significante e do Significado saussuriano, respectivamente. Esses mesmos conhecimentos possibilitaram o surgimento dos níveis de análise narrativa, que suscitaram no método do Percurso Gerativo de 1 Algirdas Julien Greimas (1917-1992), linguista lituano fundador da Escola de Semiótica de Paris. Seguiu a perspectiva de análise Estrutural de Saussure e Hjelmslev, baseado na concepção de que as estruturas narrativas podem se manifestar em qualquer tipo de texto. 9 Sentido, sugerido aqui por abranger os patamares convenientes à proposta e objetivo. Por meio do eixo semântico, o permear do quadrado semiótico pôde identificar os aspectos cíclicos da temática, e demonstrar o trajeto da euforia e da disforia envolvidas nos processos amorosos, enquanto exímia paixão do poeta. Assim, a análise dividida em duas partes sequencialmente identificou os aspectos da privação e da liquidação estabelecidos nos processos de transição conforme o desejo actancial. 10 CAPÍTULO 1 - DA VIDA DO POETA 1.1 Biografia pessoal e artística de Vinícius de Moraes Há muita controvérsia acerca da espiritualidade enquanto filosofia de vida de Vinícius de Moraes. De qualquer forma, é fato que pelo menos quando mais jovem foi um exímio católico, devido provavelmente à influência dos colégios jesuítas que frequentou na infância, além do batismo pela Maçonaria aos sete anos de idade. No decorrer da carreira e no sucesso provado ainda em vida, há os que digam que passou a ter ainda mais contatos e crenças religiosas, em contraste dos que acreditam que ele mais se aproximou de certo fascínio experimental religioso, - em costumes e credos do Candomblé - embora ateu no fim. (POWELL, Baden. “Evangélico, músico não diz mais saravá". In: Folha de São Paulo: Ilustrada. 1999) e (MAXIMO, João. “O carioca mais baiano do mundo”. In: Rádio Cultura Brasil, 2013). As inúmeras parcerias, a maturidade adquirida ao longo do sucesso, e a influência do movimento Bossa Nova - que ele mesmo fora precursor - o trouxeram simplicidade e fineza, como a ninguém mais. Seria o gosto pelo ato de sentir tantos amores, uma das paixões possíveis de se viver em vida? Sua grande força de vontade e de criação é descrita por Manuel Bandeira da seguinte forma: “Ele tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes as sutilezas barrocas), e finalmente, homem bem do seu tempo, a liberdade, a licença, o esplêndido cinismo dos modernos” (SIQUEIRA, s/d). Segundo Castello (1994), e Carneiro (2010) Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes nasceu no bairro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em 19 de outubro de 1913. No ano em que se passou a Semana da Arte Moderna em São Paulo (1922) e também Centenário da Independência, já começara a escrever seus primeiros poemas no colégio. Em 1929, torna-se bacharel em Letras pelo Colégio Santo Inácio, e no ano seguinte ingressa na Faculdade de Direito da Rua do Catete. A partir de então iniciaram amizades que marcaram sua vida, produz suas primeiras composições e começa a se apresentar em festas de amigos. Além de graduar-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 1933, incentivado pelo romancista Otávio Faria, publica então seu primeiro livro de poemas “O Caminho para a distância”. Logo em 1935, ainda aos 22 anos, publica “Forma e Exegese”, onde demonstra apego ao Simbolismo e indica fortemente sua matriz literária francesa, nas dedicatórias várias para Arthur Rimbaud, Claudel e Jacques Riviére. Reconhece o moralismo cristão (ALVES, 2010), e no limite dos dilemas entre a religiosidade e a aceitação de sua futura próxima 11 maneira de viver, já sinalizava temas de sua poética posterior, como “morte” e êxtase, entre a dor e a luz sentidas nos amores e na saudade da Terra Natal (SILVA, 2005). Com o início da Segunda Guerra Mundial, passa um tempo em Lisboa com Tati (sua primeira esposa), e esperando o navio de volta para o Brasil escreve o tão conhecido “Soneto da Fidelidade”. A década de 40 reluz uma escrita mais simplificada, carregada agora de temas sociais e sensuais. Em 1943, a publicação do quinto livro “Cinco elegias”, demonstra a grande colaboração dos amigos, e a parceria com Manuel Bandeira. O ano de 1945 traz o fim da Guerra, do Estado Novo de Getúlio Vargas, e a morte de Mário de Andrade, a quem foi dedicado os versos do poema “A manhã do morto”. Em 1947, se aprofundou no cinema norte- americano, e morava perto dos estúdios de Hollywood, onde conviveu com muitos atores, músicos e críticos do cinema. Casou-se nove vezes entre 1938 e 1980, ano de sua morte. É dito que viveu cada um dos momentos na mesma característica intensa, sempre em deleite sensível nas composições musicais e nos arranjos poéticos (BRAGA, 2013). Ao final da década de 50, teve a carreira de diplomata transferida para Montevidéu, e já nos anos 60 viu suas canções serem interpretadas na voz de inúmeros artistas. A gravação da maior parte das obras em parceriase fez a partir de então. 1.2 - Amizade e amores como fator de criatividade Em retrospecto ao valor das amizades, capaz de unir tão contrastantes pessoas, fez-se notar um comentário de considerável importância de Carlos Drummond de Andrade (GOIS, 2011): […] invejo o conceito que o Vinicius teve de vida, de independência de espírito, de falta de compromissos com as convenções sociais…fazia o que queria e sempre com aquela doçura, com aquela capacidade de encantar que fazia com que as donas de casa mais severas o adorassem [...]Único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão... eu queria ter sido Vinícius de Moraes. (GOIS, Claudiana. Vinícius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade. In: Entrestantes – Do pó à palavra, 2011.) Pode-se afirmar que transgrediu com as estéticas formais da poesia de sua época, para demonstrar sim, sua pessoal e ímpar forma de falar do famigerado amor. Dizia que as parcerias eram como o casamento, e que deveriam durar e terminar assim como acontece numa paixão de momento, conforme Braga (2013). Produziu inúmeras composições musicais com pessoas até 20 anos mais jovens, geralmente. Teve um percurso de vida que romperia os padrões sociais brasileiros até em tempos atuais, incomum pelos nove casamentos. As 12 variedades no estilo musical das amizades condiziam à sua linhagem literária mutável, passível de constante transformação. A peça “Orfeu da Conceição”, escrita em 1954, se tornou insígnia da vanguarda teatral brasileira (CICERO & FERRASZ, 2003), musicada dois anos depois com uma das parcerias de maior duração, com Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, conhecido por Tom Jobim. Dos casamentos: o primeiro foi com Beatriz Azevedo de Mello, conhecida como Tati de Moraes, ficaram juntos 11 anos e tiveram dois filhos (1938-1950). Regina Pederneiras (1945-1947), foi arquivista do Itamaraty e manteve relação com Moraes quando ainda era casado com Tati, que descobriu e posteriormente é dito que o perdoou, em Braga (2013). Lila Bôscoli (1950-1957) foi apresentada ao poeta pelo escritor Rubem Braga, e tinha 19 anos. Conviveu sete anos com o poeta, e com ele teve dois filhos. Maria Lúcia Proença (1957- 1963), conheceu Vinícius ainda na adolescência, era sobrinha do romancista e amigo Otávio de Faria. Estes se reencontraram quase 20 anos depois, e se reaproximaram. Nelita de Abreu (1963-1969) era namorada de um aluno de poesia, trocado pelo experiente boêmio. Separou- se pela relação com Cristina Gurjão, com quem teve uma situação mais tensa, em que sofrera uma tentativa de homicídio devido à traição com a baiana Gesse. Casou-se com Gesse Gessy (1969-1976) num ritual cigano, e com ela chegou a mudar-se para a Bahia. Marta Regina Santamaria (1976-1978), argentina que conheceu em um show em Punta del Este. Gilda Mattoso (1978-1980), era 39 anos mais nova, com quem por último se casou, e ficou junto até sua morte em 1980. Cada relacionamento foi composto por suas particularidades, e os relatos variados inferem que ele era tomado por um estado passional extremamente intenso, ainda segundo Braga (2013). As parcerias e a inconstância da vida amorosa foram afinal um dos fatores de maior incentivo e combustível à verve de Vinícius de Moraes. Sendo um sujeito que viveu à flor da ressignificação de suas experiências passionais, adiante segue a demonstração de uma das maneiras possíveis no trajeto sentimental de seu sujeito-lírico. 13 CAPÍTULO 2 - ENTRE A POÉTICA E A SEMIÓTICA DA AÇÃO 2.1 - O Percurso Gerativo de Sentido em Algirdas Julien Greimas Os estudos aprofundados acerca da semântica estrutural enfim resultantes na Semiótica, e a partir dela, a Semiótica das paixões e/ou da ação, se ocupou por tratar: das modalizações do ser; as relações actanciais advindas do discurso; e o percurso narrativo gerador do sentido. Relativizar esses elementos em uma análise, para compreender a montagem dos efeitos líricos/passionais se mostrou um modo contundente de se entender as narrativas. Entende-se por actante todo aquele ou tudo o que implica na realização dos atos (GREIMAS & COURTÉS, 1990), e a tratar do seguinte percurso gerativo de sentido, segundo Fiorin: O percurso gerativo é constituído de três patamares: as estruturas fundamentais, as estruturas narrativas e as estruturas discursivas. Vale relembrar que estamos no domínio do conteúdo. As estruturas discursivas serão manifestadas como texto, quando se unirem a um plano de expressão no nível da manifestação. Cada um dos níveis do percurso tem uma sintaxe e uma semântica. (FIORIN, 2007, p.75) O nível discursivo poderá ter os seguintes actantes: pessoa/ego, tempo/nunc e espaço/ hic. Esses actantes evocam simulacros de efeito, figurativizações, que na enunciação - de estado ou de fazer -, ainda em Fiorin (2000), possuirão relações de conjunção/posse ou de disjunção/privação. Assim, o percurso gerativo de sentido referente aos objetos selecionados, poderão ser percebidos baseados nos níveis fundamental e narrativo2, sempre contadas na voz de um sujeito enunciador da respectiva situação representada. A instância do ego - que anuncia e descreve o acontecido, e o nunc - instância temporal em que ocorrem as transições entre disjunção e conjunção - constituem então, os principais elementos a serem aqui ressaltados. No decorrer deste trabalho, se continuou repetida e sucessivamente a busca e a identificação das estruturas narrativas, instâncias de ego, hic e nunc, a corroborar com a análise e estudos semióticos greimasianos. Para melhor compreender os aspectos de uma Narrativa Complexa3 em Greimas & Fontanille (1993), é considerada a ação de um ser sobre outro, o elemento chave. Os seres só agem porque reagem a infinitos ciclos de manipulação uns sobre os outros, e dessa forma 2 A Semiótica da ação se constrói em 3 níveis essenciais: o Fundamental - em que a sintaxe narrativa revela os enunciados de estado e/ou de fazer -; o Narrativo - em que ocorrem as ditas modalizações do ser, nas relações de junção ou disjunção -; e o discursivo - revestirá os efeitos dos níveis anteriores, transformando enunciações em discurso concreto. 3 A Narrativa complexa expande o segundo nível das análises, segundo Fiorin, "Os texto são narrativas complexas, em que uma série de enunciados de fazer e de ser (de estado) estão organizados hierarquicamente. Uma narrativa complexa estrutura-se numa sequência canônica que compreende quatro fases: manipulação, competência, performance e sanção. (FIORIN, 2005, p29)". 14 funciona a enunciação. Consideremos hipoteticamente determinado sujeito/ser, que dotado de suas volições - inatas ou não - sente este querer, e para alcançar o que quer, de alguma forma ele terá de fazer algo a respeito. Ao executar um fazer persuasivo, já atuando pela manipulação, ele usará ou do seu saber, ou do seu poder, compondo assim sua competência. A modalidade do saber se faz na sedução ou na provocação, e em usufruto do poder, se construirá a tentação, ou a intimidação. A retomar a ação como primordial catalisadora e elemento essencial para que possa existir esta análise, poderia se considerar a mimese aristotélica uma das denominações ao ato de se fazer figurativização do pensamento. Tratando da variabilidade da forma lírica no decorrer das narrativas de distinto teor temático, o que se entende por “trágico” se encontra na totalidade do corpus textual selecionado. Aristóteles propõe a concepção fundamental da mimética, para distinguir os elementos naturais da arte literária, em seu exercício máximo de aperfeiçoamento da narração, e inserção de tempo, espaço e personagem, em Palhares (2013). Afinal, da importância da ação para Aristóteles: A imitação (mimese) de uma ação é o mito (fábula) [...] A parte mais importanteé a da organização dos fatos, pois a tragédia é a imitação, não de homens, mas de ações, da vida, da felicidade e da infelicidade (pois a infelicidade resulta também da atividade) [...] Daí resulta serem os atos e a fábula a finalidade da tragédia. Sem ação, não há tragédia (ARISTÓTELES, 1959, p. 299) Nota-se que a poética de Moraes pendula entre temáticas de contraste, em uma voz actante que entre a modalidade do saber e do poder, usam da tentação e da sedução para chegar aos respectivos objetos de desejo. Mesmo no caso em que o texto é poema ou canção, percebe-se a intensidade de cada um dos momentos narrados em algum instante do corpus textual. Moraes transpôs inúmeras de suas paixões em versos, que recorrentemente transmitem sua inteligibilidade para retratar as sensações vividas na duração de um amor. Demonstrou consciência firme de realidade, ciente da mortalidade do sentir humano, e tal como é a própria vida humana, o mesmo amor que “nasce”, para ele, um dia também “morre”. 2.2 - No caminho da disjunção lírica Para se chegar ao objetivo do trabalho, foi levado em consideração o fato de que: diferentes estados de espírito levam a, claro, diferentes formas de narrativas escritas. O contexto em que o excerto literário foi escrito interfere na desenvoltura da temática central, e entre euforias e disforias, conjunções e disjunções, os clímaces seguem os distintos desfechos 15 - sem revelar características que os fizessem parecer estados líricos isolados dos demais, apesar disso -. Então, levantou-se a hipótese de que dentro desse percurso gerativo, puderam se identificar momentos cíclicos, correspondentes a padrões similares na atitude da voz actancial. O suposto ciclo se faria de seguinte maneira: eis que existe o início, um estado de conjunção entre o ser e seu amor, o ser e sua pessoa amada. Num estado de transição, por desgaste ou o que seja, este amor que era expressado passa a se sentir cansado, incômodo, e já não é mais feliz como era, como foi. O mesmo incômodo se desfaz quando se concretiza no estado oposto-contrário, e o amor que era junto, agora constitui a separação entre os (ex) amantes. O ser, que agora está separado, sente saudades e quer o regresso do amor que partiu, em requintes de arrependimento melancólico. Logo, é no encontro de uma nova emoção, um novo amor, que tudo se inicia novamente, o azul se torna claro, e o amar apaixonado novamente ressurge. Logo, a primeira parte de seleção dos poemas demonstra o que seria a privação do ciclo compreendido no e pelo quadrado semiótico. Adiante na segunda parte, a liquidação é expressada. Para demonstrar o lirismo conjunto, o “Soneto da Fidelidade”, e "O verbo no infinito" no anexo I constituem o estado de conjunção. O primeiro poema, soneto italiano, seduz por meio da fidelidade ao sentimento, e exalta o momento em que se ama. Moraes faz salientar uma das maiores de sua estilística: a maturidade no ato amar. De todas as coisas possíveis, a qualidade de atencioso se mostra para ele, ser um dos pilares para que o amor vivido perdure. Vale notar que diferentemente dos estágios de transição (não-conjunção e não-disjunção) estas narrativas se desenvolvem de maneira linear, de modo que vem a enaltecer ou evidenciar apenas o sublime e ímpar estado da paixão, no único momento em que ocorre. Seguindo esta linearidade do querer, se nota nos textos o evocar dos agentes actanciais, e o gerar de um efeito enunciativo concreto. O caminho para amar é narrado sequencialmente, a partir do próprio percurso da vida, retratando euforias cientes e próximas da realidade humana como é. Se nota ressonância da maturidade mencionada, sem recrudescer os limites - como provavelmente seria numa paixão juvenil e inexperiente -, em que são infinitas a vontade e a existência do amor maior, apenas enquanto justamente durarem. Então, como faz uma criança, é dito sobre o conhecer a vida e o mundo pelo primeiro ato de comunicação humano: o choro. O eu cresce, tem contato com a natureza e a cultura, descobre o amor e logo após os choros que ele causa. Passa por todas as fases que percorre quem vive, e a estas emoções tem a chance de sentir. E sofre, e sente das indignações causadas pela perda, até que tudo se finda na chegada de um novo ser e nas 16 possibilidades de um novo querer. Um ponto interessante é ter sido usado “Ser criado”, e não por exemplo “ter nascido”, eis um possível indicativo de crença espiritual, com raízes nas premissas do Criacionismo. Ainda no primeiro poema, têm-se o ego conjunto ao amor, metaforizado pela "chama", em disjunção com seu próprio fim, encontrado na “morte”, e na “solidão”, tanto quanto no segundo fora percorrido o caminho natural da vida, em co-valência narrativa que tratou de 'começo' e 'fim'. O hic permanece predominantemente abstrato, mais relacionado ao momento em que as sensações experimentarão o mundo. O nunc indica temporalidade de duração incógnita aos ciclos do amor, relativizados aos da própria vida. Mas, como já é da própria ideologia do autor, todo sentimento tem seu declínio. O terceiro e o quarto poema "Amor como um rio", e o póstumo "Soneto do amor demais" (Anexo II) transmitem o estado de transição da privação. A não-conjunção presente evidencia o não contentamento com o que é vivido pelo actante. Pressupõe-se algum evento em que se desmanchou toda a grandiosa figura amorosa de antes: um amor real, maior que tudo e que o próprio tempo, mas que estranhamente não mais existe. O sujeito lírico em crescente desânimo até deixa de amar as coisas da vida, e os elementos da natureza com quem ele compartilhava todo os sentimentos eufóricos de antes. Tal concepção de amor efêmero, embora constante, faz parte das máximas paradoxais recorrentemente presentes na poética do autor. O dêitico do descontento se revela na paz do “drama”, e na mesmice fora forjado o “túmulo” do que seria perfeito demais, se não fosse estático. Mais que desencantado, identifica-se um ser contaminado pela falta de expectativas, que não ama mais receber sequer outros carinhos, leia-se: contato externo à bolha da paixão desencantada narrada. É posto que até amar a vida causa receio. O ego agora discursa tons de desabafo, percorre hic em um campo abstrato dos sentimentos conflitantes. A metáfora do amor como um rio é escolhida para enfatizar a necessidade primordial da movimentação que ele deve ter, posto que possui vida – assertiva pressuposta na maneira em que o ego fala a respeito deste, como fora dito, maior que tudo e que o tempo -. Ainda num abstrato, o rio assoma ao céu, se mistura na matiz das noites repetidas em que se pôs a pensar nisso, em “Iluminado de paixão na treva”. O medo psicológico, subjetivo e, portanto, humano, difere do medo de instinto, defesa inata aos animais num geral. Este dito medo de amar é pela probabilidade de se chegar novamente ao hic ideológico mergulhado na insatisfação. As configurações de nunc imersas na incapacidade para o amor, promovem o 17 desenvolvimento de narrativas disfóricas. Ainda sim, faz-se notar um possível e sutil requinte erótico presente na terceira estrofe do "Soneto do amor como um rio": "[...]Este amor meu é como um rio; um rio Noturno, interminável e tardio A deslizar macio pelo ermo[...]" (MORAES, V. "Soneto do Amor como um Rio", 1962.) O rio conduz o actante, que suave, irá de encontro ao mar, o espaço indomável que causa o choque, em alusão à figura feminina amada, e se fará infeliz caso seja choque estático. Subentende-se que o atrito é necessário e positivo, caso possua a mesma motricidade inerente à força da vida. Afinal, a partir de ”macio”, supostamente o mar e o cio poderiam deslizar pelo ermo. As reticências (não um ponto final) retomam a ideia do infinito, realização total onde odesejo se saciaria, e o mar “sem termo” poderia ser como o descrito rio ideal. A característica de um amor pobre, raso, volúvel ao tempo, é o que mais contraria o ego neste instaurado estado de não-conjunção. A situação de um amor que se desmonta e se finda, por ser incapaz de acompanhar o ritmo passional narrado pela voz actancial, é o retrato da disforia que segue rumo à separação, disjunção desse percurso por excelência. Assim, se percorreu: amante ----------------------- não-amante ----------------------- separado (conjunto - eufórico) (não-conjunto - disfórico) (disjunto - disfórico) No local em que se constrói o afeto entre o sujeito e o objeto, eis a intensidade da paixão, e seja ela positiva ou negativa, é expressada na enunciação do sujeito. Segundo Gomes (2011), a ação e a paixão são os moduladores tensivos motivadores desta mesma volição (disposição anímica, querer), e a depender do julgamento do enunciador, no caso do estado de não-amante, trata-se de uma disforia: No discurso, as paixões atuam de acordo com a determinação modal e as determinações tensivas. A intensidade é considerada, nesse caso, uma variável, presente no momento da avaliação e participa da modalização enunciativa, ou seja, ela depende do julgamento do sujeito da enunciação. É o sujeito da enunciação que escolhe, ao pronunciar-se sobre um determinado acontecimento, do que se trata tal acontecido. Se ao presenciar o fato o sujeito crê ter sido um incidente ou uma catástrofe, escolherá entre as duas de acordo com a intensidade que atribuiu ao fato disfórico (GOMES, 2011, p.87-88). Adiante se inicia a segunda fase do percurso, e a partir do oposto estado inicial do amante, o ser separado, agora narrará os outros aspectos complementares do querer. 18 2.3 - O retorno à conjunção Se o declínio da paixão é um processo que vai à disforia, a partir da separação é o caminho de volta. Tão intenso e preciso para o amor, para contar do desamor não foi diferente. Vinícius de Moraes descreveu aspectos líricos disfóricos, o estado de transição da não-disjunção entre o ser e a sensação que ele novamente busca nos objetos de desejo, e finalmente o regresso à euforia, em que o sujeito se faz conjunto ao que desejava. A liquidação corrobora para a comprovação do objetivo do projeto, salientando o ciclo passional promovido na voz poética do autor. O “Soneto da Separação” e "Ai de quem ama", vide Anexo III, retratam o exato estado disfórico, anunciam o alcançado quando o não-querer se consolida no ato da separação. O nunc enfático já em “de repente” e em “fez-se” consolidam o prévio estado de transição do não-amante, em separado. Nota-se um enunciado do fazer: “são os que mostram as transformações, os que correspondem à passagem de um enunciado de estado a outro. ” (FIORIN, 1997, p. 21). A canção "Ai de quem ama", de composição conjunta a Nilo Queiroz, se faz em narrativa tristonha, que mesmo sem as hipérboles trágicas recorrentes no estado anterior, transmitem bem o lamentar da situação contada. Percebe-se um ego que demonstra o estabelecer do ato da separação, mudança drástica nos pressupostos de união e tranquilidade de outrora. Assim: faz-se triste o que era amante, faz-se sozinho o que foi contente. É posto hic como uma existência triste, já que o ato de amar também o é, nesse estado passional disjunto. Em dada fala se explicita o amor existir soberano em relação às outras coisas: “O que é que existe? / O amor”. A vida se tornar uma “aventura errante” indica a premissa dos “caminhos”, que devem a partir de ali seguir seus rumos, ocorrência subentendida na situação da narrativa. A mesma máxima do que é repentino salienta a rapidez em que ocorre o fim da vontade do ‘estar junto’. A dinâmica do "Soneto da Separação" se constrói no principal uso dado às formas verbais “fez-se” e desfez”, e expressa a exímia constante da vida amorosa do autor, a inconstância (MORAES, J. V, 2009). A voz actante, num tom possivelmente conformado na melancolia em que todo o contexto se inscreve, continua até os versos finais determinando a mudança ocorrida, enunciando enfim, a temática das sensações envolvidas em uma separação. Apesar de, por um instante, demonstrar certa relutância a respeito dos amores de quem não mais tem por perto, a canção já enuncia uma situacionalidade distinta do soneto, em que o actante apenas anuncia a certeza da privação. Aquela, prossegue no aspecto em que o sujeito abre a primeira possibilidade de intenções rumo à não-disjunção. As sensações do sujeito 19 prosseguem no cantar e no sofrer de tamanha saudade. A mesma “saudade” é o indício principal que indica a transição do querer conjunto com seu objeto. É relembrada e enfatizada a dor que sente aquele que ama sozinho, portanto, sente sozinho. A mensagem explicitada é a do rompimento, e a dor que a saudade provoca no que já não está mais no alcance do que narra. Como complementar ao sentimento desta lírica, “Se o Amor quiser voltar” (Vinícius de Moraes & Toquinho, 1973.) - Anexo III - fortifica a ideia de retorno ao hic e nunc de um passado próximo. Vêm a se instaurar as evidências do negar da separação, e o regressar da volição rumo à conjunção eminente no estado do amante apaixonado. A condicional move a questão do poema, em que “se” produz o efeito da possibilidade, agente da tentação, caso aconteça o retorno do objeto. O eu lírico narra baseando-se no triste sentimento que a separação deixa como legado. Novamente em “adeus”, mantém-se a sensação da tristeza constante, em que o sofrimento de estar separado não é esquecido facilmente. Este nunc "vivido no silêncio" arremete ao luto da situação descrita continuamente, junto a “qualquer olhar”, que perceberá a devastação causada nos sentimentos pela despedida, enfim, pelo fim de uma relação. A hipérbole denotativa do morrer várias vezes em vida enfatiza mais uma vez o que ocorre com este actante enunciador, quando se separa: cada despedida é uma nova morte. Porém, inserida na possibilidade suscitada ao início, a adversativa “mas” nega a morte sentimental, em que, caso o dito amor insista, e queira retornar, lá estará o ego, esperando que o desejado evento se suceda. A figura masculina é culturalmente representada nos costumes ocidentais como a que é capaz de prometer qualquer coisa, para atingir o que procura. A segunda hipérbole “sempre” denuncia o ato maior de promessa a qualquer custo, ainda que improvável na realidade. Mas, é com tal efeito que segue se identificando o estado do ser, a ser expressado na forma do quadrado semiótico, em breve. A retomar, do querer: separado ----------------- não-separado (disjunção - disfórica) (não-disjunção - disfórica) A canção "Amor em paz" - em Anexo IV -, composta em parceria com Tom Jobim, arquiteta o retorno inscrito no percurso. Pode-se dizer que nela, o ego reafirma todo o processo já narrado nos outros textos, ao chorar e ao sofrer, por sentir o desespero na ausência da pessoa amada. Se infere desta situação um nunc já vivido, até o presente narrado. Ou uma rejeição, ou provavelmente o fim da relação com esta que causou o desespero, prenunciam o fim da tormenta: 20 “[...]Foi então Que da minha infinita tristeza Aconteceu você[...]” (Vinícius de Moraes & Tom Jobim, Rio de Janeiro, 1960.) O nunc indicador de um momento-agora, no presente, enaltece o encontro desse novo amor em alguém, e o actante então enuncia a euforia novamente. Sucedeu-se que foi (re)encontrada a razão para que não ocorram mais das ditas "mortes". Comprova-se que a morte lírica especificamente se tratava de morte eufórica, anulada no reencontro das sensações do amor conjunto. Arazão de viver então regressa às esperanças e à lírica do ego, que profetiza "não sofrer mais/ Nunca mais", pelo motivo de não haver nada comparável à sensação da ausência. Finalmente, "Eu sei que vou te amar" - Anexo IV - retorna à enunciação em estado de conjunção eufórica. O nunc que prediz do agora e do futuro, deixa subentendido um amor que existe e que vai continuar a durar, na voz de um eu estável e conjunto ao tu, alvo do enunciado. A instabilidade do amar difere da estabilidade da relação, e apesar de qualquer briga que nela ocorra, se reatará a união, e acontecerá reconciliação. É possível perceber a figura masculina novamente, historicamente baseada em promessas hiperbólicas e nas expressões da sedução: "por toda a minha vida", "desesperadamente", e "eterna desventura". A euforia de viver o retorno-após-retorno é o que cativa este actante, sob quaisquer sejam as circunstâncias. A sanção de toda a espera é o eterno retornar do tu. Pode se elucidar no quadrado semiótico afinal, o Percurso Gerativo de Sentido da compilação selecionada. Conseguir estabelecer trajeto de sentido numa sucessão de textos poéticos se trata de interpretar os processos parciais das figurativizações criadas neles: “O percurso gerativo do sentido é uma sucessão de patamares, cada um, dos quais, suscetível de receber uma descrição adequada, que mostra como se produz e se interpreta o sentido, num processo que vai do mais simples ao mais concreto” (FIORIN, 1997, p. 17). O amor platônico de Vinícius de Moraes reside nas variações do querer de seu sujeito actante, inscritos sob sua narrativa lírica ora constante e clássica, ora dramática, mas sempre sensual: 21 Como elemento final da comprovação de recorrência cíclica, a canção “Tomara”, anexo V, possui composição conjunta a Marília Medalha e Toquinho. Percebe-se na debreagem temporal da enunciação, indicadores do tom profético. E então o destinador tenta, de modo que “tristeza”, “saudade” e “ausência” são os elementos que convencerão o destinatário amado a voltar. Para a análise da canção, compreende-se em Fiorin, a debreagem e a embreagem como dois mecanismos usados na inserção de pessoa, espaço e tempo nos enunciados: Na medida em que, como mostra Benveniste, a constituição da categoria pessoa é essencial para a constituição do discurso e o eu está inserido num tempo e num espaço, a debreagem é um elemento fundamental do ato constitutivo do enunciado e, dado que a enunciação é uma instância linguística pressuposta pelo enunciado, contribui também para articular a própria instância da enunciação. Assim, a discursivização é o mecanismo criador da pessoa, do espaço e do tempo da enunciação e, ao mesmo tempo, da representação actancial, espacial e temporal do enunciado. (GREIMAS & COURTÈS, 1979, p. 79, apud FIORIN, 1999, p. 43) A voz actancial profetiza o arrependimento do ser amado. Por meio da tentação, expressa o denso desejo do retorno, de modo que um “sofrimento conjunto”, ainda seria mais feliz que uma “felicidade solitária”. A qualidade de amor verdadeiro é ressaltada, onde este não se desfaz nem com os efeitos dos possíveis desencontros que a vida proporciona. O chamado do momento é posto, agora como proposta da sedução: a necessidade de viver intensamente clama, num prenúncio de que não há tempo a perder. Valida-se nas próprias palavras do autor, o looping no seio do sentimento: “[...]Tomara Que a tristeza te convença Que a saudade não compensa[...] 22 Tece a mesma antiga trama Que não se desfaz[...]” (Vinícius de Moraes; Tom Jobim; Maria Medalha, Rio de Janeiro, 1974.) O tecer da “mesma antiga trama” traduz com excelência o processo em que ocorriam suas aventuras. O percurso da paixão de Vinícius de Moraes finalmente é traduzido pela ocorrência de novas e repetidas experiências, apreendidas apenas no viver dos amores. O “sensual”, como visto, adquire força máxima nas situações em que o lírico busca emergir-se no universo dos sentimentos. Nada mais para esse, pôde servir de infinita inspiração quanto a busca pelo novo, e a excitante sensação do arder da paixão. 23 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da busca sobre a vida de Vinícius de Moraes, compreenderam-se os principais pontos de sua vida, que corroboram e correspondem às crenças e ideias demonstradas em poemas, canções e obras num geral. Da semiótica na transição da poética notou-se principalmente: o quanto a instauração dos distintos ego, hic e nunc possibilitam o projetar dos efeitos das situações evocadas, e que essas mesmas projeções são o que possibilitam inferir Percurso Gerativo e Sentido delas. O “Amor platônico” se constitui das intenções de retorno dos bons elementos da conjunção amorosa e da forma explícita em que se narraram os requintes de amante apaixonado. O “Lirismo sensual” se encontra na estilística técnica em que o autor correspondia aos próprios sentimentos, que assim deixou como legado uma antologia artística de grande valia para a Literatura Brasileira. O percurso da paixão então se fez: no caminho entre o ato de amar, em um flertar poético perante os acontecimentos da vida. No intervalo do querer e do viver dos amores, insere-se o objetivo alcançado, perfazendo o ciclo parcial proposto. Resultou-se no entendimento de que a Semiótica das Paixões alcança Percurso Gerativo de Sentido nos textos, baseando-se no desenvolvimento das narrativas simples às complexas. As formas de construção das modalizações denunciam os efeitos escolhidos pela voz actante, em repetidos processos de manipulação entre os sujeitos envolvidos. Do trabalho, constatou-se o objeto de valor da paixão de Moraes: a substância cíclica que promove as eternas ressignificações de sua paixão em amar intensamente, e repetidamente. 24 REFERÊNCIAS ALVES, Rogerio Eduardo. 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Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.” (Estoril - Portugal, 1939) - palavras-chave: amor, infinito, dure. #2 - O verbo no infinito Ser criado, gerar-se, transformar O amor em carne e a carne em amor; nascer Respirar, e chorar, e adormecer E se nutrir para poder chorar Para poder nutrir-se; e despertar Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir E começar a amar e então sorrir E então sorrir para poder chorar. E crescer, e saber, e ser, e haver E perder, e sofrer, e ter horror De ser e amar, e se sentir maldito E esquecer tudo ao vir um novo amor E viver esse amor até morrer E ir conjugar o verbo no infinito... (Rio de Janeiro - Brasil, 1962) - palavras chave: chorar, amor, verbo. 27 ANEXO II #3 - Soneto do Amor como um Rio “Este infinito amor de um ano faz Que é maior que o tempo e do que tudo Este amor que é real, e que, contudo Eu já não cria que existisse mais. Este amor que surgiu insuspeitado E que dentro do drama fez-se em paz Este amor que é o túmulo onde jaz Meu corpo para sempre sepultado. Este amor meu é como um rio; um rio Noturno, interminável e tardio A deslizar macio pelo ermo E que em seu curso sideral me leva Iluminado de paixão na treva Para o espaço sem fim de um mar sem termo...” (Montevidéu – Uruguai, 1962.) - palavras-chave: rio, amor, tardio, infinito. #4 - Soneto do amor demais “Não, já não amo mais os passarinhos A quem, triste, contei tanto segredo Nem amo as flores despertadas cedo Pelo vento orvalhado dos caminhos. Não amo mais as sombras do arvoredo Em seu suave entardecer de ninhos Nem amo receber outros carinhos E até de amar a vida tenho medo. Tenho medo de amar o que de cada Coisa que der resulte empobrecida A paixão do que se der à coisa amada E que não sofra por desmerecida Aquela que me deu tudo na vida E que de mim só quer amor - mais nada.” (Rio de Janeiro, 2004) - palavras-chave: não, medo, amo. 28 ANEXO III #5 - Soneto da Separação “De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente.” (Oceano Atlântico, a caminho da Inglaterra, 1938.) - palavras chave: repente, sozinho, fez-se. #6 - Ai de quem ama Quanta tristeza Há nesta vida Só incerteza Só despedida Amar é triste O que é que existe? O amor Ama, canta Sofre tanta Tanta saudade Do seu carinho Quanta saudade Amar sozinho Ai de quem ama Vive dizendo Adeus, adeus (Álbum "Elizete interpreta Vinicius", 1963.) - palavras-chave: amar, saudade, adeus. #7 - Se o Amor Quiser Voltar Se o amor quiser voltar Que terei pra lhe contar 29 A tristeza das noites perdidas Do tempo vivido em silêncio Qualquer olhar lhe vai dizer Que o adeus me faz morrer E eu morri tantas vezes na vida Mas se ele insistir Mas se ele voltar Aqui estou sempre a esperar (Álbum “O bem Amado”, 1973.) - palavras-chave:voltar, morrer, esperar. 30 ANEXO IV #8 - Amor em paz Eu amei Eu amei, ai de mim, muito mais Do que devia amar E chorei Ao sentir que iria sofrer E me desesperar Foi então Que da minha infinita tristeza Aconteceu você Encontrei em você a razão de viver E de amar em paz E não sofrer mais Nunca mais Porque o amor é a coisa mais triste Quando se desfaz (Vinícius de Moraes & Tom Jobim, Rio de Janeiro, 1960.) - palavras-chave: amar, mais, paz. #9 - Eu sei que vou te amar “Eu seique vou te amar Por toda a minha vida eu vou te amar Em cada despedida eu vou te amar Desesperadamente, eu sei que vou te amar E cada verso meu será Pra te dizer que eu sei que vou te amar Por toda minha vida Eu sei que vou chorar A cada ausência tua eu vou chorar Mas cada volta tua há de apagar O que esta ausência tua me causou Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver A espera de viver ao lado teu Por toda a minha vida.” (Vinícius de Moraes & Tom Jobim, Rio de Janeiro, 1959) - palavras-chave: amar, toda, eterna, sei. 31 ANEXO V #10 - Tomara “Que você volte depressa Que você não se despeça Nunca mais do meu carinho E chore, se arrependa E pense muito Que é melhor se sofrer junto Que viver feliz sozinho Tomara Que a tristeza te convença Que a saudade não compensa E que a ausência não dá paz E o verdadeiro amor de quem se ama Tece a mesma antiga trama Que não se desfaz E a coisa mais divina Que há no mundo É viver cada segundo Como nunca mais” (Vinícius de Moraes; Tom Jobim; Maria Medalha, Rio de Janeiro, 1974.) - palavras-chave: tomara, saudade, mesma, nunca.
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