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DOENÇA DE PARKINSON 1. INTRODUÇÃO A doença de Parkinson (DP) é a se gunda doença neurodegenerativa mais comum, acometendo entre 2% e 3% da população acima dos 65 anos. Manifesta-se com caráter pre dominantemente motor, é progres siva e ligeiramente mais comum no sexo masculino. Anormalidades não motoras como distúrbios cognitivos, psiquiátricos e autonômicos, hipos mia (baixa sensibilidade olfativa), fa diga e dor também podem ocorrer, e algumas delas podem preceder as alterações motoras. A DP geralmente surge após os 50 anos, sendo consi derada de início precoce quando se instala antes dos 40 anos (cerca de 10% dos casos) e juvenil antes dos 20 anos (extremamente rara). e progressivo 2. FISIOPATOLOGIA Anormalidades não motoras incluem distúrbios cognitivos, psiquiátricos e autonômicos, hiposmia, fadiga e dor é de natureza genética, sendo que Na etiologia da DP interagem de for ma complexa fatores genéticos, am bientais (exposição a pesticidas e me tais pesados, desnutrição, obesidade) e o próprio envelhecimento. Em cerca de 10% a 15% dos casos, a moléstia mais de 20 loci já foram identificados. As formas genéticas da doença, ge ralmente, são de início mais precoce. Do ponto de vista fisiopatológi co, a expressão motora da DP é decorrente de uma deficiência na DOENÇA DE PARKINSON 4 transmissão dopaminérgica na via nigroestriatal, consequência do HORA DA REVISÃO: processo degenerativo que acomete os neurônios mesencefálicos nigrais. Os núcleos da base são os núcleos profundos do telencéfalo: núcleo caudado, putame e globo pálido. Além destes, existem também os núcleos associados, incluindo os núcleos ventrais anteriores e laterais do tálamo, o núcleo subtalâmico do diencéfalo e a substância negra do mesencéfalo. A principal função dos núcleos da base é influenciar o córtex motor, através das vias que passam pelo tálamo, auxiliando no planejamento e na execução dos movimentos uniformes. Também contribuem para as funções afetivas e cognitivas. As vias aferentes e eferentes dos núcleos da base são complexas. Quase todas as áreas do córtex cerebral se projetam, topograficamente, para o núcleo estriado (caudado e putame), incluindo os críticos impulsos vindos do córtex motor. O estriado se comunica, então, com o tálamo e, daí, o impulso volta ao córtex, por meio de duas vias diferentes: via direta e via indireta. Figura 1. Vias dos núcleos da base. É mostrada a relação entre o córtex cerebral, os núcleos da base e o tálamo. As linhas contínuas azuis mostram as vias excitatórias; as linhas marrons pontilhadas mostram vias inibitórias. O resultado final da via indireta é a inibição, enquanto o da via direta é a excitação. Fonte: Costanzo, Linda S. Fisiologia, 2014. DOENÇA DE PARKINSON 5 As eferências das vias indireta e direta, dos núcleos da base para o córtex motor são opostas e cuidadosamente balanceadas: a via indireta é inibitória, e a via direta é excitatória. Distúrbio em uma dessas vias prejudica o balanceamento do controle motor, aumentando ou diminuin do a atividade motora. Além do circuito básico das vias direta e indireta, existe mais uma conexão, de vai e vem, entre o estriado e a parte compacta da substância negra. O neurotransmissor que faz a co nexão de volta para o estriado é a dopamina. Essa outra conexão, entre a substância negra e o estriado, indica que a dopamina é inibitória (por meio de receptores D2) na via indireta, e excitatória (via receptores D1) na via direta. Na doença de Parkinson, as células da parte compacta da substância negra degeneram, re duzindo a inibição por meio da via indireta e diminuindo a excitação pela via direta. Atualmente, considera-se que a par ticipação de depósitos anormais da alfassinucleína (proteína de ação pré- -sináptica) esteja envolvida na etio patogenia da DP. Admite-se que, sob a influência dos fatores etiológi cos, ocorram alterações estruturais na molécula desta proteína que favo recem a sua agregação e o acúmulo em populações neuronais mais sus cetíveis, tais como substância negra, locus ceruleus, entre outras, levando à disfunção de organelas e sistemas celular que acarretam a morte neu ronal. Portanto, a DP é considerada uma proteinopatia da classe das si nucleinopatias, juntamente com de mência por corpos de Lewy e a atro fia de múltiplos sistemas. Do ponto de vista anatomopatológi co, há a ocorrência de perda neuro nal em diversas regiões do encéfalo com o aparecimento à microscopia de corpúsculos de Lewy, corpos de inclusão eosinofílicos no corpo dos neurônios, expressando o acúmulo de alfassinucleína. As manifestações motoras da DP decorrem principalmente da perda progressiva de neurônios da par te compacta da substância negra. A degeneração nesses neurônios é irreversível e resulta na diminuição da produção de dopamina. Manifes tações não motoras da doença tais como hiposmia, constipação intes tinal, depressão e transtorno com portamental da fase REM (rapid eye movement) do sono, podem estar presentes anos antes do surgimento das alterações motoras. DOENÇA DE PARKINSON 6 Figura 2. Principais manifestações motoras (em laranja) e não motoras (em marrom) da doença de Parkinson ao longo de sua evolução. Legenda: TCSR: transtorno comportamental do sono REM. Fonte: Tratado de Neurologia da Acade mia Brasileira de Neurologia, 2019. DOENÇA DE PARKINSON 7 3. QUADRO CLÍNICO Na DP a principal manifestação clí nica é a síndrome parkinsoniana, de corrente do comprometimento da via dopaminérgica nigroestriatal. Altera ções não motoras também estão pre sentes e decorrem em grande parte do envolvimento de estruturas fora do circuito dos núcleos da base. O parkinsonismo ou síndrome parkin soniana é um dos mais frequentes tipos de distúrbio do movimento e apresenta-se com quatro compo nentes básicos: bradicinesia, rigidez, tremor de repouso e instabilidade postural. O clássico “tremor de repouso” da DP tem características clínicas típi cas. Manifesta-se com uma frequên cia de quatro a seis ciclos por segun do, normalmente com uma aparência de “rolar pílulas” quando ele envolve a mão. Em geral, está presente quando o membro está em repouso completo e, frequentemente, reduz-se quando o membro se move e ocupa uma nova posição, embora possa surgir nova mente (“tremor reemergente”) em um tempo curto após a manutenção da nova posição. Uma vez que o tremor de repouso diminui ou se abranda com a ação, ele pode não ser incapa citante, mas pode ser constrangedor e estar associado à sensação de dor ou fadiga do membro afetado. Habi tualmente é acentuado pelo estresse (p. ex., pedir ao paciente para realizar cálculos mentais). Ele também está presente, de forma característica, nos membros superiores durante a mar cha. Um tremor postural e cinético de alta frequência (p. ex., 7 a 10 Hz) tam bém é comum em pacientes que têm diversas causas de parkinsonismo. A rigidez é uma forma de aumento no tônus muscular, mais bem obser vada nos movimentos passivos len tos, também denominada hipertonia plástica. Ela pode ser caracterizada como rigidez em “roda denteada”, quando um tremor está sobreposto, ou como rigidez de “cano de chum bo”, quando da ausência do tremor. A rigidez é “ativada” ou acentuada na avaliação clínica quando se pede ao paciente para mover o membro opos to àquele que está sendo examinado. Os pacientes podem queixar-se de dureza, porém, a rigidez geralmente não é incapacitante. A acinesia ou bradicinesia constitui uma variedade de distúrbios no mo vimento, incluindo lentidão, amplitu de reduzida, cansaço e interrupções no movimento em curso. Esse aspec to incapacitante do parkinsonismo interfere em todas as atividades vo luntárias e explica muitas das carac terísticas bem conhecidas do parkin sonismo: falta de expressão facial com o ato de piscar o olho reduzido (hipomimia ou fácies em máscara — o “olhar reptiliano”), fala baixa e mo nótona (hipofonia), deglutição alte rada resultando em baba (sialorreia), DOENÇA DE PARKINSON 8 caligrafia apresentando letra pequena (micrografia),redução da movimenta ção do braço durante a marcha, pas sos curtos e o andar com arrastar dos pés, dificuldade de se levantar de uma cadeira baixa e dificuldades de rolar na cama. A interrupção no movimen to em curso (“bloqueio motor”) pode interferir em diversas atividades. A repercussão da bradicinesia so bre a marcha determina a redução da amplitude dos passos e/ou arras tar os pés e a perda dos movimentos associados dos membros superiores caracterizando a marcha “em bloco”. Outras alterações da marcha even tualmente são a festinação, o blo queio da marcha (freezing) e a cinesia paradoxal. A festinação é caracterizada por uma aceleração involuntária da marcha, com inclinação para frente, como se o paciente estivesse buscando seu centro de gravidade, às vezes levan do a quedas. O bloqueio da marcha (freezing) ca racteriza-se pela perda abrupta da capacidade de iniciar ou sustentar a marcha, caracterizando-se como uma hesitação no seu início ou de uma frenação súbita da marcha, às vezes levando à queda, já que a inér cia tende a manter o corpo em mo vimento. O bloqueio de marcha pode surgir quando o paciente se depara com um obstáculo real, como uma pequena elevação do solo, ou apenas visual, como uma faixa pintada no solo. Outras vezes, uma situação de tensão emocional pode desencadear o fenômeno. Esse tipo de alteração da marcha é incomum nos primeiros anos de evolução da DP, mas tende a surgir com a progressão da mesma, podendo agravar consideravelmente a incapacidade motora. O bloqueio de marcha não costuma responder bem à reposição dopaminérgica o que su gere a participação de outros circui tos e neurotransmissores na gênese deste fenômeno. Fenômeno inverso ao bloqueio da marcha pode ocorrer na DP, ou seja, melhora abrupta e de curta duração do desempenho motor na marcha, quando sob forte emoção. Este fe nômeno é conhecido como cinesia paradoxal. O bloqueio da marcha e a cinesia paradoxal, diferentemente da bradicinesia, que é consequência do déficit dopaminérgico, podem es tar relacionadas com as oscilações de atividade noradrenérgica e/ou colinérgica. A bradicinesia é evidente no exa me clínico e é obtida testando-se os movimentos repetitivos rápidos e al ternados: movimentos repetidos e rápidos dos dedos da mão, abertura e fechamento do punho, pronação e supinação do punho, movimentos re petidos e rápidos dos dedos do pé e do calcanhar. DOENÇA DE PARKINSON 9 Os distúrbios posturais incluem postura flexionada nos membros e no tronco (postura símia, abaixada), bem como instabilidade postural re sultando em desequilíbrio e quedas. Os pacientes podem queixar-se da incapacidade de parar por si próprios, de ir para frente (propulsão) ou para trás (retropulsão). A avaliação clínica da instabilidade postural inclui o “tes te do puxão”, em que o examinador abruptamente puxa o paciente por trás enquanto está pronto para segu rá-lo em caso de uma queda. Outros sintomas, não motores, são extremamente comuns e incluem dor e outros distúrbios (sensitivos); pro blemas disautonômicos, tais como ur gência e frequência urinárias; tontura ortostática; obstipação intestinal; dis função erétil; anormalidades do sono, incluindo distúrbio comportamental do sono REM; ansiedade; cansaço; depressão e transtornos cognitivos, incluindo demência. Além das manifestações da própria doença, as complicações da terapêu tica farmacológica incluem flutuações relacionadas com as características motoras e não motoras, e transtornos psiquiátricos e comportamentais. As sim, nos estágios tardios da doença, o estado clínico frequentemente flu tua de hora em hora e até mesmo de minuto em minuto. Por conseguinte, os pacientes exibem uma mistura das características clássicas do parkin sonismo, as quais podem melhorar bastante em resposta à medicação, sintomas que persistem a despeito do grande benefício da medicação e sintomas que ocorrem como compli cação da medicação dopaminérgica. DOENÇA DE PARKINSON 10 PROBLEMAS SINTOMAS SINTOMAS TARDIOS RESISTENTES AO TRATAMENTO Motores Disartria Disfagia Bloqueio motor (congelamento do período de ativação) Instabilidade postural com quedas Não motores Disautonomia, perda de peso Sintomas sensitivos, incluindo dor (alguns podem ser responsivos à levodopa) Alterações no humor ou comportamento (depressão, ansiedade), distúrbios do sono (sonolência diurna excessiva frequentemente causada por ou agravada pelos fármacos dopaminérgicos) Distúrbio comportamental do sono REM (com movimento rápido dos olhos) (pode desenvol ver antes do parkinsonismo) Fadiga Disfunção cognitiva e demência RELACIONADOS AO TRATAMENTO DOPAMINÉRGICO E À DOENÇA Flutuações motoras Desgaste de efeito do fármaco (deterioração previsível do final da dose, acinesia matutina), aumento da latência ao benefício (“retardo de ativação”), falhas de dose (“sem ativação”) Fenômeno de “liga-desliga”, flutuações mais rápidas e imprevisíveis Flutuações concomitantes de sintomas não motores relacionados (“flutuações não moto ras”) que podem ser tão incapacitantes (ou mais) quanto sintomas motores Discinesias (moviment os involuntári os anormais) Discinesias de dose máxima: coreia, atetose e, menos frequente, distonia mais prolongada, geralmente pior no lado inicialmente afetado Discinesia bifásica (discinesias de “início da dose” e “final da dose”): misturas de coreoate tose, balismo, distonia, movimentos alternados (especialmente nas pernas) Distonia em período de desativação: na maioria das vezes envolvendo as pernas e pés (in cluindo distonia matutina nos pés) Distúrbios psiquiátricos Sonhos vívidos e pesadelos Alucinações visuais com um sensório claro Alucinações com confusão Mania, distúrbios de controle de impulsos (p. ex., hipersexualidade, vício em jogos de azar), vício em utilizar compulsivamente os medicamentos dopaminérgicos Psicose paranoica Tabela 1. Problemas na doença de Parkinson em estágio avançado. Fonte: Goldman-Cecil Medicina, 2018 DOENÇA DE PARKINSON 11 MAPA MENTAL: QUADRO CLÍNICO DA DOENÇA DE 4. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da DP é fundamental mente clínico, tendo os exames com plementares como auxiliares para descartar diagnósticos diferenciais. Ainda não é possível ser estabelecido com segurança o diagnóstico da DP na fase pré-motora ou prodrômica, mas a Movement Disorders Society tem pesquisado critérios diagnósti cos para esta fase da moléstia. Esses DOENÇA DE PARKINSON 12 critérios permitem delinear a probabi lidade de um indivíduo desenvolver a doença com base nos fatores de risco para DP, na presença de manifesta ções não motoras e em alguns bio marcadores (tais como cintilografia cerebral para estudo da via dopami nérgica e sonografia transcraniana). • O diagnóstico da DP envolve três passos, conforme proposto por Gibb e Lees: • A caracterização da síndrome parkinsoniana; • A identificação da causa do parkin sonismo e, portanto, exclusão de formas secundárias decorrentes de causas específicas e de for mas atípicas de parkinsonismo relacionadas com afecções neu rodegenerativas da meia-idade e as relacionadas com doenças de generativas ou dismetabólicas de causa genética de início nas pri meiras décadas de vida; A confirmação do diagnóstico clínico com base na resposta terapêutica à levodopa e na evolução da doença. O diagnóstico da forma da DP de iní cio precoce apresenta peculiaridades e é mais complexo, pois envolve um maior número de afecções quando comparado com a forma clássica da moléstia. Figura 3. Diagnóstico da doença de Parkinson. Fonte: Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia, 2019 DOENÇA DE PARKINSON 13 Passo 1: Caracterização da síndrome parkinsoniana A síndrome parkinsoniana tem quatro componentes básicos: bradicinesia, rigidez, tremor de repouso e instabili dade postural. Nos critérios diagnós ticos para DP propostos recentemen te pela Movement Disorders Society pelo menos dois desses componen tes, excluída a instabilidade postural (que não está presente em fase inicial da doença),são necessários para a caracterização da síndrome. A principal diferenciação do tremor da DP deve ser feita em relação ao tremor essencial (TE), condição muito mais frequente que a DP e de evolu ção benigna. O TE manifesta-se como um tremor cineticopostural simétrico (ou com discreta assimetria), geral mente nos membros superiores, mas podendo acometer o segmento ce fálico (tremor em afirmação ou nega ção) e voz. É uma doença bimodal na sua distribuição quanto à faixa etária (adulto jovem ou, mais comumente, acima de 50 anos), com história fami liar positiva em 30%-40% dos casos e, classicamente, com melhora sob o efeito de bebidas alcoólicas. Respon de bem ao tratamento com betablo queadores e primidona. TREMOR PARKINSONIANO TREMOR ESSENCIAL Repouso Postural Unilateral/Assimétrico Simétrico/Discreta assimetria Pode acometer áreas localizadas do segmento cefálico Pode acometer segmento cefálico História familiar positiva em 5-10% dos casos História familiar positiva em 30-40% dos casos Responde a drogas dopaminérgicas e anticolinérgicas Responde a betabloqueadores e primidona Melhora com álcool Tabela 2. Diagnóstico diferencial entre tremor parkinsoniano e tremor essencial. Fonte: Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia, 2019 DOENÇA DE PARKINSON 14 Passo 2: Identificação da causa da síndrome parkinsoniana A identificação da causa da síndrome parkinsoniana implica no reconheci mento de causas específicas (parkin sonismo secundário) ou de formas atípicas de parkinsonismo degenera tivo, como a atrofia de múltiplos sis temas (AMS), paralisia supranuclear progressiva (PSP), degeneração cor ticobasal (DCB) e demência com cor pos de Lewy (DCL). Excluídas estas possibilidades estaremos diante de uma forma primária de parkinsonis mo, ou seja, a DP. Nas formas da DP de início preco ce, que representam cerca de 10% a 15% dos casos, o quadro de diagnós ticos diferenciais é bastante distinto da DP que se instala na meia-idade e é representado pelas afecções de generativas ou dismetabólicas, geral mente de causa genética. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DO PARKINSONISMO DE INSTALAÇÃO PRECOCE Doença de Wilson Formas genéticas de distonia associadas ao parkinsonismo Neurodegenerações com acúmulo cerebral de ferro Calcificação estriato-pálido-denteada (síndrome de Fahr) Degeneração palidal (pura ou dentado-rubral-pálido-Luysiana) Neuroacantocitose Atrofias espino-cerebelares (tipos 2, 3 e 17) Demência fronto-temporal com parkinsonismo Forma rígida da doença de Huntington (variante de Westphal) Pré-mutação do gene do X frágil Tabela 3. Diagnóstico diferencial do parkinsonismo de instalação precoce. Fonte: Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia, 2019 DOENÇA DE PARKINSON 15 Passo 3: Confirmação do diagnóstico de DP com base na resposta terapêutica e evolução A boa resposta às drogas de ação dopaminérgica, especialmente a le vodopa, é um critério obrigatório para a confirmação do diagnóstico da DP. Entretanto, pacientes com outras do enças que se manifestam com parkin sonismo podem apresentar resposta positiva a essas drogas, ainda que in ferior à observada na DP. Entre estas doenças destacam-se aquelas que são mais difíceis de serem diferencia das da DP como a PSP e AMS. A evolução da DP é lenta e, sob tra tamento, os pacientes mantêm-se independentes pelo menos nos pri meiros 5 anos após a instalação das manifestações motoras da moléstia. Portanto, diante de uma evolução desfavorável, com limitações motoras graves após poucos anos do início da doença, o diagnóstico de DP deve ser colocado em dúvida. Outro aspecto a ser valorizado como confirmatório do diagnóstico de DP é o aparecimento, em longo prazo, de discinesias induzidas por levodopa. Exames complementares O diagnóstico da DP apoia-se am plamente na anamnese, exame neurológico e acompanhamento do paciente. Exames de imagem estru turais como a ressonância magnética e a tomografia computadorizada do encéfalo são utilizadas como auxí lio para a exclusão dos diagnósticos diferenciais. Outros exames complementares que podem ser utilizados como meio au xiliar no diagnóstico da DP são os exames de neuroimagem funcional, PET (positron emission tomography) e o SPECT (single photon emission computed tomography), a ultrasso nografia transcraniana, a cintilografia cardíaca com 123I-MIBG e o exame do olfato. Outra técnica que poderá trazer con tribuição futura para o diagnóstico da DP é a aferição em fluídos biológicos de marcadores (proteínas) envolvidos na etiopatogenia da DP, como a al fassinucleína, com o objetivo de dis tinguir indivíduos normais de porta dores da doença. Critérios diagnósticos para doença de Parkinson Nas tabelas a seguir constam os cri térios diagnósticos propostos pela United Kingdom Parkinson’s Disease Society Brain Bank (Gibb e Lees), que têm sido os mais utilizados nas últi mas décadas, e os critérios diagnós ticos propostos mais recentemente pela Movement Disorders Society. DOENÇA DE PARKINSON 16 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO LONDON BRAIN BANK Primeira etapa (caracterização da síndrome parkinsoniana): Critérios necessários para o diagnóstico da doença de Parkinson Bradicinesia E pelo menos um dos seguintes sintomas: 1. Rigidez muscular 2. Tremor de repouso 4-6Hz avaliado clinicamente 3. Instabilidade postural não causada por distúrbios visuais, vestibulares, cerebelares, nem proprioceptivos Segunda etapa (exclusão de outras formas de parkinsonismo): Critérios negativos (excludentes) para doença de Parkinson 1. História de acidentes vascular cerebral de repetição com sintomas em degraus 2. História de traumatismo craniano grave ou repetitivo 3. História definida de encefalite 4. Crises oculógiras 5. Tratamento prévio com neurolépticos 6. Remissão espontânea dos sintomas 7. Quadro clínico estritamente unilateral após três anos 8. Paralisia supranuclear do olhar 9. Sinais cerebelares 10. Sinais autonômicos precoces 11. Demência precoce com alterações de memória, linguagem ou praxias 12. Liberação piramidal com sinal de Babinski 13. Presença de tumor cerebral ou hidrocefalia comunicante 14. Resposta negativa a altas doses de levodopa 15. Exposição a MPTP (1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetra-hidropiridina) Terceira etapa (confirmação do diagnóstico): Critérios de suporte positivo para o diagnóstico de doença de Parkinson (3 ou mais são necessários ao diagnóstico) 1. Início unilateral 2. Presença de tremor de repouso 3. Doença progressiva 4. Persistência da assimetria dos sintomas 5. Boa resposta a levodopa 6. Presença de discinesias induzidas por levodopa 7. Resposta à levodopa por 5 ou mais anos 8. Evolução clínica de dez anos ou mais Tabela 4. Critérios diagnósticos do London Brain Bank. Fonte: Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia, 2019 DOENÇA DE PARKINSON 17 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA MOVEMENT DISORDERS SOCIETY Critério essencial Parkinsonismo definido pela presença de bradicinesia associada a rigidez e/ou tremor de repouso Critérios de suporte 1. Resposta clara e dramática a terapia dopaminérgica. Durante o tratamento inicial, o paciente deve retor nar a níveis normais ou quase normais de função. Na ausência de documentação clara da resposta inicial, a resposta dramática pode ser classificada como: a) Melhora marcada com incremento de dose ou piora marcada com redução da dose. Mudanças leves não são suficientes. Deve-se documentar isso objetiva (alteração da UPDRS III maior que 30% com a mudança do tratamento) ou subjetivamente (relato documentado de paciente ou cuidador do histórico de mudança) b) Flutuações on/off inequívocas e importantes, incluindo, em algum momento, a necessidade de presença do fenômeno de deterioração de fim de dose (wearing-off) 2. Presença de discinesias induzidas por levodopa 3. Tremor de repouso de membro documentado em exame clínico (atual ou passado) 4. Presença de perda de olfato ou denervação simpática com cintilografia com meta-iodo-benzil-guanidina (MIBG) Critérios absolutosde exclusão (a presença de qualquer um destes exclui a Doença de Parkinson) 1. Anormalidades cerebelares inequívocas como marcha cerebelar, ataxia apendicular ou anormalidades oculomotoras cerebelares (como sacadas hipermétricas, macro square wave jerk, entre outros) 2. Paralisia supranuclear do olhar vertical para baixo ou lentificação seletiva da sacada vertical para baixo 3. Diagnóstico provável, nos primeiros 5 anos de doença, da variante comportamental da demência fronto temporal ou da afasia progressiva primária definidas de acordo com critérios de consenso 4. Características parkinsonianas restritas aos membros inferiores por mais de 3 anos 5. Tratamento com bloqueador de receptor de dopamina ou um agente depletor de dopamina em dose e tempo consistente com parkinsonismo induzido por fármacos 6. Ausência de resposta a altas doses de levodopa, apesar da gravidade pelo menos moderada de doença 7. Perda sensorial cortical inequívoca (alterações na grafestesia, estereognosia, com modalidades senso riais primárias normais), apraxia ideomotora de membro ou afasia progressiva 8. Neuroimagem funcional normal do sistema dopaminérgico pré-sináptico 9. Documentação de uma doença alternativa conhecida que produz parkinsonismo e que seja plausivel mente ligada aos sintomas do paciente ou avaliação de especialista, que baseada na avaliação diagnóstica completa, sugere que um diagnóstico alternativo seja mais provável que a DP Sinais de alerta ou red flags DOENÇA DE PARKINSON 18 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA MOVEMENT DISORDERS SOCIETY 1. Progressão rápida da alteração de marcha, necessitando do uso regular de cadeira de rodas em até 5 anos do início dos sintomas 2. Ausência completa de progressão dos sintomas ou sinais motores no decorrer de 5 ou mais anos de doença, a menos que a estabilidade se deve ao tratamento 3. Disfunção bulbar precoce: disartria ou disfonia grave (fala ininteligível a maior parte do tempo) ou disfa gia grave (exigindo sonda nasoenteral, gastrostomia ou a utilização de alimentos menos consistentes) 4. Disfunção inspiratória: estridor inspiratório diurno ou noturno ou suspiros inspiratórios frequentes 5. Falência autonômica grave nos primeiros 5 anos de doença, incluindo: a) Hipotensão ortostática (diminuição da pressão arterial sistólica em pelo menos 30 mmHg ou da dias tólica em pelo menos 15 mmHg, dentro de 3 minutos de ortostase, na ausência de desidratação, uso de medicamentos ou outras doenças que expliquem a disfunção autonômica b) Retenção urinária ou incontinência urinária grave nos primeiros 5 anos de doença (excluindo inconti nência de longa data ou de pequena quantidade em mulheres) que não seja simplesmente incontinência funcional. Em homens, a retenção urinária não deve ser atribuída a doença de próstata e deve ser associada a disfunção erétil 6. Quedas recorrentes (mais de uma por ano) por alterações de equilíbrio dentro dos 3 primeiros anos de doença 7. Anterocolo desproporcional (distonia) ou contraturas de mãos ou pés dentro dos primeiros 10 anos de doença 8. Ausência de qualquer um dos sintomas não motores nos primeiros 5 anos de doença. Estes incluem alterações do sono (insônia, sonolência excessiva diurna, sintomas do transtorno comportamental do sono REM), disfunção autonômica (obstipação, urgência urinária diurna, hipotensão ortostática sintomática), hiposmia, manifestações psiquiátricas (depressão, ansiedade ou alucinações) 9. Sinais de trato piramidal inexplicáveis (fraqueza piramidal ou hiperreflexia claramente patológicas), ex cluindo assimetria leve de reflexos e resposta plantar extensora isolada 10. Parkinsonismo bilateral simétrico. O paciente ou o cuidador relatam simetria dos sintomas no início da doença e nenhuma predominância dos sinais é observada no exame objetivo Doença de Parkinson clinicamente estabelecida 1. Ausência de critérios de exclusão absolutos 2. Pelo menos 2 critérios de suporte 3. Ausência de sinais de alerta/red flags Doença de Parkinson clinicamente provável 1. Ausência de critérios de exclusão absolutos 2. Presença de sinais de alarme contrabalançados por critérios de apoio 3. Não mais do que dois sinais de alerta são permitidos Tabela 5. Critérios diagnósticos da Movement Disorders Society. Fonte: Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia, 2019 DOENÇA DE PARKINSON 19 MAPA MENTAL: DIAGNÓSTICO DA DOENÇA DE PARKINSON Passo 1: Caracterização da síndrome parkinsoniana Passo 2: Identificação da causa da síndrome parkinsoniana Passo 3: Confirmação do diagnóstico de DP com base na resposta terapêutica e evolução 5. TRATAMENTO A levodopa segue sendo a principal forma de tratamento da DP desde o seu lançamento comercial, no final dos anos 1960. É considerada uma “pró-droga”, pois seu efeito é decor rente da conversão para dopamina. Atua diretamente sobre a deficiência dopaminérgica que é a base fisiopa tológica dos sinais e sintomas moto res associados à doença. É a droga mais eficaz para o controle dos sin tomas motores, mas seu uso pode estar associado a problemas (espe cialmente no longo prazo), podendo ocorrer redução do tempo de efeito (wearing-off) e movimentos involun tários (discinesias). Um dos principais problemas da levo dopa é sua meia-vida curta, que é de 90 minutos. Os preparados comer ciais de levodopa vêm com drogas que bloqueiam a conversão da levo dopa no sangue periférico, permitin do uma maior entrada do fármaco no SNC e minimizando os efeitos adver sos da ação direta da dopamina sobre os receptores periféricos (hipotensão postural, náuseas e vômitos). Há dois inibidores periféricos da dopa desca boxilase (DDC) disponíveis comercial mente: a carbidopa e a benserazida. Manejo da fase inicial Nas fases iniciais da DP a utilização de preparados comerciais de levo dopa com inibidores da DDC é muito bem-sucedida na maioria das vezes. O uso de duas a quatro doses diárias de 50 ou 100 mg de levodopa per mite um efeito homogêneo e estável durante as 24 horas do dia. Nas fa ses iniciais ainda existem neurônios dopaminérgicos sobreviventes e com a entrada da levodopa no cérebro, parte dela é convertida em dopami na dentro do neurônio e é estocada em vesículas para ser utilizada poste riormente. Outra parte da levodopa é convertida em dopamina e é utilizada imediatamente no terminal sináptico. Com o passar do tempo, a reserva de neurônios dopaminérgicos vai escas seando e a maior parte da levodopa DOENÇA DE PARKINSON 20 passa a ser convertida em dopamina fora do neurônio dopaminérgico e o tempo de efeito passa a ser quase o mesmo que o de sua meia-vida (90 minutos). Esta é uma das razões para a ocorrência de uma das complica ções mais frequentes do tratamento da DP: o encurtamento do tempo de efeito (wearing-off). Todas as outras opções terapêuticas para o tratamento da DP são menos eficazes que a levodopa, mas têm meia-vida plasmática maior e, por tanto, um perfil de efeitos adversos diferente não estando associados a wearing-off e a discinesias. Temos como drogas com ação no sistema dopaminérgico, além da levodopa, os agonistas dopaminérgicos (rotigotina e pramipexol), os inibidores da MAO (selegilina e rasagilina) e os inibidores da COMT (entacapona e tolcapona). As drogas com ação fora do sistema dopaminérgico são os anticolinérgi cos (biperideno e triexifenidila - cada vez menos usados) e os antigluta matérgicos (amantadina). Os antico linérgicos, a selegilina e a amantadina são as drogas com menor capacidade para reverter a sintomatologia parkin soniana, mas que podem ter um pa pel útil no tratamento. COMO INICIAR O TRATAMENTO DA DOENÇA DE PARKINSON PRIMEIRO CONSIDERE O GRAU DE INCAPACITAÇÃO DO PACIENTE • Sintomas presentes, mas com pouco incômodo e nenhuma incapacitação: rasagilina, selegilina ou antico linérgicos ou amantadina • Sintomas incomodam, mas não incapacitam ou incapacitam pouco: agonista dopaminérgico ou levodopa • Sintomas incomodam e há uma considerável incapacitação: levodopa DEPOIS CONSIDERE A IDADE DO PACIENTE • Paciente commais de 70-75 anos podem não tolerar bem a selegilina, rasagilina, anticolinérgicos e ago nistas dopaminérgicos: opte por levodopa de saída Tabela 6. Como iniciar o tratamento da doença de Parkinson. Fonte: Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia, 2019 DOENÇA DE PARKINSON 21 Manejo da fase avançada Na fase avançada, individualizamos a estratégia de acordo com o tipo de complicação. No encurtamento do efeito (wearing-off) ou com discine sias tendemos numa primeira etapa a fracionar o número de tomadas da le vodopa e, em etapas seguintes, adi cionar outros medicamentos. Pacientes com demora em iniciar o efeito (retardo no on) podem benefi ciar-se de levodopa na forma disper sível, diluída em água. Pacientes com acinesia noturna, interferindo na qua lidade do sono, podem beneficiar-se de apresentações de liberação gra dual da levodopa. Tratamento dos sintomas não motores Os sintomas não motores, como de pressão, demência, sintomas psicóti cos, constipação intestinal e hipoten são postural, também devem ser tratados. Tratamento cirúrgico A principal indicação para o trata mento cirúrgico é para os casos em que ocorrem as complicações moto ras de longo prazo apesar da melhor combinação de drogas antiparkinso nianas. Pode ser feito com cirurgias ablativas (talamotomia, palidotomia e subtalamotomia) ou com estimulação cerebral profunda através da implan tação de eletrodos nos núclos subla tâmicos ou pálidos (DBS – Deep Brain Stimulation). Manejo não farmacológico A fisioterapia e a fonoterapia podem ser indicadas em qualquer fase da doença, sempre em combinação com o tratamento medicamentoso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Gagliardi, Rubens J. Takayanagui, Osvaldo M. Tratado de Neurologia da Academia Brasi leira de Neurologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019. Costanzo, Linda S. Fisiologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. Goldman, Lee. Schafer, Andrew I. Goldman-Cecil Medicina, volume 2. 25. Ed. Rio de Janei ro: Elsevier, 2018. DOENÇA DE PARKINSON 25
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