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FORMAR O PROFESSOR 
PROFISSIONALIZAR O ENSINO
PERSPECTIVAS E DESAFIOS
Betania Leite Ramalho 
Isauro Beltrán Nuñez 
Clermont Gauthier
i.ililoru Sulina
© Ramalho, Betania Leite, 2003
Capa: Fósforo Gráfico/Vitor Hugo Turuga 
Projeto gráfico e editoração: Daniel Ferreira da Silva
Editor: Luis Gomes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
Bibliotecária Responsável: Ginamara Lima J. Pinto CRB 10/1204
R 165 Ramalho, Betania Leite
Formar o professor, profissionalizar o ensino 
perspectivas e desafios / Betania Leite Ramalho,
Isauro Beltrán Nuñez e Clermont Gauthier Porto Alegre: 
2'ed. Sulina, 2004.
208p.
ISBN: 85-205-0340-2
1. Educação - Ensino 2. Professores - Formação Profissional 
3. Meios de Comunicação I. Título
Iodos os direitos desta edição reservados
a Editora Meridional. Lida.
Av. Osvaldo Aranha, 440 cj. 101 Bom Fim Cep: 90035-190 Porto Alegre - RS 
Tel: (0xx51) 3311 -4082 
Fax:(0xx51) 3264-4194 
www.editorasulina.coin.hr 
e-mail: sulina@editorasulina.com.hr
CDD: 370.7
370.116
Outubro/2004
Impresso no Brasil/Printed in Brazil
http://www.cdilorasulina.coin.hr
mailto:sulina@editorasulina.com.hr
Prefácio
O debate Formar o Professor, Profissionalizar o En-
sino continua ganhando espaço no debate acadêmico junto 
aos pesquisadores, no âmbito das políticas educacionais e 
nas agências formadoras de professores(as).
Esse debate precisa de uma problematização das ca­
tegorias profissão, profissionalização, formação e desen­
volvimento profissional da docência, entre outras, no mo­
mento em que a idéia de profissionalizar o professor(a), 
por vezes aparece como a solução aos problemas da edu­
cação, diminuindo o efeito de um conjunto de fatores que 
configuram a complexidade da educação. A questão da 
formação e profissionalização docente exige a busca e cons­
trução de referências autóctones que atendam à especifici­
dade da formação de professores para um país como o Bra­
sil, sem deixar de considerar as valiosas contribuições de 
autores de outros países.
O entusiasmo que a nova perspectiva da profissiona­
lização do trabalho docente nos trouxe em relação a uma 
mudança qualitativa no agir e na prática docente nos esti­
mulou a elaborar esse conjunto de referências que traduzem 
a forma como nós, no atual contexto de importantes mu­
danças propostas para o trabalho do ensino, imaginamos que 
possa compor um programa de formação inicial de profes­
sores que tem como desafio ensinar alguém a ensinar.
Este livro é o resultado de um exercício de persis­
tência. de crédito no trabalho em grupo, em equipe. Trata- 
se de um conjunto de idéias que foram sendo desenvolvi­
das com os trabalhos iniciais dos seus autores, de refle-
xões que foram configurando nossa compreensão a res- 
peito da docência, do ensino, da aprendizagem e da formação de 
professores na perspectiva da profissionalização. Foram temas 
gestados, aprofundados e discutidos nos 
vários seminários que realizamos sobre essa temática, desde 
a criação do Grupo de Pesquisa Formação e Profissiona- 
lização Docente da UFRN em 1995, nas orientações de
leses, dissertações, monografias. assim como de projetos 
de pesquisas e publicações. O estudo contou com a cola- 
boração de vários colegas professores e alunos da pós-gra- 
duação e da graduação. Este livro está dedicado a todos 
aqueles que acreditam na capacidade de mudanças quali 
tativas no fascinante mundo da educação, em especial aos 
professores(as) da educação.
O interesse que os professores e pesquisadores têm 
manifestado sobre as idéias aqui apresentadas nos levou, 
junto com a Editora Sulina, à publicação desta 2ª edição 
revisada.
Os Autores
Sumário
INTRODUÇÃO, 9
1. UM QUADRO PARADIGMÁTICO PARA A MUDANÇA:
A PROPÓSITO DA FORMAÇÃO E DA PROFISSIONALIZAÇÃO 
DOCENTE INICIAL, 17
1.1. Introdução, 17
1.2. A busca de um paradigma emergente 
na formação do professor, 21
1.3. A convergência das três referências no 
modelo emergente da formação inicial, 24
1.3. 1. A reflexão, 25
1.3.2. A pesquisa como atividade profissional, 26
1.3.3. A crítica, 31
1.4. A questão da profissionalização da docência, 38
1.4.1. A profissão docente à luz da sociologia clássica, 42
1.4.1.1. Modelo fásico ou dos traços ideais, 42
1.4. 1.2. Modelo de profissão como processo, 44
1.4. 1.3. Modelo de poder, 45
1.4.2. A busca da profissionalização da docência , 47
1.4.3. A profissionalização em duas dimensões, 5 1
1.4.3. 1. A profissionalização como processo
interno (profissionalidade), 51
1.4.3.2. A profissionalização como processo externo 
(profissionismo ou profissionalismo), 52
1.4.3.3. A profissionalidade como estado e processo, 53
1.4.3.3.1. O professor improvisado, 55
1.4.3.3.2. O professor artesão, 55
1.4.3.3.3. O professor técnico (ideal que não funcionou), 57
1 .5. O professor como profissional:
o nascimento de uma nova legitimidade, 60
1.6. Profissão e desenvolvimento profissional, 65
1.7. A competência como eixo na formação docente profissional, 69
1.7.1. A competência é mostrada em um contexto real, 74
1.7.2. A competência se situa numa variação de estado 
que vai do simples ao complexo, 75
1.7.3. A competência se baseia sobre um conjunto de recursos, 75
1.7.4. A competência não se reduz aos recursos do indivíduo, 76
1.7.5. A competência é a ordem do saber mobilizar 
no contexto da ação, 76
1.7.6. A competência exige não somente o saber-mobilizar 
mas também o saber de seu savoir-faire, 77
1.7.7. A competência como saber agir é uma prática intencional, 77
1.7.8. A competência é também um projeto, uma finalidade, 77
1.7.9. Uma competência é uma potencialidade de ação, 78
1.7.10. O agir competente (atuação) é um ato bem sucedido, 78
1.7.11. O agir competente é imediato e eficiente, 79
1.7.12. Uma competência é uma capacidade de agir com estabilidade, 79
1.8. Notas conclusivas 91
1.9. Referências, 94
2. PARA SABER O RUMO DA MUDANÇA:
A PROPÓSITO DE UM MODELO PROFISSIONAL, 97
2.1. Introdução, 97
2.2. A definição do tipo de profissional docente, 99
2.3. Por que o modelo profissional?, 103
2.4. A formação inicial como base da 
profissionalização docente, 107
2.4. 1. As situações-problemas da profissão: 
base do modelo profissional, 107
2.5. O modelo profissional, 110
2.6. Métodos de definição do modelo profissional, 1 17
2.6. 1 Método de expertos ou peritos, 117
2.6.2. Método do prognóstico qualitativo das tendências do 
desenvolvimento futuro das distintas esferas 
da atividade profissional, 118
2.6.3. Método teórico, 119
2.6.3.1. Sujeito da atividade , 119 
2.6.3 2. Objeto da atividade , 1 1 9
2.6.3.3. Motivos, 120
2.6.3.4. Objetivos, 120
2.6.3.5. Sistema de operações , 120
2.6.3.6. A base orientadora da ação , 121
2.6.3.7. Os meios, 121
2.6.3.8. As condições , 121
2.6.3.9. O produto, 122
2.7. Conclusão, 128
2.8. Referências, 131
3. MUDAR A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR:
A PROPÓSITO DE NOVAS ESTRATÉGIAS FORMATIVAS, 133
3.1. Introdução, 133
3.2. Fundamentos para uma estrutura curricular, 134
3.3. Construir a estrutura curricular: princípios norteadores, 138
3.4. Organização curricular, 149
3.4. 1. Estrutura vertical: níveis do currículo, 149
3.4.2. Organização horizontal: as disciplinas docentes, 152
3.4.3. A organização dos recursos por ciclos, 158 
3 4.3.1. O ciclo de formaçao geral, 159
3.4.3.2. O ciclo básico, 160
3.4.3.3. O ciclo básico específico , 161
3.4.3.4. O ciclo de consolidação para o exercício da profissão, 162
3.4.4. Os componentes das disciplinas: 
acadêmico, trabalhista e de pesquisa, 166
3.4.4.1. O componente acadêmico, 166
3.4.4.2. O componente trabalhista, 167
3.4.4.3. O componente pesquisa, 171
3.5. Conclusões, 175
3.6. Referências, 177
4. O RISCO DE MUDAR PARA NÃO MUDAR: 
DO IDEALISMO À REALIDADE, 179
4.1. Introdução, 179
4.2. A formação de um docente profissional: 
exigências e desafios, 182
4.3. Exigências de uma formação segundo a aproximação 
pelas competências, 197
4.4. Exigências de uma nova proposta curricular, 202
4.5. Conclusão, 205
4.6. Referências, 208
Introdução
Criadoem 1995, o Grupo de Pesquisa Formação e Pro- 
fissionalização Docente da UFRN (GP-FPD) dedicou-se a 
investigar os processos formativos de futuros professores/as 
sob a perspectiva da profissionalização docente. Iniciaram 
questionando: Qual a natureza do trabalho docente? Que tipo 
de trabalho é a docência? Que deve ser garantido para que o 
trabalho docente avance na direção de uma profissão? Que 
profissão é a do ensino? Quais fatores contribuem para a des- 
profissionalização do magistério? Como profissionalizar o 
ensino docente, a docência e as agências formadoras? Que 
base de conhecimentos, saberes, habilidades e competências 
devem ser assegurados para serem mobilizados no trabalho 
docente, no meio escolar ou fora dele? Essas e outras ques- 
tões foram norteando a direção dos estudos do Grupo, coor- 
denado pelos professores Betania Leite Ramalho e Isauro 
Beltrán Nuñez, acumulando e ampliando seu referencial e 
seus interlocutores, seja no Brasil ou fora dele.
Assim que, em 1997, tivemos a satisfação de conhe- 
cer o colega Clermont Gauthier, da Université Lavai/Que- 
bec/Canadá um pesquisador de referência no Centro de Pes- 
quisa Interuniversitária sobre a formação e a Profissão Do- 
cente (CRIFPE). As coincidências entre as questões de inte- 
resse mútuo nos possibilitaram uma importante interlocu- 
ção entre o prof. Gauthier e nós. Assim que, a partir de 1997, 
passamos a desenvolver estudos conjuntos, apoiados pela 
CAPES/CNPq, UFRN e Université Laval, facilitando a troca 
de idéias, a organização de jornadas de trabalho, seminári- 
os, participações em eventos, seja em Natal, na UFRN, na 
UFC, ou mesmo em Laval/Quebec. Essa parceria, ao longo
9
desses seis anos de convívio acadêmico, encontra seu regis- 
tro mais expressivo aqui neste livro, escrito a seis mãos.
A proposta do presente livro é lançar uma breve re- 
trospectiva dos estudos e reflexões que vimos produzindo 
no Grupo, cuja preocupação central pautou-se na compre- 
ensão e na busca de uma identidade para a docência profis- 
sional, e, assim, defender a formação (superior) como a base 
inicial da profissionalização docente (Ramalho, 1995).
Nessa perspectiva, admite-se que uma construção teóri- 
ca a respeito do conhecimento profissional do/a professor/a 
como paradigma norteador do processo formativo de futuros 
docentes, orientados nos conceitos de profissão, profissionali- 
zação, docência, ensino, aprendizagem, dentre outros, con- 
siderando as necessidades formativas do professorado a partir 
de suas práticas atuais e perspectivas, permitirá surgir um novo 
entendimento, enquanto referência, para nortear a concepção 
de Formação de Professores. Consequentemente daí poderão 
surgir, igualmente, novos estilos de “educar” os futuros profes- 
sores e uma boa oportunidade para ajudar a elevar o nível pro- 
fissional da docência no seu campo de trabalho: o espaço edu- 
cativo da escola e da sala de aula, nas relações com a família e 
a sociedade.
Procurar revelar as peculiaridades do conhecimento 
profissional (saberes, habilidades, competências, atitudes, 
etc.) do/a professor/a quando na preparação ou exercício do 
metier, assim como a influência que estes exercem no pro- 
cesso de formação-reformação da docência, são os desafios 
mais significativos que iluminam nossos propósitos.
A transformação acelerada das sociedades ao longo 
da última década criou novas expectativas em relação a 
escola e provocou fortes pressões nos sistemas educativos, 
ficando claras as tendências que se delineiam no início do 
século XXI. Com efeito, em quase todos os continentes e 
em muitos países do ocidente observamos propostas de
10
transformações profundas dos sistemas de educação, seja 
no nível da educação fundamental, do ensino médio ou 
universitário. Contudo, como fato novo, as reformas que 
passam a surgir interpelam, de forma específica, as orien- 
tações, os conteúdos e os dispositivos de formação para o 
ensino. Dessa forma, um argumento largamente: utilizado 
resume-se na seguinte proposição: grosso modo, no con- 
texto atual, o progresso das sociedades liga-se, em parte, à 
qualidade de educação fornecida, que depende por sua vez 
da formação daqueles que ensinam e educam.
Foram principalmente os relatórios americanos do 
Grupo Holmes e do Fórum Carnegie em Educação e Eco- 
nomia que iniciaram esta onda de reformas dos Pirogramas 
de Formação para o ensino, centrado na profissionalização 
do docente, que se tornou progressivamente uma tendên- 
cia forte, fazendo parte da agenda de numerosos países 
nos hemisférios Norte e Sul.
No Brasil, desde o início dos anos 90 assistimos à 
emergência de novos discursos visando à formação e à 
profissionalização do ensino desde novas perspectivas. 
Anteriormente, a formação docente estava centrada prin- 
cipalmente na aquisição de saberes acadêmicos e discipli- 
nares e numa racionalidade fechada, exógena aos profes- 
sores. Na atualidade, a formação para o ensino torna pro- 
gressivamente, contudo, uma nova direção, centrada na 
aprendizagem de competências profissionais. Assim que a 
profissionalização do ensino implica dois ingredientes fun- 
damentais: a profissionalidade e profissionalismo. A pri- 
meira diz respeito aos saberes, competências, atitudes, etc. 
do agir profissional, e a segunda volta-se para a busca de 
reconhecimento social, de um maior status do grupo, etc.
Apoiados nos estudos de grande expressão nesta 
temática, seja em nível nacional ou internacional, temos 
observado que tem se mantido no âmbito do magistério
(sobretudo em contextos sociais e estruturais brasileiros 
pouco desenvolvidos), uma certa “tradição” formativa cujas 
consequências mais marcantes recaem na forte relação entre 
“docência desprofissionalizada e ensino desqualificado” 
(Ramalho, 1993). Com esta relação problemática quere- 
mos sugerir que, além da crise de identidade profissional 
da categoria, há também um enorme déficit de competên- 
cias na hora de formar o professorado, reforçando nosso 
entendimento de que se algo anda mal com o que resulta 
do ensino, isto muito tem a ver com o que são os/as pro- 
fessores/as (como pensam e praticam o métier), como é 
tratado institucionalmente o ensino e as condições dos con- 
textos do exercício da profissão.
Convém esclarecer, já de início, que para nos o pro- 
fessorado é e continuará sendo o elemento primordial do 
processo educativo formal, o dinamizador e mediador da 
aprendizagem. Não obstante, não podemos centrar nos pro- 
fessores e professoras toda a responsabilidade a respeito 
dos resultados educacionais, embora pareça justo admitir 
que mudança alguma possa ocorrerem seu campo de tra- 
balho sem que eles assumam a responsabilidade pelo que 
fazem e o comando de sua profissionalidade. Por esta ra- 
zão, nossos estudos, declaradamente, centram sua atenção 
no processo formativo inicial e não no estudo do produto 
(efeito) do trabalho docente junto ao alunado e demais seg- 
mentos envolvidos.
Na relação acima citada, procuramos aprofundares 
tudos na perspectiva de investigar: Como tem sido prepara- 
do alguém para o trabalho docente? Que obstáculos 
(epistemológicos, práticos, pedagógicos) tem contribuído 
para limitar a configuração do trabalho do ensino como uma 
atividade profissional, exercível por alguém que, detendo 
um conhecimento especializado e peculiar a este grupo, de- 
corrente de um processo formativo exigente, estaria forte-
12
mente credenciado e legalmente habilitado para fazer uso 
desse conhecimento na sua atividade profissional?
Outras questões vem desafiando a todos nós, ganhan- 
do grande significado: Qual o núcleo e que bases teórico- 
metodológicas caracterizam e definem o processo formativo 
de futuros docentes? Que estilos formativos são assumidos 
pela agencia formadora? Que precisa saber e fazer o 
professor(a)-formador(a) de futuros professores(as) para con- 
tribuir para profissionalizar o futuro docente? Qual a nature- 
za, origem, especificidade e valor desses saberes? Que estra-tégias formativas facilitariam a construção-reconstrução das 
competências dos futuros docentes numa perspectiva da 
profissionalização? Que praticas formativas orientariam a 
construção das competências que possibilitariam um maior 
nível de profissionalização do futuro docente? Em que 
racionalidades e bases epistemológicas e filosóficas precisa- 
ria apoiar-se o professor(a)-formador(a)em seu métier? Como 
os conceitos de profissão, profissionalização e competência 
poderiam orientar as práticas formativas em construção? Que 
alternativas pedagógicas contribuiriam para produzir um novo 
estilo formativo e profissional para a docência?
Estas e outras questões sinalizam para uma outra preo- 
cupação fundamental que permeia todas as nossas argumen- 
tações: Como a formação de futuros docentes poderá contri- 
buir para elevar o magistério ao status de profissão? Sabemos 
que estamos tocando em problemas extremamente delicados 
e de complexibilidades diversas, o que nos leva a centrar a 
atenção em “pontos” nucleares da docência: a base de conhe- 
cimentos privados (concepções, atitudes, hábitos, competên- 
cias, etc.), a prática peculiar e autônoma dos docentes, o reco- 
nhecimento/status/estilo de exercitar a docência, os salários, 
as condições sociais (de benefícios) e de trabalho, etc.
Sem deixar de considerar as razões e o contexto (só- 
cio-histórico-estrutural) que configuram a tradição educa-
13
tiva e a lógica formativa entre nós, temos a consciência de 
estar transitando num terreno movediço, contraditório e 
melindroso que nos leva a reconhecer o que fazemos nós, 
professores, em nosso campo de trabalho e a identificar o 
que somos e o que queremos ser em nosso métier. Nesta
perspectiva, procuramos discutir determinadas temáticas 
que nos têm motivado, como professores e pesquisadores, 
partindo de um “exame de consciência” da nossa militân- 
cia na docência, a buscar alternativas que elevem o status 
de nosso trabalho no âmbito da educação.
Se a idéia de abordar a formação para o ensino numa 
perspectiva do desenvolvimento de competências profis- 
sionais é atraente, em um primeiro olhar, e suscita uma 
adesão forte em numerosos países, percebemos, contudo, 
que o discurso sobre as competências é ainda abstrato e 
que teve origem em países com economia forte nos seto- 
res próximos das empresas privadas. O exame das influên- 
cias da formação de competências para a docência é com- 
plexo e requer ainda um longo caminho a percorrer
Neste trabalho, nossa intenção é de propor a reflexão 
de algumas idéias gerais concernentes ã formação como 
base da profissionalização do ensino e de examinar como 
estas idéias podem ser traduzidas em modelos de formação 
no contexto brasileiro. Desenvolvemos nosso objeti- 
vo em quatro capítulos numa perspectiva que parle de con 
siderações teóricas para trabalhar gradativamente aspec- 
tos práticos e concretos da formação.
No primeiro capítulo analisamos as bases teóricas 
do que nomeamos como paradigma emergente da forma- 
ção do ensino. Os conceitos de profissão, profissionaliza- 
ção, de competência e de desenvolvimento profissional são 
explicitados e examinados na perspectiva da criação de 
um novo tipo de formação profissional no ensino.
No segundo capítulo nós nos fixamos na idéia de que o
14
conteúdo de um novo modelo profissional do ensino em for- 
mação está estreitamente ligado ao trabalho, atual e 
perspectivo, exercido pelos profissionais do ensino e propo- 
mos um percurso de elaboração de um modelo profissional.
O terceiro capítulo propõe uma hipótese de organi- 
zação curricular de formação docente, que considera as 
intenções e princípios de profissionalização e o modelo 
profissional definido pela agência formadora no contexto 
específico. Enfim, se as idéias de profissionalização, de 
competência, da reorientação do processo formativo são 
promissoras, elas não são, contudo, nem miraculosas nem 
aplicáveis sem um certo número de condições que nós dis- 
cutimos ao longo de todos os capítulos.
Finalmente, a profissionalização do ensino e o desen- 
volvimento de competências profissionais no currículo de 
formação inicial nos parecem desafios pertinentes e funda- 
dos sobre boas razões. Mas, além das considerações teóri- 
cas, nós desejamos refletir sobre elementos mais práticos 
que nos interpelam como formadores de graduandos e pós- 
graduandos nos nossos programas de formação e colocam 
em discussão nossas próprias práticas de formação.
É a titulo de hipótese de trabalho que nós colocamos 
em discussão essas idéias de se pensar o processo de forma- 
ção inicial e os diversos obstáculos a serem conscientizados 
para aglutinar os diferentes atores sociais, em especial os 
professores(as), na luta pela (re)construção da sua identida- 
de profissional sob o caminho da profissionalização neces- 
sária e desejada na busca de uma educação de melhor quali- 
dade e mais justa.
Essas idéias justificam, portanto, o título deste livro: 
Formar o professor. Profissionalizar o ensino: perspecti- 
vas e desafios.
15
1. Um quadro paradigmático para a mudança: 
a propósito da formação e da profissionalização 
docente inicial
1.1. Introdução
A formação dos docentes nos últimos vinte anos é 
um dos campos de investigação que mais interesse des- 
peitam entre os estudiosos da área educacional. Esse inte- 
resse tem sido marcante junto ao grupo Formação e 
Profissionalização Docente do Programa de Pós-Gradua- 
ção em Educação da Universidade Federal do Rio Grande 
do Norte e do Centro de Estudos Interuniversitário sobre a 
Formação e a Profissão do Ensino - CRIFPE/Université
Laval/Quebec, instituições das quais fazem parte os auto- 
res deste livro.
Tem sido expressivo o crescimento quantitativo e 
qualitativo das pesquisas do grupo que procuram conhe- 
cer, com mais profundidade, a natureza do trabalho docen- 
te (Ramalho, 1993); que fatores têm contribuído para man- 
ter o magistério, das séries iniciais, sobretudo do Ensino 
Fundamental, numa condição desprofissionalizante? 
(Ramalho, 1993); como se desenvolve o processo de apren- 
der a ensinar na perspectiva do professor como um profis- 
sional? (Ramalho, Nuñez e Gauthier, 2000).
Visivelmente, uma tendência foi se constituindo e 
imprimindo uma referência para o grupo, coincidentemente 
com o que vinha ocorrendo com estudos de outros países 
ou de pesquisadores aqui no Brasil. Assim, algumas ques-
17
tões passaram a ser alvo de nossos estudos: Que sabem os 
docentes sobre sua profissão? Que conhecimento é essen- 
cial para alguém “abraçar" o trabalho do ensino? Como e 
de que natureza são os sabores que produzem os professo- 
res sobre sua profissão? Que requisitos são necessários para 
que o docente se desenvolva como um profissional? O que 
dificulta o processo de formação de competências para o 
desenvolvimento da docência, no contexto em que pes- 
quisamos? O que significa a profissionalização da docên- 
cia? Como pensar processos formativos que contribuam 
com a profissionalização da docência?
No atual contexto, é compreensível que muitas ex- 
pectativas se tenham depositado no sistema educacional, 
fortemente marcado como definidor de indicadores do de- 
senvolvimento social, cultural e econômico dos diferentes 
países. Na maior parte dos países, o novo século vem acom- 
panhado por reformas educacionais orientadas para ade- 
quar a educação às exigências dos novos tempos e contex- 
tos, tais como a globalização das economias, as atuais po- 
líticas públicas e especialmente os impactos das novas 
tecnologias e formas de comunicação. Nessa situação, o 
conhecimento e a educação passam a ter um valor de gran- 
de importância, assim como a formação do professor tor- 
na-se um campo de sérios desafios.
No meio dessa onda de reformas educacionais que 
vêm acontecendo na maioria dos países, muitos se per- 
guntam: por que continuar com mudanças curriculares que, 
por vezes, não passam de “boas intenções documentadas”, 
com limitadas possibilidades reais de implementação?Por 
que continuar insistindo, quando várias mudanças foram 
condenadas ao fracasso?
Uma das principais críticas feitas aos processos tra- 
dicionais de reformulação curricular é a pouca atenção 
direcionada ao papel dos professores nessas reformas. A
18
estes era conferida a responsabilidade de implementar pro- 
cessos curriculares pensados por outros, mantendo-se a 
idéia de que era suficiente apresentar-lhes novas propos- 
tas a serem aceitas e aplicadas. Como se discute hoje, os 
professores não são os únicos atores dos quais dependem 
o sucesso ou o fracasso das mudanças. Uma questão ine- 
gável é admitir que os professores são reconhecidamente 
uma peça essencial dentro desses processos de inovação 
educativa, como produtores de saberes, razão pela qual nós 
reconhecemos que o docente faz a diferença.
Dessa forma vai ficando evidente que a escola ne- 
cessita acompanhar, de forma crítica, as reformas educaci- 
onais na “sociedade da informação”, e nessas mudanças 
seus profissionais têm um papel fundamental a cumprir. 
Assim, justificam-se as preocupações com a formação de 
docentes para as novas tarefas e problemas característicos 
da educação para o século XXI. Considerando as diferen- 
tes investigações sobre a temática, podemos observar uma 
preocupação central: Como ajudar a construir novas refe- 
rências para a docência na perspectiva da profissionaliza- 
ção? Como fazer da educação no contexto escolar uma 
atividade profissionalizada?
A discussão em relação á profissionalização docen- 
te é hoje uma das problemáticas centrais para a mudança 
educativa. O fenômeno traz consigo a necessidade de uma 
revisão profunda dos modelos formativos e das políticas 
de aperfeiçoamento e fortalecimento da profissão docen- 
te. Pensar no professor como um profissional, trabalhar na 
perspectiva da docência como profissão, implica 
reconhecê-lo como produtor de sua identidade profissio- 
nal. À preocupação de se discutir a profissionalização do- 
cente e sua identidade enquanto profissão constitui um 
desafio teórico e prático, já que a docência tem caracterís- 
ticas e se desenvolve em situações específicas, o que lhe
19
outorga uma dada singularidade em relação a outras ativi- 
dades reconhecidas como profissões.
O movimento da profissionalização da docência não 
só é ideológico, uma vez que está ligado a novas represen- 
tações da atividade docente, mas também é um movimen- 
to social, político e econômico, pois sua realização impli- 
ca em mudar um conjunto de características dos contextos 
do exercício da atividade docente. A profissionalização 
coloca a formação docente em um outro “patamar”: o que 
nós consideramos como “modelo emergente da formação”.
Pelo exposto, procuramos, nesta breve introdução, 
mostrar a necessidade de uma reflexão profunda para com- 
preendermos a dinâmica das reformas educacionais e suas 
implicações na formação dos professores, quando o desa- 
fio é evitar o habitual círculo vicioso de “mudar para não 
mudar" e continuar com velhas práticas representadas por 
novos discursos que mascaram as inovações e favorecem 
a continuidade dos processos formativos tradicionais. Nesse 
sentido, devemos procurar identificar: Quais são as exi- 
gências que nos impõe a Educação para o Século XXI? 
Quais são as possibilidades e a vontade das instituições e 
da sociedade assumirem os novos desafios, como um pro- 
jeto maior e de excelência?
Este livro se pauta no compromisso de discutir esse 
atual desafio ao considerar que formar deve ter uma cono- 
tação mais precisa e ser um dos caminhos para profissio- 
nalizar a docência. As idéias aqui apresentadas, de nacio- 
nalidades diversas (canadenses, portuguesas, espanholas e 
brasileiras), estão apoiadas em vários autores, principal- 
mente naqueles que têm sistematizado, com muita proprie- 
dade, idéias a respeito de um novo modo de pensar e pro- 
duzir a docência. No entanto, queremos registrar nossa 
preocupação em tornar presente, sempre que necessário, o 
pensamento do nosso mestre brasileiro, Paulo Freire, que
20
em seu longo percurso de militância, através do registro 
sistematização de idéias, nos deixou uma riqueza de argu- 
mentos emancipatórios sobre o homem, a sociedade e a 
escola brasileiras. Estamos convencidos de que o Freire 
plantou a semente para germinar um novo paradigma da 
construção do homem e da mulher docente entre nós. Ga- 
rantir a paternidade de suas idéias deve ser um dos fortes 
propósitos dos estudos sobre a formação docente.
1.2. A busca de um paradigma emergente na formação do professor
Os diferentes estudos e reflexões críticas sobre a for- 
mação dos professores no Brasil têm revelado a existência 
de um “modelo formativo", que identificamos como Mo- 
delo Hegemônico da Formação (MHF), no qual se mistu- 
ram tendências próprias do racionalismo técnico e da for- 
mação academicista e tradicional. Nesse modelo, o pro- 
fessor é reconhecido como um executor/reprodutor e consu- 
midor de saberes profissionais produzidos pelos especialis- 
tas das áreas científicas, sendo, portanto, o seu papel no 
processo de construção da profissão minimizado, uma vez 
que ele ocupa um nível inferior na hierarquia que estratifica 
a profissão docente. Dessa concepção de docente, emerge 
um "modelo formativo” baseado em determinadas carac- 
terísticas:
- no treinamento de habilidades (identificadas como 
competências);
- em conteúdos descontextualizados da realidade 
profissional, fragmentados, reveladores de uma formação 
acadêmica fragilizada;
- na distância do objeto da profissão (do processo 
educativo da escola), com uma evidente dicotomia teoria/prá- 
tica, com o criticado estágio terminal e com escassos mo-
21
mentos para mobilizar saberes da profissão na prática real.
Uma outra questão ligada a essa situação emerge ao 
se reanalisarem os contextos formativos, por vezes des- 
profissionalizantes, marcados por complexas relações de 
poder, interesses, "hábitos” ou “atitudes fragilizadas", seja 
da parte dos próprios professores formadores, seja do pro- 
prio processo formativo. Esse estilo de prática formativa, 
ainda hoje tão fortemente presente, tem mantido sua hege- 
monia, tornando evidente a necessidade de se apostar na 
construção de um “modelo teórico inovador”, de uma for- 
mação que possa contribuir para a superação dos diferen- 
tes obstáculos ao trabalho docente. Na figura 1 representa 
mos as características mais significativas do Modelo He- 
gemônico da Formação (MHF) do qual falamos.
Figura 1 — Representação do Modelo Hegemônico 
da Formação
As características do “Modelo Hegemônico” ou da 
tradição, e sua presença na formação docente são pontos de
22
partida para a reflexão que desenvolvemos neste capítulo 
do livro, vislumbrando contribuir com a construção de um 
Modelo Emergente da Formação (MEF), a ser tomado como 
uma referência teórica na formação inicial1 profissional.
O referencial proposto, identificado neste estudo 
como o “Modelo Emergente da Formação”, conforma-se 
a partir das contribuições teóricas seguintes:
- a profissionalização docente é tomada como ponto 
chave nos processos formativos; Braslavsky (1999), Bar 
(1999), Ramalho, Nuñez e Gauthier (2000), Diaz Barriga 
e Espinosa (2001), Brzezinski (2002), Torres (2000), Gatti 
(1997), Imbernón (2000), Gauthier e Tardif (1998);
- a convergência de referências num modelo formativo 
que são expressas como metáforas do professor, para nós, 
constituem atitudes ligadas entre si, de forma dialética ao pró- 
prio processo da profissionalização docente. São. portanto, 
as contribuições e limitações dos estudos sobre o “professor 
reflexivo” apontado por Schön (2000), Zeichner (1993) e Frei- 
re (1997); o “professor como investigador” discutido por Ste- 
nhouse (1987) e EIliot (1998); o “professor crítico”, prioriza- 
do nas obras de Freire (1997), e Carr e Kemmis (1998).
Essas referências convergem para o fazer profissio- 
nal competente do professor e são ferramentas para seu 
desenvolvimento profissional.Assumir a reflexão, a crítica,
a pesquisa como atitudes que possibilitam ao professor 
participar na construção de sua profissão e no desen- 
volvimento da inovação educativa, norteia a formação de 
um profissional não só para compreender e explicar os pro- 
cessos educativos dos quais participa, como também para 
contribuir na transformação da realidade educacional no 
âmbito de seus projetos pessoais e coletivos. O fato de 
destacar a reflexão, a pesquisa, a crítica como atitudes pro-
1 A discussão sobre a formação docente se refere à formação inicial 
universitária como condição da profissionalização.
fissionais nos obriga a olhar o professor como alguém que 
tem sua história, suas necessidades, interesses e limitações 
no processo de crescimento profissional. Na figura 2, re- 
presentamos o "Modelo Emergente da Formação”.
Figura 2 - Representação do Modelo Emergente 
da Formação Docente ( M E F )
A figura sintetiza as idéias que estamos aqui defen 
dendo, próprias de um processo que se orienta a superar 
“esquemas antigos e hoje limitados" do agir docente e sua 
formação, uma lógica que tem conformado a tradição 
educativa ainda tão presente entre nós. As idéias da con- 
vergência desses referenciais teóricos serão evidenciadas 
nos próximos tópicos.
1.3. A convergência das três referências no 
modelo emergente da formação inicial
Como foi discutido na sessão anterior, um modelo 
formativo deve considerar três condições básicas da atitude
24
profissional: a reflexão, a pesquisa e a crítica. Esses três 
componentes, articulados como um sistema, contribuem para 
uma visão mais ampla da atividade profissional do profes- 
sor. Nesse sentido, é conveniente explicitar nosso entendi- 
mento sobre essas atitudes profissionais.
A idéia da convergência dos três referenciais teóricos no 
modelo formativo pode ser representado na figura 3, a seguir:
Figura 3 - A convergência de perspectivas teóricas 
no modelo formativo
1.3.1. A reflexão: a idéia do professor reflexivo tem 
passado a orientar os discursos sobre a formação docente 
no Brasil, como em outros países. Má um certo risco de 
tornar-se um modismo e, como toda moda tomada de for- 
ma acrílica para os nossos contextos, pode-se cair na sim- 
plificação e idealismo de uma referência para a formação. 
As idéias de Schön por vezes são interpretadas na direção 
de uma perda do sentido original atribuído pelo autor a 
essa característica do profissional. A reflexão do professor 
deve ser um processo que contribua com seu desenvolvi-
25
mento profissional (Imbernón, 2000), a uma maior capa- 
cidade de decisão e interpretação, e não um simples olhar 
de suas ações com limitadas possibilidades teóricas. A prá- 
tica reflexiva não deve ser solitária do professor, essa prá- 
tica deve estar inserida nas relações institucionais e soci- 
ais, sob pressupostos explícitos dos projetos educativos nos 
quais se expressam interesses e contradições diversas.
Zeichner (1993) atribui à reflexão do professor so- 
bre sua prática um potencial transformador das condições 
da atividade profissional dos professores sob projetos de 
mudança institucional e social nos quais as preocupações 
sociais e políticas são explicitadas, como critérios de orien- 
tação da prática reflexiva.
A reflexão como estratégia formativa caracterizada 
por Schön (2000) aponta para a reconstrução da prática pro- 
fissional a partir da própria prática. Esse componente da 
formação docente procura construir “uma epistemologia da 
prática” ao considerar a docência como uma profissão que 
se constrói na prática. A reflexão da prática, na prática e 
sobre a prática possibilita tomar consciência dos processos 
de construção da atividade profissional, característica do tra- 
balho do professor como profissional (Perrenoud, 2000).
A reflexão da prática é insuficiente quando não se 
dispõe de recursos metodológicos e teóricos que permi- 
lam uma nova práxis profissional. Nesse sentido, a teoria 
desempenha um papel essencial em sua relação dialética 
com a prática, sendo mais produtiva na medida em que se 
orienta em novas referências teóricas do saber cientifico 
(e outras formas de saberes), na medida em que se realiza 
com métodos sistematizados (atitude de pesquisa) que le- 
vam a uma posição crítica da prática em questão.
1.3.2. A pesquisa como atividade profissional propor- 
ciona recursos metodológicos para avançar no desenvolvi-
26
mento da profissão. Como explica Stenhouse (1987, p. 133): 
“a pesquisa e o desenvolvimento do currículo devem 
corresponder ao professor de modo que exista uma perspec- 
tiva para levar essa atividade à prática.” O autor explica como 
essa é uma meta para as gerações, para a maioria dos pro- 
fessores dominar o campo de pesquisa, questão que possi- 
bilitará mudar a imagem profissional que o professor tem 
de si mesmo e das condições de seu trabalho.
A idéia do professor como “pesquisador” desenvolvi- 
da por Stenhouse (1987) baseia-se no pressuposto do pro- 
fessor como artista, que melhora sua arte experimentando 
de forma crítica o desenvolvimento da sua prática na cons- 
trução do currículo. Essa visão procura superar a posição na 
qual é colocado o professor no “racionalismo técnico”. As- 
sim, o professor é construtor da sua prática, de saberes, quan- 
do no contexto singular da sala de aula sob finalidades de 
pesquisas, na busca de criar situações mediadas por valores 
e critérios educativos. Os critérios implícitos na prática do 
docente são elementos essenciais da reflexão da prática.
Na perspectiva de Stenhouse (1987) o professor como 
pesquisador toma sua prática como objeto de estudo, para 
transformá-la e consequentemente reconstruir sua prática. 
Mas essa perspectiva reduz a ação do professor ao contex- 
to da sala de aula como prática de construção do currículo. 
Já para Elliot (1998) o professor como pesquisador deve 
atender ao contexto escolar, sob uma ética como princípio 
prático da reflexão, numa dinâmica dialética de produção 
de novas práticas a partir de teorias, possibilitando rever 
as teorias num movimento ascendente.
Para que os professores possam superar a chamada 
“metodologia da superficialidade”, geral mente tão utiliza- 
da na construção de saberes do senso comum, supõe in- 
corporar a pesquisa como um dos componentes da forma- 
ção. A pesquisa, como ferramenta da reflexão crítica da
27
prática, contribui para a construção de novos saberes, para 
se lograr uma autonomia profissional que se constrói no 
coletivo do trabalho. Dessa forma, a pesquisa se orienta 
também à construção de debates sobre as experiências vi- 
vidas, sobre outras experiências de pesquisa, para refletir 
sobre o trabalho profissional do coletivo como categoria. 
A inovação educativa do professor é um processo de refle- 
xão. pesquisa e crítica para a transformação não só do cur- 
rículo como também da escola no contexto social.
Assim, quando falamos do professor como pesqui- 
sador, não identificamos a pesquisa do professor na sala 
de aula com a “pesquisa acadêmica”, produzida em insti- 
tuições especializadas como os programas de pós-gradua- 
ção, caracterizados por uma prática social numa comuni- 
dade científica. Nossa visão de professor-pesquisador apro- 
xima-se do profissional que participa na produção de sa- 
beres com métodos e estratégias sistematizadas, utilizan- 
do a pesquisa como mecanismo da aprendizagem. Nessa 
perspectiva, o professor-pesquisador também se profissio- 
naliza na medida em que participa de um coletivo como 
prática social, que reflete, constrói saberes e competênci- 
as, caminho para uma autonomia profissional.
A atitude para a pesquisa supõe utilizar métodos e as 
produções das ciências como referências na construção dos 
novos saberes e competências que, ligados às posições críti- 
cas e ao contexto, possibilitarão as potencialidades dos pro- 
fessores para a inovação educativa. Nossa preferência pelo 
termo potencialidade para a inovação educativa nos leva a 
considerar que as transformaçõeseducativas não só depen- 
dem do professor, embora ele seja uma peça fundamental 
no sistema complexo que representa a escola como institui- 
ção social.
Na construção dos novos saberes profissionais, os 
conhecimentos científicos passam a ser uma referência, pois
28
esse processo não pode ficar fechado à racionalidade ci- 
entífica e, consequentemente, ser expressão da ideologia 
científica. Na perspectiva que discutimos, o “cientificismo" 
ou suposta aplicação do conhecimento científico cede seu 
passo à “cientificidade”, como processo que procura o lu- 
gar do conhecimento científico, dentre outras formas de 
conhecimentos e de se conhecer o mundo, na construção 
de saberes e competências profissionais no contexto de 
novas formas de racionalidade.
Embora a prática reflexiva e a pesquisa tenham suas 
especialidades (a ponto de poderem ser discutidas de for- 
ma separada para um dado nível de sistematização, como 
é posto por Perrenoud, 2000), nós defendemos a possibili- 
dade dessas duas dimensões serem trabalhadas de forma 
associada à "crítica”, como um "trinômio”. na formação e 
no desenvolvimento profissional do professor.
Carr e Kemmis (1998) questionam os modelos 
formativos que dicotomizam teoria e prática. Esses autores 
defendem uma visão dialética entre a teoria e a prática na pers- 
pectiva crítica. Segundo eles, a pesquisa parece constituir-se 
no elemento articulador das relações teoria-prática numa visão 
dialética. Nessa perspectiva, a pesquisa-ação é o tipo de pes- 
quisa que pode favorecer uma melhor interação entre a teoria e 
a prática no desenvolvimento profissional do professor, sobre- 
tudo pelas características básicas que a identificam, quais se- 
jam: emancipatória, participativa, cooperativa e crítica.
Os saberes que os professores constróem na ativida- 
de de pesquisa, são saberes orientados a trabalhar as situ- 
ações-problemas de seus contextos do exercício da profis- 
sao (Zeichner e Gore, 1990). Esses saberes têm um caráter 
prático, com características diferentes dos conhecimentos 
quê emergem da pesquisa acadêmica (Stenhouse, 1987; 
Elliot, 1998 e Shulman, 1986). São saberes profissionais 
com um nível de teorização ligado aos contextos específi-
29
cos, apoiado nas teorizações das pesquisas acadêmicas. 
Esses saberes são consensuados e legitimados pelos cole- 
gas do grupo profissional num contexto dado, pertencente 
a um projeto de desenvolvimento profissional do citado 
grupo, que representa uma etapa da espiral do processo de 
construção de saberes profissionais docentes.
Como pode ser observado na figura 4, o processo de 
construção dos saberes cresce com o desenvolvimento da 
pesquisa (como inovação educativa), que resulta da refle- 
xão da prática, sob uma perspectiva crítica, de forma coleti- 
va, como condição de legitimação dos saberes. Esses sabe- 
res tem um alcance epistemológico e prático maior ou me- 
nor, segundo os próprios processos de legitimação.
30
Hernández (2001) discute a importância de se cria- 
rem entre os professores grupos de pesquisa-ação que 
interagem entre si como um fórum de profissionais. Os 
objetivos desse fórum se orientam para uma compreensão 
e para uma posição clara sobre o papel dos educadores na 
escola e na sociedade, sua função político-ideológica na 
construção de novos projetos, como alternativas políticas 
comprometidas com a educação democrática e com suas 
utopias. As experiências mostram as dificuldades de se 
pretender transformar a sociedade desde a escola sem a 
interação com a sociedade. Essas dificuldades não devem 
negar o papel que tem a escola de trabalhar as diferentes 
contradições presentes nela e de se ler uma utopia como 
intencional idade das transformações desejadas.
1.3.3.A crítica: o contexto da prática e produção da 
profissão é um contexto social representado por diferentes 
interesses e valores. A escola é parte do espaço público no 
qual se debate e definem as finalidades da educação escolar. 
Os professores e suas práticas não estão à margem desse de- 
bate ideológico e dos conflitos de valores, das problemáticas 
econômicas, das políticas educacionais que geram diversas e 
contraditórias posições teóricas e práticas nos profissionais 
da educação e nas próprias finalidades da educação.
A crítica, numa perspectiva mais ampla, é considera- 
da como uma atitude, uma forma de aproximação, 
reformulação e recriação da realidade, na qual estão, como 
elementos básicos, o esforço de conhecimento da realidade, 
o esforço de superação das práticas iniciais, a reconstrução 
de idéias próprias, tomando como referências os resultados 
das pesquisas, dos conhecimentos das disciplinas científi- 
cas e as experiências próprias e de outros colegas. Esse é 
um processo a ser compartilhado com os outros colegas do 
grupo profissional a fim de contribuir para o desenvolvi- 
mento curricular e a formação dos alunos mediante práticas
31
educativas mais próximas aos compromissos dos projetos 
pedagógicos escolares. Nesse sentido, existe certa aproxi- 
mação ao pensamento de Gramsei, para quem a critica é 
uma forma de reflexão sobre um momento dado do pensa- 
mento, com o início de uma ruptura que, se continuar com 
sucesso, pode levar a propostas alternativas novas, como 
superação do pensamento cultural, e consequentemente, 
novas práticas sociais. Assim, a crítica se relaciona com a 
reflexão, com novas bases teórico-metodológicas como via 
para a construção dessas propostas. Como aponta Nowalski 
(In De Al ba, 1993, p. 179):
Ser crítico implica desenvolver um conjunto de ativida- 
des cognitivas que superam o raciocínio lógico. Significa reco- 
nhecer os elementos implícitos e os pressupostos subjacentes 
em crenças, atitudes, condutas e práticas, e nesse sentido e 
parente do currículo oculto. Implica ser capaz de justificar as 
idéias e ações, e ainda mais: que podemos julgar nossa 
racionalidade e suas argumentações.
A crítica se constitui numa atitude que norteia a re- 
leitura da realidade educativa, sob referências que possibi- 
litam compreender e transformar essa realidade educativa. 
Transformar a realidade educativa supõe superar praticas 
exclusivas e reprodutoras no contexto da sala de aula e no 
papel que deve ter a escola como espaço de conscientiza- 
ção para a democracia. O conteúdo da crítica que possibi- 
lita dimensionar o sentido da “transformação da realidade 
educativa” é um conteúdo a ser construído pelos professo- 
res como profissionais a partir das diferentes referências 
teóricas, a fim de criar suas próprias ferramentas teóricas 
para o agir crítico. A transformação da realidade educativa 
passa por um melhor exercício da docência e das ações 
educativas na sala de aula, na escola e na sociedade como 
espaços de interação e interdependência; implica, ademais, 
não só uma visão crítica sociológica, como também psico-
32
lógica, econômica, histórica, que possibilite uma visão 
pedagógica crítica.
Formar para o desenvolvimento profissional assumin- 
do a perspectiva da profissionalização não é tarefa fácil de 
ser implementada. Mais fácil tem sido teorizar nessa pers- 
pectiva, com o forte risco de se alcançar uma aparente reno- 
vação no pensamento do docente formador ou daquele em 
formação. Nessa linha de raciocínio, há uma enorme preo- 
cupação quando percebemos que as condições formativas e 
educacionais entre nós têm que ser situadas no contexto da 
heterogeneidade e das grandes adversidades.
Para Freire (1997), a reflexão do professor sobre a 
prática não se limita a uma teorização para explicar ou com- 
preender a pratica. Essa reflexão deve ser "crítica", como 
exigência da relação teoria-prática, sem a qual a teoria pode 
virar um discurso “vazio" e a prática um mero “ativismo”.
Para Porlán, Rivero e Martin del Pozo (1997), as idéias 
e as condutas das pessoas e os processos de contraste e 
comunicação não são neutros. Baseados na teoria crítica 
(Habermas, 1987), explicitam a íntima relação entre inte- 
resses e conhecimentos. As novas construçõesde saberes 
e competências dos indivíduos são também resultado dos 
interesses particulares de sua classe social, raça, sexo, grupo 
profissional, etc. Tais interesses estão interligados a posi- 
ções não só epistemológicas e filosóficas, mas também a 
posições ideológicas, políticas, que, de forma consciente 
ou não, qualquer indivíduo possui. Para Habermas (1987), 
as pessoas vêem e vivem a vida de uma determinada ma- 
neira, não apenas por ter uma racionalidade, mais ou me- 
nos complexa, mas porque adotam posições inevitavelmen- 
te “interessadas” (determinadas por interesses) ante a vida. 
Estas idéias têm extraordinária importância ao considerar 
como preocupação da formação do futuro professor seus 
ideais, seus fins, valores, necessidades, conhecimento so-
33
bre o que fazem, por que e para que, etc., questões essas 
que determinam ações na sala de aula e no contexto edu- 
cativo. Adotar a perspectiva crítica como pressuposto ideo- 
lógico significa reconhecer ademais a não-neutralidade dos 
saberes, das atitudes, tanto de quem aprende quanto de 
quem ensina. Significa formar determinados valores nos 
futuros profissionais da docência, levando a dimensionar 
uma ótica na relação entre interesses, saberes e competên- 
cias, entre os componentes afetivos e cognitivos gerados 
no marco das estruturas e dinâmicas de poder, para assu- 
mir um compromisso com seus alunos e a sociedade.
A pratica pedagógica do professor está orientada por 
determinados propósitos ou objetivos que são desejáveis de 
atingir, assim eles tem um sentido ético fundamental. Carr 
(1995, p.01) assinala que a prática “só pode fazer-se inteligí- 
vel como uma forma de práxis regida por critérios éticos imi- 
nentes da própria prática educativa; critérios que possibilitam 
distinguir as práticas educativas autenticas das que não são. e 
as boas práticas educativas das indiferentes ou da má".
Para Kemmis (1988) a reflexão crítica do professor 
significa situar-se no contexto da ação, na sua história para 
participar dos problemas sociais com uma determinada 
postura face aos problemas, reconhecendo o caráter públi- 
co das suas ações. Uma atitude crítica leva a um 
envolvimento na elaboração sistemática de processos crí- 
ticos que possibilitem a reformulação das teorias que ori- 
entam sua prática e da prática social. A reflexão crítica 
leva consigo a análise das condições sociais e históricas 
da educação, da construção da atividade profissional para 
problematizar e redimensionar o caráter político da práti- 
ca educativa (Contreras, 2002) como ação libertadora.
Habermas (1987) tem contribuições significativas para 
se pensar o sentido da crítica como atitude profissional. Para 
o autor, a teoria crítica tem por finalidade restituir as condi-
34
ções pelas quais os grupos sociais podem buscar formas prá- 
ticas de relações enquanto acordos intersubjetivos com um 
interesse libertador. A teoria crítica passa a ser uma ferra- 
menta para os processos de transformação, uma vez que 
possibilita aos grupos sociais se interpretar dentro das for- 
mas de dominação em que se encontram submetidos e bus- 
car ações que possibilitem sua emancipação.
Não obstante, as diferentes posturas dos autores crí- 
ticos revelam limitações desse referencial (como toda teo- 
ria) que são necessárias de se considerar na busca de no- 
vos sentidos para a crítica como atitude profissional do 
professor. Não podemos ignorar a diversidade de posições 
ideológicas e de interesses dos professores (Contreras, 
2002), que geram contradições de diferentes naturezas den- 
tro do próprio grupo. A “teoria crítica” não pode aparecer 
como única perspectiva teórica que, como uma “fórmula”, 
possibilite ao professora reflexão crítica, pois isso se cons- 
titui numa neo-racionalidade fechada.
Quando falamos da crítica como atitude profissional 
não procuramos oferecer alternativas únicas, como tampou- 
co estimular a fragmentação ideológica dos grupos de pro- 
fessores como profissionais, e sim fazer um chamado à cons- 
cientização das contradições sociais, do lugar que ocupa o 
professor como agente potencial de transformação na socie- 
dade e com a sociedade, na busca/construção de referências 
teóricas com a capacidade para trabalharmos compromissos 
políticos,sociais, assumidos nos Projetos Pedagógicos, quando 
trabalha não só o espaço da sala de aula, como também os 
espaças das instituições e da sociedade. Implica também o 
reconhecimento e o agir da educação escolar como projeto de 
cidadania, em especial na condição de país no inundo “globa- 
lizado”. Essas limitações teóricas não são fonte de inércia, e 
sim estímulo à busca de novos caminhos na formação de pro- 
fessores do contexto do século XXI.
35
A sociologia crítica atual sobre a educação tem apon- 
tado interessantes referências à compreensão do professor 
como profissional, numa sociedade democrática, com- 
prometido com projetos políticos orientados à equidade so- 
cial, à emancipação política e á construção da cidadania. 
Nesse sentido, a metáfora do "professor crítico" passou a 
ser referência dos debates sobre a formação do professor e 
sua profissionalização. Mas, como tem acontecido com 
outras referências e metáforas formativas, a crítica como 
atitude profissional tem diferentes sentidos segundo as 
perspectivas teóricas: Giroux (1986), Carr e Kemmis 
(1998), Kemmis (1994) e Habermas (1987).
Uma das tarefas essenciais dos projetos formativos 
é compreender/construir o sentido da crítica como condi- 
ção da profissionalização dos professores no marco dos 
projetos pedagógicos. A atitude crítica, ligada á reflexão e 
á pesquisa, supõe a reconstrução das categorias pelas quais 
os professores explicam os fenômenos educacionais, como 
processos sociais, políticos, econômicos, ideológicos, com- 
plexos, na busca de superar suas práticas educativas e des- 
sa forma contribuir com os projetos educativos que procu- 
ram "transformar a sociedade" e, consequentemente, a es- 
cola, como instituição da democratização de saberes, va- 
lores, atitudes, que possam contribuir com a formação ci- 
dadã dos alunos e dos próprios professores como profissi- 
onais em desenvolvimento.
Assim, se faz necessário nos projetos educativos 
explicitar os sentidos atribuídos ao compromisso de "trans- 
formar a sociedade". Que "transformação" se está debaten- 
do nos contextos específicos? A “transformação da socie- 
dade" desde a escola tem sido uma utopia difusa, pelo que 
se faz necessário conhecer as condições objetivas e subjeti- 
vas presentes, bem como as perspectivas para se pensar em 
qual transformação os professores, como categoria profissio-
36
nal de vanguarda na educação dos cidadãos, estão dispostos 
a assumir, assim como sua participação na construção das 
referências teórico-práticas que possam nortear o avanço a 
essa utopia, junto com os outros atores da sociedade.
A atitude de professor pesquisador, reflexivo, críti- 
co, para a inovação educativa e social supõe mecanismos 
institucionais que facilitem a mudança da estrutura esco- 
lar. O professor não é mais um técnico que executa os pro- 
cedimentos vindos de uma “racionalidade técnica", e sim 
sujeito construtor da sua profissão. As relações de poder 
dentro da escola inserem de forma diferente o professor 
nas redes de poderes e políticas da escola, uma vez que ele 
é sujeito ativo no desenvolvimento do projeto pedagógico 
da escola, que procura romper com praticas retrógradas 
assumidas passivamente. Como sujeito ativo o professor é 
um agente de "transformação”.
Os problemas sociais e condições educativas exigem 
novas perspectivas teóricas e filosóficas, a partir das ricas 
tradições teóricas e filosóficas no campo das “teorias críti- 
cas”. Não se trata de abandonar a atitude crítica (emanci- 
padora) sobre a mudança social e educativa. Faz-se neces- 
sária a busca de novos sentidos dessas teorias para os no- 
vos contextos. No debate aberto na busca desses sentidos, 
os professores, como profissionais, tem umimportante pa- 
pel, pois compete a eles decidir qual é o sentido da atitude 
crítica que devem assumir como compromisso social e po- 
lítico e como agentes das transformações sociais, em es- 
pecial quando as novas condições “globalizantes” impõem 
a países como o Brasil organizações do sistema educacio- 
nal por vezes não compatíveis com a realidade. Como ex- 
plica Kemmis (1994, p. 54), “a nossa tarefa atual de recon- 
ceitualização da ‘emancipação’ e do ‘crítico’ em relação à 
‘perspectiva crítica’ há de ser diferente, ao depararmos com 
circunstâncias diferentes e novos problemas, embora pos-
37
samos aprender das respostas dadas face a circunstâncias 
pretéritas e problemas do passado'’.
1.4. A questão da profissionalização da docência
Como explica Braslavsky (1999, p. 26) para o con- 
texto da América Latina, “a convocatória a um processo 
de profissionalização docente se deve a constatação da 
existência de um processo de desprofissionalização”. Na 
formação baseada no racionalismo técnico, o professor está 
limitado de interagir com outros profissionais, pois é pen- 
sado como um consumidor de “conhecimentos científicos" 
produzido por outros. Essa situação leva a uma desprofis- 
sionalização técnica que se une aos contextos de desvalo- 
rização do trabalho do professor como elemento dessa pro- 
fissionalização.
A questão da construção de um referencial para se 
compreender o professor como profissional é um processo 
complexo mediado por diversos fatores e problemas ainda 
sem resolução. A procura de critérios para uma atividade a 
ser considerada como profissional se depara com situa- 
ções diversas, como a massificação, a desvalorização, as 
diferentes inferências dos mais diversos elementos (pais, 
Estado, administradores, etc.) ao trabalho do professor, na- 
tureza social da base de conhecimentos que caracteriza 
a profissão e leva a uma autonomia profissional comparti- 
lhada com o contexto. Não obstante esses obstáculos, a 
discussão do caráter profissional do professor é uma res- 
posta que procura superar posturas de inércia intelectual, 
social, política, na atividade do professor.
O termo profissão é polissêmico. Possui significados di- 
ferentes segundo os diferentes contextos, países, referências 
teóricas, etc. E igualmente um termo complexo, constituindo 
uma construção “sociológica", com dificuldades de lograr uma
38
definição unívoca. Na literatura sobre a formação de profissio- 
nais tem-se prestado atenção e analisado os processos de como 
um aprendiz poderia chegar a ser um profissional.
No geral, pode-se definir a profissionalização como o 
processo no qual uma ocupação organizada, normalmente, 
mas nem sempre, em virtude de uma demanda de competên- 
cias especiais e esotéricas, e da qualidade do trabalho, dos 
benefícios para a sociedade, obtém o exclusivo direito a exe- 
cutar um tipo particular de trabalho, controlar a formação e o 
acesso, e controlar o direito para determinar e avaliar as for- 
mas de como realizar o trabalho (Ramalho e Carvalho, 1994).
No sentido tradicional, como explica Enguita (2001), 
a profissionalização é mais que qualificação ou competên- 
cia, é uma questão de poder, de autonomia face à sociedade, 
ao poder político, à comunidade, aos empregadores; de ju- 
risdição face aos outros grupos profissionais; de poder e 
autoridade face ao público e às potenciais reflexões ou gru- 
pos ocupacionais subordinados. Para os professores, uma 
nova visão de profissionalização se faz necessária, ao con- 
siderar a natureza social e educativa do trabalho. O profes- 
sor constrói saberes, competências, não para uma autono- 
mia individualista e competitiva, ou para um poder autoritá- 
rio, mas para educar segundo perspectivas de socialização, 
de favorecer a inclusão pelo saber, e não a exclusão.
Diaz Barriga e Espinosa (2001) reconhecem o traba- 
lho do professor como profissional por sua ênfase intelectu- 
al, com regras claras de trabalho, com mecanismos concre- 
tos de ingresso à profissão e com um corpo de conhecimen- 
tos específicos. Para os autores, outras características das 
profissões, estabelecidas pela Sociologia, tais como um ele- 
vado status, a existência de um grêmio ocupado com o avan- 
ço dos conhecimentos profissionais e a existência de meca- 
nismos para decidir sobre o exercício da profissão, não exis- 
tem para a profissão docente. Essa situação caracteriza uma
39
redefinição do próprio termo profissão para a docência.
Historicamente, os diferentes estudos têm procurado 
esclarecer o termo ‘‘profissão'’ a partir do desenvolvimento 
das ocupações, de forma tal que possibilita delimitar as “com- 
petências de base" necessárias ao exercício da profissão. 
Esses estudos têm influenciado as representações construí- 
das sobre a “docência" e sua “profissionalização”.
Como explica Gyarmati et al. (1984), as profissões pas- 
sam a ocupar uma posição intermediária entre o intelectual e 
o científico, constituindo a “ponta de lança" do conhecimen- 
to nos planos político e social. Nessa situação, a transforma- 
ção de uma ocupação em profissão expressa não só a aspira- 
ção a um maior status social, como também a busca de um 
reconhecimento da especificidade da ocupação, a responsa- 
bilidade de seu exercício e a legitimidade de espaços de auto- 
nomia necessários para o sucesso na atividade.
A Sociologia das Profissões tem aproximado as trans- 
formações das ocupações em profissões aos processos de 
industrialização desencadeados a partir da Revolução Industrial, 
à conformação de campos especializados de conhecimentos 
produzidos pelo desenvolvimento das ciências racionais do 
século XVIII e à consequente divisão do trabalho na comple- 
xidade dos sistemas produtivos das sociedades modernas.
De acordo com a Sociologia das Profissões, a profissio- 
nalização é um processo linear baseado em normas e mode- 
los de profissões liberais já estabelecidas. Esses sociólogos 
costumam tomar a medicina como modelo para as demais 
profissões. Tal posição é defendida pelos sociólogos funcio- 
nalistas seguidores de Parsons, que predominou até os anos 
30 e alcançou grande destaque no campo da educação nos 
anos 60 e 70. Todavia, a sociologia contemporânea das pro- 
fissões concebe a profissionalização como um processo não- 
lincar, dinâmico, contextualizado e em construção.
No processo de conformação de uma profissão, segundo
40
a Sociologia das Profissões, acontecem diversos conflitos que 
caracterizam as diversas profissões. Entre esses conflitos, An- 
gelo (citado em Nuñez e Ramalho, 1998) discute quatro:
a) Primeiro é como se estabelece o acesso e o recru- 
tamento dos sujeitos na profissão. Abrir as portas de uma 
profissão constitui um problema, pois de certo modo se 
perde o controle social e se diminuem as ofertas do merca- 
do de trabalho.
b) Outro problema é o currículo e os métodos utili- 
zados para a preparação dos profissionais. O currículo é 
orientado por singularidades e características da profissão. 
Todas as profissões têm um determinado período para a 
formação inicial, e se supõe que a preparação inicial deva 
fornecer aos futuros profissionais o mesmo corpo de sabe- 
res para o exercício da profissão. Outros conflitos dentro 
do currículo são: definir o tipo de profissional segundo as 
exigências sociais e do mercado de trabalho, garantir um 
planejamento curricular para tal fim, bem como o vínculo 
teoria/prática.
c) Um terceiro conflito se refere à problemática da 
titulação e da avaliação. Como indicam muitos autores, ás 
margens do currículo oficial existe um currículo oculto, que 
caracteriza a realidade, a preparação real e a avaliação, e não 
os propósitos ou metas do currículo oficial.
d) O quarto conflito é o da formação contínua ou perma- 
nente. Os profissionais devem estar sistematicamente atuali- 
zando seus saberes, na dinâmica do desenvolvimento cientí- 
fico e tecnológico, buscando uma sincronia entre formação 
inicial e formação contínua como um sistema coerentemente 
articulado.A formação continuada pode acontecerem diver- 
sas agências ou instituições, mas deve responder a uma con- 
cepção integral da formação profissional. O saber atual não é 
o mesmo de há 40 anos; as mudanças sociais e políticas, bem 
como a facilidade de acesso a novos conhecimentos, criam
41
no profissional uma necessidade de atualização constante.
Para Ramalho e Carvalho (1994), classificar uma ati- 
vidade como profissional diante de outras que não são pro- 
fissionais supõe admitir determinados critérios diferencia- 
dores. Fazendo uma revisão da literatura especializada so- 
bre a Sociologia das Profissões, as autoras identificam os 
seguintes modelos: o Fásico ou dos Traços Ideais, o do Pro- 
cesso e o Modelo de Poder.
1.4.1. A profissão docente à luz da sociologia clássica
1.4.1.1. Modelo fásico ou dos traços ideais
Predominante nos estudos sobre as profissões e 
difundido nos anos trinta, com influencias até os anos 
oitenta, baseia-se num conjunto de características, cri- 
térios ou pré-requisitos em que se deve enquadrar uma 
atividade ocupacional que pretenda atingir a categoria 
de profissão. E também conhecido como modelo estru- 
tural-funciona lista (strutural-functional-approach).
Segundo as autoras Ramalho e Carvalho (1994), este 
modelo de profissão está vinculado a uma idéia de vocação e 
a um serviço social que se presta de forma desinteressada. A 
prática baseia-se na relação pessoal entre o profissional e o 
cliente, onde os profissionais dispõem de iniciativa e liberda 
de na sua atuação.
Para Wöhher (in: Ramalho e Carvalho, 1994), uma 
ocupação se transforma numa profissão quando possui o 
monopólio legal sobre o emprego de determinados conhe- 
cimentos teóricos para solucionar problemas e exercer um 
controle legal sobre seus membros, os quais ficam obriga- 
dos a desempenhar um mesmo tipo de papel social.
Lieberman (apud Quintana, 1989) apresenta as se- 
guintes características para as profissões:
42
- as profissões realizam serviços sociais oportunos, 
importantes e claramente definidos;
- os serviços que os profissionais realizam só podem 
ser efetivados com base em conhecimentos sistemáticos;
- os conhecimentos sistematizados dos profissionais 
requerem aprendizagem especializada;
- os membros de uma profissão possuem um alto 
grau de liberdade de decisão, definindo eles mesmos o cam- 
po de sua profissão;
- as formas de recrutamento são geralmente segun- 
do critérios próprios;
- existe um código de ética profissional que regula o 
uso da autonomia profissional;
- a formação profissional permanente e a pesquisa 
buscam realizar-se sobre bases científicas.
Outros autores, como Lieberman, Corwin, Vazquez 
Gomes, Teminan (citados em Ramalho e Carvalho, 1994), 
destacam outros traços para as profissões dentro desse 
modelo, para enfatizar a diferenciação entre uma profis- 
são e uma simples ocupação, tais como:
- ser um serviço social com fins superiores ao pro- 
veito pessoal;
- constituir um corpo de conhecimentos garantidos 
por titulação legal;
- realizar investigação teórica e prática;
- exercer controle sobre os níveis de excelência dos 
titulados;
- requer uma formação profissional ampla e/ou 
escalonada;
- gozar de autonomia nas decisões próprias do seu 
trabalho;
- tipificar direitos e obrigações profissionais;
- contar com código ontológico;
- amparar-se em associações e organizações profis- 
sionais;
43
- imprimir um selo característico de sentimento de 
pertença à profissão;
- exigir atualização profissional;
- deter prestígio social e posição econômica.
Ginsburg (1990) chama atenção para as limitações
das discussões e investigações a respeito do magistério 
como profissão tomarem como referência o modelo dos 
Traços Ideais. Nessa perspectiva, ele adverte sobre o cará- 
ter pouco dinâmico, excessivamente determinista, a-his- 
tórico, descontextualizado e acrílico. Gauthier (1998) cri- 
tica igualmente esse modelo, em especial alega que esse 
enfoque costuma muito mais fazer a apologia do que a crí- 
tica das profissões.
1.4.1.2. Modelo de profissão como processo
O segundo modelo defende que a ocupação deve 
passar e superar diferentes estágios para alcançar status de 
profissão. Tal mudança acontece ao:
- se estabelecerem associações profissionais;
- propiciar uma mudança de nome que dissocie a 
ocupação de seu status prévio não profissional;
prover seus membros de um título que comporte 
um saber específico;
- criar uma associação nacional para defender os in- 
teresses profissionais;
- instaurar um sistema de formação e capacitação;
- desenvolver e adotar um código ético;
- promover agitação publica para ganhar apoio po- 
pular e legal (Ramalho e Carvalho, 1994).
Para Gauthier (1998, p.67) o processo de profissio- 
nalização, nesse modelo, comportaria seis etapas:
1) a obtenção de uma ocupação exercida em tempo 
integral;
44
2) a adesão de uma denominação social que se torna 
exclusiva;
3) a formação de uma associação profissional de 
âmbito nacional;
4) a criação de escolas de formação;
5) a formulação de um código de ética;
6) o desenvolvimento de estratégias políticas visan- 
do à obtenção de apoio legal.
Este modelo diferencia-se do anterior, fundamental- 
mente, não nas características ou traços que confirmam 
uma profissão, mas no processo histórico de conformação 
dos traços descontextualizados dos componentes sociais, 
econômicos, políticos, entre outros, que não são 
explicitados nessa analise histórica. Além disso, o modelo 
de profissão como processo é criticado por ter congelado, 
no tempo, a definição do que é ser um profissional, uma 
vez que a profissionalização é um processo sócio-históri- 
co que evolui segundo os novos contextos.
1.4.1.3. Modelo de poder
O terceiro modelo, segundo a classificação dos au- 
tores, é a tendência denominada “modelo de poder" (power 
(approach), que focaliza o poder como elemento fundamen- 
tal que pode levar um ofício (através de seus dirigentes ou 
líderes) a obter e reter um conjunto de direitos, privilégios 
e obrigações que de outra maneira podia não ser concedi-
do. O elemento base para a análise da profissionalização é 
o modelo de produção vigente.
O modelo, segundo Ritzer e Walczac (citado em 
Gauthier, 1998, p.68) pode ser definido como: “a capaci- 
dade de seus líderes de obter e de conservar um conjunto 
de direitos e de privilégios (e de obrigações) face a grupos 
sociais que não os concederiam de outro modo. Isso signi-
45
fica que a resistência, ou o potencial de resistência, pre- 
sente entre diversos grupos sociais (o público, o Estado), 
deve ser vencida pela profissão”.
Larson argumenta que o modelo de profissão 
estabelecida pelo capitalismo liberal, consolidado em nos- 
so século (capitalismo corporativo), é em realidade uma 
ideologia - uma mistificação que obscurece as verdadei- 
ras estruturas e relações sociais. O nascimento e desenvol- 
vimento do "profissionalismo”, dentro do mundo do tra- 
balho, está muito próximo aos sistemas educativos das 
sociedades industriais do século passado, estabelecido pa- 
ralelamente ao mercado de trabalho. Como discute o refe- 
rido autor, diante de um profissional livre num mercado 
de serviço, a sociedade industrial gerou um sistema dife- 
rencial de competências e recompensas, baseado na aqui- 
sição de uma experiência social reconhecida e do mono- 
pólio do conhecimento especializado pelos profissionais 
(conhecimentos caracterizados por uma linguagem técni- 
ca e esotérica, específicos da profissão).
Larson (citado em Ramalho e Carvalho, 1994), trata 
a origem e desenvolvimento do profissionalismo conside- 
rando-o como prática de um conjunto de atividades de tra- 
balho, como um conceito e como uma ideologia, no con- 
texto dos sistemas educativos das sociedades. No desen- 
volvimento histórico, o profissional deixou de ser liberal 
num mercado de serviço e passou a ser o especialista assa- 
lariado numa grande organização.
Ramalho e Carvalho (1994) discutem que a profis- 
são como categoriada prática social no capitalismo 
corporativista sugere que o modelo essencial transforma- 
se numa ideologia, que torna suas as características dos 
três períodos históricos de formações sociais, a saber:
- do pré-capitalismo: a ética de trabalho;
- do capitalismo liberal-competitivo: a idéia de in-
46
divíduo autônomo, oferecendo seus serviços numa situa- 
ção de mercado;
- do capitalismo corporativista: a ênfase nas organi- 
zações como fundamento do poder legítimo.
Uma análise da docência como profissão que parte 
dos modelos anteriores não é lícita, pois as profissões libe- 
rais foram consolidadas em um outro contexto social, histó- 
rico e econômico. A atividade docente, por sua complexi- 
dade, característica, no contexto atual, deve procurar a sua 
identidade para formular sua própria concepção de “profis- 
são” e pensar o processo de profissionalização como uma 
meta desejada. Trata-se de um processo de “negação 
dialética”, que implica negar os modelos da sociologia clás- 
sica, e ao mesmo tempo considerar deles os elementos que 
possam, por sua vez, orientar a busca dessa identidade.
1.4.2. A busca da profissionalização da docência
Nos anos 80, surge uma forte crítica à escola inicia- 
da nos Estados Unidos a partir do documento denominado 
Nation at Risk: the Imperative for Educational Reform, de 
1983, que alerta para o “perigo do amarelo”: a crescente 
ascensão do Japão como potência educacional. O docu- 
mento, publicado pela National Comission Excellence in 
Education (NCEE), atribuía o baixo rendimento dos alu- 
nos norte-americanos, comparados com outras gerações e 
com alunos de outros países, a uma profunda crise do sis- 
tema educacional norte-americano. Em 1983, Donald Shon 
publica sua obra O Professor Reflexivo na qual ele faz uma 
crítica da racionalidade instrumental na formação profis- 
sional e analisa o trabalho dos profissionais de ensino no 
seu contexto. Uma segunda “onda” de informes que ten- 
tam a reforma na educação nos Estados Unidos influencia- 
ram de forma expressiva na “idéia” da profissionalização
47
da docência. Dentre esses informes podemos citar o 
Tomorrow's Teachers do Grupo Holmes, que interpela di- 
retamente a formação de professores e as faculdades de 
Educação por não saberem formar professores competen- 
tes para o exercício de seu ofício.
Inicia-se, assim, na década de 80 do século passado nos 
Estados Unidos, e consequentemente em outros muitos países 
dependentes dos modelos de formação norte-americanos, a dis- 
cussão do professor como profissional, como ator, tomando 
decisões em situação de urgência, mobilizando saberes para 
resolver problemas em seu contexto. As reformas educacio- 
nais deviam considerar a formação docente, pois o ensino não 
poderia ser uma atividade profissional se não eram 
profissionalizados os professores. Tal discussão vai influenciar 
sobremaneira a questão da formação de professores, no âmbito 
internacional, sob diferentes formas de expressão, a ponto de 
se tornar referência no marco das atuais reformas educativas 
em relação às políticas de formação de professores.
Essa situação torna-se desafiante, uma vez que se 
assume a profissionalização da docência como mela estra- 
tégica, quando essa referência está em processo de cons- 
trução para os novos contextos da educação do século XXI. 
Consequentemente, a busca de referências para se pensar 
a docência como profissão se constitui um desafio.
Charlot e Bautier (1991) diferenciam o profissional 
do homem da ciência, do empirista, do burocrata, do mili- 
tante/voluntário, utilizando os seguintes critérios para o 
profissional:
- base de conhecimentos;
- prática na situação;
- capacidade para demonstrar seus conhecimentos, 
seu saber-fazeres seus atos;
- autonomia e responsabilidade no exercício de suas 
competências;
48
- adesão às representações e às normas coletivas da 
identidade profissional;
- pertencer a um coletivo que desenvolve estratégi- 
as de promoção e discursos de valorização e de legitimação.
Segundo Pacheco (citado em De Alba, 1993), o pro- 
fissional como figura histórica é sujeito de um processo 
histórico que condensa todo um conjunto de condições, pro- 
cessos e práticas sociais, em geral antiquadas, pela deman- 
da social, por um lado, e por outro, por um campo de conhe- 
cimentos estruturados a partir da demanda. O campo e o 
profissional que o representa estão sujeitos às incidências 
de diversos fatores: conjunturais, de posições e forças soci- 
ais, de reorientação quanto ao tipo de demanda a que histo- 
ricamente se enfrenta no próprio profissional, e de formas 
de profissionalização produzidas no interior dele.
Cada profissão apresenta sua própria caracterização 
histórica, disciplinar, sócio-econômica e política, o que 
ratifica a importância de estudar sua história, no sentido 
de aprofundar as especificidades e desenvolvimentos. As- 
sim é possível compreender a tendência de fortalecimen- 
to, desaparecimento ou possíveis modificações nos diver- 
sos campos de atuação, o que implica na necessidade de 
explicar as profissões na sua gênese, desenvolvimento, ten- 
dências e perspectivas susceptíveis de mudança.
Nessa direção. Carr e Kemmis (1998. p.25-27) fa- 
zem a seguinte afirmação:
Para que o ensino chegue a ser uma atividade mais ge- 
nuinamente profissional, devem acontecer três tipos de evolu- 
ção. A primeira, em que as atitudes e as práticas dos professo- 
res sejam profundamente ancoradas nos fundamentos da teoria 
e da pesquisa educativa. A segunda, que se amplie a autonomia 
dos professores no sentido de serem incluídas nas decisões que 
se tomem sobre o contexto educacional mais amplo no qual 
atuam. A terceira, que se generalizem as responsabilidades pro- 
fissionais do professor a fim de incluir as que têm face a outras
49
partes interessadas da comunidade no geral [...|, então, o tipo 
de conhecimento necessário à pesquisa não se limita às coisas 
que afetam a atuação na sala de aula e a técnica pedagógica, e 
sim deve incluir os conhecimentos orientados a facilitar a dis- 
cussão cooperativa no grupo profissional como conjunto, e so- 
bre o contexto amplo social, político e cultural no qual age.
Olhar o professor como profissional, segundo Imber- 
nón (2000, p.21):
(...) implica em considerar o professor como um agente dinâmi- 
co, cultural, social e curricular, capaz de tomar decisões 
educativas, éticas e morais, de desenvolver o currículo em um 
contexto determinado e de elaborar projetos e materiais 
curriculares com a colaboração dos colegas, situando o processo 
em um contexto específico controlado pelo próprio coletivo.
A profissionalização é entendida como o desenvol- 
vimento sistemático da profissão, fundamentada na práti- 
ca e na mobilização/atualização de conhecimentos especiali- 
zados e no aperfeiçoamento das competências para a ativi- 
dade profissional. É um processo não apenas de racionali- 
zação de conhecimentos, e sim de crescimento na pers- 
pectiva do desenvolvimento profissional. A profissionali- 
zação reúne em si todos os atos ou eventos relacionados 
direta ou indiretamente para melhorar o desempenho do 
trabalho profissional. A profissionalização é um processo 
socializador de construção das características da profis- 
são, fundamentada em valores de cooperação entre os in- 
divíduos e o progresso social (Imbernón, 2000).
O processo de profissionalização da docência repre- 
senta uma mudança de paradigma no que se refere à for- 
mação, o que implica sair do “paradigma dominante" ba- 
seado na racionalidade técnica, no qual o professor é um 
técnico executor de tarefas planejadas por especialistas, 
para se procurar “um paradigma emergente", ou da 
“profissionalização”, no qual o professor é construtor da
50
sua identidade profissional, segundo os contextos especí- 
ficos de produção dessa identidade. Os saberes não são 
regras pré-estabelecidas para sua execução, e sim referên- 
cias para a ação consciente sob determinados princípios 
éticos. Nóvoa(1992) sustenta a hipótese de que, junto com 
o processo de proletarização, a profissão docente também 
é atravessada pelo processo de profissionalização. Traba- 
lhar os efeitos da proletarização pode levar a uma nova 
“profissionalidade nos docentes”, através da renovação da 
cultura profissional e organização da escola. “Os profes- 
sores tem que se assumir como produtores de sua profis- 
são. Não basta mudar o profissional, é preciso mudar tam- 
bém os contextos em que ele intervém" (p.28). Portanto, 
nesse caminho para a profissionalização docente, um com 
ponente essencial é mobilizar o pensamento do professor, 
procurar ajudar a criar junto aos professores novas refe- 
rências que iluminem seu pensamento e, consequentemen- 
te, seu agir. A profissionalização tem dois aspectos: um 
interno, que constitui a profissionalidade, e outro externo, 
que é o profissionismo.
1.4.3. A profissionalização em duas dimensões
1.4.3.1. A profissionalização como processo interno 
(profissionalidade)
Através da profissionalidade o professor adquire os 
conhecimentos necessários ao desempenho de suas ativida- 
des docentes, adquire os saberes próprios de sua profissão. 
São os saberes das disciplinas e também os saberes pedagó- 
gicos. De posse desses saberes, na sua prática ele vai cons- 
truindo as competências para atuar como profissional. Se 
conseguíssemos parar o processo da profissionalidade e ti- 
rássemos uma fotografia, iríamos identificar um conjunto
51
de características que distingue o trabalho docente. Obser- 
vando as ações do professor, destacaríamos traços que mar- 
cam sua prática. Isto constitui um processo de racionaliza- 
ção. Podemos então observar, analisar, comparar maneiras 
diferentes de ensinar. Mediante a formalização e a raciona- 
lização, percebemos que há uma maneira mais ou menos 
igual de trabalhar. Este processo de formalização do traba- 
lho é essencial na profissionalização de um tipo particular 
de trabalho, mas não podemos formalizar sem saber os ele- 
mentos que caracterizam um tipo especial de trabalho. A 
pesquisa, agora centrada na sala de aula, no ambiente de 
trabalho do professor, possibilita ver a maneira dele atuar, 
pensar, fazer escolhas - usar determinadas técnicas que 
poderão ser mais eficientes para o seu trabalho. Atualmente, 
existe um número considerável de pesquisas que se dedica 
ao estudo desses elementos.
1.4.3.2. A profissionalização como processo externo 
(profissionismo ou professionalismo)
Refere-se à reivindicação de um status distinto den- 
tro da visão social do trabalho. Implica em negociações, 
por um grupo de atores, com vistas a fazer com que a socie- 
dade reconheça as qualidades específicas, complexas e difí- 
ceis de serem adquiridas, de tal forma que lhes proporcio- 
nem não apenas um certo monopólio sobre o exercício de 
um conjunto de atividades, mas também uma forma de 
prestígio e de participação nas problemáticas da constru- 
ção da profissão. O reconhecimento de um tal status está 
ligado à ideologia dominante de uma sociedade em uma 
determinada época. Tendo em vista a importância prepon- 
derante da ciência, atualmente, dentro das atividades hu- 
manas, a determinação de um status profissional baseia-se 
sobre a norma do saber dizer científico. O profissionalis-
mo é um processo político que requer trabalho num espa- 
ço público para mostrar que a atividade docente exige um 
preparo específico que não se resume ao domínio da maté- 
ria, ainda que necessário, mas não suficiente. O professor, 
além do domínio do conteúdo, precisa conhecer as meto- 
dologias de ensino, as epistemologias da aprendizagem, 
os contextos e diversos fatores para que esteja apto a edu- 
car. Exige-se do profissional do ensino que tenha uma for- 
mação aprimorada, obtida em curso de formação superior, 
e bastante refinada. Essa é uma das condições para a cons- 
cientização de formação inicial na busca da identidade 
como profissional.
O duplo aspecto da profissionalização, interno 
(profissionalidade) e externo (profissionismo), é um pro- 
cesso dialético de construção de uma identidade social. Ides 
são irredutíveis, porém articulados um ao outro. O reco- 
nhecimento social não pode existir sem a formalização da 
atividade, que é condição necessária, e a formalização não 
pode fazer economia no processo de negociação dentro da 
esfera pública, visando à obtenção de um status profissio- 
nal que reconhece o valor do serviço prestado.
1.4.3.3. A profissionalidade como estado e processo
Como estado e processo, a profissionalidade é o con- 
junto de características de uma dada profissão que tem uma 
natureza mais ou menos elevada segundo os tipos de ocu- 
pação. E a racionalização dos saberes e das habilidades 
utilizadas no exercício profissional, agora já manifesta em 
termos de competências de um dado grupo, e que expressa 
elementos da profissionalização.
A profissionalização do professor implica, de um 
lado, a obtenção de um espaço autônomo, um espaço que 
é seu, onde ele possa transitar com certa liberdade, e de
53
outro, que a sociedade reconheça seu valor e a necessida- 
de de seu trabalho. Implica também, e necessariamente, a 
reivindicação da especificidade do seu trabalho. Isto sig- 
nifica que não é qualquer um que pode exercer a profissão, 
mas apenas aqueles que forem preparados e mantenham 
as competências necessárias para tal. O profissional da edu- 
cação precisa fazer valer que a sua prática, o que exige a 
mobilização de saberes, valores, atitudes, ética, de um sa- 
ber-fazer, e também de outros recursos que fazem parte de 
um grupo de pessoas e que são produzidos por elas no seio 
do processo de trabalho e que não são normas do exterior 
de outros grupos sociais estranhos á profissão. Esses sabe- 
res profissionais específicos são reconhecidos diretamen- 
te após um processo de formalização da prática. A questão 
da autonomia é fundamental para o processo de profissio- 
nalização. O profissional da educação produz, mobiliza e 
conduz saberes que lhe são próprios, peculiares e que ele 
faz circular entre nos componentes do grupo.
Os professores da base do sistema (como os do anti- 
go ensino primário), que sempre foram levados a copiar o 
conteúdo, a seguir à risca os livros didáticos, terão possi- 
bilidade para produzir conhecimentos. Este é um novo 
objetivo, um desafio para os novos profissionais da educa- 
ção, que precisam desenvolver uma consciência profissio- 
nal e adquirir cada vez mais conhecimentos e competênci- 
as na sua prática docente. A questão da autonomia ainda 
está muito centrada na Academia, daí por que a Universi- 
dade precisa abrir suas portas para o debate com os profes- 
sores em exercício e com a sociedade, através de meios de 
comunicação variados, como rádio, televisão, jornal, 
internet, entre outros.
O caminho da profissionalização docente tem sido 
bastante longo e difícil. E este processo iniciou-se no século 
XVII com uma série de transformações que ocorreram na
54
educação em virtude de fatores de ordem política, econômi- 
ca e social. Ao longo da história, a figura do professor é 
descrita de várias formas. A profissionalização do professor 
foi, pouco a pouco, transformada. Desde a Antiguidade até 
os dias de hoje, identificamos quatro modelos de professor.
1.4.3.3.1. O professor improvisado
Até o século XVI, qualquer pessoa podia ser profes- 
sor. Quem sabia ler podia ensinar a ler, escrever e contar. 
O ensino não era formalizado e a pessoa que dominasse 
um certo conteúdo podia ensinar, já que nenhuma exigên- 
cia era feita para que alguém se convertesse num profes- 
sor. O ensino era limitado a um publico restrito e o conhe- 
cimento do conteúdo não era avaliado por aqueles que fa- 
ziam o trabalho de proclamar. É claro que naquele contex- 
to não se podia falar do ensino como profissão. Mas, no 
século XVII, vemos nascer um novo modelo de professor.
1.4.3.3.2. O professor artesão
A conjugação de um certo número de fatores, como a 
Reforma Protestante, a Contra-ReformaCatólica, as novas 
idéias sobre a infância e os movimentos urbanos ligados á 
ociosidade de um número considerável de jovens levaram a 
um aumento da freqüência escolar e do número de escolas. 
Esses fatos foram responsáveis pelo surgimento de novos 
problemas na educação, que exigiram a criação de outras 
estratégias para resolvê-los. Surge então a figura do profes- 
sor artesão como uma saída para a solução dos novos pro- 
blemas. Nesse período da história da educação, a Igreja é a 
maior responsável pelo ensino, que fica quase totalmente 
entregue aos padres. Os professores trabalham como um 
artesão, construindo suas próprias regras de trabalho, seu
55
método de ação, criando estratégias próprias que são trocadas 
entre eles. Surge uma pedagogia constituída de um método 
e procedimentos precisos para ensinar, um discurso que iria 
pôr fim à desordem e ensinar “tudo a todos” de forma mais 
rápida e eficiente. As novas estratégias de ensino atingiam 
não apenas o conteúdo, mas também regulamentavam to- 
dos os comportamentos na sala de aula. Havia um controle 
absoluto dos alunos dentro da sala de aula, cada um devia 
ter o seu lugar designado, do qual não podia sair. Habilida- 
des, conselhos práticos, atitudes e maneiras de agir iam sen- 
do transmitidos ás futuras gerações de professores e pouco 
a pouco iam se constituindo num código unificado das ma- 
neiras de fazer. Essa tradição vai perdurar até o século XX, 
sem grandes modificações. Ela difundiu-se por toda a Euro- 
pa e chegou ao Brasil através dos padres jesuítas. Alcançou 
também a América do Norte. Esse comportamento consti- 
tui o início da consciência de que para ensinar não basta 
dominar o conteúdo, mas também é necessário o conheci- 
mento de um método e de estratégias para desenvolvê-lo. O 
mestre não pode ser improvisado, ele deve saber algo mais 
que o conteúdo da disciplina. O professor deve passar por 
um processo de formação. Entretanto, não há um método 
científico de ensino, mas apenas troca de receitas. Isso evi- 
dencia que não se pode falar ainda num profissional do en- 
sino. A formalização da maneira de ensinar deu origem a 
um modelo de “profissional” particular e à chamada peda- 
gogia tradicional que traduzia uma maneira artesanal e uni- 
forme de ensinar. Essa tradição pedagógica, esse saber tra- 
dicional constituído de regras repetidas, ritualizadas e não 
questionadas, adquiridas por imitação, vai marcar todo o 
período educacional que vai do século XVII e se estende até 
a primeira metade do século XX. Entretanto, convém desta- 
car que essa orientação ainda está presente em muitas esco- 
las brasileiras.
56
No final do século XIX e, sobretudo no início do sé- 
culo XX, surge um movimento denominado Escola Nova, 
que vai tecer uma crítica muito forte à pedagogia tradicio- 
nal. A crítica ataca exatamente o conjunto de hábitos e roti- 
nas, esse repertório de ações e de respostas executadas de 
forma mecânica pelos educadores tradicionais. O ideal se- 
ria colocar em prática um novo tipo de profissionalidade, 
sustentado pela pedagogia nova, que tinha como suporte a 
psicologia. A intenção, na época, era fazer da pedagogia uma 
ciência aplicada e do pedagogo um cientista que aplicaria à 
educação as leis descobertas pelas outras ciências. A Peda 
gogia Nova era um movimento uno em suas origens, mas, pos- 
teriormente, houve uma bifurcação que deu origem a duas 
tendências: uma chamada pelos teóricos de “experiencial", 
centrada na criança, cujas diversas variantes darão origem a 
vários enfoques durante o século XX (Nell, Freinet, Rogers, 
entre outros), e outra de caráter mais científico, que é cha- 
mada de “experimental". E a segunda tendência que nos 
interessa, porque seus defensores, teóricos da pesquisa e não 
professores, tentam construir uma nova pedagogia com base 
empírica tirada da racionalidade científica. Desde então a 
pedagogia rompe com a tradição e constrói sua argumenta- 
ção com base na ciência objetiva e experimental. A ciência 
passa a ser o novo fundamento da pedagogia. Lembremos 
aqui o texto de Marion, no Dictionaire de pèdagogie et 
d'instruction primaire (1888), que define a pedagogia como 
a “ciência da educação". Lembremos também os esforços 
de Claparède, em 1912, no intuito de dar à pedagogia fun- 
damentos rigorosamente científicos, propondo que se pro- 
curasse identificar leis gerais através da observação minuci- 
osa da natureza da criança (Gauthier, 2000). A psicologia é 
então a grande referência para a pedagogia.
1.4.3.3.3. O professor técnico (ideal que não funcionou)
57
Esse modelo de profissionalidade, baseado numa 
utopia científica universitária limitada, mostrou suas limi- 
tações por várias razões:
a) A formação do professor era descontextualizada e 
com isso os professores formadores não dominavam sufi- 
cientemente a realidade dos meios escolares. For exem- 
plo, as pesquisas com ratos empreendidas por Skinner são 
um exemplo clássico dessa descontextualização. O pes- 
quisador fazia experiências com ratos para estudar o pro- 
cesso de aprendizagem. Nos seus estudos, ele admitia que 
se colocássemos trinta ratos dentro de uma caixa o contex- 
to da experiência seria semelhante ao contexto da sala de 
aula. Desse modo, podíamos inferir o processo de apren- 
dizagem dentro da sala de aula. Na verdade, as experiênci- 
as de Skinner não davam conta de toda a dimensão e com- 
plexidade dos problemas da sala de aula e da aprendiza- 
gem. O trabalho realizado no laboratório embora seja uma 
sala de aula, contexto artificial, é muito diferente daquele 
feito na sala de aula, contexto real.
b) A formação era fragmentada, havendo um abis- 
mo entre a formação acadêmica e o trabalho prático. A 
teoria e a prática estavam dissociadas. Não existia a pes- 
quisa na sala de aula que desse pistas e fornecesse um 
referencial á prática do professor.
c) A impossibilidade de alguém executar com preci- 
são um programa concebido por outros, para o trabalho 
com pessoas (alunos e professores). Isso leva ao afasta- 
mento do desejado pelos planejadores curriculares e o que 
acontece na sala de aula, manifestação do chamado "currí- 
culo oculto’’ (Apple, 1982).
A estrutura do processo de desenvolvimento da 
profissionalização docente pode ser representada pela fi- 
gura 5.
58
59
Fi
gu
ra
 5
 - 
A 
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te
1.5. O professor como profissional: 
o nascimento de uma nova legitimidade
Como foi apresentado na epígrafe 1.4, nos anos 80 do 
século XX surgem fortes críticas aos processos de forma- 
ção de professores e se sinaliza o caminho da profissionali- 
zação do ensino como alternativa a se considerar nas refor- 
mas educacionais. Assim, a bandeira pela construção de um 
novo modelo baseado numa nova visão do professor como 
profissional passou a ser foco de atenção das pesquisas no 
campo da formação de professores e institucionalizada nas 
políticas educacionais no plano internacional.
O novo modelo é caracterizado por alguns aspectos 
que assumem uma importância relevante no contexto da 
educação atual. A tendência da educação, em toda a Euro- 
pa, na América do Norte, na América do Sul, incluindo o 
Brasil, ainda que tardiamente, é tornar o professor um pro- 
fissional da educação. Sabemos que o caminho não é fácil, 
exige um esforço contínuo e um trabalho constante no sen- 
tido de formar nos professores uma consciência profissio- 
nal. Na nossa visão, existem alguns pontos que são essen- 
ciais na perspectiva da profissionalização do professor e 
dos quais não podemos abrir mão. O primeiro ponto é a 
questão da formalização do saber, isto é, delimitação de 
um conjunto de saberes que define o perfil do profissional 
da educação; destacamos, em seguida, a questão do status 
do professor, que passa pelos problemas da autonomia e 
da valorização salarial; por último, defendemos a criação 
de um código de ética, um código deontológico, quedê 
um sentido orgânico á atividade docente e que seja elabo- 
rado, é claro, pelos próprios professores.
A situação dos professores face à sua identidade pro- 
fissional é problemática. Enquanto as profissões tradicio- 
nais são seletivas no recrutamento de seus membros, segun-
60
do critérios bem definidos, a docência é uma atividade de 
massas. As profissões, geralmente, retêm um conjunto de 
conhecimentos que lhes são característicos. A docência, 
como atividade democrática, por sua natureza, se orienta 
para a socialização do saber e do conhecimento, embora o 
exercício da atividade exija competências específicas. A 
massificação da atividade docente foi um fator que influen- 
ciou negativamente a qualidade dos serviços dessa ativida- 
de, pois não suscitou respostas positivas, capazes de resol- 
ver os efeitos indesejáveis provocados por tal massificação.
A profissionalização do professor define-se, em par- 
te, por características objetivas. É também uma identidade, 
uma forma de representar a profissão, as suas responsabili- 
dades, a sua formação contínua, a sua relação com outros 
profissionais. A profissionalização aumenta quando, na pro- 
fissão, a implementação de regras preestabelecidas cede lu- 
gar a estratégias orientadas por objetivos e por uma ética.
O profissional é confrontado com problemas comple- 
xos e variados, para os quais não conhece previamente a 
solução, mas está capacitado para construir uma solução entre 
um repertório variado a partir de diversos recursos cognitivos 
e afetivos. Isto exige um trabalho em grupo, mas também 
implica autonomia de ação, uma liberdade de análise e uma 
auto-imagem que são frutos de uma formação inicial e con- 
tinuada. A profissionalização convida o professor a cons- 
truir suas próprias respostas, desde que sejam em média mais 
adequadas que as respostas estereotipadas de suas práticas 
anteriores. A profissionalização é acompanhada por uma 
autonomia crescente, por elevação do nível de qualificação, 
uma vez que a aplicação de regras exige menos competên- 
cia do que a construção de estratégias.
Na divisão do trabalho, nem todas as atividades exi- 
gem um grau elevado de profissionalização. Por vezes, 
porque a tarefa é bastante simples para exigir uma qualifi-
61
cação elevada, ou porque essa qualificação não existe, uma 
vez, que a sociedade ainda não construiu a especialização e 
os saberes que permitirão fazer face em termos profissio- 
nais a determinados problemas. Ocorre que uma atividade 
não se profissionaliza além de um determinado limite, por- 
que existe um certo contentamento em relação a uma forte 
heterogeneidade das prestações.
A profissionalização só representará um progresso, 
do ponto de vista social, se o aumento do nível de instru- 
ção das novas gerações se tornar suficientemente prioritário 
para que possamos lhe dar um valor. Qualquer processo de 
profissionalização passa em determinadas fases por deci- 
sões relativas, por exemplo, ao nível de formação do pro- 
fissional, ao seu salário, ao seu conjunto de encargos, ao 
seu grau de autonomia. Um ministério determinado pode 
propor e conduzir uma política voluntarista de 
profissionalização, mas faltará, no entanto, um certo con- 
senso quanto à decisão das prioridades a serem atendidas, 
o qual só poderá estabelecer-se quando do aparecimento 
de uma crise importante ou de uma evolução, geralmente 
muito lenta, das necessidades e das personalidades. Por 
exemplo, quem propusesse pagar o mesmo salário dos 
médicos aos professores seria visto como um sonhador, 
considerando que historicamente o coletivo dos docentes 
sempre esteve numa escala social abaixo das profissões 
tidas como de forte prestígio sócio-cultural.
Os fatalistas podem sustentar que a profissionalização 
segue o seu curso em função de tendências profundas das 
profissões e das necessidades das sociedades, e que os ato- 
res não fazem mais que traduzir, e eventualmente anteci- 
par um pouco, evoluções que não estão, necessariamente, 
sob seu controle. No entanto, quando se constrói uma nova 
formação de profissionais, apostando, sobretudo na influên- 
cia do processo formativo inicial geralmente por uma ou
62
várias décadas, não se pode evitar a seguinte questão: se- 
gundo a escolha operada, é possível retardar ou acelerar o 
processo de profissionalização? E a profissionalização um 
processo natural do desenvolvimento das ocupações?
Do ponto de vista da formação inicial, ponto de par- 
tida dos processos de profissionalização, não se pode es- 
perar que esta, por si só, modifique radicalmente o grau de 
formação dos profissionais. Ao preparar novos profissio- 
nais sobre-qualificados em relação aos salários, ás condi- 
ções de trabalho e ás normas do corpo de trabalho em fun- 
ção, pode-se correr o risco dos futuros profissionais se afas- 
tarem desta qualificação que promete mais do que cum- 
pre, ou se acomodarem com uma regressão para a média 
adaptando-se “ao terreno” e ás práticas dominantes. Em 
contrapartida, o dilema que permanece é o da expectativa 
gerada na possibilidade de renovação da formação inicial, 
esperando que essa possa contribuir para antecipar e ace- 
lerar uma "revolução” no âmbito da educação. Compete 
às instituições de formação de profissionais encontrar um 
equilíbrio dinâmico. Seria absurdo definir uma formação 
demasiado avançada em relação à realidade do exercício 
da profissão da docência. Mas, não menos absurdo seria 
conformar-se em aderir estritamente à situação atual dos 
processos formativos. Hoje em dia, os formandos têm de 
ser capazes de subsistir até mesmo às transformações pro- 
váveis da profissão durante o seu ciclo de vida profissio- 
nal na docência, que tem uma vigência média de 30 anos 
no Brasil.
A profissionalização é parte do movimento global 
de “terceirização" das sociedades desenvolvidas e do au- 
mento contínuo das forças de trabalho, especialmente nas 
áreas de assistência básica às pessoas (saude física e men- 
tal, trabalho social, informação, lazer e educação). Quan- 
do o progresso tecnológico garante um aumento de produ-
63
ção de bens de consumo, com cada vez menos postos de 
trabalho no setor agrícola e industrial, torna-se evidente 
que a multiplicação, a diversificação, a sofisticação e a 
estratificação dos postos de trabalho do setor terciário é a 
única alternativa ao desemprego em massa. Um pouco ci- 
nicamente, podemos então dizer que a profissionalização 
do setor terciário não procura responder às necessidades 
dos usuários, mas sim às táticas de melhoria ou de conso- 
lidação do estatuto dos seus próprios profissionais.
Pelo exposto convém ressaltar, em nosso entender, 
que uma sociedade só estará pronta para pagar um preço 
justo pela profissionalização quando as tarefas cumpridas 
lhe parecerem bastantes para merecer tal esforço. Não basta 
que a profissionalização seja globalmente uma garantia da 
qualidade da eficácia do serviço prestado. Só é importante 
favorecer a profissionalização se dermos à formação das 
novas gerações uma prioridade crescente e as condições 
necessárias para a educação nos contextos escolares. Esta 
opção nunca é tomada em definitivo, nem assumida por 
consenso geral; no entanto, é, na atualidade, a tendência 
dominante.
O processo de construção da identidade profissional 
não é um processo natural, mas um processo social e histó- 
rico dado pela ação do grupo que deseja a profissionalização, 
assim como pelo contexto que oferece as condições neces- 
sárias a esse processo. É certo que os professores, como parte 
de sua profissionalização, devem lutar por essas condições, 
que não serão dadas de forma espontânea ou impostas fora 
das contradições e dos diferentes interesses e relações de 
saber.
A profissionalização da docência, a identidade do 
professor como profissional deve ser um objetivo desse 
grupo, uma reivindicação defendida pelos professores. As 
experiências em diferentes países (dentre os quais se in­
64
clui o Brasil) têm mostrado como os professoresnão tem 
se incorporado ao movimento da profissionalização da 
docência, pelo que não se tem constituído numa necessi- 
dade desse grupo. O movimento da profissionalização, 
enquanto ideal, é uma aspiração da academia que pesquisa 
sobre a formação docente, das políticas educacionais. Urge 
conhecer as possibilidades, necessidades dos professores 
em relação a seu trabalho para um diálogo construtivo que 
lhe possibilite compreender a “profissionalização'’ como 
tomada de consciência para serem eles os construtores da 
sua identidade profissional.
1 .6. Profissão e desenvolvimento profissional
Para Imbersón (2000, p. 19), a “inovação educativa", 
entendida como pesquisa educativa na prática, requer novas 
e velhas concepções pedagógicas e uma nova cultura pro- 
fissional forjada nos valores da colaboração e do progresso 
social, considerado como transformação educativa e social.
A idéia do desenvolvimento profissional dos profes- 
sores pode ser interpretada desde diferentes perspectivas. 
Imbersón (2000, p. 44) concebe o desenvolvimento profis- 
sional como um conjunto de fatores que possibilitam ou im- 
pedem que o professor progrida em sua vida profissional. 
Nesse sentido, o desenvolvimento profissional não se reduz 
a cursos de formação continuada. Outros fatores, tais como 
salário, estruturas, níveis de decisão e participação, condi- 
ções de trabalho, as relações com a sociedade, a legislação 
trabalhista, etc., influenciam no desenvolvimento profissio- 
nal do professor. O desenvolvimento profissional do pro- 
fessor faz parte de um projeto de desenvolvimento profissi- 
onal da instituição na qual ele desenvolve sua atividade pro- 
fissional.
A idéia do desenvolvimento profissional do profes-
65
sor toma sentido expressivo no contexto da reflexão críti- 
ca do modelo da racionalidade técnica, que limita o pro- 
fessor a tarefas reprodutivas.
A idéia de que os professores constróem sua profis- 
são ao longo da vida, e da qual participam vários e com- 
plexos fatores, confere importância ao conceito de desen- 
volvimento profissional, como um Projeto de Formação 
Continuada. Nesse projeto, a formação inicial é o exercí- 
cio da profissão enquanto profissional, se consideramos 
que as representações sobre a profissão e as práticas que 
se podem assumir no período da formação “pré-profissio- 
nal” marcam um estilo, um agir face aos problemas 
educativos no contexto escolar.
Essa perspectiva nos leva a uma reflexão sobre a for- 
mação inicial e suas relações com os diferentes fatores que 
contribuem com a formação continuada. A formação ini- 
cial deixa de ser o “bode expiatório” das deficiências pro- 
fissionais do professor. Independentemente do que faze- 
mos nos programas de formação de professores e do modo 
que o fazemos, no melhor dos casos só podemos preparar 
os professores para começarem a lecionar.
É necessário compreender o desenvolvimento pro- 
fissional dos professores como um processo amplo, dinâ- 
mico, flexível, completo, caracterizado por diferentes eta- 
pas pessoais e coletivas de construção da profissão. Como 
explica Day (1997, p.8): “É importante conceituar o de- 
senvolvimento profissionaI como um elemento 
multidimensional, dinâmico, da vida, e as fases de apren- 
dizagem ao longo da vida”. O desenvolvimento profissio- 
nal é um processo contínuo que não se produz de forma 
isolada, ele está inserido em um projeto de vida, no qual se 
combinam e interagem diferentes modalidades formativas.
Os professores devem ter a convicção de que apren- 
der é uma responsabilidade para toda a vida, é um compro-
66
misso profissional, no contexto dos projetos individuais e 
coletivos segundo suas necessidades e possibilidades. Como 
profissional, o professor é um agente estimulador de mu- 
danças, um cidadão culto, com motivação sob uma série de 
valores a compartilhar de forma democrática, negociadora, 
com seus alunos e colegas, voltando para transformar e, por 
sua vez, transformar-se nesse processo.
Para Fullan e Hargreaves (1992), a compreensão do de- 
senvolvimento profissional dos professores implica considerar:
a) os objetivos, as intenções e o papel que o profes- 
sor assume face a seu desenvolvimento profissional;
b) o professor como pessoa que tem valores e indivi- 
dualmente dentro do grupo;
c) o contexto real do exercício da atividade profissional;
d) a cultura escolar do cotidiano do professor e seu 
grupo de trabalho.
Ou seja, como expressam os autores:
O desenvolvimento profissional do professor deve ou- 
vir e apoiar a voz do professor; estabelecer oportunidades para 
os professores confrontarem os pressupostos e as crenças que 
estão subjacentes às suas praticas; evitar modismos e 
implementações cegas de novas estratégias de ensino e criar 
uma comunidade de professores que discutem e desenvolvem 
seus propósitos juntos, ao longo do tempo (Fullan e Hargreaves, 
op cit., p. 5).
O desenvolvimento profissional não se corresponde 
com o desenvolvimento de competências profissionais indi- 
viduais. Esse desenvolvimento é necessário mas não sufici- 
ente, pois ele acontece na dinâmica da dialética entre o desen- 
volvimento individual e do grupo profissional. Por isso, fato- 
res contextuais como o salário, o mercado de trabalho, as con- 
dições dadas pelas instituições ao exercício profissional e o 
reconhecimento social da categoria fazem do desenvolvimento 
profissional um campo mais global. A compreensão de de-
67
senvolvimento profissional do professor refere-se ao seu 
desenvolvimento na relação com o coletivo da Instituição 
educativa, como parte de um projeto maior. Nesse sentido, 
profissionalismo e profissionalidade são fatores que influ- 
enciam esse desenvolvimento.
O desenvolvimento profissional pode ser considera- 
do como um sistema complexo em andamento, sistema 
que integra o individual, o coletivo local, o grupo profissio- 
nal, assim como todos os processos que promovem um 
maior status social, econômico, político, ético, profissio- 
nal, etc., da categoria profissional. Nesse sentido, qualquer 
programa de desenvolvimento profissional deve conside- 
rar a relação dialética do individual e o grupo, além do 
contexto. O desenvolvimento é compreendido como a ca- 
pacidade da autonomia profissional compartilhada e de 
gestão educativa dos professores no contexto das mudan- 
ças, baseado na reflexão, na pesquisa, na crítica dentre os 
grupos de trabalho profissional.
O desenvolvimento profissional é favorecido quan- 
do os professores têm oportunidades de refletir, pesquisar 
de forma crítica, com seus pares, sobre as práticas educati- 
vas; explicitam suas crenças e preocupações, analisam os 
contextos e a partir dessas informações experimentam no- 
vas formas para suas práticas educativas. Assim, esse pro- 
cesso possibilita a autonomia compartilhada e uma forma 
de articular teoria e prática, na qual os professores cons- 
tróem saberes, competências, no contexto da busca de um 
aperfeiçoamento da prática educativa e consequentemente 
o desenvolvimento curricular, atrelado aos projetos e políti- 
cas de desenvolvimento global da profissão. A dinâmica dos 
elementos que consideramos necessários ao desenvolvimen- 
to profissional do professor se expressa na figura 6.
Figura 6 Dinâmica dos elementos do 
desenvolvimento profissional
1.7. A competência como eixo na 
formação docente profissional
Na dinâmica das novas formas organizativas da for- 
mação profissional, o conceito de competência emerge como 
uma categoria básica, que procura unir operativamente teo- 
ria e prática, ao assumir que toda teoria tem implicações 
práticas e toda prática tem consigo uma teoria (implícita ou 
não), que a sustenta e por sua vez se faz necessário conhecê- 
la para fundamentar as ações profissionais.
As idéias sobre competência que discutimos no traba- 
lho reconhecem as relações dessa categoria com o mundo do 
trabalho (setor da produção), mas procura superar uma possí- 
vel visão da competência do professor como competência que 
surgedas novas formas de produção, uma vez que a escola, 
as agências formadoras, não são “empresas produtivas de bens 
materiais”, e sim de bens simbólicos. Essa posição não enco- 
bre o caráter objetal da atividade humana. Dessa forma, pro-
69
curamos contribuir com o debate sobre o sentido das “com- 
petências” na formação docente, sem desconsiderar o caráter 
ideológico das políticas que introduzem a formação por com- 
petência na educação brasileira.
O termo competência é entendido por nós como a 
capacidade manifestada na ação, para fazer com saber, com 
consciência, responsabilidade, ética, que possibilita resol- 
ver com eficácia e eficiência situações-problemas da pro- 
fissão. A competência envolve saberes, habilidades, atitu- 
des, valores, responsabilidades pelos resultados, orientada 
por uma ética compartilhada. Ser competente significa 
mobilizar todos os recursos disponíveis, em sinergia, para 
o trabalho profissional exitoso (Perrenoud, 2000).
Ropé e Targoy (citados em Rios, 2001, p.76) afir- 
mam que a noção de competência na atualidade:
se apresenta, de fato, como uma dessas noções cruzadas, cuja 
capacidade semântica favorece seu uso inflacionado em luga- 
res diferentes por agentes com interesses diversos (...). Ela ten- 
de a substituir outras noções que prevaleciam anteriormente 
como as dos saberes e conhecimentos na esfera educativa, ou a 
de qualificação na esfera de trabalho.
À luz das transformações da sociedade hoje, não só pelas 
mudanças na forma de organização dos sistemas produtivos 
contemporâneos, como também pela própria revolução 
tecnológica e pelas novas formas de organização social, o con- 
ceito de competência vai sendo reformulado, tanto em seu 
sentido quanto em seu significado, a ponto de existir um grande 
debate sobre ditos significados. Nessa perspectiva, é impor- 
tante para cada agência formadora construir o sentido do con- 
ceito de competência segundo diferentes referências, para po- 
der compreender suas diversas facetas: histórica, ideológica, 
econômica, social; assim como seu papel nos processos 
formativos, a fim de não ficar fechado não só nas demandas 
do mercado, como também do sentido do senso comum.
70
A rapidez das transformações científicas e tecnológicas 
vem exigindo novas aprendizagens, gerando desafios a se- 
rem enfrentados pelas agências formadoras (escolas, univer- 
sidades e seus integrantes, etc.), que têm que considerar o 
ritmo das novas demandas educativas. Nesse contexto, a for- 
mação inicial como parte da preparação profissional tem um 
papel decisivo para possibilitar que os profissionais com as 
competências necessárias para o início do exercício profissi- 
onal possam inserir-se no mundo produtivo segundo uma 
postura profissional na perspectiva de seu desenvolvimento 
integral, como ser histórico e social, no contexto dos projetos 
individuais e sociais gerados de novas necessidades.
Organizar um currículo em termos de competências 
significa educar os alunos para um saber fazer reflexivo, 
crítico, baseado na pesquisa da prática, no contexto de seu 
grupo social, questão que significa colocar a educação a 
serviço das necessidades reais dos alunos para sua vida 
cidadã e sua preparação para o início do exercício da pro- 
fissão, na medida em que se estabelece um isomorfismo 
entre a formação inicial e as tarefas para as quais se prepa- 
ra o futuro profissional.
Le Boterf (1998) define competência como um “sa- 
ber mobilizar”, de natureza complexa, na base de um dado 
conteúdo ou objeto, que passa por operações cognitivas 
complexas orientadas a obter determinados resultados. A 
competência é um saber prático contextualizado a situa- 
ções de resolução de problemas.
Perrenoud (1999, p.7) caracteriza a competência 
“como sendo uma capacidade de agir eficazmente em um 
determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, 
mas sem limitar-se a eles”. Afirma que para enfrentar uma 
situação da melhor maneira possível deve-se, via de regra, 
pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos 
complementares, entre os quais estão os conhecimentos.
71
Portanto, as competências manifestadas não são meras 
ações em si, nem meros conhecimentos. Elas utilizam, in- 
tegram, mobilizam tais conhecimentos, tais ações. Assim, 
competências constituem qualidades do profissional que 
lhe permitem desenvolver determinadas atividades social- 
mente úteis, com sucesso e responsabilidade ao longo do 
seu desenvolvimento profissional.
O próprio Perrenoud (2000, p. 13) define que:
Competente é aquele que julga, avalia e pondera; acha a 
solução e decide, depois de examinar e discutir determinada 
situação, de forma conveniente e adequada.
Essa capacidade de agir eficazmente é entendida como 
uma atividade intelectual estável e reprodutível num dado 
campo da vida profissional. A capacidade, como capacidade, 
só se manifesta num fazer, ela não existe em "estado puro”.
As definições anteriores sobre o conceito de compe- 
tência permitem observar que existem elementos comuns 
que caracterizam seu conteúdo, características estas rele- 
vantes que possibilitam compreender que estamos face a 
um novo sentido.
No modelo técnico-positivista, a competência pro- 
fissional é considerada como a capacidade de aplicar os 
conhecimentos da ciência e da tecnologia aos problemas 
instrumentais da prática. São por vezes compreendidas 
como habilidades no contexto do agir profissional, com 
resultados orientados pela eficiência. Essa orientação se- 
para as pesquisas dos novos conhecimentos da prática onde 
são aplicados, não existindo lugar para a pesquisa na práti- 
ca de todos os profissionais.
Para Hirata (1994), o conceito competência é mar- 
cado política e ideologicamente por sua origem empresa- 
rial, o que explica o fato de muitos modelos de formação 
de profissionais terem sido orientados para a formação de 
competências.
72
Para Berger (2000, p.2), “competências constituem 
os esquemas mentais, ou seja, as ações e operações men- 
tais de caráter cognitivo, sócio-afetivo ou psicomotor que, 
mobilizadas e associadas a saberes teóricos ou experimen- 
tais, geram habilidades, ou seja, um saber-fazer".
Meirieu (1998, p. 184) considera a competência como 
“saber identificado colocando em jogo uma ou mais capa- 
cidades em um campo nocional ou disciplinar determina- 
do". Já para Graham (citado em Enguita, 1993, p. 173) a 
competência é a atitude para desenvolver as atividades de 
uma profissão, tendo como elementos “as capacidades para 
transferir destrezas e conhecimentos a novas situações na 
sua área ocupacional. Abarca a organização e planejamen- 
to do trabalho, a inovação e a capacidade para abordar ati- 
vidades não rotineiras. Inclui as qualidades de eficácia pes- 
soal que são necessárias no posto de trabalho para relacio- 
nar-se com os colegas, os executivos e os clientes".
Bar (1999) compreende as competências como a ca- 
pacidade de “fazer com saber" e com consciência sobre as 
consequências desse fazer. Toda competência compõe-se 
de conhecimentos, modos de fazer, valores e responsabili- 
dade pelos resultados do feito.
Perrenoud (2000) avança na sua própria idéia de com- 
petência. Quando analisa a competência como referência 
na formação docente escreve:
Uma competência é uma capacidade de ação face a uma 
situação complexa, singular, que não permite uma reflexão se- 
rena e tranquila porque é necessário agir, que obriga a agir com 
incertezas, porque não se dispõe de todas as informações e de 
todos os instrumentos de análise (p. 153).
Ou seja, o agir competente não se limita só a mobili- 
zar recursos já disponíveis. O próprio autor compartilha a 
idéia de competência de Le Boterf (1998):
7 3
Como um saber-mobilizar, como um conjunto de es- 
quemas pondo em sinergia recursos cognitivos múltiplos - con- 
ceitos, conhecimentos, informações, hipóteses, esquemas de 
inferências e de tratamento; métodos - para fazer face à situa- 
ção complexa e incerta, singular no seu detalhe, contudo, mui- 
tas vezesreprovável, à custa de um certo trabalho, a situações 
anteriores apresentando traços comuns.
Como explica Kuenzer (2002, p.5), a posição conceitual 
de Perrenoud (2000) sobre competência não diferencia os di- 
ferentes tipos de conhecimentos a serem mobilizados no agir 
competente, tais como os saberes da experiência, o conheci- 
mento tácito, o senso comum e o conhecimento científico. 
Essa questão é de significativa importância, pois o agir com- 
petente não se reduz ao conhecimento científico, e sim, a nos- 
so juízo, a um tipo de conhecimento profissional no qual es- 
ses saberes são mobilizados segundo a natureza da situação- 
problema. Mas, esse amálgama de saberes deve formar um 
conhecimento profissional teórico que norteie as ações com- 
petentes. O saber teórico é um tipo de conhecimento que se 
orienta à essência do objeto da atividade, ultrapassa a aparên- 
cia e procura “as invariantes” (a essência) nas suas diferentes 
manifestações fenomenológicas.
Ramalho, Nuñez e Gauthier (2000), no Seminário so- 
bre Formação e Profissionalização Docente, analisaram algu- 
mas características para o novo sentido que eles atribuem ao 
conceito de competência. Dentre essas características destacam:
1.7.7. A competência é mostrada em um contexto real
Toda ação ou pensamento se situa em um contexto dado. 
Todavia é possível qualificar o contexto uma vez que ele apro- 
xima-se mais ou menos da situação real, fazendo uso deste 
critério para discriminar as competências das habilidades. As- 
sim que as habilidades são savoir-faire que podem realizar-se 
numa situação em que estão presentes não somente um certo
74
número de variáveis, como também de simulações em labora- 
tórios, ou outros espaços artificiais em relação à realidade.
A competência é uma ação contextualizada, onde o 
conjunto de pressões reais está presente no trabalho ou na 
solução da tarefa profissional. Assim, é fundamental com- 
preender a situação em que se desenvolve o trabalho pro- 
fissional, ou seja, o objeto de estudo da profissão, nos con- 
textos do exercício da profissão. Os conteúdos da forma- 
ção devem ser contextualizados.
1.7.2. A competência se situa numa variação de estado que 
vai do simples ao complexo
Uma competência pode ser simples ou complexa, as- 
sim como uma habilidade também pode ser simples ou com- 
plexa; a competência não é algo acabado, ela se complexifica 
na dinâmica do desenvolvimento profissional. Não obstante, 
quando se utilizam os termos simples ou complexo, isso 
não implica em um reducionismo, e sim numa comparação 
em relação ao seu conteúdo, pois qualquer competência, por 
mais simples que seja, constitui-se numa totalidade de di- 
versas e complexas dimensões. Uma pessoa não tem uma 
competência técnica isolada das dimensões social, política, 
ética, etc., como também das outras competências.
1.7.3. A competência se baseia sobre um conjunto de recursos
O ator competente faz uso de recursos e os mobiliza 
no contexto da ação.
Esses recursos podem ser de saberes ou de conhecimen- 
tos, de savoir-faire, de atitudes que ele utiliza dentro do seu con- 
texto de ação. Uma competência é, desta forma, multidimensional. 
Os recursos em si não se constituem na competência, eles são as 
formas pelas quais são formadas as competências.
75
1.7.4. A competência não se reduz aos recursos do indivíduo
O trabalho se reveste num caráter mais coletivo. A 
atuação do indivíduo dependerá da sua capacidade de co- 
municar-se. Os recursos sobre os quais se baseiam o indi- 
víduo não são apenas pessoais, eles implicam também no 
que se encontra ao seu redor (colegas, recursos pessoais, 
bancos de dados, literatura especializada, etc.). O agir com- 
petente leva consigo a interação com os outros, como pro- 
cesso comunicativo, social.
1.7.5. A competência é a ordem do saber mobilizar no 
contexto da ação
A competência não se reduz aos recursos. Uma com- 
petência não é um saber, um savoir-faire nem uma atitu- 
de, mas ela se manifesta quando um ator utiliza estes re- 
cursos para agir em contexto.
A competência permite a integração, a orquestração, 
combinação e transformação destes recursos. A compe- 
tência não é aplicação, mas construção. “Problem solving 
vs problem setting ”. Ser competente não é só resolver um 
problema dado, formulado por outro. É mais que isso. Face 
à situação-problema, o indivíduo primeiro constrói o pro- 
blema, ao estabelecer as diferenças entre o conhecido e o 
não conhecido que definem a zona de busca das respostas.
De outra parte a pessoa hábil sabe mobilizar, mas a 
pessoa competente sabe mobilizar no tempo e no espaço 
reais, normalmente dentro de situações de complexidade, 
urgência, instabilidade da situação, e não somente no tem- 
po e espaço simulados ou controlados sob situações artifi- 
ciais. A competência profissional se revela na ação prática 
profissional, onde se mostram as capacidades e, por sua 
vez, se atualizam os recursos necessários.
7 6
1.7.6. A competência exige não somente o saber-mobilizar 
mas também o saber de seu savoir-faire
Sendo que um savoir-faire pode muito bem existir 
na ausência de saberes que o baseiem, uma competência 
exige, necessariamente, o saber argumentar sobre a ação. 
Como por exemplo: o esportista pode ser considerado há- 
bil, mas isto não quer dizer que deva ser considerado como 
competente, pois nem sempre ele pode argumentar teori- 
camente suas ações praticas, já que ele atua com esquemas 
de ações, sem uma orientação própria explícita. Tal como 
o saber não garante o savoir-faire, o savoir-faire não sig- 
nifica a expressão de uma competência. A competência 
não é privada: o aluno é guiado por um sistema de signifi- 
cações socialmente compartilhadas por seus pares.
Assim que, a postura profissional competente exige 
o saber sobre o como e o porquê foi feito.
1.7.7. A competência como saber agir é uma prática intencional
A competência pode ser mais que um conjunto de 
movimento objetivamente constatável, ela é também a ação 
sobre o mundo, definida pela sua utilidade social ou técni- 
ca, em uma palavra, ela tem uma função prática social. Ela 
se orienta à solução de situações-problemas bem definidas.
Ela visa atender aos objetivos estimados e deseja- 
dos. O aluno dá o sentido à situação, ele seleciona os ele- 
mentos necessários dentro do repertório de recursos. Sa- 
ber agir com pertinência é saber interpretar, julgar.
1.7.8. A competência é também um projeto, uma finalidade
As competências se inscrevem sobre uma série de 
estados que passam do simples ao complexo. Ao nível da
7 7
complexidade maior, não existe, por assim dizer, um fim 
ao fim projetado. Jamais uma pessoa deterá de forma defi- 
nitiva e total a competência que deseja desenvolver, por 
exemplo, o pensamento crítico. Essa competência sempre 
está em processo de atualização/construção, não sendo 
possível se afirmar que uma pessoa atingiu o nível máxi- 
mo do pensamento crítico.
1.7.9. Uma competência é uma potencialidade de ação
A competência não é uma ação que podemos definir 
como uma atuação, mas sim um potencial de intervenção 
que pode se manifestar no contexto real. Ela permite deli- 
mitar e resolver problemas próprios a um campo de ação. 
Neste sentido, alguns autores falam de famílias de situa- 
ções-problemas, como uma esfera de cada competência.
1.7.10. O agir competente (atuação) é um ato bem-sucedido
O ator competente age eficientemente, quer dizer, 
em conformidade com os modelos desejados. A eficacidade 
real do ator competente para conseguir atingir os fins fixa- 
dos não é necessariamente de ser comparado ao expert.
O ator competente é aquele que sabe mobilizar os re- 
cursos em situações como teria feito racionalmente o pro- 
fissional mediano dentro das mesmas condições. O nível do 
sucesso esperado pelos estudantes que iniciam o exercício 
da profissão não é de um profissional experiente (tarimba- 
do), mas sim daquele que se corresponde com os objetivos 
formulados no modelo profissional para esse nívelde for- 
mação. A formação inicial não prepara o aluno “com as com- 
petências necessárias" para toda a sua vida profissional. A 
formação inicial é uma etapa no processo de desenvolvi- 
mento profissional. Consequentemente, as competências
78
desse nível da formação não se correspondem com as com- 
petências do profissional com uma atuação de excelência 
construída no seu desenvolvimento profissional.
7.7.11. O agir competente é imediato e eficiente
Não somente o ato é bem sucedido como também 
resulta de uma competência suficientemente dominada para 
permitir uma execução rápida e com certa economia de 
meios.
1.7.1 2. Uma competência é uma capacidade de 
agir com estabilidade
Uma competência não pode ser uma ação em que o 
sucesso aconteça devido a uma casualidade, a um '‘golpe de 
sorte”. Ela implica em que o ator a manifeste de maneira 
repetitiva nas diversas situações do seu agir profissional.
A competência não é rotina, não é um mero hábito. 
Ela caracteriza o agir profissional de alguém com poder, 
autonomia, atuando em situações complexas, resultando 
em uma resposta satisfatória para uma situação nova. Os 
hábitos profissionais (rotinas) estão na estrutura das com- 
petências, mas não são competências em si, como já foi 
dito. É lógico que cada profissional desenvolve suas roti- 
nas, que lhes possibilitam obter determinadas respostas a 
situações que não podem ser consideradas como novos pro- 
blemas quando existem no indivíduo os mecanismos de 
solução dessas situações.
Uma pessoa competente numa dada área mobiliza 
diferentes recursos necessários à solução de uma situação- 
problema num contexto dado. Por isso a instituição esco- 
lar não desenvolve competência quando se orienta só à 
formação de determinadas capacidades, enquanto habili-
79
dades ou hábitos, num contexto artificial do exercício da 
profissão. Os hábitos, as habilidades, como componentes 
das competências, devem ser transferidos a situações no- 
vas, reais, com o objetivo de contribuir para a formação de 
competências parciais, que formarão redes complexas, ca- 
racterísticas de novas competências mais gerais.
As competências estão relacionadas com o “saber 
mobilizar” os diferentes recursos, em sinergia, pelo que 
não é possível armazená-las. Ela não se corresponde com 
um estado dado, não representa um saber, ela se manifesta 
num prolongado tempo em situações concretas, pelo que 
estão dentro da própria atividade profissional. Essa ques- 
tão nos faz renunciar à idéia de formar competências pré- 
vias ao exercício da profissão, separando teoria da prática 
profissional fora da socialização e a construção da identi- 
dade profissional desde a formação inicial, como uma eta- 
pa do desenvolvimento.
O agir competente implica atividade teórica e prática, 
numa relação dialética. Uma prática consciente, baseada na 
teoria (não exclusivamente na teoria científica, mas sim nela), 
como na teoria que possibilita a transformação do objeto/ 
sujeito/contexto nas ações práticas. Na nossa visão teoria e 
prática são componentes da atividade competente, conse- 
quentemente. falamos de uma atividade transformadora em 
suas diferentes dimensões (cognitiva, política, afetiva, ideo- 
lógica, social, histórica, produtiva, etc.).
A formação de competências é um processo com- 
plexo, que implica relações diversas entre os diferentes 
níveis do conhecimento, dos saberes, esquemas de ação, 
elementos afetivos, motores, do contexto, etc. Dessa for- 
ma, é imprescindível que sejam reconhecidas as relações 
dialéticas entre o grau de domínio do conteúdo, as caracte- 
rísticas do conhecimento e as situações que exigem for- 
mas específicas de trabalho com esse conhecimento.
80
As considerações aqui postas possibilitam compre- 
ender que as competências não são transmissíveis. Elas são 
características dos profissionais que se formam à luz de uma 
relação dinâmica, complexa, dialogando com o objeto da 
profissão, num tempo real, baseadas em recursos que são 
mobilizados com eficácia e eficiência. Uma formação cen- 
trada nas aulas teóricas, na transmissão de conhecimento, 
para sua posterior aplicação em situações-problemas simu- 
ladas, reduz potencialmente a possibilidade de se alcançar a 
formação de competências profissionais.
Carbó (2000) discute a competência profissional em 
lermos da “metacompetência" como meio de construir e 
reconstruir as competências. A “metacompetência" se refe- 
re à consciência que tem o indivíduo a respeito dos meca- 
nismos que lhe possibilitam desenvolver suas competênci- 
as: é o aprender a aprender, em relação à formação de com- 
petências. Como estratégias que podem contribuir ao de- 
senvolvimento das metacompetências, a autora assinala:
• saber analisar;
• refletir na ação;
•justificar pelas razões profissionais;
• tomar consciência dos hábitos profissionais.
A metacognição (consciência do indivíduo a respeito 
dos mecanismos que utiliza para aprender) pode ser conside- 
rada como uma estratégia fundamental à profissionalização. 
Como explica Shulman (1986, p. 13), um profissional é capaz 
não só de praticar e compreender o seu ofício, como também 
de comunicar aos outros as razões, os argumentos das suas 
decisões e ações profissionais.
Queremos reafirmar que a formação de competênci- 
as como categoria norteadora dos processos de formação 
inicial não exclui outros tipos de recursos que são neces- 
sários para a atividade humana e para as próprias compe- 
tências. As habilidades, os hábitos, são recursos das com-
81
petências, assim como os conhecimentos específicos e pro- 
fissionais. A atividade profissional se fundamenta nas com- 
petências, mas também precisa de habilidades, de hábitos 
(rotinas profissionais), entre outros, e não pode ser reduzi- 
da só a competências.
O “paradigma emergente da formação” reconhece que 
o ensino, como atividade complexa, pode tomar como refe- 
rência ações instrumentais, regras técnicas, assim como a 
existência de hábitos na prática profissional. Mas, o agir 
competente supera essas dimensões para a sua reconstrução 
face às situações-problemas da profissão de forma reflexi- 
va, crítica e com procedimentos conscientes que possibili- 
tem superar práticas alienadas. Na interação com os outros 
(alunos, colegas, sociedade) os profissionais podem cons- 
truir os novos saberes e competências que passam a ser par- 
te da sua experiência e desenvolvimento profissional.
Não se espera hoje das agências formadoras de pro- 
fessores, como no "paradigma dominante”, que passe o 
essencial do saber ensinar baseado nas fórmulas instru- 
mentais da ideologia científica. As agências formadoras 
passam a ser espaços mediadores em relação ao contexto 
real do exercício da profissão, para contribuir com uma 
formação inicial que possibilite o início da atividade pro- 
fissional com um nível de formação de competências a 
serem desenvolvidas na vida profissional nos Projetos de 
Desenvolvimento Profissional.
Os processos formativos organizados em torno da 
categoria competência mudam as concepções tradicionais 
sobre o tempo e o espaço de formação. Nesse sentido, o 
contexto real, a prática complexa, em condições de incer- 
teza, passa a ser o locus a ser privilegiado. Na formação cie 
professores a prática social, real, é o espaço a privilegiar 
para a formação de competências para o início do exercí- 
cio da profissão, mas negar as possibilidades do espaço
escolar como mediador dos saberes teóricos e do contexto 
real pode levar a reservar para a instituição formadora a 
“formação teórica” para sua aplicação posterior, questão 
que pode reforçar a inércia na discussão de que falamos 
sobre competência como articuladora da teoria com a prá- 
tica. Esse pensamento deve se apoiar numa reflexão das 
possibilidades na formação de competências em um deter- 
minado grau de desenvolvimento na formação inicial, e 
não a sua negação.
Delors (2000) considera que uma pessoa é compe- 
tente quando é capaz de “saber”, “saber-fazer” e “saber- 
ser”. Consequentemente,necessita saber mobilizar:
- o conhecimento teórico e específico, em nível ge- 
ral (experiências de vida), assim como os específicos do 
seu campo de atividade profissional, este último como co- 
nhecimento acadêmico-universitário;
- o saber-fazer, utilizando um conjunto de proces- 
sos e estratégias que possibilitam uma resposta adequada 
às situações-problemas. Saber mobilizar outras competên- 
cias transversais e gerais, tais como: pensamento analógico, 
análise e dedução, em função das situações, relações entre 
saberes, competências cognitivas (lógico-dedutivas);
- o saber-ser, inserido nos estilos que são próprios da 
profissão, gerando atitudes, sentimentos, valores, estilos pes- 
soais que lhe possibilitam, globalmente, desenvolver com efi- 
cácia uma atividade considerada como complexa. O indiví- 
duo competente está inserido em um conjunto de relações 
que estabelece no seu contexto e com seu grupo de trabalho.
Sabemos que os objetivos do processo formativo 
podem ser explicitados em forma de competências, por- 
tanto, o agir do profissional, sua ação ou prática profissio- 
nal são elementos que caracterizam a natureza, a base teó- 
rico-metodológica do modelo formativo e da formação 
profissional.
83
Delimitar as competências a serem trabalhadas na for- 
mação inicial possibilita criar uma referência comum para os 
formadores dos futuros profissionais e pode orientar os futuros 
profissionais no próprio processo da sua formação para que 
todos compreendam o sentido do projeto de formação profissio- 
nal, que é parte do modelo formativo da instituição. Essas com- 
petências são declaradas desde o início e norteiam o pro- 
cesso formativo. Em decorrência desse processo, a avaliação 
final deixa de ser uma “surpresa", pois ela se orienta às compe- 
tências definidas, na dinâmica do desenvolvimento integral 
durante a formação. Assim, por formação profissional enten- 
demos o processo permanente de aquisição, estruturação e 
reestruturação de condutas, saberes, habilidades, ética, hábitos 
inerentes ao desenvolvimento de competências para o desem- 
penho de uma determinada função profissional.
O modelo formativo expressa as competências ne- 
cessárias para o início da atividade profissional, com as 
quais o processo formativo assume seu compromisso po- 
lítico-pedagógico. O sentido dessas competências é resul- 
tado das discussões nos diferentes níveis de sua formula- 
ção. Ou seja, o modelo deve explicitar: quais são as com- 
petências e seus graus de desenvolvimento para o nível de 
formação dado. Mas, como se desenvolvem as competên- 
cias no processo de formação inicial, ponto de partida para 
o desenvolvimento profissional? Podemos admitir que elas 
têm determinadas particularidades, quais sejam:
- as competências, no geral, desenvolvem-se desde 
a formação inicial para a vida profissional, na forma de 
uma espiral ascendente;
- atualizam-se por etapas, à luz de processos forma- 
tivos que dialogam com o objeto da profissão e, portanto, 
servem de base ao desenvolvimento profissional;
- evoluem em graus de desenvolvimento crescente 
e diferenciado;
- são “pilotadas” por diferentes recursos que são mo- 
bilizados conjuntamente: saberes, experiências, habilida- 
des, atitudes, entre outras.
Metaforicamente, podemos imaginar um esquema 
espiralado crescente para representar como as competên- 
cias se relacionam com o desenvolvimento profissional, 
norteado inicialmente pelo processo formativo inicial, pon- 
to de partida da profissionalização, revelando como elas 
devem ir surgindo como um recorte que se amplia e se 
desenvolve de forma contínua, sucessiva. A figura 7 ajuda 
a ilustrar esses argumentos.
Figura 7- Ilustração da formação de
no desenvolvimento profissional
Como vimos afirmando, a formação profissional e, 
consequentemente, a formação das competências não é 
monopólio da formação inicial. Esse processo é influencia- 
do pela experiência pré-profissional (experiências desen 
volvidas antes do ingresso nos estudos de nível universitá- 
rio), na qual se inicia e é um contínuo dialético (desenvol- 
vimento como espiral) ao longo da vida profissional.
Assim, para assumir a perspectiva da formação ini- 
cial de um currículo por competências, faz-se necessário 
partir de uma formulação clara do sentido das competên- 
cias a serem formadas no nível inicial, das formas estraté­
85
gicas para o seu desenvolvimento à luz de uma definição 
dos próprios processos de profissionalização continuada. 
Nesse sentido, torna-se igualmente necessário definir qual 
o papel da formação inicial expresso no desenvolvimento 
profissional, que é um contínuo na vida do profissional.
Para tanto, o projeto formativo tem que ser claro e 
caracterizar o nível de desenvolvimento das competências 
iniciais, com as quais assume um dado compromisso. Tam- 
bém não estamos falando de competências que dão conta 
de qualquer prática profissional, uma vez que a agência 
formadora, em sua formação inicial, não forma no indiví- 
duo uma espécie de repertório de conhecimentos, de com- 
petências, de habilidades com seu total desenvolvimento. 
Como em todo campo profissional, o repertório da forma- 
ção e o desenvolvimento profissional, se não atualizados, 
revistos, tendem a tornar-se obsoletos, ainda mais no atual 
momento de uma sociedade altamente competitiva como 
a deste início de século e das mudanças aceleradas que 
caracterizam a sociedade no meio das dinâmicas e pers- 
pectivas do desenvolvimento da profissão.
Com isto queremos reafirmar que não há um com- 
petente total ou um competente pleno e para sempre. Por 
isso é mais prudente falar de competência como processo, 
não enquanto produto. As competências e o ser competen- 
te não são algo pronto, eles se constróem ao longo do de- 
senvolvimento profissional, tendo como ponto de partida 
a formação inicial.
A aprendizagem por competências modifica a ativi- 
dade do futuro profissional face à sua própria formação. 
Ele deve aprender a assumir uma responsabilidade indivi- 
dual frente às situações da atividade profissional, ou seja, 
uma atitude social. Como explica Mertens (2000), esse 
compromisso subjetivo significa mobilizar a inteligência 
do futuro profissional, mas também leva a assumir os ris-
86
cos dos fracassos e as reações do coletivo. Para o autor 
“uma pessoa que aceita e pode, falando subjetivamente, 
mobilizar dita atitude social poderá ter uma maior facili- 
dade para aprender em relação a uma pessoa que está numa 
posição de defensiva e rechaço” (p.28).
O desenvolvimento profissional dos professores 
pode ser analisado em duas dimensões: uma dimensão 
social e outra individual, que interagem como uma uni- 
dade dialética. A dimensão social diz respeito a novas 
necessidades formativas que emergem das mudanças e 
aperfeiçoamentos do próprio campo profissional: uma 
reforma educacional, por exemplo, impõe novas exigên- 
cias à formação de competências profissionais dos do- 
centes. A dimensão individual, por sua vez, diz respeito 
á condição do professor como pessoa, com sua história, 
seu referencial, suas necessidades, seu ritmo próprio de 
aprendizagem, seu projeto de formação profissional. E 
nessa dialética das duas dimensões (social e individual) 
do desenvolvimento profissional que se situa a relação 
homogeneidade/heterogeneidade (diversidade) na forma- 
ção contínua de professores.
Na sociedade do conhecimento, a dinâmica da for- 
mação contínua do professor passa a ter outra dimensão, 
repensada desde esse novo contexto. A atualização das 
competências profissionais, dos saberes profissionais, são 
exigências de uma nova ótica do desenvolvimento profis- 
sional do professor, como uma especificidade da educa- 
ção permanente. Isso exige uma nova compreensão dos 
processos de aprendizagem dos professores, como proces- 
so de reflexão crítica e espaços de construção e transfor- 
mação, e não só como meros processos adaptativos, como 
conseqüência das políticas educacionais e exigências que 
emergem, porvezes, de outros contextos alheios aos con- 
textos próprios da formação e exercício da profissão.
87
Pintrich (citado em Garcia, 1999, p. 102) tem enu- 
merado particularidades do desenvolvimento cognitivo das 
pessoas adultas que podem contribuir para explicar a ne- 
cessidade de se prestar atenção à diversidade na aprendi- 
zagem dos professores no processo de formação de com- 
petências. Para ele:
- O desenvolvimento é um processo que se produz 
ao longo de toda a vida, não está limitado a certas idades;
- O desenvolvimento pode ser qualitativo ou quan- 
titativo;
- O desenvolvimento é multidimensional, pois as 
mudanças acontecem em muitas dimensões: biológica, 
social e psicológica;
- O desenvolvimento é multidimensional, na medida 
em que podem existir diferentes modelos e trajetórias para 
atingi-lo, independente das dimensões do indivíduo;
- O desenvolvimento é determinado por muitos fatores;
- Os indivíduos são sujeitos que constróem e orga- 
nizam ativamente suas próprias histórias pessoais, de for- 
ma tal que o desenvolvimento não é só função dos diferen- 
tes acontecimentos pelos quais passa, e sim de um proces- 
so dialético entre os múltiplos fatores ambientais e a cons- 
trução pessoal que os sujeitos fazem desses fatores.
Metodologicamente, a atenção à diversidade supõe 
trabalhar com as situações-problemas reais da prática pro- 
fissional, segundo os objetivos do projeto do curso 
formativo. Identificadas essas situações-problemas se fa- 
zem necessários percursos diferenciados segundo os rit- 
mos de trabalho dos futuros profissionais, de seus proble- 
mas, no contexto de relações de cooperação e mediação 
pelos orientadores do curso. Isso não quer dizer que assu- 
mimos um sistema de instrução personalizada, no entanto 
acreditamos ser preciso procurar potencializar situações 
de aprendizagem que possibilitem a dialética do trabalho
individual/grupo, com a socialização das diferentes apren- 
dizagens no grupo. Por outra parte, o locus da formação 
inicial e continuada passam a ser as próprias escolas, onde 
têm origem os problemas profissionais. Se o curso de for- 
mação pretende contribuir à formação de competências ou 
à sua atualização, faz-se necessário considerar os contex- 
tos reais da prática profissional, nos quais os professores 
devem aprender a mobilizar os novos recursos cognitivos 
e afetivos e a construir/reconstruir gestos, atitudes, proce- 
dimentos, maneiras de atuar e agir com base numa ética 
profissional.
Segundo Mertens (2000) a principal característica da 
formação por competências é sua orientação prática e a pos- 
sibilidade de uma inserção quase natural e contínua do alu- 
no na vida profissional. Para o autor, o fato de ser compe- 
tente significa resolver problemas com êxito em situações 
reais, transformar o currículo em uma aprendizagem inte- 
gral, ao vincular os conhecimentos gerais, os conhecimen- 
tos profissionais e as experiências no campo profissional.
As novas exigências que vêm sendo apresentadas pe- 
las atuais políticas educacionais, tidas como a educação para 
o século XXI, e os questionamentos em torno da formação do 
professorado, obrigam-nos a pensar na busca de novas refe- 
rências para a concepção e a organização de processos de 
formação inicial e continuada, em novos espaços e tempos.
Defendemos a idéia de ser necessário, como primei- 
ro passo da organização curricular, definir o “modelo pro- 
fissional” com o qual a instituição assume seu compro- 
misso, e do qual dependerá a organização curricular. O 
modelo profissional supõe explicitar as especificidades da 
profissão que, como hipótese inicial do trabalho de forma- 
ção, orientará o processo. O modelo não constitui uma ins- 
tância neutra, fechada, como expressão de uma lista de 
competências a serem formadas. O “modelo profissional”
89
representa uma referência que leva em si o núcleo básico 
da formação inicial.
O processo de formação de professores deve definir 
os princípios que assume como próprios, na orientação da 
organização curricular. A formação atual, que toma como 
referência o professor como profissional e a formação de 
competências profissionais como instância de um proces- 
so contínuo, deve reconhecer:
-os alunos do curso de formação (futuros profissio- 
nais) como sujeitos ativos que constróem saberes, compe- 
tências, habilidades, hábitos, valores, entre outros, no con- 
texto de sua ação profissional;
- que esses alunos têm idéias sobre a futura profis- 
são, essas idéias devem ser objeto de questionamento e 
ponto de partida para promover mudanças em seu pensa- 
mento profissional, condição básica, enquanto premissa, 
de sua ação como professor. Ademais, das idéias sobre a 
profissão, devem ser consideradas as necessidades de for- 
mação, os interesses individuais e do grupo a que pertence 
e do contexto do trabalho;
- que a prática constitui a base profissional da qual 
emergem as situações-problemas atuais e perspectivas as 
quais devem ser articuladas à formação, em sua relação 
dialética com a teoria. O conhecimento teórico nem sem- 
pre precede a prática, eles se conectam de forma tal que 
se constituem numa unidade dialética. A formação de 
competências profissionais implica saber mobilizar dife- 
rentes recursos em situações práticas de contextos reais 
para resolver os problemas complexos e singulares dessa 
prática;
- A trilogia reflexão/investigação/crítica são pilares 
básicos das concepções teóricas que sustentam a forma- 
ção inicial na base da profissionalização. Tais pilares pro- 
curam favorecer a vivência de propostas inovadoras e a
90
reflexão crítica explícita para questionar o pensamento 
docente espontâneo, ou seja, “o caráter natural do que sem- 
pre foi feito”.
1.8. Notas conclusivas
As novas teorizações sobre a formação do docente 
podem ser sedutoras e fortes referências para nos orientar. 
No entanto, é necessário alertar para o fato de que essas 
transformações só acontecerão se as próprias instituições 
formativas se profissionalizarem nos marcos das novas 
políticas educacionais que valorizem o papel do docente 
como profissional e criem condições para essa profissio- 
nalização.
É certo que, para muitos setores da sociedade, o pa- 
pel central na educação escolar é dado aos professores. 
Como reconhecemos, os professores têm uma importân- 
cia vital no sucesso dos projetos pedagógicos, mas eles 
por si só não poderão produzir as esperadas transforma- 
ções no sistema. Existem problemas que têm sua origem 
fora da escola, que precisam ser trabalhados por todos (fa- 
mília, comunidade, Estado, sindicatos, etc.). Sem essa pers- 
pectiva, os professores pouco poderão fazer. A essa pro- 
blemática acrescem-se as próprias condições de trabalho 
dos professores. Portanto, mudar essas condições para fa- 
cilitar a preparação dos professores, seu desenvolvimento 
profissional, no meio de suas condições pessoais, é uma 
necessidade. Os professores devem mudar sua maneira de 
olhar a profissão docente como sendo uma atividade indi- 
vidual, para constituir espaços coletivos de reflexão, de 
estudo, de construção de saberes e de sua emancipação 
sócio-profissional.
Pensar em novos estilos de formação de professores 
implica ressignificar e construir novos sentidos para as ca-
91
tegorias: profissão, profissionalização, competências vin- 
culadas à atividade educativa dos professores nos novos 
contextos. Significa pensar na dimensão da pesquisa, da 
reflexão e da crítica como atitudes do professor como 
profissional, atitudes que contribuam para a construção de 
uma identidade profissional.
É necessário reconhecer que os processos de refor- 
mas curriculares não acontecem sem um certo grau de ce- 
ticismo e “violência simbólica”. Para muitos professores 
que têm vivenciado os constantes apelos para transformar 
suas práticas, essa violência torna-se mais presente quan- 
do neles se têm depositado uma excessiva expectativa em 
relação às transformações que lhe são exigidas, quando, 
muitas vezes,não fica assegurada a compreensão dos me- 
canismos de participação dos professores nesses proces- 
sos de profissionalização.
A formação do professor como profissional consti- 
tui um processo único, contínuo, na perspectiva do desen- 
volvimento profissional, que deve orientar-se a garantir aos 
professores:
-estratégias metacognitivas para aprender a apren- 
der e desenvolver suas competências profissionais;
- saberes sólidos, das disciplinas científicas, do con- 
teúdo pedagógico do conteúdo, do contexto, e todos os 
outros saberes que entram na rede complexa de saberes a 
serem mobilizados no trabalho profissional;
-competências profissionais, em processo de evo- 
lução, geradas na ação e para a ação, que se atualizam por 
estratégias de reflexão, crítica, pesquisa, orientadas à ino- 
vação educativa;
-consciência e atitude face aos processos de profis- 
sionalização docente, a fim de participar como parte de 
grupos de trabalho na construção do seu desenvolvimento 
profissional.
92
Não há uma mágica para transformar ou revolucio- 
nar o trabalho do ensino e todo o sistema educacional. Sa- 
bemos que são muitas as interferências e que a educação é 
um dos fatores mais refratários, e, portanto, absorve e é 
parte das crises sociais, econômicas e políticas. Fundamen- 
tamo-nos, portanto, numa perspectiva confiante, otimista, 
utópica, que aprendemos a admirar nos ensinamentos do 
saudoso Paulo Freire.
A mudança paradigmática na formação docente não 
representa um simples trânsito da perspectiva baseada no 
racionalismo técnico, no academicismo e na prática tradicio- 
nal para a formação de um profissional segundo o conteúdo 
teórico que atribuímos a essa categoria. O racionalismo téc- 
nico é mais que um problema técnico, pois ele representa 
uma ideologia e uma racionalidade de um grupo hegemônico 
das sociedades capitalistas. A mudança de paradigma é um 
problema político, de caráter ético, moral, econômico, se- 
gundo as finalidades da sociedade e das novas necessidades 
dos diferentes grupos sociais, na busca de uma sociedade 
mais democrática nos contextos históricos.
O paradigma da profissionalização aparece como uma 
das possíveis alternativas para se pensar a formação docen- 
te, “gerado” no meio acadêmico e nas "políticas educacio- 
nais”. Defendemos essa perspectiva como uma orientação, 
dentre outras, no caminho da construção da identidade pro- 
fissional, questão que não significa a substituição de um 
paradigma por outro, no sentido kuhniano. Outras perspec- 
tivas teóricas podem contribuir á reconstrução do nosso pen- 
samento sobre a profissionalização docente.
93
1.9. Referências
94
95
96
2. Para saber o rumo da mudança: 
a propósito de um modelo profissional
2.1. Introdução
No capítulo anterior procuramos situar os argumen- 
tos básicos que, na atualidade, vêm conformando uma 
nova maneira de se pensar, de conceber e trabalhar o cam- 
po da docência, isto é, o métier do ensinar alguém a ensi- 
nar e a educar. Partimos de uma referência teórica que 
nós chamamos de Modelo Emergente da Formação para 
o Ensino (MEF), apoiado numa perspectiva em que os 
conceitos de profissionalização, competências e do de- 
senvolvimento profissional são explicitados e examina- 
dos na perspectiva da criação de um novo tipo de forma- 
ção profissional para o professorado. Por formação inicial 
compreendemos a instância primeira de formação no ní- 
vel universitário para o exercício da profissão, na qual se 
certifica a preparação do professor como profissional.
Como deixamos claro no texto, há uma convergên- 
cia “globalizada” a respeito da necessidade de se redefinir 
os processos formativos para a área da educação. Isso pode 
ser constatado na bibliografia (ou outras fontes) nacional e 
estrangeira utilizada na análise do capítulo I.
As perspectivas teóricas que orientam o “modelo 
profissional” aqui proposto visam construir uma referên- 
cia para se pensar em trabalhar limitações das práticas 
formativas do professorado, normalmente fragmentadas, 
passando a compreender o professor como sujeito ativo e
97
autônomo de sua prática. Nessa perspectiva, os professo- 
res constróem seus saberes, competências e sua identida- 
de profissional num processo complexo, a partir de suas 
experiências, necessidades, interesses balizados pelo con- 
texto institucional no qual desenvolve seu trabalho.
Nossa preocupação será oferecer contribuições de 
ordem teórico-prática aos estudos sobre a importância da 
construção-reconstrução da profissão docente, fundamen- 
tadas numa proposta capaz de definir, caracterizar, anali- 
sar e associar a formação inicial a um “modelo profissio- 
nal”. Esse modelo, intencionalmente considerado como 
hipótese inicial de trabalho para orientar os processos 
formativos, deve adotar uma abordagem que reconheça a 
importância da realidade laboral, histórica, cultural e social 
da prática formativa de cada agência formadora.
Certamente estamos atentos aos contextos em que 
esses desafios são, por muitos, perseguidos, seja nos paí- 
ses mais avançados ou naqueles em vias de desenvolvi- 
mento. Assim, para nós, fica muito visível que, estejam 
onde estiverem, as preocupações com as formas “freqüen- 
tes” de ensinar a ensinar, aprender a aprender e de ser um 
professor como profissional, neste novo século, é uma 
questão por demais desafiadora para todos.
Queremos remarcar que estamos extremamente aten- 
tos a tudo isso e que somos bastante otimistas com a possibi- 
lidade de mudanças nos hábitos, atitudes, costumes, práticas 
e na própria visão daqueles que, como nos, compõem a classe 
docente deste país. Certamente é esse otimismo que vem nos 
motivando a defender a necessidade de se definir modelos 
formativos como base na formação e profissionalização do- 
cente. Assim, neste segundo capítulo, acreditamos que o con- 
teúdo dos seus novos modelos profissionais em formação para 
o ensino estará estreitamente ligado ao trabalho exercido pe- 
los profissionais do ensino (docentes).
O desenvolvimento das profissões tem emergido na 
formação e especialização do saber, o que tem ocorrido his- 
toricamente no contexto do mundo moderno, conjuntamen- 
te com fatos históricos, necessidades sociais, econômicas, 
políticas, etc. Desde o início do século passado a Sociologia 
anglo-saxônica vem refletindo sobre o que é uma profissão 
e sobre a evolução de um dado número de profissões. Nessa 
mesma posição teórica, os estudos empíricos desenvolvi- 
dos sobre as profissões têm analisado que elas, na realidade, 
não cumprem com a tipificação ideal do profissional emer- 
gido do funcionalismo, ou seja, da neutralidade e universa- 
lidade da prática social fechada nesse tipo de modelo.
As profissões se desenvolvem com as transformações 
do trabalho e das questões sociopolíticas, econômicas, ci- 
entífico-tecnológicas, etc. Os “novos conhecimentos", os 
“conteúdos culturais" se desenvolvem (com base nos exis- 
tentes) mediante o conhecimento dos conteúdos e culturas 
anteriores, propiciando a abertura de novos espaços. No caso 
da docência, como nas demais profissões, esta é levada à 
constante redefinição e construção da sua identidade. Para 
Pacheco:
“O profissional como figura histórica e sujeito de um 
processo histórico, que condensa todo um conjunto de condi- 
ções, processos e práticas sociais em geral articuladas, por um 
lado, pela demanda social, e por outro, por um campo de co- 
nhecimentos estruturados. O profissional está sujeito á incidên- 
cia dos diversos fatores, tais como: a conjuntura, posições e 
forças sociais, reorientaçào quanto ao tipo de demanda, formas 
de produção, organização social, etc." (Pacheco, 1993, p. 54).
Cada profissão apresenta sua própria caracterização 
histórica de saberes legitimados institucionalmente pelas 
estruturas socioeconômica, política e cultural. É importante
2.2. A definição do tipo de profissional docente
99
compreendê-la em nível amplo e específico, aprofundar 
suas especificidades e historicidadea fim de reconhecer as 
diferentes tendências de fortalecimento, desaparecimento 
ou possíveis modificações diante das mudanças contínu- 
as, reveladoras das transformações/rupturas nas passagens 
da docência de ofício à docência como profissão (Tardif, 
2002). A questão da condição do professor como profissio- 
nal tem sido uma posição assumida por nosso grupo, apoia- 
da por diferentes autores nacionais e estrangeiros.
A questão da definição do tipo do profissional a ser 
formado se tem sustentado em diferentes teorias e enfoques. 
Uma das primeiras abordou o perfil profissional como a 
descrição de traços e características dos melhores profissio- 
nais (profissionais de alto nível de profissionalização). Um 
outros contextos se considerou o perfil em termos de con- 
dutas que permitiam elaborar objetivos específicos, como 
uma fragmentação dos primeiros. Ambos os enfoques fica- 
ram fechados numa idealização da atividade do "professor ".
Existe hoje quase um consenso de que as necessida- 
des atuais e perspectivas da sociedade podem ser satisfei- 
tas se formado um profissional de perfil amplo (Ramalho 
e Nuñez, 2002). Essa não é, por certo, a única resposta a 
esta problemática, pois o tipo de profissional a ser forma- 
do depende de vários fatores, dentre eles as condições so- 
cio-históricas e o locus da formação. Assim, o que fica 
claro é que não é possível continuar formando especialis- 
tas de perfil estreito, limitado em suas possibilidades pro- 
fissionais atuais e futuras, no qual se fragmenta e fragiliza 
a condição do professor como profissional.
Os ministros da educação dos países da América La- 
tina e do Caribe (1993) aprovaram um conjunto de "reco- 
mendações” que orienta à seguinte conclusão: a 
profissionalização da atividade educativa é o conceito cen- 
tral que deve caracterizar as novas etapas do desenvolvi-
100
mento educalivo. Para o “Comitê de Trabalho” da V Reu- 
nião Regional Intergovemamental, a profissionalização re- 
presenta o desenvolvimento sistemático da educação fun- 
damentada na ação e no saber especializado, de maneira 
que as decisões em relação ao que se aprende, como se 
ensina e às formas de organização para esses processos, 
nos contextos de responsabilidades preestabelecidas, de- 
vem considerar: a) a dimensão ética; b) os avanços dos 
conhecimentos; c) os diversos contextos e características 
culturais. Essa posição teórica nos leva à busca do perfil 
de docente para os contextos específicos, como um ele- 
mento norteador dos processos de formação profissional 
dos professores.
Embora se possam discutir diferentes características 
do professor como profissional para se pensar nos perfis 
de docentes, enquanto "modelo teórico”, existe um con- 
senso entre os experts em relação ao perfil profissional 
que devem ter os professores no século XXI. Esse perfil 
inclui, segundo Bar (1999, p. 12):
- Atitude democrática, convicção de liberdade, res- 
ponsabilidade, respeito por todas as pessoas e grupos hu- 
manos;
Princípios éticos sólidos expressos em autênticas 
vivências de valores;
- Sólida formação pedagógica e acadêmica;
- Autonomia pessoal e profissional;
- Ampla formação cultural com real compreensão 
do seu tempo e do seu contexto, que lhe possibilite enfren- 
tar com acerto e segurança os diversos desafios culturais;
- Capacidade de inovação e criatividade.
Com relação às características de um profissional de 
perfil amplo, Zayas (1992) afirma que esse profissional 
deve caracterizar-se por possuir uma formação básica e 
sólida de seu objeto de trabalho, de tal maneira que lhe
101
permita trabalhar, de forma ativa, independente, criativa e 
crítica as situações-problemas de caráter geral (nos quais 
se expressam as singularidades numa dinâmica dialética) 
de sua profissão, além de, certamente, possuir um conjun- 
to de competências complexas garantidas nas diferentes 
etapas de seu desenvolvimento profissional.
Na formação inicial é necessário precisar qual é o 
objeto de trabalho e, a partir daí, determinar o cojunto de 
problemas (ou situações-problemas), de caráter geral, que 
lhe são comuns, e outros que poderão surgir na prática, a 
fim de modelar as competências profissionais que a for- 
mação inicial deve contribuir para formar. Esses serão com- 
ponentes essenciais do currículo, pois estão dirigidos ao 
objeto de trabalho e às tarefas básicas da formação profis- 
sional. No caso do professor como profissional de perfil 
amplo, procura-se uma formação que lhe possibilite tran- 
sitar por áreas afins da profissão, tal como uma formação 
básica, com multirreferências teóricas para orientar-se no 
trabalho das situações-problemas profissionais.
A formação do professor como profissional de perfil 
amplo deve garantir uma sólida formação teórica, como 
ferramenta de reflexão, de crítica e construção da prática, 
para a participação consciente no desenvolvimento de pro- 
jetos profissionais, sociais e individuais. Uma formação 
de perfil amplo caracteriza-se também pela formação do 
pensamento teórico (Davidov, 1986), como nova perspec- 
tiva de análise e trabalho com o objeto da profissão e como 
condição básica à formação e desenvolvimento das com- 
petências profissionais.
Segundo Gauthier (1998), a formalização dos sabe- 
res necessários à execução das tarefas que são próprias ao 
trabalho docente é uma das condições essenciais à profis- 
são, embora seja essa formalização uma tarefa que ainda 
desafia a construção do corpo teórico que defina a Peda-
102
gogia como uma das bases da formação docente. A defini- 
ção do tipo de profissional a ser formado constitui uma 
tarefa difícil, mas imprescindível. Esta problemática, tra 
tada de diversas formas nos currículos de até então, por 
vezes, idealizou um modelo de profissional a ser formado 
e necessário de se atingir, dotando sua formação de um 
caráter pragmático e instrumental, de um lado, ou retórico, 
de outro, entendendo-o como “um solucionador de pro- 
blemas, um pesquisador, um técnico, ou transformador 
sócio-político da sociedade", entre outros.
Essas tendências extremas não permitiram, em al- 
guns casos, orientar e efetivar a formação pretendida na 
sua complexidade. No entanto, convém destacar que essas 
formas de definição do tipo de profissional não devem 
desencorajar a procura de vias alternativas que norteiem, 
em termos de objetivos, fins, intencionalidades e propósi- 
tos, a formação inicial do profissional da educação como 
parte da definição de um “modelo profissional”, orientador 
da formação enquanto hipótese inicial de trabalho.
2.3. Porque o modelo profissional?
Face às contínuas mudanças ocorridas e por ocorrer 
nas sociedades modernas, em que tipo de profissional da 
educação devemos pensar? Evidentemente, não existe uma 
única resposta para essa pergunta. Reconhecendo a com- 
plexidade da docência, isto nos obriga a contextualizar, 
nos marcos geográficos, sócio-históricos, políticos e eco- 
nômicos das instituições escolares, a formação profissio- 
nal pretendida, destacando seu caráter perspectivo em fun- 
ção dos prognósticos da natureza e a dinâmica das mudan- 
ças contínuas da profissão e do próprio processo de cons- 
trução da identidade profissional.
Não obstante o caráter conflitivo e problematizador.
103
para qualquer resposta a essa pergunta, não se deve pres- 
cindir da procura de uma definição ou caracterização do 
profissional, como hipótese de trabalho, voltada aos mo- 
dos em que pode orientar-se à formação inicial.
Perrenoud (1993, p. 14), quando analisa a formação 
de professores, destacando sua complexidade, profissio- 
nalização e processo cíclico, ressalta a importância de re- 
definir as competências que podem caracterizar um perfil 
profissional do professorado, como uma necessidade para 
orientar seu processo formativo. Essa importância é justi- 
ficada pelas seguintes razões:
• reforçar a adequação da formação dos professores 
as necessidades e normas do meio escolar;
• aumentar a coerência entre a formaçãode profes- 
sores e as finalidades da política de educação;
• garantir uma maior estandardização da formação 
inicial entre instituições de formação;
• melhorar a continuidade da formação entre a educa- 
ção infantil, educação básica e educação de jovens e adultos;
• redefinir as relações entre a formação de professo- 
res e os outros setores das ciências da educação na univer- 
sidade;
• reequilibrar os pesos respectivos das abordagens 
didáticas e das abordagens transdisciplinares, baseadas em 
diversas ciências humanas;
• melhorar ou repensar a articulação entre formação 
teórica e prática, universidade e escola;
• rever a repartição dos poderes e a delimitação dos 
territórios;
• levar em conta novas concepções da formação e 
da profissão docente.
Para esse autor, a profissionalização da docência está 
ligada à sua competência, e é esta categoria que passa a ser 
uma referência norteadora dos processos formativos.
104
Assim, trabalhar a formação docente na perspectiva das com- 
petências significa a aproximação permanente ao objeto de 
estudo: a educação escolar. Essa aproximação faz exigências 
não só da teorização necessária à construção de competênci- 
as como da própria prática em tempo real, para a significação 
dos sentidos das teorias como ferramentas de reflexão da pes- 
quisa e da crítica na construção/reconstrução da práxis.
Segundo Fernández e Elortegui (1996), existe um 
acordo generalizado em aceitar a existência de diversos 
caracteres que definem os distintos educadores, em deli- 
mitar determinados tipos de professores e em perfilar os 
avanços e retrocessos das formas de exercer a docência. 
Dentre essas características, podem ser reveladas umas 
certas imagens de professor que eles identificam como um 
tipo de professor e, portanto, sugere a possibilidade de 
modelização teórica dos tipos de profissionais.
Considerando que o ensino (a docência), observado em 
seu aspecto mais amplo - a educação escolar - deve consti- 
tuir-se como uma profissão, isto implica numa preparação 
universitária prévia do indivíduo vinculando-o ao objeto da 
profissão para possibilitar uma qualificação competente para 
o início do exercício da atividade docente como profissional.
A problemática da preparação do professorado, seja 
para atuar nas séries iniciais do sistema de ensino, seja 
para atuar em outros níveis educacionais, é motivo de di- 
versas, aprofundadas e complexas discussões no Brasil. 
Essas discussões emergem de uma profunda crise na pre- 
paração desse profissional, crise que não é só organizacio- 
nal, curricular ou social que, se bem que determinantes, 
estão relacionadas com a própria definição da identidade 
profissional. Um dos problemas parece residir numa inde- 
finição da própria finalidade atual do trabalho docente, o 
que acarreta, consequentemente, a falta de clareza sobre o 
próprio processo de formação e as bases filosóficas e epis-
105
temológicas dessa formação. É certo que a definição do 
tipo de profissional é dependente de diversos fatores e cons- 
titui uma necessidade de cada agência formadora, poden- 
do aparecer como uma das respostas que contribuem para 
a construção da identidade profissional para a docência. 
Explicitando esses aspectos, poder-se-ia chegar a refletir 
sobre os processos organizacionais e curriculares formati- 
vos do profissional da educação.
Embora compartilhando com determinadas críticas 
lançadas por vários autores identificados com a teoria crí-- 
tica (Popkewitz, 1993; Apple, 1982; Giroux, 1986, dentre 
outros) sobre o perfil profissional presente nos currículos, 
esses autores reconhecem a importância de se ter clareza 
sobre o tipo de profissional que se pretende formar. No 
entanto, a possibilidade de construir um “modelo adequa- 
do” passa pela identificação do “núcleo da profissão”, aqui 
definido como o sistema de atividades básicas generaliza- 
das, de caráter complexo, que toma a Pedagogia como uma 
das bases da formação docente. Isso implica, portanto, na 
adoção de solução criativa para as diferentes situações do 
trabalho profissional, em um dado momento histórico, re- 
conhecendo a prática atual e perspectiva como a fonte para 
a construção-reconstrução do referido núcleo da profissão, 
a partir de posições teóricas explicitadas.
A determinação do “modelo profissional” no ensino 
universitário permite concretizar, em uma linguagem pe- 
dagógica, a imagem geral do profissional que se aspira 
formar, que, como hipóteses de trabalho, norteará o pro- 
cesso formativo, no qual as diferentes disciplinas, numa 
perspectiva multi, inter e transdisciplinar, contribuem na 
organização das estratégias formativas.
106
Considerando o processo de formação inicial como 
um tipo de atividade, é necessário delimitar “o produto’’ 
da atividade (os saberes iniciais, estilos de trabalho profis- 
sional, competências) que deve ser assimilado pelos futu- 
ros professores para o início do exercício de sua profissão 
e contribuir com o processo de profissionalização, que su- 
põe sua preparação para atuar em diversos contextos 
institucionais, com determinadas realidades complexas.
No Brasil, como em outros países da América Lati- 
na, já se vislumbra, desde as idéias de Paulo Freire, um 
modelo formativo emergente associado à pedagogia críti- 
ca e às pesquisas centradas na prática, que valorizam a 
capacidade do professor de produzir saberes desde a posi- 
ção de professor que precisa refletir e pesquisar sobre o 
que faz e o porquê das suas atitudes profissionais.
2.4.1. As situações-problemas da profissão: 
base do modelo profissional
Na busca da identidade profissional, caracterizar os 
problemas e situações-problemas gerais (atuais e perspec- 
tivos) da atividade docente tem significativo destaque. 
Ressaltando a importância dos problemas gerais da profis- 
são, Gil (1996) considera que o fio condutor para o traba- 
lho de renovação didática deve ser a problemática que gera 
a prática e as próprias concepções dos professores sobre 
sua prática. Para ele, isso permitirá um tratamento dos pro- 
blemas profissionais aberto a novas perspectivas, facili- 
tando a conexão dos estudos pontuais com o corpo de co- 
nhecimento elaborado pela comunidade científica, facili- 
tando uma orientação teórica à atividade docente, neces- 
sária à formaçao de competências profissionais, sob uma
2.4. A formação inicial como base da profissionalização docente
107
ótica detalhada pela profissão. A caracterização desses pro- 
blemas gerais possibilita elementos para se pensar no per- 
fil profissional docente enquanto modelo teórico.
Nessa perspectiva, os problemas percebidos pelos 
professores em serviço ou em processo de formação de- 
vem ser objetos de estudo ao serem modelados na forma- 
ção inicial como situações-problemas, contextualizadas no 
sentido de formar competências profissionais para o início 
do exercício da atividade profissional. A esse propósito, 
Furió (1994) explica que os conhecimentos são respostas 
a questões, o que significa considerar as problemáticas re- 
ais de interesses profissionais para os alunos. Para Porlán, 
Rivero e Martin del Pozo (1997), os saberes dos futuros 
professores devem estar organizados em torno de situa- 
ções-problemas relevantes da prática educativa (sem uma 
visão pragmática, uma vez que se reconhece o perfil da 
teoria na prática), como aspectos centrais do currículo, que 
se organiza por competências. Isto significa selecionar os 
problemas e atividades relacionadas diretamente com ela, 
e não só com a lógica disciplinar das didáticas específicas, 
que são um meio e não um fim da formação profissional. 
Estes problemas que, como explica Perez Gómez (1992), 
são fenômenos práticos, caracterizados por sua complexi- 
dade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflitos de 
valores, não podem ser reduzidos a questões meramente 
instrumentais. Por essa razão, o citado autor prefere fazer 
referência a situações-problemas gerais, não como únicas 
situações que se podem tentarresolver mediante a aplica- 
ção reflexiva, a crítica e a pesquisa. É nesse processo que a 
formação deve contribuir para o futuro profissional apren- 
der a mobilizar saberes e atitudes profissionais dentro de 
um projeto de formação.
A formaçao de competências profissionais e a pro- 
fissionalização na formação inicial implicam no agir
108
competente para um dado nível do desenvolvimento pro- 
fissional. A profissionalização na formação inicial deve 
evitar dois erros: a existência de uma ocupação sem sa- 
beres e de saberes sem ocupação. Evitar esses erros sig- 
nifica a construção de saberes próprios da profissão (Gau- 
thier e Tardif, 1998). Isso implica na definição de uma 
base de conhecimentos para o ensino que, como conheci- 
mentos formalizados, sendo núcleo da profissionaliza- 
ção do ensino, oriente o processo de formação vinculado 
ao objeto de estudo necessário à formação de competên- 
cias. Erros como esses vêm caracterizando as práticas de 
muitos centros formadores, além de serem importantes 
componentes do processo de desprofissionalização do 
trabalho do ensino.
Cada tipo de profissão pressupõe, conforme infor- 
mamos anteriormente, a definição de programas de for- 
mação inicial, fazendo-se necessário definir qual é seu 
objeto de trabalho e, desta maneira, determinar o conjunto 
de situações-problemas de caráter geral, de complexida- 
des diversas, que surgirão com mais frequência na prática, 
que podem orientar a formação de competências iniciais 
para o exercício da profissão. A generalização das tarefas 
complexas que o futuro profissional da educação desen- 
volverá para atuar na prática possibilitará delinear os obje- 
tivos gerais, e consequentemente, o “modelo do profissio- 
nal”. As habilidades, saberes, atitudes, valores, competên- 
cias, etc., presentes no modelo, estarão definidos nos pla- 
nos cognitivo e afetivo, compreendendo a formação não 
só como um processo instrutivo, mas como um processo 
educativo, orientado não apenas para formar “competên- 
cias teóricas”, mas também e essencialmente para desen- 
volver atitudes e valores como componentes das compe- 
tências que lhes permitam atuar no futuro como profissio- 
nais da educação.
109
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2.5. O modelo profissional
O “modelo profissional" supõe explicitar o que di- 
ferencia os professores de outros profissionais, concreti- 
zando esta especificidade na orientação do processo, com 
vistas a contribuir para o desenvolvimento profissional e 
pessoal do futuro profissional. Definir os objetivos gerais 
é equivalente a explicitar a problemática a ser tratada na 
formação inicial. Assim sendo, os objetivos gerais, como 
componentes do “modelo profissional", são o fio condu- 
tor do processo formativo.
Pelo exposto, até o momento, procuramos evidenciar 
que a formação profissional como tipos específicos de ativi- 
dades exige também o reconhecimento do papel dos objeti- 
vos, uma vez que os objetivos gerais expressos no “modelo 
profissional" devem orientar os tipos de atividades da agên- 
cia formadora na formação do profissional desejado, sendo 
necessário, portanto, constar no projeto curricular as refle- 
xões críticas sobre os objetivos gerais da formação inicial.
Esses objetivos expressos como competências, 
como habilidades produtivas e saberes a desenvolver, 
devem ter um caráter flexível, polivalente, aberto. De- 
vem ser formulados com base em estudos/pesquisas das 
agências formadoras, e em outras pesquisas mais 
abrangentes, que revelem o caráter da prática pedagógica 
realista, assim como a perspectiva dos problemas que os 
profissionais encontram no dia-a-dia e nas suas necessi- 
dades para constituir-se numa “imagem" que contribua 
para orientar o processo formativo. Nao devem, portan- 
to, constituir-se numa lista de problemas profissionais par- 
ticulares e imediatistas. Devem apoiar-se nas situações- 
problemas complexas, definidas ou indefinidas, corretas 
ou incorretas, possibilitando que o processo formativo se 
baseie nas competências profissionais.
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A orientação na formação inicial baseada nos objeti- 
vos do modelo profissional, não pode ficar, portanto, fechada 
numa relação de objetivos deterministas. O processo de for- 
mação profissional é complexo, no qual intervém múltiplas 
determinações que, na prática, levam a resultados não previs- 
tos (muitas vezes não desejáveis). Esta realidade deve ser 
analisada não só no momento de efetivação do processo, como 
também por uma avaliação flexível e contínua, objetivando 
conhecer e avaliar não apenas as questões levantadas nos ob- 
jetivos, mas também outras características que apareçam 
vinculadas ao processo formativo. Dessa forma, portanto, é 
possível fazer os ajustes necessários ao modelo durante o de- 
correr do processo, permitindo esclarecimentos sobre a com- 
plexidade da formação inicial do professor.
Para Gimeno e Perez Gomez (1998), o modelo é um 
esquema mediador entre a realidade e o pensamento, uma 
estrutura em torno da qual se organiza o conhecimento e 
tem sempre um caráter provisório e aproximativo da reali- 
dade. Cañal e Porlán (1998) interpretam os modelos didáti- 
cos como "construções teóricas formais, que, baseadas em 
supostos científicos, ideológicos e sociais, pretendem inter- 
pretar a realidade e dirigi-la a determinados fins educati- 
vos”. Para Giordan e De Vecchi (1998, p.196), um modelo, 
porém, nunca deve apenas aclarar um conjunto de elemen- 
tos, deve também permitir previsões. Será mais pertinente 
se as variações teóricas do modelo corresponderem aos re- 
sultados de estudos e pesquisas. Neste caso, diremos que 
esse modelo pode representar e explicar a situação conside- 
rada. O objetivo de um modelo é reduzir a quantidade do 
que ainda é desconhecido num campo não de todo conheci- 
do, e permitir que os elementos conhecidos contribuam de 
forma determinada e complexa, como instrumentos teóri- 
cos, como um tipo de representação, como uma estrutura 
hipotética para orientar os processos formativos.
111
O “modelo profissional” como imagem geral do futu- 
ro profissional constitui uma referência para o processo de 
formação inicial e a organização curricular, servindo como 
sustentação epistemológica da referida formação. A cons- 
trução do “modelo profissional” como “núcleo básico da 
formação” do futuro professor deve ser formulado, como já 
falamos anteriormente, em termos de objetivos gerais, ex- 
pressos como competências que orientam a modelação da 
estrutura da atividade profissional em suas ações mais ge- 
rais e com um sentido perspectivo para a formação inicial, 
que reflete uma dada identidade profissional. Não se trata 
de habilidades ou competências utilitárias, senão de ativi- 
dades gerais que, modeladas a partir da prática profissional, 
das necessidades, da realidade e das tendências de desen- 
volvimento desta prática profissional, permitem articular a 
formação inicial com um caráter sistematizado, orientado a 
qualificar para educar, no sentido amplo da palavra, o que 
leva a uma qualificação em três direções, como defende a 
ANFOPE (Associação Nacional para a Formação dos Pro- 
fissionais do Ensino): qualificação para a docência; qualifi- 
cação político-pedagógica; qualificação político-social.
O modelo profissional não constitui uma instância 
neutra, já que, na sua própria concepção e como ferramen- 
ta que orienta o processo formativo, contém em si contra- 
dições e divergências que coexistem com influências recí- 
procas, conferindo-lhe o seu próprio desenvolvimento 
como sistema.
Quando falamos de “modelo profissional”, falamos 
da imagem que, como produto, deve considerar cada agên- 
cia formadora do tipo de profissional que deseja formar e 
que deve nortear o processo formativo, sem constituir uma 
“falsa idealização”.
Diversos estudos vêm apontando para a necessida- 
de de tal definição como ponto de partida da formação ini-
cial, portanto, se a agência formadora desconhece o tipo 
de profissionalque deve formar como poderá organizar o 
processo para contribuir com a formação desse profissio- 
nal? (Ramalho, 1993). Nesse sentido, cabe o seguinte ar- 
gumento: a inteligência “segue o caminho inverso da ação. 
Começando de onde se deseja chegar evita-se o comporta- 
mento errático e desordenado, a que se dá o nome de ten- 
tativa e erro” (Alves, apud:Nuñez e Pacheco, 1997, p.33).
Definimos ainda o “modelo profissional” como um 
sistema de atividades básicas, generalizadas, próprias de 
cada agência formadora, derivadas das necessidades pro- 
fissionais, de uma base de competências, habilidades para 
o ensino, norteado pela história e dinâmica da profissão 
que, como saberes formalizados, caracteriza o núcleo da 
profissão. Esse modelo, expresso em termos de objetivos 
gerais, não só do tipo cognitivo, mas também afetivo, ou 
seja, objetivos educativos, constitui uma aproximação às 
situações-problemas, às complexidades que se apresentam 
com mais freqüência na prática profissional.
O modelo profissional abarca o objeto de estudo (en- 
tendido como sistema), as formas de agir da profissão (estilo 
profissional) e os objetivos gerais. O modelo profissional 
constitui uma orientação inicial de trabalho, construída e 
susceptível de reconstrução, para desenvolver a formação 
inicial. Enquanto categoria chave, o modelo é uma orien- 
tação, uma hipótese de trabalho para a formação e não uma 
categoria determinante, na concepção clássica que tem sido 
utilizada na prática formativa esquematizada, baseada na 
racionalidade técnica ou instrumental, como modelo im- 
posto de cima para baixo.
Definir um “modelo profissional” baseado em situa- 
ções-problemas gerais da atividade profissional não signi- 
fica preparar o professor para ser solucionador de proble- 
mas práticos, que faz uso de meros recursos técnicos e téc-
nicas específicas, como o do modelo do racionalismo téc- 
nico, ou para teorizar uma prática desconhecida (visão 
academicista). No modelo proposto, torna-se necessário 
reconhecer que o professor, na sua vida profissional, en- 
frenta uma dinâmica dialética de situações complexas, 
únicas, em que deve tomar decisões, refletir e assumir uma 
atitude crítica, como a de um pesquisador na ação, um ne- 
gociador de alternativas, com um agir competente, mas 
que também enfrenta rotinas, situações estereotipadas, as 
quais são enfrentadas com modos estereotipados. Nesses 
casos, o professor normalmente recorre a seus esquemas 
habituais de percepção (habitus),que não estão sob o con- 
trole da consciência (Perrenoud, 1993). Existem situações 
inéditas que exigem dele a necessidade de tomar decisões 
em fase de urgência, de forma competente. Isso significa, 
então, preparar o professor para trabalhar com criatividade 
as situações-problemas típicas da docência.
Assim, as definições das novas competências formula- 
das a partir das exigências anteriormente indicadas deverão 
ser admitidas como competências vinculadas às situações- 
problemas gerais, complexas, típicas da profissão, definidas 
e trabalhadas a partir da prática presente e futura das relações 
dialéticas entre o singular e o geral. Essas competências ori- 
entarão a profissionalização da preparação inicial se o futuro 
professor for formado com vistas a “trabalhar” (o que não 
implica sempre em resolver) as soluções para tais situações- 
problemas; não como um mero executor, reprodutor de solu- 
ções prontas, mas como um indivíduo criativo, reflexivo, com 
capacidade de autonomia, responsabilidade e ética. Essa idéia 
é reforçada se entendermos a profissionalização do docente 
como o acesso à capacidade de trabalhar as situações-proble- 
mas complexas e variadas pelos próprios meios, no quadro 
de objetivos gerais e de uma ética, sem ser obrigado a seguir 
procedimentos detalhados concebidos por outros.
Como argumenta Pérez Gómez (1992), o professor 
como profissional não reduz a sua função à solução de pro- 
blemas identificados previamente e de fora, senão se ori- 
enta ao esclarecimento, definição e valorização dos pro- 
blemas complexos, ou seja, a primeira tarefa do professor 
é a construção subjetiva do problema como uma questão 
ético-política e não só técnica. Passa também por saber 
negociar as soluções, trabalhar com as problemáticas es- 
colares, nas quais a “aparente autonomia” aparece junto 
ao contexto escolar que muitas vezes o reprime. A forma- 
ção inicial deve inserir o futuro professor numa prática real, 
no diálogo com professores experientes, auxiliados pelos 
professores-formadores.
O “modelo profissional” deve orientar a estruturação 
de um processo formativo voltado para alunos concretos, 
que vivem numa realidade igualmente concreta, conside- 
rando sua inserção num determinado grupo social, com sua 
cultura, seus valores, conhecimentos e necessidades. Esses 
alunos, na qualidade de sujeitos sócio-históricos, devem estar 
preparados para enfrentar os desafios das práticas educati- 
vas atuais e futuras segundo seu próprio desenvolvimento 
profissional e as realidades dos contextos. Ou seja, torna-se 
imprescindível que alunos desenvolvam suas atividades for- 
mativas num constante diálogo com as instituições escola- 
res reais nas quais desenvolverão suas atividades como futu- 
ros profissionais. A idealização da formação inicial desco- 
nhece esses elementos, determinantes na prática profissional. 
O citado modelo, ainda que contemple certo grau de abstra- 
ção necessária, deve permitir sua adequação a essa realida- 
de em função da diversidade e particularidades que se dão 
na vida, na escola e fora dela, considerando as circunstânci- 
as reais da vida profissional, que é o locus a privilegiar na 
formação profissional.
O “modelo profissional” deve conter não só os obje-
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tivos gerais (competências, habilidades, saberes que im- 
plicam aspectos cognitivos e afetivos), senão também o 
objeto da profissão ou objeto de trabalho do profissional, 
vinculado ao objeto de estudo e aos modos de atuação pro- 
fissional, que caracterizam o agir do profissional da edu- 
cação sob uma ética, e se identificam com a identidade 
profissional. O primeiro se refere ao objeto que recebe a 
ação do profissional. O segundo, aos modos de atuação, 
que são os tipos de processos característicos mediante os 
quais atua o profissional sobre seu objeto de trabalho. A 
esfera da atuação profissional não pode separar-se do ob- 
jeto da profissão (o processo educativo escolar), dos mo- 
dos de atuação profissional (atitudes, valores, ética), da 
esfera da atuação profissional, que é o contexto institucional 
real no qual se exerce a profissão. Estas são categorias que 
definem o perfil do profissional.
As idéias sobre o modelo profissional podem ser 
esquematizadas na figura 8.
Fig.8 - Estrutura do modelo profissional
Nos modos de atuação profissional, deve destacar- 
se a necessidade de definir a prática do professor profissio- 
nal como sendo uma prática socialmente complexa, como 
uma atitude “construída - reconstruída" na experiência, 
sob novas teorizações, que lhe permitam trabalhar a diver-
sidade das situações do dia-a-dia com fundamentos teóri- 
cos conscientes, que levem à releitura, quando necessária, 
de seu agir profissional, numa atitude crítica e sistemati- 
zada na busca de validar no coletivo os saberes que emer- 
gem das práticas. Esta deve ser a filosofia da formação 
inicial, de modo tal que “modelize” o professor como in- 
divíduo que decide na sua atividade profissional, decisão 
matizada por diversos e complexos fatores, com interes- 
ses, atitudes, necessidades, competências, consequências 
de seus atos, etc.
A visão do profissional como pessoa em uma for- 
mação global, na perspectiva da cidadania, deve ser capaz 
de intervir no desenvolvimento de sua própria capacidade 
profissional, aprendendo a aprender e a nortear a forma- 
ção de metacompetências enquanto um caminho para a 
autonomia profissional.
2.6. Métodos de definição do modelo profissional
Para a definição do“modelo profissional” têm sido 
utilizados diferentes métodos: o método de expertos ou 
peritos, o método do prognóstico qualitativo das tendên- 
cias de desenvolvimento futuro das distintas esferas da ati- 
vidade profissional e o método teórico (Pacheco, 1989).
2.6. /. Método de expertos ou peritos é o método mais 
conhecido e aplicado na definição dos objetivos do mode- 
lo profissional. Consiste em selecionar um grupo de espe- 
cialistas, no caso da formação docente, um grupo de pro- 
fessores, técnicos das agências formadoras, pesquisadores 
e outros profissionais da área. Estes devem atender a de- 
terminados requisitos que são definidos com antecipação 
pela agência formadora. A partir de então (com base nas 
experiências dos citados profissionais, da pesquisa e de 
outras experiências) devem formular os objetivos gerais
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do modelo e estruturar o currículo. Esse método se funda- 
menta nas análises de documentos, no uso de entrevistas, 
de questionários, etc. Para a verificação das informações 
obtidas, trabalha-se geralmente com a técnica de análise 
de conteúdo, o que dificulta o seu processamento, pois não 
leva em conta determinadas exigências metodológicas. Esse 
método traz certos inconvenientes, pois, como resultado 
das análises das informações, obtém-se uma extensa rela- 
ção de tarefas de distintos graus de generalização que de- 
pois tornam-se difíceis de valorizar, de forma coerente e 
sistematizada, caso não se tenha uma adequada concepção 
teórica da formação profissional num enfoque holístico e 
sistêmico. É um método fundamentado na racionalidade 
técnica, na busca de habilidades utilitárias do exercício da 
profissão.
2.6.2. Método do prognóstico qualitativo das tendên- 
cias do desenvolvimento futuro dos distintos esferas do ati- 
vidade profissional e das diferentes tendências de desenvol- 
vimento científico-técnico da atividade profissional. E ou- 
tro método aplicado na definição do modelo profissional. 
Nele, a formação inicial é uma preparação perspectiva: for- 
ma-se no presente um profissional que há de desenvolver 
suas atividades nos 30 anos seguintes a seu ingresso. Isto 
não significa que a formação inicial seja a única via da for- 
mação profissional, pois esta deve estar articulada com uma 
formação continuada e com a própria tarefa do profissional 
de manter seu grau de atualização de forma auto-didata (de- 
senvolvimento profissional). Esse método, geralmente, tem 
sido utilizado para a projeção de matrículas, caracterização 
qualitativa das profissões, etc., e não em toda sua dimensão 
na própria concepção dos objetivos do modelo profissional. 
Quando se trabalha a definição do modelo profissional em 
termos de competência, os aportes metodológicos desta pers- 
pectiva são de suma importância, a fim de não só considerar
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a prática imediata da profissão que pode levar a um prag- 
matismo, como também considerar as tendências de desen- 
volvimento da profissão.
2.6.3. Método teórico, proposto por Talízina (1987), parte 
dos postulados fundamentais da teoria da atividade, desenvol- 
vida pela psicóloga russa (Leontiev, 1985). A esses postulados 
podem vincular-se as interpretações relativas à discussão sobre 
a problemática da complexidade (Morin, 1999), que orienta 
compreender o objeto da profissão e as competências na sua 
dimensão complexa e sistêmica, ligado às perspectivas das com- 
petências como construção, como atividade crítica/reflexiva/ 
investigativa. Considera também as premissas gerais da dire- 
ção e regularidades do processo de aprendizagem. Sua aplica- 
ção permite estabelecer um modelo da atividade profissional 
em suas ações gerais, uma vez que o modelo de formação do 
profissional é visto como tipo específico de atividades huma- 
nas expressas em termos de competências, caracterizadas pe- 
los seguintes componentes estruturais-funcionais (próprios de 
qualquer tipo de atividade): o sujeito da atividade, o objeto da 
atividade, motivos, objetivos, sistema de operações, orienta- 
ção, meios, condições, produto (Nuñez, 1996).
2.6.3.1. Sujeito da atividade - refere-se à pessoa que 
realiza a ação. No caso da atividade de estudo, é o aluno 
que realiza determinada atividade para assimilar formas 
de atuar, em conseqüência da sua formação profissional. É 
um componente do caráter ativo da formação. Não pode- 
mos continuar explicando aos futuros profissionais como 
fazer para ensinar, quando eles precisam de atividades prá- 
ticas para aprenderem a mobilizar os saberes, fazer trans- 
posições didáticas, as atitudes para um agir profissional 
consciente e competente.
2.6.3.2. Objeto da atividade - a característica básica de 
qualquer atividade é seu caráter '‘objetal”. O objeto da ativi- 
dade do professor é a educação dos alunos. Esta constitui-se
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na “matéria-prima" com a qual trabalha o futuro profissional 
para a transformação em “produto” da atividade. É formada 
pelos conteúdos (saberes, competências, atitudes, valores, etc.) 
a serem assimilados. Na formação, o futuro profissional tam- 
bém é objeto da atividade, uma vez que, nos processos de 
transformação, ele também se modifica enquanto sujeito.
2.63.3. Motivos - os motivos como componentes 
da atividade têm que estar presentes no sujeito que realiza 
a atividade, pois, se não existem tais motivos, não haverá 
ação. O conceito de motivo não só contém o aspecto do 
objetivo que interessa, suas propriedades dinâmicas, como 
também os elementos estimulantes, de impulso para atin- 
gi-lo. Para os psicólogos, a motivação tem sua origem nas 
necessidades, que podem determinar o comportamento do 
sujeito. Na atividade de estudo, o sucesso depende, dentre 
outros fatores, da vinculação dos motivos de aprendiza- 
gem ao objeto da atividade profissional. Isto significa con- 
siderar as necessidades e interesses dos futuros profissio- 
nais. Se estas condições não são consideradas, a contribui- 
ção à formação profissional ficará limitada.
2.63.4. Objetivos - apresentam-se como representa- 
ção dos resultados possíveis da formação. Toda atividade 
humana realiza-se sob a base de finalidades ou objetivos que 
a orientam na direção de suas metas. Por isso, não é possível 
deixar de considerar essa categoria pedagógica, formulada 
como habilidades e competências que, á maneira de hipótese, 
orienta a formação inicial do futuro profissional. O processo 
formativo deve explicitar os objetivos do modelo profissio- 
nal para nortear a formação e contribuir com os processos de 
controle e autoregulação. Pensar estrategicamente a forma- 
ção inicial do professor significa assumir projeções futuras 
para identificar tendências e, assim, eleger as metas e estraté- 
gias que podem aproximar as intencionalidades da formação 
(objetivos) ao processo formalivo.
120
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2.6.3.5. Sistema de operações - constituem os procedi- 
mentos para a realização da atividade com o objetivo de transfor- 
mar o objeto em produto da atividade. É um conjunto de 
microações que dá à ação um caráter contínuo. São procedimen- 
tos por meio dos quais se realiza a atividade. Na formação do 
profissional, o sistema de operações não constitui um conjunto 
de receitas disponíveis para a solução das diferentes tarefas pro- 
fissionais modeladas nos objetivos; são recursos procedimentais 
que devem ser construídos-reconstruídos pelos futuros profissio- 
nais baseados nos saberes formalizados, nas suas experiências, 
nos avanços científicos da didática, da pedagogia, da psicologia 
e de outras áreas de conhecimento próprias da profissão, assim 
como pelas condições do contexto do exercício da profissão.
2.6.3.6. A base orientadora da ação - é a imagem que 
tem o sujeito da ação que vai realizar, assim como das condi- 
ções nas quais será realizada a atividade, possibilitando, as- 
sim, a aprendizagem por compreensão. As pesquisas têm de- 
monstrado que essa orientação deve caracterizar-sepor um 
alto grau de generalização e plenitude, que permita ao sujeito 
desenvolver sua autonomia, trabalhar com autonomia, sendo 
uma orientação teórica sobre o objeto da atividade, questão 
que contribuirá para desenvolver nos futuros profissionais a 
capacidade de refletir de forma crítica sobre sua prática, dan- 
do-lhe um sentido teórico. Formar competências exige essa 
orientação teórica (Nuñez e Pacheco, 1997).
2.6.3.7. Os meios - são os instrumentos (recursos, 
tecnologias) de que se vale o sujeito para a realização da ativi- 
dade e que se encontram entre o objeto e o sujeito da atividade.
2.6.3.8. As condições - representam o conjunto de 
situações (ambientais, psicológicas, sociais, institucionais, 
etc.), nas quais é possível que o sujeito realize a atividade. 
Na formação dos futuros profissionais, as atividades a as- 
similar, como parte do processo formativo, devem mode- 
lar diferentes contextos assim como trabalhar em situa-
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ções reais, de complexidade diversa, permitindo ao futuro 
profissional enfrentar condições que são determinantes no 
seu agir profissional. Nesse sentido, a formulação das di- 
ferentes tarefas deve considerar a diversidade deste com- 
ponente na educação.
2.6.3.9. O produto - concebido como resultado do 
processo formativo, vinculado aos objetivos expressos no 
“modelo profissional”, o produto pode ou não coincidir 
com os objetivos, pois o processo formativo não pode fi- 
car fechado a um modelo. Na prática, os sujeitos são dife- 
rentes, têm diferentes experiências, problemas, os contex- 
tos formativos são distintos, etc., o que leva a uma diversi- 
dade dada no próprio processo.
As figuras 9 e 10 esquematizam uma perspectiva de apli-
Figura 9 - Análise estrutural da prática profissional 
como tipo de atividade
Keyla
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Figura 10 - Aplicação do método teórico à construção 
do modelo profissional
Como pode ser observado nas figuras 9 e 10, é pos- 
sível identificar núcleos gerais de situações-problemas vin- 
culados às competências profissionais que realiza o pro- 
fissional como expressão das atividades mais gerais da 
profissão. Essa identificação resulta de pesquisas, do di- 
agnóstico das necessidades, das condições das práticas 
profissionais dos professores em exercício. As situações-
123
problemas devem contribuir para desenvolver nos futuros 
profissionais competências para “construir-reconstruir'’ sua 
prática e colocá-los a serviço da cidadania, desenvolve- 
do, portanto, uma “autonomia” crescente e contribuindo 
para a profissionalização.
O ponto de partida dessa definição está na prática 
profissional, no seu tempo real, considerando não apenas 
esse tempo, mas também as tendências de desenvolvimento 
da profissão. Identificado o grupo de situações-problemas 
gerais, é possível comparar essas situações, determinar a 
especificidade de seus componentes em suas semelhanças 
e diferenças, fazendo uma análise funcional-estrutural e 
agrupá-las segundo critérios preestabelecidos: precisar as 
situações de maior grau de generalização, com caráter inter, 
multi e transdisciplinar, que permitam caracterizar a pro- 
fissão (Pacheco, 1993).
A análise das diferentes situações-problemas implica 
em distinguir os saberes, as atitudes, os procedimentos ge- 
rais que são parte do conteúdo das competências a formar, 
assim como seus objetos, objetivos, operações, condições, 
na sua complexidade e caráter dinâmico que marcam uma 
identidade da profissão como formação universitária. Isso 
permite identificar o conjunto de competências vinculadas 
com a realização das atividades, o que possibilita também 
identificar núcleos da formação e, a partir destes, estruturar 
as diferentes disciplinas. Com esse procedimento, as disci- 
plinas que passam a ter um caráter inter, multi e transdisci- 
plinar aparecem como necessidades das competências ge- 
rais necessárias para a preparação do futuro profissional, 
desempenhando uma função definida na citada formação.
As situações-problemas gerais, ligadas às competên- 
cias, constituem-se em agrupamentos de tarefas que têm 
objetivos similares, embora em seus componentes concre- 
tos se diferenciem. São núcleos essenciais para a forma-
124
ção do profissional, permitindo a configuração de diferen- 
tes atividades criativas que orientam a formação. Isso per- 
mite. ainda, profissionalizar, em maior grau, a formação 
inicial ao vincular as disciplinas com o objeto da profis- 
são. A definição das situações-problemas gerais expressas 
nos objetivos do “modelo profissional” não implica em 
precisão extrema, uma vez que a própria complexidade de 
tais situações impossibilitaria qualquer propósito a esse res- 
peito. Para Perrenoud (op.cit.),“qualquer precisão condu- 
zirá a uma confusão inútil entre os objetivos e os meios, 
prejudicial à autonomia dos formadores e das instituições 
de formação”.
De acordo com Corral (1990), a aplicação do méto- 
do teórico na definição do “perfil ou núcleo profissional” 
implica em realizar as seguintes etapas:
a) Identificação prévia das tarefas ou situações- 
problemas básicas gerais para as quais o profissional 
deve preparar-se para trabalhar de modo criativo na so- 
lução. Essas informações podem ser obtidas através da 
pesquisa participativa, incluindo o estudo da relação 
formação-emprego em seu caráter multifacético. Nessa 
oportunidade, deve-se também identificar característi- 
cas que se manifestam em qualquer outra atividade pro- 
fissional e que não constituem situações-problemas, tais 
como as que se referem a sentimentos, valores, atitu- 
des, ética, dentre outros.
b) Análise estrutural funcional da atividade requerida 
para trabalhar a solução das situações-problemas. Nessa 
etapa, determina-se, para cada situação-problema, seus 
possíveis componentes estruturais da atividade vinculada 
à sua solução e suas variações, assim como os objetos es- 
pecíficos que, por seu grau de generalidade ou frequência, 
deve constituir conteúdos de aprendizagem. Isso permite 
agrupar as situações-problemas ligadas ás competências,
125
segundo um critério preestabelecido a partir de um mes- 
mo objetivo (problemas gerais básicos), que serão ativi- 
dades básicas generalizadas da preparação inicial do pro- 
fissional, na dinâmica da dialética do geral e o singular.
Pacheco (1993), referindo-se à importância dessa eta- 
pa, explica que esse conhecimento é a chave para estruturar 
a formação dirigida à assimilação dos aspectos mais essenci- 
ais da profissão, sem ter que recorrer á exposição e constru- 
ção de todas as variantes particulares das tarefas profissio- 
nais, nem organizar-se na acumulação de experiências em- 
píricas e sua posterior generalização por parte do estu- 
dante. Permite, ademais, orientar a atividade formativa de 
forma direta, vinculada ao objeto da profissão, desde o iní- 
cio da formação, condição que deve favorecer a motivação 
e o interesse, assim como uma maior profissionalização.
c) Definição das relações entre as atividades expressas 
no modelo, sua formulação em termos de competências e o 
peso delas na estruturação das futuras disciplinas e do currí- 
culo. Essa etapa é importante, pois não é suficiente identificar 
as situações-problemas gerais, como também é necessário 
determinar as relações estruturais e genéticas entre elas, para 
modelar esses nexos no planejamento docente como sistema 
complexo em desenvolvimento (Corral, 1990).
Na organização dos conteúdos do currículo se deve 
especificar a importância de cada situação-problema en- 
quanto tarefa básica na formação do profissional e os ne- 
xos histórico-genéticos, ou seja, propostas de relações en- 
quanto redes complexas como orientação curricular, con- 
siderando a flexibilidade necessária a qualquer processo.
Para tal fim, o caminho proposto vai da análise es- 
trutural da atividade profissional à elaboração dos objeti- 
vos gerais do modelo profissional, à definição das disci- 
plinas, até a estruturacurricular. A partir da definição das 
situações-problemas gerais (tarefas básicas), que podem
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ser consideradas como núcleo da profissão, num contex- 
to sócio-histórico dado, podem ser estruturadas as disci- 
plinas para a formação, em uma perspectiva nova, de for- 
ma que constituam instrumentos e não fins da formação 
inicial para o exercício da profissão. Essa idéia possibili- 
ta o rompimento das fronteiras entre as disciplinas tradi- 
cionais, já que a solução das situações-problemas gerais 
implica em novas formas de conceber as disciplinas, dada 
a complexidade do objeto de estudo.
A proposta que visa a estruturar o “modelo profissio- 
nal" tomando como base as reflexões anteriores pode ser 
visualizada na figura 11.
Fig. 11- Definição do modelo profissional
127
2.7. Conclusão
Como foi discutido, a definição do modelo profissio- 
nal tem sido trabalhada em diferentes perspectivas, neste 
livro assumimos o modelo teórico como uma referência 
para se construir o modelo profissional, e consequentemen- 
te, o perfil profissional do educador.
A definição do perfil profissional, a partir da prática 
profissional, permite diminuir a distância entre aquilo que 
pode ser postulado no currículo (o desejado) e o que real- 
mente acontece na sala de aula na formação inicial, que é 
sempre algo presente. Deve-se procurar levarem conta to- 
das as circunstâncias possíveis para compreender e consi- 
derar as complexas interações que, entre os muitos fatores, 
em tempo real, acontecem no processo formativo e os que 
estão presentes na prática profissional, a fim de orientar a 
formação na perspectiva da profissionalização da docência. 
Por isso, o objeto de estudo da profissão, os modos de atua- 
ção profissional como sistema, orientam a formação profis- 
sional do educador, num modelo flexível que não constitui, 
de modo algum, “um protótipo fechado do profissional" “e 
sim elementos básicos, norteadores da formação".
As disciplinas que surgem da aplicação do método 
teórico à atividade profissional são disciplinas mais abran- 
gentes, vinculadas á problemática da profissionalização, não 
no sentido pragmático, e sim na sua totalidade complexa, 
como componente do processo formativo-educativo. As di- 
versas críticas á disciplinarização excessiva, que atomiza e 
fragiliza o objeto de estudo da profissão enquanto sistema 
complexo, não significa suprimir as disciplinas como estru- 
turas da formação profissional, significa a procura de uma 
reconceitualização do seu sentido para, como explica Mo- 
rin (1999, p.24): “articulá-las, religá-Ias, dar-lhes vitalidade 
e fecundidade". Significa reconhecer o caráter transversal
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dos núcleos dos conteúdos que são as bases da profissiona- 
lização inicial, enquanto projeto pedagógico.
A formação do professorado, por vezes, não tem se 
empenhado em privilegiar conteúdos curriculares que arti- 
culem o desenvolvimento pessoal do futuro professor. Não 
tem compreendido que a natureza da atividade educativa 
nem sempre coincide com a dinâmica própria da formação. 
Tampouco tem valorizado uma articulação entre a forma- 
ção e os projetos das escolas de exercício da profissão con- 
sideradas organizações dotadas de autonomia e decisão, e 
que impõem restrições ao agir profissional dos professores. 
Os modelos formativos, dessa forma, têm inviabilizado uma 
formação que tenha um eixo de referência no desenvolvi- 
mento profissional dos professores, na dupla perspectiva do 
professor enquanto pessoa e enquanto membro de seu cole- 
tivo docente. A organização do currículo, levando em conta 
as situações-problemas relevantes (núcleos gerais) da práti- 
ca profissional, vinculado ao objeto da profissão, possibili- 
ta a integração dos saberes, das competências básicas e a 
profissionalização docente na formação inicial.
Ressaltamos que a formação e a profissionalização 
aqui discutidas não chegarão a ser construídas apenas por 
um acúmulo de cursos, domínio de métodos e técnicas, 
mas, sobretudo, através de um trabalho competente e críti- 
co sobre as práticas e nas práticas de (re)construção per- 
manente de uma identidade pessoal e profissional do pro- 
fessor. As práticas de formação que tomem como referên- 
cia as dimensões coletivas contribuirão, seguramente, para 
a emancipação profissional e para a consolidação de uma 
profissão que é autônoma na produção dos seus saberes e 
dos seus valores, mas ligada aos contextos institucionais 
nos quais o professor exerce sua atividade profissional.
É no contexto social onde se organizam, re-signifi- 
cam e constróem os sentidos da prática profissional. A for-
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mação do professor é fundamentada na idéia de mudança 
pedagógica, em torno de situações-problemas gerais da 
prática profissional, projetos e disciplinas que exigem tra- 
balho de reflexão crítica da prática e sobre a prática, de 
pesquisa na sala de aula, desde um trabalho coletivo até 
uma progressiva autonomia, sempre como uma espiral 
dialética, pois o domínio de determinadas competências 
são o ponto de partida para a construção de outras, que 
fazem do professor um profissional da educação.
O projeto pedagógico de cada agência formadora, e, 
consequentemente, a definição de seu “modelo profissio- 
nal” são delineados pelas leituras que cada agência forma- 
dora faz das necessidades sociais, numa relação de caráter 
dialético, entre sua autonomia, seus interesses e propósitos, 
suas características, sua posição ideológica no contexto (so- 
cial, político, econômico) onde se insere a instituição, le- 
vando em conta as tendências nacionais e internacionais do 
desenvolvimento da formação profissional. Por isso, resul- 
ta de importância fundamental sua explicitação nos proje- 
tos curriculares (a modo de hipótese de trabalho), do tipo de 
profissional a trabalhar nos processos formativos.
Stenhouse (1987) afirma que não pode haver desen- 
volvimento curricular sem desenvolvimento profissional dos 
professores formadores. A proposta da estrutura curricular 
que parte da definição do modelo profissional para cada 
agência formadora deve ser entendida como um ponto de 
partida para os estudos e pesquisas de todos os professores 
formadores no que diz respeito à formação de professores. 
No capítulo seguinte, discutiremos a organização curricular 
como fator indispensável às mudanças aqui propostas.
130
2.8. Referências
131
132
3. Mudar a organização curricular: a propósito 
de novas estratégias formativas
3.1. Introdução
A problemática da preparação do professor para atu- 
ar nas diferentes séries e nos diversos níveis do ensino 
tem motivado importantes debates no Brasil. Existe hoje 
lima indefinição da própria finalidade formativa que acar- 
reta, consequentemente, uma ausência de clareza sobre 
as necessidades que configuram o próprio processo for- 
mativo deste profissional. Assim, sistemas formativos 
considerados ultrapassados e práticas desacreditadas têm 
sido freqüentemente implicados a serem substituídos por 
uma nova filosofia de busca contínua da qualidade para 
permanentes superações.
Como foi discutido no capítulo anterior, a definição 
do tipo de profissional, como referência a ser considerada 
pelo projeto inicial da formação, constitui uma tarefa com- 
plexa, mas imprescindível de cada agência formadora. Pres- 
supõe a definição de programas de formação inicial fazen- 
do-se necessário determinar, a partir de seu objeto de tra- 
balho, o conjunto de situações-problemas que surgem e 
surgirão com mais freqüência na prática do futuro docen- 
te. Isto significa levar em conta as características e princí- 
pios do desenvolvimento profissional para definir, por sua 
vez, as competências a serem trabalhadas no início do exer- 
cício da profissão. A generalização das tarefas complexas
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que o futuro profissional da educação deve desenvolver 
durante sua formação e que caracteriza,no geral, a prática, 
possibilitará delinear um “modelo profissional".
Explicitar um modelo profissional que dê base ao 
processo formativo do professorado em cada agência for- 
madora demandará, inquestionavelmente, a definição de 
uma estrutura curricular que esteja convenientemente 
referenciada e traduzida em intencionalidades e estratégi- 
as para a formação pretendida, formação esta permeada 
por múltiplas incertezas.
Nesse sentido, passaremos a discutir uma proposta 
de estruturação curricular que, partindo da definição do 
modelo profissional e dos conceitos norteadores de profis- 
são e profissionalização docente, possam vir a contribuir 
na orientação e organização do processo formativo do pro- 
fessorado e sua profissionalização a partir da formação 
inicial. Na perspectiva que discutimos, assumimos como 
equivalentes os termos currículo e projeto pedagógico.
3.2. Fundamentos para uma estrutura curricular
A formação dos futuros professores, como vimos 
afirmando, exige importantes e radicais transformações que 
vão desde a definição dos modelos de formação de com- 
petências até as formas concretas de alternativas formati- 
vas na preparação do professor para as atividades profissio- 
nais. Isso significa trabalhar na perspectiva da profissiona- 
lização do próprio processo formativo, conforme assumi- 
mos no capítulo I.
Para De Alba (1993), o processo de determinação 
curricular consiste na definição dos aspectos centrais e 
estruturantes de um currículo, que se gera e se desenvolve 
no âmbito social amplo, articulado a projetos sociopolílicos.
Os novos contextos do agir profissional na Educa-
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ção são uma característica da educação no atual século, e 
são eles que podem viabilizar as novas formas de se pen- 
sar a organização dos processos formativos. Nessa pers- 
pectiva, segundo Lella (1999, p.3), os contextos socioeco- 
nômicos e culturais nos quais se dá a formação de profes- 
sores na América Latina caracterizam-se pelos seguintes 
aspectos:
- A globalização inequitativa e excludente, com im- 
posição de ajustes estruturais;
- O predomínio da lógica do mercado, no qual o tra- 
balho é um bem de uso que se compra ao menor preço 
possível;
- O aumento da desigualdade, da pobreza, da preca- 
rização do emprego, da violência social de todo tipo - não 
só simbólica;
- O impacto das novas tecnologias, das ciências, em 
especial a informática e a comunicação através de todos 
os meios;
- As culturas híbridas. O predomínio da imagem so- 
bre o texto escrito, a imediatez, a pluralidade, a incerteza, 
a suspeita crítica sobre os grandes relatos e sobre a própria 
ciência;
- A valorização da diversidade, das etnias, da sexua- 
lidade, do local e regional, das normas não-universais;
- A emergência de um novo paradigma de desenvol- 
vimento humano integral, de uma nova solidariedade e 
cooperação internacional.
Para dar conta dos desafios postos ao campo da for- 
mação de professores na atualidade, a organização do cur- 
rículo supõe pensar novas dinâmicas de construção da 
profissão como redes complexas, as quais nos levam a 
novas concepções sobre as disciplinas, as relações disci- 
plinares e a formação de competências. Os problemas pro- 
fissionais atuais só são trabalhados com êxito a partir de
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diferentes áreas de conhecimento que confluem em novas 
construções teóricas e práticas. Os novos problemas pro- 
fissionais exigem, portanto, novos enfoques discipli- 
nares e curriculares.
O desenho curricular passa a ser um eixo articulador 
da formação curricular, que abre espaço, de forma siste- 
matizada, à reflexão, à crítica, à pesquisa, elementos in- 
dispensáveis para a formação de competências profissio- 
nais e para a autonomia profissional, construída nos proje- 
tos coletivos e individuais de desenvolvimento profissio- 
nal. Esses elementos da formação tem caráter transversal 
e devem ser trabalhados pelas disciplinas e núcleos de dis- 
ciplinas como um processo de integração contínua, de ca- 
ráter transversal.
Na organização curricular os espaços e tempos são 
reformulados constantemente, numa dinâmica voltada para 
formar um profissional segundo as orientações do “mode- 
lo de formação”, este considerado como hipótese media- 
dora entre a teoria e a realidade concreta da prática de for- 
mação. Enquanto hipótese, a organização curricular possi- 
bilita disponibilizar as informações necessárias sobre os 
processos próprios da formação para a avaliação sistemá- 
tica, atuando, portanto, como controle que ajuda ao aper- 
feiçoamento do sistema curricular em evolução.
O currículo, mais que um conjunto de “competências 
que devem ser formadas”, constitui-se de experiências sig- 
nificativas, nas quais se constrói o fazer-pedagógico, em um 
contexto sócio-histórico dado, que se organiza de diversos 
modos para aproximar-se à intenção formativa do “modelo 
profissional” de cada agência formadora como espaço de 
inovação pedagógica. Portanto, não existe uma única e uni- 
versal forma para organizaras experiências formativas, uma 
vez que assumir esta posição significaria reduzir a comple- 
xidade dos processos, renunciar ás incertezas e aos desvios
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próprios de cada um, assim como aos contextos que dão as 
singularidades aos processos formativos.
O currículo como um sistema articulado em subsis- 
temas (níveis de sistematização e ciclos), os quais emer- 
gem do modelo profissional e organizam-se em torno des- 
te, embora possa ser pensado separadamente para efeito 
de análise, constitui-se numa totalidade. Nesta perspecti- 
va, a estruturação curricular deve estar pensada para fun- 
damentar uma formação básica geral, através das discipli- 
nas (na nova visão que resulta da aplicação do método te- 
órico à atividade profissional), com conteúdos flexíveis e 
dinâmicos, dependentes da prática profissional e dos avan- 
ços dos saberes e das referidas práticas.
Essa formação deve proporcionar a possibilidade de 
participar, de forma criativa, das situações diversas da pro- 
fissão e estabelecer a inter-relação entre duas formações, a 
inicial e a continuada, numa compreensão dessa articulação 
no desenvolvimento profissional. O processo de desenho 
curricular constitui-se um ato político, de pressupostos filo- 
sóficos explicitados com clareza, portanto, as agências for- 
madoras devem promover uma formação em que os ele- 
mentos políticos e ideológicos estejam declarados como parte 
da cultura universal (conteúdos e estratégias formativas) que 
são objetos de estudo e conteúdo das competências a serem 
trabalhadas. A competência profissional não se separa das 
posições ética, moral, política, ideológica do professor, pois 
o ato pedagógico (a educação) é um ato complexo, que con- 
tém em si todas essas dimensões da vida humana.
Nessa perspectiva, a estrutura curricular define-se 
como o conjunto de conteúdos culturais (competências, 
saberes, procedimentos, atitudes, valores, crenças, hábi- 
tos, etc.) que emergem de um determinado modelo 
formativo, articulado a uma forma de atuar e de pensar de 
uma profissão específica. Isto leva a pensar em uma estru-
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tura flexível, ousada, crítica, criativa e comprometida com 
a formação plena do futuro profissional.
A estrutura curricular não é um sistema fechado, mas sim 
um sistema aberto que se desenvolve como uma espiral, num 
movimento dialético (negar, recuperar, superar) mediado por di- 
ferentes experiências de inovação que aperfeiçoam a dinâmica 
atual e futura do desenvolvimento da profissão e da profissiona- 
lização, desde a formação inicial. Essa estruturação curricular 
não deve favorecer a fragmentação da formação inicial, e sim 
procurar, como princípio, orientar o trabalho na totalidade com- 
plexa, enquanto projeto de formação, revelando partes do siste- 
ma (subsistema) que. ao serem explicitadas metodologicamen-te, podem facilitar o estudo da relação parte-todo-parte.
3.3. Construir a estrutura curricular: princípios norteadores
Quando pensamos numa estrutura curricular, segun- 
do as referências discutidas nos capítulos anteriores, iden- 
tificamos os seguintes princípios que podem nortear o pro- 
cesso do desenho curricular:
a) Educar hoje é assumir uma outra perspectiva da- 
quela que se identifica com o modelo de escola surgido na 
modernidade. As agências formadoras, com vistas a prepa- 
rar o futuro professor como profissional, para participar ati- 
vamente na sociedade como cidadão-profissional crítico, 
formador de cidadãos, deve organizar-se segundo o contex- 
to, a fim de propiciar uma cultura sólida, contribuindo com 
a flexibilidade de pensamento e a construção da identidade 
profissional. O professor do século XXI é um educador, um 
agente ativo da educação dentro da comunidade, capacitado 
a dialogar com outros espaços de produção de saberes e da 
educação, com os diferentes mecanismos de produção des- 
ses saberes, antes exclusivos das disciplinas escolares.
b) Renunciar à idéia do futuro profissional como
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reservatório de conhecimentos e transformar a aprendizagem 
em um processo ativo, de construção-reconstrução de novos 
significados a partir das experiências pré-profissionais e da 
formação inicial vividas. Essa aprendizagem deve caracteri- 
zar-se por grandes possibilidades de transferência a situações 
novas, numa prática complexa, na qual as soluções prontas 
para os futuros problemas da profissão não existem.
O professor em formação deve aprender a ensinar nos 
diferentes contextos institucionais, aos quais se vincula a sua 
“suposta autonomia”, como futuro profissional, nas quais se 
formam e desenvolvem suas competências. Essa idéia propõe 
trabalhar a formação de competências profissionais, ou seja, 
um agir profissional sustentado na reflexão teórica, na crítica, 
na pesquisa, na busca de novos caminhos face aos desafios da 
educação no contexto real. Nessa perspectiva, o professor não 
é considerado um técnico que aplica procedimentos prescritos 
por outros, como tampouco é um solucionador de problemas 
ou um pesquisador acadêmico. A concepção do professor como 
profissional da educação possibilita um modelo de profissio- 
nal, no qual as características anteriores, dentre outras, são com- 
ponentes do trabalho profissional do professor, como pessoa, 
com sua história de vida, suas necessidades, motivações e pos- 
sibilidades no contexto do exercício da profissão.
c) Orientar o trabalho de formação profissional para o 
perfil profissional desejado, como documento norteador, não 
imposto, mas como parte do projeto pedagógico resultado 
de uma construção coletiva, participativa. Nesse projeto a 
formação inicial se vincula ao objeto da profissão, desde o 
início até o final da formação sem constituir esta orientação 
numa mera quimera pragmática. A formação teórica não 
pode estar separada da formação prática, uma vez que teoria 
e prática se articulam pela mediação da pesquisa para a so- 
lução de situações-problemas profissionais (Carr e Kemmis, 
1998), como uma atitude crítica que orienta o desenvolvi-
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mento das competências profissionais. Por sua vez, essas 
atitudes propiciam procedimentos metacognitivos como for- 
mas de aprender a aprender, no processo de profissionaliza- 
ção continuada, não como processo adaptativo, e sim como 
atividade transformadora.
d) Organizar o currículo como um sistema aberto em 
autodesenvolvi mento mediante a determinação de seus compo- 
nentes, de sua estrutura e da dinâmica ou natureza de seu desen- 
volvimento, para os níveis de sistematizaçao e ciclos definidos. 
Essa organização deve permitir uma formação flexível, 
reconstrutiva das novas dinâmicas e transformações sociais, ci- 
entíficas, políticas, etc., e articulada com um sistema de forma- 
ção continuada no contexto específico. Dita articulação supõe 
determinar quais são os objetivos da formação inicial e quais 
correspondem à formação continuada, uma vez que a formação 
inicial não pode dar conta de toda a formação do professor. Nes- 
sa perspectiva, deve-se pensar no desenvolvimento profissional 
do professor como uma política abrangente da formação.
e) Orientar a sistematização no processo de formação 
dos componentes curriculares: acadêmico, trabalhista e 
investigativo, a fim de contribuir para desenvolver, nos futuros 
profissionais, as diferentes competências, saberes, habilidades, 
atitudes, ética, vinculados às situações problemáticas gerais da 
formação inicial. Dessa orientação resulta um profissional cul- 
to, comprometido com a democracia do conhecimento, como 
uma via de sua emancipação social e de seus alunos.
f) Organizar a formação em função das atividades 
futuras e presentes do exercício da profissão supõe a bus- 
ca de um isomorfismo entre a formação inicial e as tarefas 
profissionais para as quais são preparados os futuros pro- 
fissionais. A agência formadora deve constituir-se num es- 
paço de construção da identidade do profissional para o 
início da atividade docente profissional.
Isso possibilita uma formação pedagógica para além
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dos conteúdos (academicistas e tecnicistas), recursos e es- 
tilos formativos, contribuindo para a mudança didática do 
pensamento do futuro professor enquanto profissional.
A organização e estruturação curricular orientada 
para contribuir com a construção da profissão e com a 
profissionalização inicial deve ter suas próprias bases de 
sustentação as quais, no geral, orientam-se para uma con- 
cepção estrutural e metodológica. Essas bases de sustenta- 
ção estão ligadas à visão de mundo, de sociedade, de pro- 
fissional enquanto ser sócio-histórico que se assumem na 
proposta curricular. Dentre as bases de sustentação de uma 
proposta curricular, podemos identificar as seguintes: filo- 
sófica, socioculturais, pedagógicas e legais, como se ilus- 
tra na figura 12.
Figura 12 - Bases de sustentação da 
proposta pedagógica
As bases filosóficas referem-se às relações e aos sig- 
nificados que orientam o tipo de profissional que se deseja 
formar para a vida profissional. Toda prática educacional 
realiza-se com base em um pressuposto de natureza filo- 
sófica. Nenhum trabalho pedagógico está desprovido de 
um referencial de valores que representa uma visão que se
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tem do mundo, das pessoas e das formas como se relacio- 
nam as pessoas. No modelo profissional do projeto peda- 
gógico, faz-se necessário explicitar o tipo de visão de mun- 
do e de comprometimento dos futuros professores, consi- 
derando que a nova formação pressupõe uma nova 
cosmovisão do mundo (valores, propósitos dos novos sa- 
beres, da educação), como mudança antológica.
Segundo Saviani (1986), uma visão histórica da edu- 
cação mostra como sempre ela esteve preocupada em for- 
mar determinados tipos de homens. Os tipos variam de 
acordo com as exigências dos diferentes momentos sócio- 
históricos.
Os aspectos filosóficos do currículo dizem respeito 
às diretrizes da ação escolar, ou seja, aos objetivos que a 
agência formadora pretende trabalhar na educação do fu- 
turo profissional, expressos no “modelo profissional”. O 
projeto curricular deve explicitar uma visão de educação e 
como a agência formadora, enquanto instituição educativa 
de professores, contribuirá para tais fins. A palavra filoso- 
fia refere-se à orientação, aos princípios e normas que re- 
gem o currículo, ou seja, significa estabelecer os princípi- 
os e objetivos para a educação em uma visão crítica e 
transformadora da realidade.
A filosofia que fundamenta o currículo deve ser 
explicitada, de forma tal que permita aos professores for- 
madores e alunos fazerem uma reflexão crítica dos proble- 
mas relacionados com a formação, para adaptá-lose 
trabalhá-los de forma criativa, flexível e dinâmica enquanto 
projeto pessoal e coletivo. Portanto, será a agência forma- 
dora, na sua relação com a sociedade, que definirá e sele- 
cionará (de acordo com os propósitos que se correspondam 
aos problemas políticos, filosóficos, ideológicos mais ge- 
rais da sociedade e do contexto da formação), o tipo de 
formação profissional que desenvolverá.
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As bases socioculturais permitem determinar as for- 
mas culturais ou os conteúdos que o futuro professor deve 
assimilar para tornar-se um membro ativo da sociedade, 
como um agente de criação cultural, como um profissional 
culto. Relacionam-se com a problemática social vinculada 
ás finalidades e funções sociais da formação do futuro pro- 
fessor, contribuindo para que ele possa participar como pro- 
fissional ativo, ético e responsável na sociedade.
As agências formadoras devem preparar os profes- 
sores para trabalhar temas que possuam relevantes com- 
ponentes sociais, políticos, econômicos e ideológicos. Este 
trabalho pode realizar-se através dos temas transversais do 
currículo, que englobam problemáticas locais e globais, 
na compreensão da relação dialética entre o local (o con- 
texto) e o global (universal).
A fonte sociológica não só se refere às demandas 
sociais e culturais relativas à problemática da socialização 
dos futuros profissionais, como também deve fornecer ele- 
mentos para a reflexão crítica, para a ética, a identidade, a 
estética, etc., orientando o trabalho para uma maior demo- 
cratização e eqüidade. Nessa perspectiva, ressalta-se que 
os conteúdos não são neutros, sendo necessário aprovei- 
tar-se de todas as oportunidades que fornece o cognitivo 
(conhecimentos, procedimentos) para desenvolver o com- 
ponente afetivo (atitudes, valores, ética, etc.), uma vez que 
o componente afetivo não se dá à margem do cognitivo 
(Nuñez e Pacheco, 1997).
No atual contexto, a diversidade é uma característica 
que tem se intensificado na sociedade contemporânea. As- 
sim, nas agências formadoras temos alunos com necessida- 
des e interesses heterogêneos, o que nos leva a considerar 
que os futuros profissionais têm projetos pessoais, trajetos e 
experiências diferentes. Nesse sentido, a formação encon- 
tra-se, portanto, face a uma complexidade significativa.
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A diversidade da oferta nos processos formativos dos 
currículos e das práticas pedagógicas deve orientar-se para 
trabalhar essa diversidade no contexto dos projetos coleti- 
vos. Na base dos projetos coletivos com metas comuns, 
que unem, que identificam o coletivo no grupo, existem 
possibilidades de caminhos diferenciados na formação, em 
decorrência da relação dialética entre os interesses do gru- 
po, marcado pelo caráter social e os projetos individuais, 
que só tomam seu sentido na própria coletividade.
A diversidade na formação não implica um sistema 
de “construção personalizada”, ou uma anarquia nos inte- 
resses e projetos de formação. O respeito à diversidade se 
dá na construção do social enquanto projeto de formação 
(modelo formativo) sem ficar fechado nele.
As bases didático-peclagógicas como elemento 
curricular referem-se aos tipos de concepções de ensino- 
aprendizagem que serão adotadas como estratégias gerais 
no processo de formação do profissional. Para tanto, al- 
guns pressupostos são considerados:
a) Caracterizar a aprendizagem como um tipo espe- 
cífico de atividade sócio-historicamente contextualizada, 
mediada, que leva a novas construções (significados da 
realidade), através da interação das estruturas mentais e 
conhecimentos disponíveis com o objeto de estudo, de for- 
ma crítica e reflexiva (Nuñez e Pacheco, 1997). Como re- 
sultado da aprendizagem, durante o processo formativo, 
não só acontecem mudanças conceituais como também 
mudanças ontológicas (formas de ver o mundo educativo), 
mudanças epistemológicas (formas de raciocinar), mudan- 
ças metodológicas (formas de proceder), além de valorar 
os propósitos das novas construções teóricas, entre outras.
É necessário, na formação inicial, considerar que o 
futuro profissional tem crenças, idéias, metáforas, atitudes 
e hábitos de comportamento que podem orientar sua ação e
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dificultar, em alguns casos, seu próprio desenvolvimento 
profissional. Esses saberes têm diferentes nomes: pensamen- 
to docente espontâneo, epistemologia pessoal docente, pré- 
concepções de sentido comum, teorias implícitas, entre ou- 
tras. Essas idéias devem constituir-se como ponto de parti 
da e de mudança na formação inicial enquanto processo de 
construção-reconstrução de competências, que interage com 
o objeto da profissão, numa pratica reflexiva e de pesquisa 
na ação, com uma visão crítica da atividade pedagógica de 
forma sistematizada como um princípio formativo.
Essas idéias e as condutas associadas podem evoluir 
num processo de reflexão, pesquisa e crítica, que leve à 
construção/reconstrução dos novos saberes e competênci- 
as, em interação social, contrastando com os novos sabe- 
res (científicos, tácitos, da experiência, etc.), ampliando, 
portanto, a zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 
1989) e com ela as potencialidades intelectuais dos futu- 
ros profissionais.
Nessa prática, o diagnóstico e o conhecimento dos 
obstáculos epistemológicos e pedagógicos, na construção 
dos saberes e competências, adquirem uma dimensão sig- 
nificativa para o trabalho dos formadores. É necessário 
insistir que essas construções sobre a aprendizagem dos 
futuros profissionais não poderão acontecer se elas não 
forem confrontadas com práticas anteriores e com novas 
experiências, para vivenciar e dar significado próprio aos 
novos saberes e aos demais recursos afetivos/cognitivos 
na construção das competências.
Alguns obstáculos epistemológicos frequentes na 
prática dos professores devem ser considerados pelos pro- 
cessos formativos a fim de trabalhar sua superação. Sobre 
isso Porlán, Rivero e Martin del Pozo (1997) assinalam:
- tendência à fragmentação e dissociação entre a teo- 
ria e a ação, entre o explícito e o tácito;
145
- tendência à simplificação e ao reducionismo;
- tendência à conservação-adaptativa e rechaço à evo- 
lução-construtiva;
- tendência à uniformidade e negação à diversidade;
- tendência à descentralização.
Tem sido freqüente a constatação de que esses tipos 
de obstáculos epistemológicos estão também presentes nas 
práticas dos professores formadores das agências forma- 
doras, portanto, defendemos a necessária transformação 
das agências no sentido de serem centros de excelência da 
aprendizagem e da educação, ligadas à comunidade, a suas 
problemáticas e projetos sociais. As agências formadoras 
devem aprender a abrir-se à comunidade e às escolas do 
ensino fundamental, como um espaço cultural e educativo 
voltado para um trabalho cooperativo, o que possibilitará 
o trabalho com o “aprender a ser”, o “aprender a convi- 
ver”, pois é no espaço e tempo real da prática que se for- 
mam as competências profissionais.
b) Determinar linhas estratégicas para orientar as 
práticas didático-pedagógicas, considerando a intervenção 
dos alunos no processo de ensino-aprendizagem baseado 
em competências profissionais. Portanto, as experiências, 
os avanços da pesquisa educacional, ao facilitar a reflexão 
dos alunos sobre sua futura prática, tornam-se um meio de 
construção de competências e de um aperfeiçoamento con- 
tínuo. Assim, os professores são chamados a desenvolver 
suas atividades trabalhando com o conteúdo disciplinar na 
sua dinâmica de desenvolvimento, não como um produto 
das disciplinas científicas, mas como um processo que in- 
corpora os resultados das pesquisas atuais como referênci- 
as para a construção das competências. Esses procedimen- 
tos são vias de socialização, não só do conhecimento, se- 
não também de valores, atitudes, posições ante a socieda- 
de, baseadosnuma ética, numa conduta política, ideológi-
146
ca, presentes sempre na atuação do profissional, compro- 
metido com projetos sociais de vanguarda.
c) Definir as fontes epistemológicas que atendam à 
estrutura interna dos conteúdos, sua própria história, estado 
atual e perspectivo, metodologias de construção/reconstru- 
ção segundo a filosofia atual das ciências e das disciplinas, 
partindo do domínio de determinadas concepções prévias 
como pontos para a construção-reconstrução das competên- 
cias, valorizando o papel do erro na aprendizagem.
Assim, as formas de aprendizagem são considera- 
das como tipos específicos de atividades a realizarem-se 
com o objeto de estudo, no contexto real, no qual a teoria 
aparece como elemento norteador e de reflexão e pesquisa 
da práxis. Portanto, faz-se necessário diferenciar os con- 
teúdos gerais (vinculados a base de conhecimento do ensi- 
no), que atuarão como núcleos essenciais (invariantes) dos 
conteúdos secundários (manifestações particulares dos 
conteúdos nucleares) (Nuñez e Pacheco, 1997), que de- 
vem estabelecer relações inter, multi e transdisciplinares, 
como redes complexas de conhecimento, contribuindo, 
assim, para desenvolver na formação inicial, além de uma 
formação básica, uma orientação teórica acerca do seu 
objeto de estudo (Davidov, 1986).
d) Contribuir para desenvolver um espírito crítico, 
sustentado na reflexão e na pesquisa, que leve à procura 
de novas explicações e apreciações de seus saberes, de sua 
atuação como profissional e dos contextos institucionais. 
A crítica é uma forma de reflexão sobre o pensamento vi- 
gente, é o início de uma ruptura que, se continuar com 
sucesso, pode conduzir a propostas de novas alternativas, 
como elemento da inovação educativa. Neste sentido, di- 
ferentes investigações referentes à formação de professo- 
res apontam para a necessidade de não só mudar o currícu- 
lo como documento, assim como mudar, fundamentalmen-
147
te, as práticas formativas da instituição e dos professores 
formadores.
Portanto não é possível exigir que os futuros profissio- 
nais sejam inovadores da sua prática educativa, sejam criati- 
vos, trabalhem com competência, quando sua formação inicial 
não se orienta nessa perspectiva. É preciso ousadia, criatividade 
e compromisso dos professores formadores e das agências for- 
madoras para resolver esta problemática.
A base psicopedagógica da formação constitui-se num 
elemento articulador do elenco de disciplinas e estratégias 
formativas que emergem, como necessidade, para a forma- 
ção segundo as competências a serem trabalhadas. Nesse 
processo, a Pedagogia está na base da profissionalização 
inicial, constituindo-se na base dos processos formativos.
As bases legais legitimam os processos de formação 
dos professores enquanto instituição, uma vez que regulam 
os mecanismos legais estabelecidos. Esse item merece uma 
reflexão cautelosa, considerando que uma reforma na forma- 
ção dos professores implica a criação de novas legislações 
(pelos poderes superiores), por vezes contrárias às anteriores. 
Sem uma boa estratégia para por em marcha as mudanças 
necessárias, corre-se freqüentemente o risco dessas legisla- 
ções não atenderem às necessidades dos projetos formativos 
e tornarem-se ineficazes na fundamentação da nova realida- 
de e na busca e construção da própria identidade para a for- 
mação de um futuro profissional. Isso poderá fazer com que 
as agências formadoras funcionem em moldes ultrapassados, 
sustentados em mecanismos legais mais retóricos do que pro- 
dutivos. As políticas educacionais, com seu corpo legal, cons- 
tituem-se, em muitos casos, num freio para a inovação 
educativa e as mudanças necessárias, uma vez que não se 
estabelecem as relações dialéticas da macroestrutura (estadu- 
al, federal) e a realidade dos contextos. Como explica Morin 
(1999), não será possível reformar o pensamento se as insti-
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tuições não forem previamente reformadas. Isso constitui outro 
argumento para a necessidade de legalmente favorecer os pro- 
cessos de profissionalização das próprias instituições forma- 
doras de professores.
Os pressupostos legais não podem constituir-se numa 
camisa-de-força impondo normas fechadas que limitem o 
autodesenvolvimento do projeto pedagógico. Devem ser 
flexíveis, de tal forma a poderem ser ampliados, 
flexibilizados, quando necessário, de modo criativo.
3.4. Organização curricular
Uma integração curricular, enquanto sistema aberto, 
pode corresponder a duas estruturas de organização: uma 
estrutura vertical e outra horizontal. A estrutura vertical 
corresponde aos níveis de sistematização da formação, com 
caráter global, enquanto a horizontal corresponde à orga- 
nização disciplinar (Zayas, 1992).
3.4.1. Estrutura vertical: níveis do currículo
A sequência de conteúdos e das estratégias formativas 
não se define à margem da distribuição das atividades docen- 
tes, das competências gerais do modelo profissional. 
Tampouco define-se de maneira simultânea. Essa distribui- 
ção pode ser feita por níveis, períodos e anos, de tal maneira 
que possibilite acompanhar o processo de formação de forma 
sistemática, pois esse processo constitui-se num contínuo.
O nível é um tipo de organização curricular que permite 
apreciar as mudanças qualitativas que se produzem na integração 
dos tipos de processos formativos, atendendo à identificação, 
cada vez maior, da atividade do futuro profissional e ao desen- 
volvimento de competências para o início da profissão. Consti- 
tui-se em elos de articulação das disciplinas para trabalhar a
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formação de competências, utilizando diferentes estratégias 
metodológicas, dentre as quais os projetos grupais e individu- 
ais (que integram a reflexão, a crítica e a pesquisa), o estudo de 
caso, a simulação, a solução de situações-problemas no con- 
texto real, são algumas a serem privilegiadas.
É o processo que se desenvolve em um espaço de 
tempo definido (seis meses, um ano ou mais), onde se cri- 
am as condições para produzir saltos de qualidade signifi- 
cativa na formação profissional.
A definição de níveis no processo de formação pos- 
sibilita a avaliação sistematizada e parcial do processo 
formativo, a fim de trabalhar a tempo na solução das difi- 
culdades que, geralmente, só são detectadas no final da 
formação inicial, já quando pouco se pode fazer, limitan- 
do a função de ajuda que tem a avaliação. Os níveis po- 
dem caracterizar-se, segundo o desenvolvimento das com- 
petências, conforme a figura 13.
3
O aluno apropria-se dos conteúdos mais particulares da profissão, de- 
vendo consolidar os conhecimentos e competências gerais e básicos 
nos diferentes campos de sua futura profissão, o que contribui para 
consolidar a formação da identidade profissional da formação inicial.
2 O aluno apropria-se dos campos fundamentais da profissão e é levado 
a dominar as competências gerais próprias da profissão, bem como os 
temas e métodos de investigação.
1
O aluno apropria-se do que é fundamental nos conteúdos gerais e básicos 
da profissão, domina métodos mais simples da profissão e as competên- 
cias gerais próprias do processo pedagógico, num menor nível de siste- 
matização, na solução de tarefas reais vinculadas ao objeto da profissão.
Níveis Características (nível de desenvolvimento das competências)
Figura 13 - Níveis de sistematização curricular 
e suas características
Os níveis deverão estarem correspondência com os ob- 
jetivos, não só aqueles relacionados aos saberes, habilidades,
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competências, como também aqueles referentes às transfor- 
mações da educação dos profissionais. Essa sistematização pode 
orientar a formação daquelas competências mais gerais, que 
têm caráter transversal, e é objeto de todo o processo formativo. 
Em cada nível são trabalhadas, com diferenteaprofundamento, 
as competências gerais da formação inicial.
O processo pedagógico deve ser organizado de for- 
ma que os futuros profissionais transitem pelos diferentes 
níveis, podendo trabalhar as situações-problemas básicas 
da profissão em diferentes graus de complexidade, nos 
contextos das escolas, ou seja, na prática real.
As disciplinas são definidas em função dos níveis 
que constituem um sistema maior na estrutura curricular.
Devem estar definidas à luz dos objetivos do nível em ques- 
tão, de maneira intencional para que haja contribuições de 
cada disciplina na formação profissional. As disciplinas 
se articulam segundo as intencionalidades educativas re- 
lativas às situações-problemas da profissão, nos respecti- 
vos níveis, nos quais se têm oportunidades de mobilizar os 
diferentes recursos (teóricos, metodológicos, afetivos, etc.) 
para a formação das competências. A formação inicial tran- 
sita por níveis de sistematicidade, como estágios da com- 
plexidade evolutiva, que manifestam mudanças qualitati- 
vas que podem ser representados pela figura 14:
Figura 14 - O desenvolvimento dos recursos e competências 
profissionais por níveis de sistematização 
curricular no projeto formativo
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Cada nível deve organizar-se enquanto um subprojeto 
pedagógico, suscetível de avaliação, como parte do proje- 
to pedagógico geral, num processo de relações dialógicas. 
Além disso, constitui-se de uma estrutura metodológica 
caraterizada pelo coletivo dos professores formadores, que 
coordenam, negociam, trabalham os problemas da forma- 
ção, de forma colaborada, como uma instância de conflu- 
ência disciplinar e estratégica.
3.4.2. Organização horizontal: as disciplinas docentes
A problemática da disciplinarização no currículo é 
um tema de amplo debate na busca de uma totalidade face 
à excessiva fragmentação dos saberes. Essa crítica, cada 
dia mais frequente, é típica do modelo cartesiano da pro- 
dução científica do século passado.
Atendendo à estrutura horizontal, pode-se organizar 
o currículo em disciplinas docentes. A disciplina docente, 
para Zayas (1992, p. 142), “é um subsistema que com o 
fim de alcançar algum ou alguns objetivos declarados no 
modelo profissional, organiza em forma de sistemas orde- 
nados lógica e pedagogicamente os conhecimentos e habi- 
lidades relativos a aspectos da atividade do egresso e de 
seu objeto de trabalho, de modo que sirva para sua assimi- 
lação parcial ou total, vinculados com um ou com vários 
ramos do saber humano”.
Para Pacheco (1993, p. 70), “a disciplina é definida 
por pertencer a uma ciência ou ramo do saber e toma dela 
a sequência e hierarquia de temáticas”. As disciplinas são 
entendidas como construções pedagógicas das produções 
culturais, que organizam os conteúdos e a formação de 
competências do currículo, não só como uma produção 
lógica, pois deve considerar-se o que Popkewitz (citado 
em Gimeno e Pérez Gómez, 1998) chama de “alquimia” e
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de “transposição didática", Lopes (1999) de “mediação 
didática", entendidas como processos que implicam o passo 
dos conteúdos produzidos pelas ciências, num determina- 
do espaço, ao espaço da escola. Conhecer esse processo 
de alquimia, para o professor e alunos, significa conhecer 
a história das construções científicas, suas bases filosófi- 
cas, epistemológicas, ideológicas, os problemas que lhe 
deram origem, etc. Significa compreender o conteúdo da 
disciplina como processo da produção de conhecimento e 
não como produto.
Para Santos (1992), a disciplinaridade é a explora- 
ção científica especializada de um domínio determinado 
e homogêneo de estudo, na qual estão presentes a formu- 
lação e a reformulação permanente de conhecimentos com 
o estabelecimento de fronteiras. O desenvolvimento da 
criatividade dos futuros profissionais, na perspectiva de 
um currículo moderno, deverá estruturar as disciplinas a 
partir do desenvolvimento de cada campo de conheci- 
mento e dos problemas próprios da evolução das disci- 
plinas, especialmente aqueles problemas que significa- 
ram mudanças qualitativas de interesse. Segundo Gallo 
(1995), a disciplinarização é um resultado da especiali- 
zação, da limitação de campos específicos para cada for- 
ma de se abordar um determinado aspecto da realidade, 
como consequência do crescimento acelerado dos sabo- 
res e da racionalidade operativa analítica dos processos 
modernos de produção.
A especialização na produção de sabores e a delimi- 
tação de fronteiras rígidas nas diferentes áreas do conheci- 
mento vêm de uma determinada visão de mundo e dos es- 
tilos próprios adotados pelas pesquisas, quando estas têm 
fechado as “disciplinas" em “muros", como verdadeiras 
fortalezas.
A epistemologia da complexidade (Morin, 1999)
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pode relacionar-se a uma concepção de disciplina que 
emerge da aplicação do método teórico a partir da análise 
da atividade profissional (Talizina, 1987).
Na reflexão sobre as disciplinas curriculares ocupa 
um lugar de destaque a questão dos saberes necessários à 
formação de competências. A profissionalização da 
docência supõe identificar uma base de conhecimentos 
necessária à identidade da profissão. Os saberes se apre- 
sentam como um dos recursos a serem mobilizados no agir 
competente. Conforme já discutimos no capítulo 2, essa 
orientação leva a agrupamentos mais flexíveis, em que 
novos nexos e relações entre os saberes, habilidades, com- 
petências, são suas características essenciais.
Os diferentes recursos a serem mobilizados na for- 
mação deverão estar vinculados aos diferentes saberes e 
competências. Gauthier e Tardif (1998) destacam, dentre 
os saberes que compõem o repertório de conhecimento do 
professorado, os seguintes:
- disciplinar;
- curricular;
- das ciências da educação;
-da tradição pedagógica;
- da experiência.
Os saberes disciplinares: referem-se aos saberes pro- 
duzidos pelos pesquisadores e cientistas nas diversas dis- 
ciplinas científicas, ao conhecimento produzido a respeito 
do mundo e legitimado pela academia. São os saberes vin- 
culados aos conteúdos das diferentes disciplinas que os 
futuros profissionais devem estudar para dominarem os 
conteúdos dos programas escolares, exemplo: matemáti- 
ca, ciência, português, geografia, etc.
Os saberes disciplinares penetram na cultura do pro- 
fessor. O professor precisa de uma extensa cultura relativa
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aos conteúdos, procedimentos, que constituem recursos 
para seu fazer profissional. Nesse sentido, precisa domi- 
nar as diferentes relações de saberes (conhecimento cien- 
tífico, conhecimento do senso comum, saber popular) que 
conformam a cultura nos contextos da atividade profissio- 
nal. Essa compreensão lhe possibilita trabalhar os saberes 
disciplinares das ciências, enquanto referências para refle- 
tir e criticar o senso comum e construir um novo senso 
comum fundamentado em novas referências, com um po- 
tencial explicativo superior. Assim, o professor deve ser 
um “profissional culto”, ou seja, um intelectual. Como as- 
sinala Linn (citado em Gil, 2000), o conhecimento profun- 
do da matéria é central para o ensino e não pode ser esgo- 
tado, obviamente, na formação inicial, e ainda menos con- 
siderando as formas de produção e circulação do saber na 
sociedade atual.
Existe um grande consenso nas atuais pesquisas so- 
bre a formação de professores de que um forte obstáculo 
para a renovação didática destes constitui-se no insufici- 
ente domínio que eles têm em relação aos conteúdos disci- 
plinares. As agências formadoras dos cursos de Pedago- 
gia, geralmente, concentram a formação nos aspectos 
metodológicos, sem considerar a possibilidade de insucesso 
de qualquer metodologia fora dos conteúdos.
Os saberes curriculares: são os saberes seleciona- 
dos e organizados num corpusconsiderado nos programas 
escolares. São os conteúdos mínimos que os futuros pro- 
fessores devem dominar para poder cumprir com os currí- 
culos e programas das escolas. Os saberes curriculares 
devem constituir um subconjunto dos saberes disciplina- 
res, numa relação complexa dos domínios de conteúdos 
(DC) expressos de forma simplificada como:
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A figura 15, abaixo, procura representar essa idéia:
Os saberes disciplinares e curriculares devem estar 
mediados pelo que Shulman (1986) identifica como o co- 
nhecimento pedagógico do conteúdo. O ensino dos con- 
teúdos de uma disciplina exige, além do conhecimento de 
seus conceitos básicos, a compreensão das estruturas, as 
formas pelas quais eles se tornam compreensíveis para os 
alunos em contextos específicos. Essa questão é chave na 
profissionalização do professor.
À medida que o valor de domínio de conteúdo seja 
maior, melhor será a preparação inicial dos professores para 
o trabalho com os conteúdos escolares dos currículos. Di- 
ferentes pesquisas têm demonstrado que as deficiências 
dos saberes disciplinares constituem uma dificuldade que 
pode limitar gravemente o potencial inovador dos profes- 
sores (Furió, 1994). Nesse sentido, sem centrar o currículo 
da formação inicial nos conteúdos disciplinares, tais con-
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teúdos devem ser objeto de um aprofundamento e atuali- 
zação nos programas vinculados aos saberes curriculares.
Os saberes das ciências da educação: são os sabe- 
res ligados ao métier de ensinar, vinculados à escola, e que 
permeiam a maneira do professor agir profissionalmente, 
exemplo: saberes da psicologia, da pedagogia, da didática, 
etc. Estes saberes são complexos e singulares, e não repre- 
sentam um con junto de ‘"receitas” para regular e orientar o 
trabalho na sala de aula. Enquanto saberes, só se desen- 
volvem se trabalhados em situações concretas, reais, com 
sistematicidade, durante a formação inicial.
Hoje torna-se cada dia mais pertinente ter-se em 
mente que a forma “tradicional" de se trabalhar com esses 
saberes dá-se em nível de “conhecimentos declarativos”, 
favorecendo uma estruturação de discursos tomados como 
respostas prontas, aplicados a problemas abstratos.
Nessa tipologia de saberes, podem ser incluídos os 
saberes que Shulman (1986) chama de ‘'conhecimento dos 
alunos", “conhecimentos do contexto educativo” e “co- 
nhecimentos dos fins educativos”.
Na nossa posição teórica, a base que organiza esse 
tipo de saber é a Pedagogia, enquanto saber-fazer da edu- 
cação, argumentado em teorias explícitas que se vinculam 
diretamente com a ação educativa do professor e com suas 
competências.
Os saberes da tradição pedagógica: são vinculados 
à representação que tem o professor, da escola, da profis- 
são, surgidos da tradição pedagógica.
Os saberes da experiência: são construídos pelos pro- 
fessores, no seu trabalho. São marcadamente determinantes 
no processo de profissionalização docente. Podem manifes- 
tar-se como crenças explícitas, metáforas, imagens, etc. Se- 
gundo Porlán, Rivero e Martin del Pozo (1997), são tipos de 
saberes que se compartilham habitualmente entre colegas
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de trabalho, têm um forte poder de socialização e uma rela- 
tiva orientação na conduta profissional. Nem sempre man- 
têm um alto grau de organização interna, pois epistemologi- 
camente pertencem ao campo do conhecimento do senso 
comum, mas, quando são construídos como resultado de 
uma atitude reflexiva dos professores, podem estar susten- 
tados em teorias explícitas que epistemologicamente os fun- 
damentam e superar o senso comum anterior.
Esses saberes, embora separados metodologicamente, 
estão todos presentes na ação do professor, pois o saber, como 
sistema complexo do pensamento do profissional, é o resulta- 
do das suas interações, constitui-se num sistema em constante 
reformulação, reconstrução. Sua formação requer a análise plural 
influenciada pelas demandas da atividade profissional que, se- 
gundo Porlán, Rivero e Pozo (op. cit.), está consolidada pela 
dimensão epistemológica, organizada em torno da dicotomia 
racional-experiencial, e a psicológica, organizada, por sua vez, 
em torno da dicotomia explícito-tácita.
As disciplinas, por seu caráter metodológico e estru- 
tura ordenada, apresentam-se como um modo para se co- 
nhecer partes da realidade, que devem ser integradas nos 
níveis de sistematização do currículo. Os corpos de co- 
nhecimentos disciplinares que tem produzido a comuni- 
dade ao longo da história introduzem, no aprendiz, uma 
determinada forma de organização da experiência indivi- 
dual e coletiva que deve ser integrada no todo, sob uma 
visão complexa do ser e do saber.
3.4.3. A organização dos recursos por ciclos
Segundo Zayas (1992), as disciplinas que atendem à 
correspondência entre os objetivos, conteúdos e o objeto da 
profissão podem ser agrupadas em quatro ciclos que orien- 
tam a formação profissional: ciclo de formação geral, ciclo
básico, ciclo básico específico e ciclo de consolidação do 
exercício da profissão. A divisão por ciclos é da ordem 
metodológica, no sentido de contribuir para orientar a for- 
mação, e o trabalho nos níveis, pois não se procura a prepa- 
ração teórica para uma prática a posteriori. Teoria e prática 
estão unidas durante todo o processo formativo numa rela- 
ção dialética, mas se expressam com diferentes pesos. As- 
sim, a formação básica ou geral não exclui a prática como 
contexto no qual a teoria toma seu significado. Em cada 
ciclo são trabalhados os diferentes recursos (saberes, proce- 
dimentos, atitudes, etc.) que são mobilizados pelo professo- 
rado em sua prática na formação de competências.
3.4.3.1. O ciclo de formação gera! tem por objetivo 
contribuir para a formação integral dos estudantes, sendo 
imprescindível para a realização da atividade profissional. 
Dentro deste ciclo localizam-se as disciplinas de corte fi- 
losófico (como filosofia geral, filosofia das ciências), a 
preparação das atividades de estudo, informática, 
processamento e utilização de informações científicas e 
técnicas para a pesquisa científica, recursos estes a serem 
utilizados durante todo o processo formativo inicial. Nas 
atividades, novas linguagens científicas e tecnológicas são 
componentes importantes das comunicações, das formas 
de fazer ciência, de construir conhecimentos e de novos e 
mutantes enfoques paradigmáticos na pesquisa educacio- 
nal. O professor como profissional precisa das diferentes 
referências da pesquisa, como também trabalhar num co- 
letivo que produza saberes.
Os conteúdos relativos às discussões filosóficas das 
ciências e das diferentes áreas disciplinares, da ética, a crí- 
tica, a moral, as reflexões epistemológicas, etc. constitu- 
em-se em saberes da formação inicial. As pesquisas têm 
demonstrado que a prática dos professores na sala de aula
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orienta-se, também, com base nas crenças que eles têm 
sobre a natureza das ciências e do trabalho científico. 
Duschl e Wrigth (citados em Furió, 1994) argumentam que 
a prática docente tradicional é influenciada não só por li- 
mitações do conhecimento do conteúdo das disciplinas, 
como também pela falta de conhecimentos importantes e 
atualizados sobre a natureza das ciências, das formas de 
produção do conhecimento e visões de mundo que ela pro- 
move. Isso permite também obter uma visão crítica mais 
ampla sobre as implicações do modelo de ciência clássica 
na educação, que podem apresentar-se como verdadeiros 
obstáculos epistemológicos nas mudanças didáticas e no 
trabalho na escola (Moraes, 1997). Os saberes do ciclo de 
formação geral são necessários à formação das competên- 
cias no primeiro nível de sistematicidade do currículo. São 
saberes (ligados aos outros recursos) a serem utilizados 
nos três níveis de sistematização, nos projetos 
interdisciplinares e nas próprias disciplinas. Quando não 
utilizados na construção de novas experiências, narefle- 
xão, na pesquisa e, consequentemente, mobilizados para a 
formação de competências, esses saberes ficam no aban- 
dono, como tradicionalmente acontece na formação inici- 
al, quando eles são apresentados de forma fragmentada e 
para uma aplicação a posteriori, de forma espontânea.
3.4.3.2. O ciclo básico objetiva levar o aluno a domi- 
nar os recursos gerais que resultam na compreensão do ob- 
jeto da profissão. As disciplinas deste ciclo dão o caráter 
geral científico-técnico que tem relações mais significati- 
vas com outras disciplinas, como redes, já que não existe 
uma única forma de se estabelecer relações entre elas. Nes- 
se ciclo situam-se disciplinas vinculadas aos saberes disci- 
plinares e curriculares ligados ao conhecimento pedagógico 
do conteúdo, ou seja, disciplinas que proporcionam os co­
160
nhecimentos gerais sobre os conteúdos que o futuro profes- 
sor deve dominar acerca de disciplinas tais como português, 
ciências, matemática, história, etc. É de significativa impor- 
tância que esses saberes articulem-se aos saberes curriculares 
como fundamentos. Constitui uma contradição o fato de alu- 
nos em formação estudarem um grande número de discipli- 
nas sobre metodologias para o ensino, sem ter um domínio 
dos conteúdos das disciplinas escolares. Essa situação, tão 
comum em nosso sistema de ensino, leva a uma pedagogia 
carente de conteúdos, fazendo-se necessária uma formação 
que possibilite além do domínio dos conteúdos das discipli- 
nas escolares, os processos de “transposição” e “mediação” 
didática, para que se possa obter um trabalho docente com 
base no saber escolar contextualizado e, portanto, mais sig- 
nificativo para o aluno. Como já foi dito, essa formação deve 
estar vinculada à formação de um profissional culto, com- 
petente para lidar com o conhecimento científico, o senso 
comum, o saber popular de seus alunos, num diálogo com a 
cultura universal. Isso possibilitará ao futuro profissional 
ter argumentos teóricos para a seleção, organização e traba- 
lho didático com os conteúdos no contexto escolar, segundo 
as funções da escola na sociedade geral e do conhecimento. 
Essa é uma questão urgente a ser resolvida.
3.4.3.3. O ciclo básico específico tem como objeti- 
vo levar o futuro profissional a dominar os conteúdos mais 
gerais e essenciais do objeto da profissão, os quais, no ge- 
ral, identificam-se com os campos de ação, já que são dis- 
ciplinas vinculadas aos saberes e competências profissio- 
nais, tais como: a didática, a psicologia, a sociologia, a 
teoria da comunicação, entre outras, que conformam o sa- 
ber e o fazer pedagógico e não se separam das disciplinas 
do ciclo básico.
As disciplinas pedagógicas devem evitar um peda-
161
gogismo abstrato, sem vínculo com os conteúdos que cons- 
tituem os saberes curriculares e disciplinares, relativos à 
preparação pedagógica, contrária à formação de compe- 
tências profissionais.
Nesse ciclo, procura-se um aprofundamento das rela- 
ções entre a sala de aula, o contexto escolar e a comunidade, 
que inclui outras formas de influência da educação dos alu- 
nos, futuros profissionais da educação. Significa a compre- 
ensão da educação como um processo além da escola, do 
qual o professor deve estar preparado para participar de for- 
ma produtiva. Constitui um passo a mais na formação de 
competências nos níveis de sistematização curricular.
3.4.3 A. O ciclo de consolidação para o exercício da 
profissão diz respeito aos conteúdos particulares ou pró- 
prios do objeto da profissão e que se manifestam nas dis- 
tintas esferas de atuação (Zayas, 1992).
Nesse ciclo, os futuros profissionais deverão domi- 
nar conteúdos relativos aos procedimentos particulares e 
mais singulares, completando a assimilação dos recursos 
iniciais que compreendem os saberes profissionais, os va- 
lores, as habilidades, os hábitos, etc. da formação inicial, 
integrados às competências, às experiências produtos das 
atividades práticas, enquanto experiências desenvolvidas 
no processo formativo. Ou seja, o aluno dispõe dos recur- 
sos necessários para o agir competente no início do exer- 
cício da profissão. É um ciclo que tem seu início com o 
ingresso na formação inicial e se intensifica ao longo da 
formação. É o momento da avaliação das competências 
para o início do exercício da profissão.
A organização do currículo por ciclos não significa a 
concentração do ciclo básico nos primeiros períodos, aqueles 
do exercício da profissão nos últimos períodos. Isto depende 
da concepção de formação que é definida no currículo.
162
O ciclo do exercício da profissão está presente du- 
rante todos os anos de estudos em que uns ciclos se 
entrecruzam com outros. No final da formação inicial, esse 
ciclo é um período de consolidação da formação profissio- 
nal, pois não se trata de uma preparação teórica inicial para 
a aplicação prática a posteriori. Como se tem defendido, 
teoria e prática são “duas faces de uma mesma moeda”, 
duas categorias dialéticas.
A definição desses ciclos permitirá dimensionar o 
trabalho com as disciplinas específicas (saberes e compe- 
tências disciplinares e curriculares), com as disciplinas das 
Ciências da Educação (saberes e competências profissio- 
nais), com vistas a contribuir no desenvolvimento dos pres- 
supostos iniciais dos saberes e competências profissionais.
A classificação dos conteúdos nas disciplinas docentes 
clássicas, como arranjos pedagógicos, está sendo hoje questio- 
nada como única forma de organização. A prática demonstra 
a sobrevivência de disciplinas tradicionais, tanto nos seus 
conteúdos como nas metodologias, o que reforça a fragmen- 
tação na formação do futuro profissional, uma atitude contrá- 
ria à lógica da própria produção atual do conhecimento como 
redes de conhecimentos (Gallo, 1995; Lévy, 1993). As con- 
dições do trabalho profissional, nos cursos universitários, de- 
vem ser mudadas na direção de incorporar várias disciplinas 
na análise e trabalho de um mesmo problema profissional 
(interdisciplinaridade e multidisciplinaridade), inclusive na 
direção de diminuir as fronteiras das disciplinas tradicionais 
(interdisciplinaridade), para levar enfoques mais integrais e 
produtivos (transdisciplinaridade).
Romper as barreiras estreitas que se levantam entre 
as disciplinas é uma necessidade, quando se pretende cons- 
truções teóricas cada vez mais significativas e globais, que 
dêem conta das relações entre os elementos da realidade 
complexa e em evolução, 0 que configura sistemas em in-
163
teração, nos processos de formação de competências pro- 
fissionais.
Isso pode ser trabalhado a partir da estruturação de 
novas disciplinas, vinculadas a situações-problemas pro- 
fissionais definidas no modelo profissional, cuja solução 
não possa ser dada por uma ou duas disciplinas estruturadas 
nas formas clássicas. Dessa forma, novos problemas pro- 
fissionais exigem novos enfoques disciplinares que pos- 
sam ser trabalhados sob a ótica das competências iniciais 
para o exercício da profissão.
Nos currículos dos cursos de formação de professo- 
res, os conteúdos necessários para a solução das tarefas 
profissionais gerais, complexas, podem ser estruturados 
como uma organização multidisciplinar, com elementos 
dos campos históricos, sociopolíticos, pedagógicos, psi- 
cológicos, antropológicos, biopsicológicos, filosóficos, etc.
Metodologicamente, a estrutura curricular deve ter 
propostas flexíveis de como trabalhar a multidisciplinari- 
dade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. Na 
multidisciplinaridade, os interesses próprios de cada dis- 
ciplina são conservados junto com a autonomia de seus 
objetos de estudo, considerando a interdisciplinaridade, que 
significa uma intercomunicaçao entre as disciplinas e a fi- 
xação de um objeto comum, diante do qual os objetos par- 
ticulares de cada uma surgem como sub-objetos. As rela- 
ções dos conteúdos na interdisciplinaridade se fazem sob 
o crivo da verticalidade. No caso da transdiciplinaridade,um novo objeto se constitui pelo movimento ascendente 
da generalização (Henriquez, 1993).
Essa maneira de formar o futuro profissional para 
trabalhar com situações-problemas complexas, próprias da 
profissão, preparando o futuro profissional para enfrentar 
determinadas relações de trabalho no marco da escola e da 
sociedade, das relações com outros profissionais, exige
1 6 4
condições e restrições que são impostas à instituição onde 
ele desenvolverá as suas atividades profissionais. Essa or- 
ganização curricular, integralizadora, a partir do “modelo 
profissional”, permite romper com a formação tradicional, 
caracterizada por sua fragmentação e pela separação entre 
a teoria e a prática. O currículo visa, ademais, uma forma- 
ção polivalente. permitindo não uma especialização limi- 
tada, mas uma formação geral básica, com uma sólida cul- 
tura, cuja base epistemológica esteja orientada por princí- 
pios construtivos, vendo, no professor, o elemento dina- 
mizador da sua própria ação e desenvolvimento profissio- 
nal (Ramalho,1993).
A idéia dos ciclos disciplinares por níveis de siste- 
matização do currículo pode ser apresentada na figura 16.
Figura 16 - A relação dos ciclos nos 
níveis de sistematização
165
3.4.4. Os componentes das disciplinas: 
acadêmico, trabalhista e de pesquisa
Quando pensamos nas disciplinas na proposta curri- 
cular, orientada a contribuir para a profissionalização do- 
cente desde a formação inicial, consideramos importante 
salientar três componentes disciplinares: o acadêmico, o 
trabalhista e o de pesquisa. Esses componentes devem es- 
tar presentes em todas as disciplinas e tomar dimensões 
diferentes segundo os níveis de sistematicidade curricular 
como um todo. Embora separados neste trabalho para fins 
de análise, constituem um sistema, mas na prática não de- 
vem ser separados para se trabalhar.
3.4.4.1. O componente acadêmico desenvolve os sa- 
beres e habilidades que são básicos para apropriar-se do 
modo de atuação da profissão para um nível dado de forma- 
ção de competências. Essa forma surge diretamente do 
exercício da aprendizagem institucionalizada no ensino su- 
perior, ao longo dos anos. Supõe, como parle do processo de 
aprendizagem, a presença do professor como mediador e 
caracteriza, como forma típica, a aprendizagem em qual- 
quer tipo de currículo.
Esse componente nas disciplinas não implica, ne- 
cessariamente, conhecimentos teóricos, saberes separa- 
dos do objeto de estudo da profissão. Devem procurar-se 
conhecimentos significativos, vinculados á base de co- 
nhecimento da profissão ou núcleo da formação, e, por- 
tanto, uma relação de teorias formalizadas na ação pro- 
fissional, que segundo Porlán, Rivero e Martin del Pozo 
(1997) sejam herdeiras do conceito de práxis. Com essa 
idéia se pretende uma ação profissional fundamentada, 
com potencialidades de reflexão crítica baseada na pes- 
quisa para a inovação como alternativa metodológica a 
favorecer os processos cognitivos.
A formação acadêmica do futuro profissional deve 
ser superior ao nível dos saberes curriculares do exercício
166
da profissão. Isto implica que os saberes disciplinares de- 
vem ultrapassar os saberes curriculares, questão esta deci- 
siva na garantia da formação inicial, cuja finalidade é a de 
preparar os professores para adquirir saberes como docen- 
tes críticos, que refletem e ficam atentos ao que ocorre 
com sua própria prática e com o desenvolvimento da pes- 
quisa nos campos disciplinares. O processo inicial deve 
não só considerar os conteúdos, sua profundidade, como 
também o processo de construção-reconstrução desses sa- 
beres pelos professores, ou seja, a forma de apropriação 
dos saberes, o que terá uma influência significativa no modo 
de se trabalhar os saberes curriculares.
Essa perspectiva leva a introduzir metodologias ino- 
vadoras (estudos de casos, projetos, pesquisas, simulações, 
trabalhos de campos, etc.) no processo formativo que per- 
mite garantir variadas referências metodológicas cruciais 
para o início do trabalho profissional, ou seja, nas discipli- 
nas se consolidam os saberes disciplinares, saberes 
curriculares, os conhecimentos pedagógicos dos conteú- 
dos ligados á formação das competências do modelo pro- 
fissional. Essa etapa inicial não desresponsabiliza os ou- 
tros níveis de sistematização do currículo de trabalharem 
esses saberes como parte da base de conhecimentos da pro- 
fissão docente, na dialética da relação teoria-prática.
3.4.4.2. O componente trabalhista: Se considerar- 
mos que cada atividade prática do ser humano orienta-se, 
de certa forma, com base numa teoria explícita ou implíci- 
ta, compreenderemos a falsa dicotomia teoria-prática. Se 
toda atividade humana orienta-se numa teoria e toda práti- 
ca possibilita a construção de teorias, é tarefa do processo 
de formação inicial revelar as teorias que orientam a ação 
pedagógica do professor, para refletir sobre elas na posi- 
ção de pesquisador da prática para construir diversos sa- 
beres e competências e avançar na construção da 
profissionalização. Essa idéia leva a definir, como princí- 
pio formativo, a não-separação da teoria da prática e vice-
167
versa. Toda discussão teórica de construção de uma teoria 
visa a compreensão da realidade, a reformulação da ativi- 
dade humana, e no caso do professor, a atividade dele como 
educador desde uma posição reflexiva e crítica.
A inserção no contexto real da profissão como compo- 
nente da estrutura curricular, parte do pressuposto de que os 
professores aprendem e formam suas competências em esco- 
las reais. As escolas reais passam a ser espaços educativos da 
formação ligados aos outros componentes curriculares, e dei- 
xam de ser lugares de aplicação de "teorias abstratas, descon- 
textualizadas”, aprendidas nas salas de aula, quando se reduz 
a formação ao componente acadêmico.
Segundo Kosik (1976, p.202), a práxis nasce "como 
resposta filosófica a um problema filosófico: quem é o ho- 
mem, o que é a sociedade humana-social, e como é criada 
esta sociedade". Práxis para ele: ...é a esfera do ser humano 
...é a revelação do segredo do homem como ser ontocriativo, 
como ser que cria a realidade (humano-social) e que, por- 
tanto, compreende a realidade (humana e não humana, a 
realidade na sua totalidade). A práxis do homem não é a 
atividade prática contraposta à teoria; é a determinação da 
existência humana como elaboração da realidade... é ativi- 
dade que se produz historicamente, quer dizer, que se reno- 
va continuamente e se constitui praticamente a unidade do 
homem e do mundo, da matéria e do espírito, de sujeito e 
objeto, do produto e da produtividade.
Toda teoria é carregada de uma determinada prática, 
e vice-versa. Entre elas se dá uma relação dialética. Quan- 
do definimos os objetivos, as competências, as habilida- 
des, as situações-problemas, os procedimentos, as atitu- 
des que levam a uma procura de solução pelo sujeito da 
atividade, podemos desmistificar a compreensão fragmen- 
tada do objeto de estudo, entre teoria e prática.
A prática profissional enquanto prática transforma- 
dora emerge na atividade formativa vinculada ao objeto 
da profissão e é importante esse espaço na estrutura curri- 
cular como espaço próprio da construção de sabores e a
168
formação de competências em todas as disciplinas e áreas 
disciplinares do currículo.
No componente de caráter trabalhista, organizam-se 
as competências próprias da atividade da futura profissão 
que manifestam sua lógica de pensar e atuar e se apoia, fun- 
damentalmente. no princípio de combinação da teoria com 
a prática real. Esse componente do processo surge como 
modclação direta da atividade profissional em suas expres- 
sões concretas mais gerais. O futuro profissional deve ser 
colocado em condições reais para poder desenvolver ativi- 
dades diretamente vinculadas á prática profissional, para 
assimilar conteúdos na própria prática. Através desse com- 
ponente, a agência formadora pode contribuirpara elevar a 
profissionalização inicial, pois se aprende em estreita vin- 
culação com o objeto de trabalho, podendo construir, com 
sistematicidade, saberes da experiência, e dar significados 
aos diferentes sabores adquiridos nas disciplinas, à medida 
que são estudadas. Supõe aprender a mobilizar os diferen- 
tes recursos cognitivos e afetivos, de forma consciente, para 
resolver e trabalhar situações-problemas da prática real, ques- 
tão chave na formação de competências.
As atividades de caráter trabalhista identificam-se, 
freqüentemente, com as atividades práticas de formação 
nas quais participam não só os professores, como também 
outros profissionais das áreas de conhecimento, em um 
trabalho coletivo, de discussões, de reflexão, pesquisa e 
crítica. São o elo da agência formadora com a realidade do 
contexto, com a escola, com a comunidade. Tal espaço é 
considerado como um modo de se construírem as repre- 
sentações de importância na formação inicial para o exer- 
cício da profissão. Essa forma do processo de aprendiza- 
gem requer novas estruturas de organização.
Tradicionalmente, o estágio (ou prática pré-profissio- 
nal) é realizado como uma prática terminal. Uma nova pro- 
posta curricular leva a outra relação com a prática sistemati- 
zada, em três níveis, com seus objetivos gerais e específicos, 
que de forma gradual, aumentam a complexidade da prática
169
que enfrenta o aluno, para o trabalho com tarefas diversas, 
próprias de sua profissão, possibilitando a construção de com- 
petências profissionais, articuladas e fundamentadas com os 
outros saberes e outras experiências nos contextos escolares.
Nessa concepção, considera-se o estágio (ou prática 
profissional) não como um processo terminal de 
familiarização com o objeto da profissão, mas como um 
processo contínuo, gradativo, ascendente em todos os ní- 
veis de formação inicial do profissional que contribui para a 
formação das competências. Desde os primeiros anos, o alu- 
no estará em contato com o objeto de sua profissão, traba- 
lhando os problemas de complexidades diversas, de forma 
criativa, desenvolvendo na própria prática saberes, poder de 
autocrítica, pesquisa, reflexão, na intenção de corrigir sua 
prática, e como parte do processo de construção desses sa- 
beres que não são teóricos, nem meramente acadêmicos.
Por tal motivo, a prática de ensino deve ser uma ati- 
vidade presente durante todo o processo formativo, com 
momentos de maior ou menor carga horária, em função 
dos objetivos de cada um dos níveis de sistematicidade do 
currículo. Procura-se não só uma mudança quantitativa 
(carga horária), como também, e essencialmente, mudan- 
ças qualitativas nessa atividade da formação.
Através das diferentes etapas ou níveis da prática 
profissionalizante, como um princípio educativo, o aluno 
poderá ir desenvolvendo autonomia de ação, auto-organi- 
zação, responsabilidade, liberdade de análises, em interação 
com outros profissionais experientes na construção de um 
saber com uma base comum, ainda que diversificada du- 
rante o processo de formação inicial. O processo se orien- 
tará também à formação das "metacompetências" como 
componente da construção da autonomia profissional.
Nesse sentido, a formação prática não é uma vaga 
familiarização com o meio escolar, nem uma preparação 
“prático-pedagógica” de gestos profissionais menos dig- 
nos de serem analisados pelas disciplinas acadêmicas. A 
prática é a pedra de toque das competências, o lugar da sua
170
integração, de sua formação e da sua avaliação formativa 
(Perrenoud, 1996).
Os programas formativos deveriam repensar a tradi- 
cional disciplina “prática de ensino”, uma vez que a con- 
cepção de uma disciplina para a prática implica a existên- 
cia de disciplinas para teorizar. A própria concepção dessa 
disciplina dicotomiza teoria e prática, sendo difícil unir 
algo que foi concebido separado. Defende-se, portanto, uma 
formação prática sistematizada. Cada disciplina, cada ní- 
vel, deve definir suas estratégias de vínculo com o objeto 
de estudo, sua participação em projetos que possibilitem 
vivenciar experiências reais, nas condições dos contextos. 
Nessa perspectiva, a teoria deixa de ser normativa de uma 
realidade fictícia para ser recurso de construção/reflexão/ 
investigação/reconstrução crítica da prática.
Simon Veenman in: Garcia (1998) tem popularizado o 
conceito de “choque com a realidade”, em referência à situa- 
ção pela qual passam muitos professores no início de sua ati- 
vidade profissional. Os programas de formação inicial de- 
vem procurar estratégias para reduzir ou reconduzir o “cho- 
que com a realidade”. Na estrutura curricular aqui discutida, 
uma vez que a formação, desde o início, se vincula ao objeto 
de estudo da profissão, à formação de competências, a mag- 
nitude desse “choque com a realidade” pode ser diminuída de 
forma significativa, na medida em que a formação se vincule 
com a realidade. Assim, algumas estratégias metodológicas 
orientadas à formação de competências para o início do exer- 
cício da profissão são estratégias que contribuem para a dimi- 
nuição do “choque com a realidade”.
3.4.4.3. O componente pesquisa: Nessa perspectiva, 
convém ressaltar que a pesquisa educativa é aqui entendi- 
da como ferramenta e atitude profissional, sendo, portan- 
to, “uma indagação sistemática, planejada e autocrítica, que 
se encontra submetida à crítica pública e às comprovações 
empíricas onde estas resultem adequadas relacionando-a 
com a prática da educação. A investigação educativa é
171
aquela pesquisa realizada dentro do projeto pedagógico 
com vistas a dar maior pertinência, responsabilidade, au- 
tonomia, poder de decisão e conhecimento/informação ao 
processo educativo” (Stenhouse, 1984). Como foi discuti- 
do no capítulo I, a pesquisa para nós está ligada à reflexão 
e à crítica, face a situações-problemas do agir competente, 
com métodos, estratégias e referências no projeto de de- 
senvolvimento profissional.
O trabalho em todas as disciplinas da formação deve 
promover uma preparação para a reflexão explícita, como 
forma de questionar as práticas pedagógicas, para um 
posicionamento crítico e criativo. Nessa perspectiva, a 
pesquisa como atitude científica, produção de saberes e 
desenvolvimento das competências é uma atividade per- 
manente incorporada na formação do futuro profissional, 
nos diferentes níveis de sistematicidade que se interligam 
ao componente trabalhista. Na prática, as competências se 
constróem como atividade de indagação, procura, refle- 
xão, atitude metacognitiva, características da aprendiza- 
gem humana.
Nessa perspectiva, consideramos o conhecimento 
sobre a pesquisa como estratégia didático pedagógica, ou 
seja, um potente recurso formativo a ser acionado perma- 
nentemente na base formativa inicial e continuada dos pro- 
fessores em formação. Essa preparação não deve ser en- 
tendida como outro componente, mas como uma atitude 
profissional no contexto das diferentes disciplinas. A pes- 
quisa é uma exigência própria do trabalho do professor, 
orientada para possibilitar a reflexão e reconstrução de sua 
ação pedagógica. Nessa lógica, “uma nova imagem do 
papel do professor está emergindo. Além de possuir um 
conhecimento específico da disciplina e um conhecimen- 
to da didática, os professores devem dispor de tempo para 
debater idéias com seus colegas, participar no desenvolvi- 
mento profissional sobre o ensino e aprendizagem” (Furió, 
1994, p. 167).
Com base nessa referência organizam-se atividades
172
para que os futuros profissionais se apropriem das técni- 
cas e métodos próprios da atividade científico-investigativa, 
como recursos para a construção de saberes na prática, 
baseados em concepções teóricas, que é um dos modos 
fundamentais da atuação do futuro profissional. Esta abor- 
dagem formativa tem sua origem no impacto da revolução 
científica e técnica, que elevou a ciência a um método fun- 
damental, a um instrumento de direção da dinâmicasocial 
e como uma força produtiva. A aprendizagem como pes- 
quisa se converte em parte do processo formativo, de for- 
ma gradativa, permitindo o vínculo entre saber e mudar, 
criar, transformar, em ir da teoria à prática.
A investigação sobre o aperfeiçoamento da prática e 
sobre novas construções teóricas é uma atitude necessária 
de qualquer profissional para sua atividade, não só como 
um processo cognitivo na construção de saberes, como tam- 
bém da reflexão da prática profissional, para uma recons- 
trução das competências, saberes, habilidades, que levam 
a uma visão crítica da prática e da sua resignificação e 
construção.
O currículo deve modelar as atividades científicas 
que o aluno deve assimilar, vinculando o processo de apren- 
dizagem à própria dinâmica da investigação científica. 
Portanto devem estar definidos momentos no currículo, 
através dos níveis e das disciplinas, para a realização de 
projetos e trabalhos sistematizados de pesquisas, como uma 
das condições necessárias (Carr e Kemmis, 1998).
Kyly, Linn, Bitner, Mitcherner e Perry (citados em 
Furió, 1994) definem que o papel da pesquisa na formação 
do professor corresponde às seguintes questões:
- a pesquisa deveria ser uma instituição de colabo- 
ração entre professores;
- todos os professores deveriam ser pesquisadores 
na ação;
- a pesquisa deve estar na sala de aula;
- deveria constituir-se uma associação de professo- 
res-pesquisadores;
173
- as pesquisas deveriam informar também as ques- 
tões políticas;
- implementar a leitura, estudo e discussão sistemá- 
tica de publicações científicas sobre os problemas de prá- 
tica educativa;
 - divulgar resultados de trabalhos de sistematização,
experiências e pesquisas.
A atitude de pesquisa como forma de reconstruir/ 
construir as competências profissionais se constitui num 
princípio educativo, orientado para desenvolver a capa- 
cidade de questionar, de atualizar a prática, de teorizá-la, 
de negociar, de tomar decisões, como resultado de refle- 
xões fundamentadas e como estratégia para a inovação 
curricular que leva ao desenvolvimento profissional. O 
professor deve encarar a sala de aula, a escola, como um 
“espaço de pesquisa” orientado ao aperfeiçoamento da 
educação. É necessário destacar, como foi discutido no 
capítulo 1 deste livro, que falamos da pesquisa como uma 
atitude profissional do professor, como um recurso 
metodológico para a reflexão crítica/ reconstrução de sua 
prática. Não falamos apenas do “professor/pesquisador”, 
produtor do saber acadêmico institucionalizado, ou da 
pesquisa que leve a um “cientificismo” desconhecedor 
das outras formas de conhecimentos que integram as ba- 
ses de conhecimentos da profissão.
Nos diferentes períodos do currículo, predominam 
uma ou outra forma de organização, embora todas este- 
jam presentes durante toda a formação. Nos primeiros 
períodos predominam as formas acadêmicas, estando ne- 
cessariamente presentes as outras. Nos outros períodos o 
processo formativo deve estruturar-se a partir da forma 
trabalhista e da pesquisa (que implica a reflexão e pes- 
quisa de práticas como experiências formativas). No fun- 
damental, essas são vias que podem possibilitar uma pre- 
paração mais efetiva da futura profissão, dentro dos pro- 
jetos individuais e coletivos que os alunos devem apren- 
der a construir, para participar, com sucesso, dos proje-
174
tos pedagógicos coletivos das escolas e da comunidade. 
Esses projetos vão sendo renovados na própria prática, 
como parte das transformações que no contexto sócio- 
histórico vai sofrendo a própria profissão. Essa idéia é 
representada na figura 17:
Figura 17 Os componentes curriculares das 
disciplinas nos níveis de sistematização da formação
3.5. Conclusões
As questões discutidas neste trabalho pretendem co- 
locar algumas idéias que possibilitem nortear a formação 
inicial do professor, tomando como eixo central os concei- 
tos de profissão docente e profissionalização, como res- 
posta da existência de uma crise paradigmática de análises
das questões educacionais e da organização curricular na 
formação de professores.
Estas idéias podem representar uma referência con- 
creta, ainda que aberta, flexível, de como estruturar um 
currículo para formar professores, numa visão integrada, 
articulada. Idéias que ajudem a corrigir a preparação de 
professores do ensino básico desde a fonte, para poder al- 
cançar impactos preventivos, através de um projeto peda- 
gógico construído de forma participativa.
O problema das transformações na formação inicial 
do profissional da educação não termina só na mudança 
da concepção através de um currículo inovador ou não, 
orientado a construir uma identidade profissional, mas é, 
sobretudo, uma mudança radical na forma de como for- 
mar tal profissional, para garantir um elevado nível na for- 
mação, preparando-o com competência para o início do 
exercício da profissão. Tal formação engloba a formação 
integral do futuro profissional como pessoa, em um con- 
texto sócio-histórico.
Uma proposta curricular para a formação inicial dos 
professores, derivada das idéias discutidas neste texto, deve 
ser realista, mesmo com certo grau de utopia, debatendo- 
se entre as certezas e as incertezas de quaisquer processos 
formativos. Diante disso, algumas convicções são postas: 
não é possível continuar formando um professor 
para uma realidade diferente daquela que ele terá que en- 
frentar; por isso, a questão da prática, no contexto da reali- 
dade escolar do exercício da profissão, torna-se um im- 
portante princípio formativo;
- torna-se um desafio ter flexibilidade e agilidade, 
necessárias para poder incorporar os diferentes avanços 
das ciências, da tecnologia, permitindo uma constante atua- 
lização dos saberes, baseado na auto avaliação.
Os argumentos sobre as agências formadoras, nos
1 7 6
quais se postula que elas devem reformular-se, a ponto de 
constituírem-se em exemplos de processos educativos para 
a comunidade, só fazem sentido se estiverem ligados às 
condições reais em que devem ser criados, empenhados 
na valorização do professor como um profissional, e isso 
exige investimentos de recursos, de políticas educacionais 
que ultrapassem os habituais discursos pretensamente ino- 
vadores e voltar-se para contribuir e garantir o sucesso fren- 
te aos desafios que se impõem na formação de professores 
no século XXI.
177
178
4. O risco de mudar para não mudar: 
do idealismo à realidade
4.1 . Introdução
Neste último capítulo procuramos reafirmar nosso 
posicionamento conclusivo, mas não “fechado” à temáti- 
ca da formação docente sob a perspectiva da profissionali- 
zação e os desafios a serem enfrentados. Como procura- 
mos deixar claro no texto, não temos pretensão de dar res- 
postas a todas as questões que o tema provoca. Procura- 
mos discutir as implicações e as consequências que a for- 
mação docente assume em razão das exigências que são 
postas na preparação de um profissional para o ensino, for- 
mação esta fortemente comprometida com a formação das 
competências, como foi tratada ao envolver as atitudes de 
pesquisa, a reflexão, a crítica no modelo formativo pro- 
posto no capítulo l do presente livro. Apesar de já termos 
falado de muitos aspectos que aqui serão mencionados, é 
importante retomarmos os temas estudados na perspectiva 
de bem situar as consequências e desafios frente a um novo 
ideal de formação docente.
O problema da profissionalização da docência como 
projeto formativo só pode acontecer como parte de mu- 
danças em diferentes instâncias, assim como, a forma de 
pensar e trabalhar na escola, nas agências formadoras de 
professores, nas políticas educacionais e na sociedade como 
um todo. Ignorar as dimensões e complexidades de dife-
179
rentes fatores que obstaculizam a profissionalização nos 
pode levar a idealizar o fato de que o problema da educa- 
ção se resolve com a profissionalização dos docentes e con- 
sequentemente compartilhar “semconsciência” ideologi- 
as que mascaram crises mais profundas que a “não profis- 
sionalização da docência”.
As diferentes pesquisas que nosso Grupo de Forma- 
ção e Profissionalização Docente tem realizado durante 
nove anos nos possibilitam discutir fatores endógenos e 
exógenos que obstaculizam o ideal de um projeto formativo 
baseado na profissionalização da docência. Nesse contex- 
to, nos capítulos 1, 2, e 3 discutimos o desejável. O capítu- 
lo 4 nos possibilitará pensar no possível, no provável e nos 
desafios.
Os capítulos anteriores, enquanto teorizações, pos- 
sibilitam uma definição a respeito do que é e possa ser a 
formação profissional docente. Não obstante, é necessário 
reconhecer que a teorização, como modelo, se bem que 
orienta a prática e nos possibilita pensar em determinados 
erros (embora possa levar a outros), antecipa nossos pro- 
pósitos com fundamentos, enquanto, como modelo teóri- 
co, não tenha uma relação linear com a prática. Na prática 
se recriam, se reconstróem os modelos teóricos da forma- 
ção para uma nova configuração que responde a cada con- 
texto, modelos estes que sofrem influências dos fatores 
externos e internos as instituições formadoras.
Por outro lado, pensar a prática nas perspectivas teó- 
ricas “dos novos modelos” supõe criar as condições obje- 
tivas e subjetivas necessárias para estabelecer a perspecti- 
va formativa que se tem discutido nos capítulos anterio- 
res. Reconhecidamente os modelos teóricos trazem consi- 
go dificuldades e desafios para a prática. Portanto, a não 
consideração da dialética da dinâmica entre o que pensa- 
mos e as condições da prática nos pode levar ao caminho
180
do “pensar mudar para não mudar”, ou “mudar para dei- 
xar tudo como está".
Uma grande dose de idealismo e utopia é necessária. 
Mas, na busca da medida a ser utilizada para que se possa 
transformar a prática sem a violência que possa obstaculizar 
o processo (podendo essa constituir-se em referências), cer- 
tamente podemos situar o movimento da profissionalização 
dos professores e das instituições formadoras como uma das 
condições que possa ajudar a se desenvolverem as oportu- 
nidades que as sociedades devem oferecer às escolas e seus 
atores para mudar e para elas mesmas mudarem no contex- 
to das novas exigências educacionais.
Sabemos que em cada contexto o desafio que as 
mudanças exigem é enorme e fortemente influenciado pelo 
tipo de sociedade, de política educacional (macro ou mi- 
cro), condições de trabalho, de vida, perfil da categoria 
docente, seu avanço profissional, etc. Para nós, o desafio 
parece ainda maior, seja pelo acima colocado, seja pelo 
“peso” que a tradição educativa-formativa-escolar e as 
condições de trabalho exercem em nosso sistema de ensi- 
no, com fortes traços desprofissionalizantes. Se por um 
lado, as atuais políticas do país adotam um referencial ino- 
vador, e aí basta ler os documentos oficiais para verificar 
que nosso discurso foi tão bem incorporado neles, por ou- 
tro lado, nos inquieta quando o plano do discurso e das 
intenções oficiais não estão atrelados às necessárias con- 
dições para que a inovação se instale e triunfe. No atual 
momento temos uma “espécie” de concordância entre as 
intenções oficiais e as dos teóricos e pesquisadores da área. 
No entanto, o risco iminente é de, mais uma vez, respon- 
sabilizar a categoria base do sistema, isto é, os professores 
e professoras, como responsáveis pela manutenção do sis- 
tema, porque “seríamos os tipos mais resistentes às mu- 
danças”, ou cair na “armadilha” de certificar formações
181
sem o nível de profissionalização que adotamos para a for- 
mação inicial universitária.
É claro que a profissionalização na docência é um 
processo complexo e a longo prazo. Nenhuma reforma da 
política educacional poderia resolver essa problemática por 
um “toque de mágica”. Faz-se necessário criar as condi- 
ções a níveis macro e microestrutural, como política e ação 
envolvendo os diferentes atores (professores, diretores, 
pesquisadores, alunos, família, políticos, etc.). Como pro- 
jeto, a profissionalização da docência tem que ser deseja- 
da pelos professores(as) e pelos demais atores nele impli- 
cados para tomar consciência dos processos que podem 
contribuir nessa meta.
Neste capítulo se fazem algumas reflexões relativas 
ás exigências que a profissionalização da docência impõe 
como condições necessárias ás diferentes instâncias e ato- 
res da formação docente.
4.2. A formação de um docente profissional: exigências e desafios
A função profissional do professor supõe, como uma 
condição necessária, uma nova visão do processo como 
um todo, ligada aos princípios que norteiam as teorizações 
dos três primeiros capítulos do livro. São três os níveis de 
reformulação das concepções formativas dentre os quais 
acontecem relações recíprocas, conforme representamos 
na figura 18.
Figura 18 — Níveis de reformulação para 
a profissionalização da docência
As condições para se profissionalizar a docência no 
Brasil se inserem no contexto da ideologia neoliberal que 
incentiva a competitividade e a visão de mercado como 
regulador social. Assim, o processo de profissionalização 
da docência não pode deixar de lado o caráter social e po- 
lítico do tipo de serviço que presta a escola na formação da 
cidadania, da democracia. Por outro lado, essas ideologias 
reforçam novas funções do Estado com a perda de outras, 
em especial o financiamento dos grandes serviços públi- 
cos com a educação.
A profissionalização se dá sob a diminuição de re- 
cursos financeiros para as escolas e as instâncias formado- 
ras dos professores e outras condições estruturais adversas 
a esse processo, embora haja uma política governamental 
procurando valorizar o trabalho docente (ações compen- 
satórias advindas de programas de limitado alcance quali- 
tativo, como o FUNDEF, por exemplo, mas com forte al- 
cance político).
O baixo salário, na opinião de Shiefelbein et al. 
(1994) se constitui em outro fator que completa um círcu- 
lo vicioso, necessário de se romper. Os baixos salários es- 
timulam o duplo emprego, baixam a qualidade do ensino e 
o prestígio social da atividade. Essa situação dificulta o 
recrutamento de um maior número de jovens com alta ca-
183
pacidade para o exercício da docência, sobretudo no ensi- 
no fundamental. Criado esse círculo, aumentam as dificul- 
dades a serem enfrentadas, pois o aumento de salários não 
é um incremento da qualidade do ensino. A solução do 
problema é mais complexa e precisa ser tratada segundo 
novas políticas de valorização da docência.
No processo de formação do docente profissional as 
agências formadoras são chamadas a assumir uma “cultura 
profissional”, desenvolvendo uma prática institucional que 
responda às exigências desse tipo de formação e por sua vez 
atue sobre essas exigências segundo suas possibilidades, no 
intuito de aproximar as reformas às realidades da formação. 
Certamente que a profissionalização do professor não se li- 
mita às habituais reformulações curriculares, geralmente 
postas em ação sem a participação dos professores.
A prática da docência que assume uma atitude pro- 
fissional não pode incorporar, de forma acrílica, o conjun- 
to de exigências que tanto o objeto da profissão quanto a 
sociedade e o Estado geram para que o processo da profis- 
sionalização se transforme e passe da intenção á realidade. 
Portanto, a agência formadora está chamada a assumir sua 
condição de agente ativo nos processos de construção da 
identidade profissional da docência.
O profissionalismo deve fortalecer a identidade pro- 
fissional desde uma dimensão ética. A educação dos alu- 
nos não é um problema técnico e sim um problema ético, 
de compromisso profissional sustentado no valor social 
da eqüidade. Um “código de ética” será um fator de regu- 
lamentação e conscientização dos docentes, baseado numa 
referência necessária, construída pelos próprios docentes. 
No caminho dessa construção, a docência enquantopro- 
fissão está ligada ao serviço público e consequentemente 
tem um caráter democrático, baseado nos compromissos 
com os fins da escola e seus projetos educativos. Essa vi-
1 8 4
são afasta a docência do modelo das profissões liberais e 
das profissões burocráticas.
- O que significa, para a agência formadora, formar 
um profissional segundo a perspectiva da profissionalização?
São várias as exigências a serem postas às agências 
formadoras, no que concerne à formação de um profissio- 
nal, como passaremos a situar:
-A profissionalização da docência não constitui um 
“estado" pré-estabelccido ao qual os professores devem 
chegar sob indicação/obrigações legais, e sim um proces- 
so de construção, de apropriação progressiva dos próprios 
docentes inseridos nos projetos individuais e coletivos nos 
contextos específicos. As pesquisas sobre a docência e sua 
profissionalização são fontes de referência para os docen- 
tes construírem a sua identidade profissional, e não refe- 
rências dadas como metas para se chegar a uma “profissio- 
nalização teórica" produzida nos meios acadêmicos. A pro- 
fissionalização implica reconhecer a história dos docentes 
nos seus contextos, suas peculiaridades nos processos de- 
mocráticos. Essa situação sempre será violentada quando 
nos afastarmos da busca da nossa identidade para continu- 
armos a pensar de forma acrílica, a partir de referências si- 
tuadas em outros contextos e, portanto, marcadas por dife- 
renças substanciais com a nossa realidade.
- A profissionalização construída “de fora" pode le- 
var a se pensar num “docente profissional epistêmico", abs- 
trato, sem diferenças qualitativas, mas comparável 
quantitativamente. Estaríamos falando de um “docente su- 
postamente profissional" que se adapta às exigências que 
lhe são impostas e tenha limitada participação na constru-
185
ção da sua própria identidade, excluindo-se de assumir a 
tarefa de inovar constantemente junto ao seu coletivo.
-A profissionalização necessita reunir pesquisa-for- 
mação-profissão, sendo, portanto, a comunhão desses três 
elementos fundamentais. Em particular, as pesquisas que 
visam ao trabalho do docente na sala de aula, voltadas a 
levar o docente a dominar a análise de sua prática, por 
exemplo, constituam uma das premissas básicas para pro- 
fissionalizar, pois possibilitam eclodir a construção de sa- 
beres, de competências construídas e adquiridas no con- 
texto da prática. Nesse sentido, a formação constitui um 
espaço para trabalhar as situações-problemas a partir de 
reflexões teóricas e críticas que levem o docente a formu- 
lar hipóteses, constatar essas hipóteses em seu trabalho, 
num tempo e espaço real, permite também validar, no gru- 
po, os resultados das ações inovadoras surgidas e desen- 
volvidas enquanto alternativas no trabalho do ensino.
Essas ações caracterizam uma atitude do pesquisador 
frente à pesquisa ligada à reflexão e à crítica sobre seu agir e 
sua ação docente como condições da profissionalização. A 
pesquisa ligada à reflexão e à crítica, como elementos da 
inovação educativa e do desenvolvimento profissional, exi- 
ge que se pense como vem sendo organizado o espaço e o 
tempo da formação. As instituições formadoras são levadas 
a assumir a formação dessas atitudes como elementos trans- 
versais do currículo, desde todas as disciplinas. A transmis- 
são de informações deve ceder lugar para oportunidades sis- 
temáticas de se mobilizar os diferentes recursos teóricos, 
epistemológicos, metodológicos, didáticos, novos saberes, 
valores, atitudes, no marco do projeto formativo.
-A profissionalização do ensino implica também no 
reconhecimento da dimensão interativa do trabalho docen-
1 8 6
te. Não podemos mais continuar a “trabalhar” as discipli- 
nas sem levar em conta o público e as necessidades que os 
estudantes em formação irão enfrentar. Portanto, tanto a 
formação como o saber profissional só adquirem no senti- 
do profissional se forem contextualizados. Nessa perspec- 
tiva, as situações-problemas emergem da prática e das pró- 
prias limitações das teorias das disciplinas científicas. Os 
saberes produzidos são contextualizados embora possuam 
diferentes níveis de transferencia a novos contextos.
- A profissionalização do ensino desenvolve um vín- 
culo frente ao programa formativo e não uma mera aproxi- 
mação das disciplinas fragmentadas. Construir um progra- 
ma de formação, na perspectiva aqui posta, não admite co- 
locar junto disciplinas fragmentadas. Necessita, portanto, 
de um trabalho conjunto entre os atores, á luz de um proje- 
to, na perspectiva de um sistema complexo que se desen- 
volve num contexto dado. Muitas vezes a tradição pedagó- 
gica universitária junta disciplinas que não têm, necessaria- 
mente, relação entre elas e a própria vivência, expectativas, 
necessidades das pessoas que queremos formar, o que re- 
presenta um afastamento do objeto da profissão. Uma das 
condições para que haja essa relação é o trabalho coletivo, 
que, na tradição dos cursos de formação, não é fácil, consi- 
derando que, historicamente, os professores trabalham de 
forma isolada.
- A antiga profissionalidade se baseava e ainda se 
baseia na relação com o saber acadêmico. A nova 
profissionalidade se apoia mais numa relação do saber pro- 
fissional, um saber que nos leva ao trabalho coletivo da cons- 
trução do projeto curricular, o que constitui um trabalho 
complexo, uma vez que se trata de um novo tipo de autono- 
mia profissional, a ser adquirida, e que se desenvolve na
187
interação entre os membros do grupo profissional da agên- 
cia formadora. Isto significa também que o número de dis- 
ciplinas e seus conteúdos devem guardar uma relação com 
os programas dos currículos que são ensinados nas escolas.
- Os chamados saberes curriculares e disciplinares 
trazem novas exigências. O conteúdo disciplinar ofereci- 
do deve ser repensado a partir de critérios de profundida- 
de, extensão e pertinência em relação ao que será ensinado 
dentro dos programas escolares (saber curricular). Outro 
elemento a considerar na perspectiva de formar um docen- 
te volta-se aos saberes disciplinares. Estes devem estar re- 
lacionados com a história das disciplinas, com a sua 
epistemologia e a sua colocação em relação às disciplinas 
vizinhas e ao conhecimento pedagógico do conteúdo, sob 
a perspectiva das diferentes formas de estabelecer relações 
disciplinares. As disciplinas pedagógicas, por sua vez, de- 
vem também ter como conteúdo aqueles relativos aos sa- 
beres curriculares da escola do ensino fundamental.
Dar uma atenção especial à história da disciplina tor- 
na-se uma importante alternativa para estabelecermos rela- 
ção com o público, com os alunos, que precisam ser infor- 
mados e situados em relação a determinadas questões tipo: 
por que o conteúdo disciplinar a ser estudado é esse hoje? 
Como esse conteúdo era tratado antes? Como se transfor- 
mou? Essas e outras questões são importantes para estabe- 
lecermos ligações com os alunos, procurando aproximá-los 
do sentido que os conteúdos curriculares possam lhes ofere- 
cer no desenvolvimento de suas competências.
Por exemplo, no século XVII, o pedagogo Comenius 
elaborou sua Didáctica Magna que apresenta um subtítu- 
lo que diz: “tratado de ensinar tudo a todos”. Analisando 
do ponto de vista do atual momento, esse aspecto de “en- 
sinar tudo a todos” deve ser bem compreendido. Hoje a
diversidade se apresenta como uma necessidade a ser tra- 
balhada na formação e a questão da seleção dos conteúdos 
do ensino fundamental se apresenta como um desafio à 
escola. Portanto, é decisivo o peso que a formação inicial 
deve ter nessa dinâmica formativa e profissionalizante, uma 
vez que essa é uma problemática sempre presente nos pro- 
jetos educativos nos contextos dados.
O diálogo entre conteúdo dos programas, os livros 
didáticos do ensino fundamental, as necessidades cultu- 
rais do contexto e os conteúdos da formação pedagógica 
devem preencher o “vácuo” dequalquer “pedagogismo 
abstrato”, fortemente considerado com pouco impacto na 
formação do professor e sua profissionalização.
- A profissionalização exige uma transformação da 
formação ao novo contexto social e escolar e um olhar crí- 
tico ao próprio contexto social. Quando falamos da 
profissionalização, falamos da dinâmica do contexto real 
do trabalho, não esquecendo que o contexto real do traba- 
lho está mudando como muda também o contexto do pro- 
fessor. Não podemos trabalhar como se os computadores 
não existissem, como se a internet não existisse. Portanto, 
a profissionalização envolve as novas tecnologias e for- 
mas de comunicação, bibliotecas virtuais, revistas eletrô- 
nicas, bases de dados eletrônicas, etc., que envolvem, por 
sua vez, uma nova ecologia do saber. A profissionalização 
requer uma nova alfabetização das tecnologias da infor- 
mação e comunicação, assim como o uso de diferentes ti- 
pos de linguagens e seus códigos na dinâmica da constru- 
ção de diferentes saberes profissionais.
- Outro elemento é a heterogeneidade dos alunos, o 
multiculturalismo, as desigualdades sociais. Nesse contexto 
aparece um outro desafio: a inclusão social dos futuros
189
profissionais que por vezes são excluídos dos empreendi- 
mentos e projetos sociais. Existe no nosso contexto uma 
contradição marcante: o profissional da educação deve for- 
mar cidadãos participantes quando a participação é limita- 
da. Esse obstáculo se apresenta como uma condição de se 
pensar as agências formadoras como instância de interação 
e diálogo social. A profissionalização deve romper o “cír- 
culo vicioso” que parece vincular os baixos salários com a 
formação inicial e continuada deficientes, apressada, fa- 
cilmente conquistada por qualquer um. Um espaço de 
interação dialética entre o trabalho docente profissional e 
o reconhecimento social dessa atividade essencial é uma 
meta a ser conquistada pelo coletivo docente com o apoio 
da sociedade. Nessa perspectiva, uma relação de autorida- 
de (porque vamos seduzir o público), de novos saberes, 
novo saber-fazer, novas atitudes do professor, nova 
profissionalidade, enfim, um novo contexto que deve ser 
reconhecido como um elemento chave do sentido da for- 
mação.
- A criação de uma nova cultura de trabalho. Uma 
nova cultura escolar deve promover ações de colaboração 
dos professores como profissionais, e consequentemente 
romper com o isolamento da atividade do professor, limi- 
tada por vezes à sala de aula. As formas pelas quais se 
organiza o espaço escolar, o tempo, as formas de poderes e 
funções da escola hoje são causas do isolamento dos pro- 
fessores, para os quais a sala de aula representa seu territó- 
rio de autonomia. A profissionalização do professor supõe 
a conquista de espaços profissionais, um aumento da de- 
mocracia na gestão das instituições docentes, nas quais os 
professores são agentes sociais, capacitados para partici- 
par na construção desses espaços profissionais.
190
- A profissionalidade pede uma formação dentro de 
uma perspectiva mais construtivista. O construtivismo en- 
quanto campo de teorização é um elemento importante 
nessa perspectiva de profissionalização, enquanto uma re- 
ferência. Devemos trabalhar com a resolução de situações- 
problemas, ajudar os futuros professores a estabelecer re- 
lações, ou seja, instruir na ótica do profissional que cons- 
tou o problema. É claro que não existe uma receita pronta: 
temos o problema, aplicamos a receita e solucionamos o 
problema. Temos que construir uma ordem para resolver 
os problemas nessas situações, apoiados em referências 
das disciplinas científicas, na experiência e mobilizando 
outros tipos de saberes. O professor como profissional não 
apenas aplica os conhecimentos científicos, e sim os re- 
cria para dar sentido necessário à situação e procura supe- 
rar os limites dos modelos teóricos do conhecimento dis- 
ciplinar, para novas teorizações que emergem de novas 
práticas fortemente comprometidas com a aprendizagem. 
Isso exige das instituições formadoras trabalhar a forma- 
ção segundo essas perspectivas.
- A profissionalidade deve libertar o docente da es- 
cravidão do livro didático como único meio e fim do ensi- 
no e da sua própria formação. O livro didático deve passar 
a ser um recurso de referência, como devem ser outros mei- 
os de comunicação, as novas tecnologias, os novos códi- 
gos e tecnologias de produção de saberes, valores, atitu- 
des, etc.
- A profissionalidade evoca o desenvolvimento de 
um hábito reflexivo, de pesquisa, de crítica. Estamos con- 
vencidos que há diferentes abordagens a respeito da práti- 
ca reflexiva. A abordagem que preferimos adotar não é 
uma abordagem definitiva, pontual ou individual, mas uma
191
abordagem fundamentada em dados coletivos que devem 
ser confrontados com outros dados das práticas profissio- 
nais. Isto significa admitir que muitas alternativas podem 
ser utilizadas para o ensino na perspectiva da prática refle- 
xiva, ligada à pesquisa e à crítica. Refletir apenas com base 
na experiência adquirida pode levar a uma reprodução dos 
mesmos hábitos e atitudes do agir docente. Portanto, pro- 
curar adotar a pesquisa como um recurso metodológico e 
didático no processo formativo possibilita a reflexão com 
métodos e estratégias, favorecendo uma postura crítica fren- 
te ao que se faz habitualmente, só que apoiado por novos 
fundamentos. A pesquisa como uma atitude profissional 
do docente possibilita a reflexão com métodos e estratégi- 
as explícitas e conscientes. Embora essa não seja uma ta- 
refa fácil, reconhecemos que, nas revistas especializadas, 
bancos de dados, relatórios de pesquisa, existem muito mais 
dados de pesquisa que podem ajudar os docentes a buscar 
estratégias didático-pedagógicas que possibilitem a ado- 
ção da reflexão sobre a prática, sobre o processo do ensi- 
no-aprendizagem, normalmente secundarizado na atitude 
dos novos ou antigos docentes.
O fato do professor como profissional superar a tra- 
dicional função de mero executor de tarefas curriculares 
planejadas por outros, passando a ser um construtor cons- 
ciente de saberes, de competências da sua atividade 
educativa, exige uma atitude de busca, de solução às situa- 
ções-problemas que enfrenta na sua prática profissional, 
de forma reflexiva e crítica, apoiado pelos inúmeros re- 
cursos que a pesquisa, como atitude formativa e profissio- 
nal, possibilita. Esses argumentos se associam às novas 
funções do professor, dentre elas, sua participação na ino- 
vação curricular e para seu próprio autodesenvolvimento 
profissional. Assim, a pesquisa é compreendida por nós 
como uma atitude que leva a examinar a prática de forma
crítica e sistemática, com método e metodologia, de forma 
partilhada no projeto educativo do qual participa o futuro 
profissional no processo de sua formação inicial. Assim 
que sua colaboração na construção da identidade profissio- 
nal como uma meta comum passa a ser parte da cultura 
formativa.
- O profissionismo supõe o zelo ao acesso à forma- 
ção inicial. Isto implica em termos clareza a respeito dos 
perfis que julgamos adequados para serem atraídos ao tra- 
balho do ensino. Sabemos que não há uma política de in- 
centivo para recrutar alunos com históricos acadêmicos re- 
conhecidos (talentosos), como tampouco há projetos para 
nivelar (em relação ao domínio dos conteúdos específicos 
de habilidades para o estudo) alunos(as) que não se enqua- 
drem num dado perfil. É necessário mudar a representa- 
ção constituída ao longo dos anos em que o “Curso de Pe- 
dagogia” parece atrair alunos pela facilidade de ingressar 
no mesmo. Um importante desafio a ser enfrentado é o de 
rever o acesso aos cursos de formação de professores e à 
educação em geral. Temos que neutralizar a idéia da edu- 
cação ser um campo de “estudo para aqueles que não têm 
condições de ingressar em outro curso”.
O profissionismo exige uma consolidação do gru- 
po profissional com a sociedade para legalizar seucresci- 
mento como grupo profissional, ganhar prestígio social na 
base de suas competências, avanços na identidade do gru- 
po, implicando, tudo isso, numa luta política pela valori- 
zação real do trabalho docente, como trabalho profissio- 
nal, específico. A sociedade e o Estado reconhecem a im- 
portância dos professores na educação dos cidadãos, mas 
poucas transformações são observadas no que diz respeito 
ao seu crescimento profissional real. Os professores de-
193
vem, portanto, urgentemente, aprender a ser e a funcionar 
como um grupo profissional.
- O profissionismo exige uma mudança nas repre- 
sentações dos docentes e outros atores sociais. Os profes- 
sores têm concepções e crenças implícitas ou explícitas 
sobre seu trabalho, seus alunos, a matéria que ensinam, 
suas funções e responsabilidades. Essas concepções são, em 
geral, um constante desafio e difícil de operacionalizar (Pa- 
jares, 1992). Diversos autores coincidem em afirmar que 
são as representações individuais da realidade com sufici- 
ente validade e credibilidade que norteiam o pensamento e 
o comportamento (Ramalho, 1993). Estas se formam cedo, 
tendem a permanecer ainda face às fortes contradições lógi- 
cas e criam um filtro através do qual os fenômenos são in- 
terpretados e a informação processada. As representações 
sobre a "‘profissão” são elaboradas a partir de discursos so- 
ciais, de posições culturais, de hábitos das experiências que 
os professores têm como sujeitos que desenvolvem uma ati- 
vidade, das experiências com alunos na relação com outros 
colegas e com outros profissionais. A representação sobre a 
“profissão” é um elemento organizador dos projetos para o 
desenvolvimento profissional dos(as) professores(as) e para 
os processos formativos pelos professores-formadores.
A representação do ofício - do mestre em seu ofício 
- coloca-se e funciona como fonte e como objetivo das 
motivações para o trabalho educacional. São representa- 
ções que, no caso do professor(a), têm uma história pesso- 
al antiga, que se inicia desde o momento em que entra na 
sala de aula, quando criança, para a educação escolar. Os(as) 
professores(as), nessa história de vida, constróem/recons- 
tróem suas representações sobre a profissão, o que pode 
levar ao avanço ou a verdadeiros obstáculos para superar 
idéias ancoradas em representações específicas.
194
É evidente que mudar/mobilizar as representações 
dos indivíduos (Ramalho, Nuñez e Gauthier, 2000) é um 
processo complexo. Não obstante, estudos sobre as re- 
presentações dos indivíduos são relevantes, uma vez que 
trazem á tona o "estado dessa situação” para pautar-se na 
necessidade de estimular, em bases de referências teóri- 
cas, o debate sobre profissão e a profissionalização do- 
cente, categorias que se constituem em eixos norteado- 
res da formação e nem sempre explicitada nos projetos 
formativos e nas políticas educacionais. Daí a importân- 
cia de estimular a reflexão dos professores(as) para se 
compreenderem como profissionais e participarem, de 
forma consciente, no seu próprio desenvolvimento pro- 
fissional.
-Os salários dos(as) professores(as) ganham aqui 
uma importância. As políticas educacionais enfrentam o 
dilema de melhorar os salários dos professores(as) quan- 
do as folhas de pagamento dos Estados consomem uma 
significativa porcentagem para os salários dessa catego- 
ria. O aumento de salário como uma estratégia de incen- 
tivo à profissionalização requer iniciativas novas e cria- 
tivas formas de gestão. A valorização da docência, em- 
bora não se reduza ao aumento de salários, deve combi- 
nar esse incentivo com o compromisso das transforma- 
ções que a escola deve contribuir com a educação. Os(as) 
professores(as) devem receber um salário digno, segun- 
do seu trabalho e responsabilidade social. As iniciativas 
da gestão educacional devem romper o “círculo vicioso” 
no qual se encontra hoje essa problemática: uma vez bai- 
xos os salários e baixas as exigências sobre o trabalho 
realizado e elevadas as dificuldades para serem melhora- 
dos. Atreladas aos salários se devem fomentar outras for- 
mas de incentivo, tais como certificados pelo reconheci-
195
mento do trabalho profissional, “tempo para atividades 
de qualificação’’ e, certamente, a urgente necessidade de 
institucionalizar os tão almejados planos da carreira do- 
cente, seu estatuto, código de ética profissional, elemen- 
tos reconhecidamente legítimos que definem o status pro- 
fissional de um coletivo.
- A profissionalidade evoca o desenvolvimento de 
uma ética da responsabilidade individual e coletiva. A ques- 
tão da ética compreende uma ética individual e uma cole- 
tiva. A formação exige um trabalho de construção, um tra- 
balho não fragmentado, currículo mais integrado, um tra- 
balho em colaboração com seus parceiros para intenciona- 
Iidades ou finalidades compartilhadas. Outro aspecto é 
ensinar a argumentar sobre uma posição e a defendê-la 
publicamente, defender o que está na posição dos outros 
colegas, em frente aos alunos, em frente aos professores 
formadores, às faculdades. Exige, portanto, assumir a res- 
ponsabilidade pelos atos do agir profissional sob uma éti- 
ca construída. A formação deve oportunizar a formação 
ética e a capacidade comunicativa - argumentativa dos 
futuros profissionais, com elementos das suas competên- 
cias. Para Diaz Barriga e Espinosa (2001), pior que a situ- 
ação salarial dos professores está a situação de como o 
docente tem internalizado seu papel de empregado que deve 
cumprir (por vezes com o menor esforço) as obrigações 
que lhe são designadas. Essa situação leva a uma margina- 
lização do sentido intelectual e profissional do trabalho 
docente; assim a dimensão profissional se reduz ao dis- 
curso. A profissionalização da docência impõe a supera- 
ção dialética das imagens da docência como profissão e 
como trabalhador assalariado (empregado).
O caráter corporativo dos sindicatos de professores 
deve ceder espaço a um enfoque profissionalizante, no in-
196
tuito de organizar seus membros nos projetos desejados 
rumo a profissionalização. A luta pela profissionalização 
é uma tarefa dos docentes organizados sob a dimensão do 
profissionismo.
4.3. Exigências de uma formação segundo a aproximação pelas 
competências
Com relação às exigências de uma formação segun- 
do a aproximação pelas competências, podemos enfatizar 
que, se existem inúmeros autores discutindo atualmente 
as competências, raros são aqueles que se pronunciam so- 
bre a maneira como elas são adquiridas. Concordamos com 
a posição daqueles que afirmam que as competências se 
formam na ação, através de que um processo formativo 
que dialoga permanentemente com o objeto da profissão. 
No entanto, reconhecemos que esse deve ser ainda um tema 
que requer mais estudos sobre essa questão.
Não acreditamos nos referenciais prescritivos que 
procuram passar a impressão de que o processo de forma- 
ção de competências para o início do exercício da profis- 
são possa ser garantido "tranquilamente” no âmbito da for- 
mação. Cada agência formadora, a partir de seus pressu- 
postos curriculares enquanto hipóteses de trabalho, deve 
organizar a formação de competências profissionais como 
um campo de pesquisa e essa é uma das alternativas possí- 
veis a serem mobilizadas.
No que concerne à construção de programas de for- 
mação, com base nas competências, é preciso evitar dois 
aspectos: o desvio técnico e a fórmula vazia. Com rela- 
ção ao desvio técnico, não ganhamos nada em trocar um 
catálogo de habilidades por um referencial de competên- 
cias. Formular competências implica em situar num ní- 
vel de produção mais elevado do que simplesmente a enu-
197
meração de dezenas de comportamentos, savoir-faire ou 
habilidades a dominar. A respeito da fórmula vazia, cha- 
ma-se a atenção para o fato tentador que é pensar nas 
competências de maneira geral, em que a palavra compe- 
tência não significa nada de preciso e não engaja nem o 
pensamento nema ação numa direção particular da for- 
mação do novo docente.
Arriscamo-nos a pontuar uma série de elementos que 
possam ajudar as agências formadoras de professores a pen- 
sar numa estratégia formativa com base nas competênci- 
as:
- Evitar uma concepção de ensino e de programas 
disciplinares conhecidos como transmissão de saberes 
compartimentados. Essa concepção formativa implica na 
colaboração dos atores na elaboração dos programas, o que 
supõe um verdadeiro trabalho de equipe de formadores, 
bem como uma visão formal e abstrata da formação para a 
educação. Uma competência é sempre uma competência 
para alguma coisa, para uma ação. Uma soma de saberes 
jamais constitui uma competência para a ação;
- Zelar para que a formação leve em conta, o máxi- 
mo possível, o contexto profissional real de forma siste- 
mática. Por isso o vínculo com o objeto da profissão (com- 
ponente trabalhista) no processo formativo tem uma im- 
portância primordial. Porém, todas as disciplinas dos pro- 
gramas devem ser constituídas a partir da perspectiva de 
um profissional que desejamos formar;
- Equipar o máximo possível o futuro professor de 
recursos (saberes, savoir-faire, saber-ser, valores, atitudes, 
etc.), assim como oportunizar a mobilização desses recur- 
sos e a construção de outros. Os recursos por si só não
198
constituem a competência, mas a tornam possível. A for- 
mação por competência não refuta os conhecimentos dis- 
ciplinares, mas orienta esses conhecimentos em relação às 
necessidades de formação de um profissional;
- Tornar possível a colocação das competências em 
rede de “formés” (formadores). Os recursos sobre os quais 
o indivíduo se baseia não são apenas os pessoais. Eles im- 
plicam também na colaboração entre colegas, em recursos 
pessoais, banco de dados, literatura especializada, etc.;
- Favorecer as situações a fim de que o estudante 
possa mobilizar seus recursos no contexto da ação pro- 
fissional. O profissional faz suas provas atuando. Os erros, 
os acidentes são necessários nos processos metacogniti- 
vos, orientados à formação das competências;
- Levar os estudantes a desenvolverem o saber-ser, 
seu savoir-faire. A análise reflexiva e metódica (a pesqui- 
sa) é indicada para desenvolver esta competência. O estu- 
dante precisa ter consciência de suas escolhas e as justifi- 
car, ou seja, precisa ter uma visão crítica. Será preciso, 
desde o início, que o estudante esteja implicado no pro- 
cesso de formação com uma perspectiva de seu desenvol- 
vimento profissional;
- Organizar/conslruir dispositivos de avaliação de 
competências. Esses dispositivos serão adaptados, na medi- 
da apropriada, durante o processo e no final da formação 
inicial. Eles permitirão constatar se a competência está ad- 
quirida e estabilizada. A aproximação através da competên- 
cia tem uma influência sobre a Pedagogia utilizada pelos 
formadores de professores. Muito melhor será uma aproxi- 
mação por situações-problemas que por exposições. As com-
199
petências não são estágios definitivos da personalidade dos 
indivíduos. Sua avaliação supõe um acompanhamento sis- 
temático pelos níveis curriculares, para se apreender como 
processo e não só como produto num dado momento. Su- 
põe a análise do seu desenvolvimento no processo formativo. 
Exige um registro ao longo de toda a formação por parte do 
coletivo dos professores. A avaliação não só é disciplinar, e 
sim, também, interdisciplinar. Certificar que o aluno ao fi- 
nal do curso possui uma competência dada para o início do 
exercício da profissão supõe considerar o percurso da for- 
mação das competências, que sempre têm um caráter trans- 
versal e que são postas enquanto objetivos do modelo pro- 
fissional. A avaliação das competências do modelo profis- 
sional não pode ser uma atividade individual dos professo- 
res formadores, mas sim uma atividade do conjunto dos pro- 
fessores e colegas das instituições as quais acompanharam 
e participaram na formação inicial.
A formação de competências profissionais implica 
em outras alternativas de avaliar, especificamente de uma 
prática prolongada, como uma autonomia compartilhada 
no contexto real do exercício da profissão. Será necessário 
passar de uma avaliação centrada em conhecimentos, ha- 
bilidades individuais, para uma prática de avaliar os pro- 
cessos e produtos do trabalho de solução de situações-pro- 
blemas em contexto real, de forma autônoma, mas tam- 
bém no contexto das relações com o grupo profissional, 
sob uma ética compartilhada que mobiliza a relação explí- 
cita entre o cognitivo e o afetivo (Nuñez e Ramalho, 2002). 
Essa situação exige a caracterização explícita do “modelo 
profissional”, dos avanços no percurso da zona de desen- 
volvimento proximal (Vygotsky, 1989) dos alunos durante 
períodos mais prolongados, para avaliar também os pro- 
cessos metacognitivos. A avaliação para certificar os pro- 
dutos da formação deve incorporar o histórico dos contro-
200
Ies da aprendizagem (Nuñez e Pacheco, 1997), da forma- 
ção na perspectiva de seu desenvolvimento.
Corno se tem reiterado, a formação do professor deve 
acontecer num clima de pesquisa, de reflexão, de crítica, 
com estratégias de aprendizagem e de construção da profis- 
são. Os alunos devem ser envolvidos num projeto de pes- 
quisa e de formação desde os primeiros momentos da for- 
mação, com uma sistemática que contribua ao desenvolvi- 
mento de atitudes e capacidades para a pesquisa, a reflexão 
e a crítica com a participação dos profissionais formadores. 
A própria instituição formadora deve ser uma fonte de ino- 
vação curricular e de trabalho às necessidades que emergem 
nos contextos educacionais dos quais participam. Os futu- 
ros profissionais devem aprender a pesquisar, pesquisando, 
refletindo de forma crítica, como componente transversal 
do currículo. O trabalho de pesquisa não pode se reduzir a 
uma disciplina pontual no currículo. O trabalho de pesquisa 
no projeto formativo com base nas competências é uma ta- 
refa de todas as disciplinas que se complexificam com o 
avanço nos níveis de sistematicidade do currículo.
A agência formadora deve renunciar á rigidez da or- 
dem institucional estabelecida que leva os professores 
formadores à preservação de práticas e regras funcionais 
estáticas, à manutenção do caráter burocrático e autoritá- 
rio de visões pedagógicas e formativas baseadas numa tra- 
dição que propõe “mudar para não mudar”. A nova cultura 
formativa trás consigo novas configurações do espaço e 
do tempo, da prática, das disciplinas, e não só de mudan- 
ças de projetos formativos baseados em novas funções dos 
professores. Não é possível a formação de professores re- 
flexivos, críticos, autônomos, competentes nos contex- 
tos formativos pensados para o modelo de escola atual.
2 0 1
A proposta curricular (projeto pedagógico) deve rom- 
per a lógica tradicional “aditiva” de disciplinas, fortemen- 
te baseada numa racionalidade técnica e acadêmica, que 
separa a teoria da ação, e aí, consequentemente, a teoria 
precede a prática. A proposta curricular deve pautar-se por 
uma relação dialética teoria e prática e numa flexibilidade 
na organização do espaço e do tempo de formação, apro- 
ximando-se, portanto, da lógica do conhecimento como 
“rede” complexa de construção das competências para o 
início do exercício da profissão.
O projeto pedagógico é um sistema complexo, aber- 
to, flexível, em autodesenvolvimento, que se reformula (na 
lógica do próprio projeto) na medida em que novas neces- 
sidades emergem nos contextos da formação e do agir pro- 
fissional, como parte da própria construção/reconstru- 
ção da atividade profissional. Portanto, procura superar uma 
visão reducionista da formação. Essa idéia deve ser 
norteadora das atividades dos professores formadores sob 
uma estrutura de direção que, de forma colaborativa, orga- 
niza o acompanhamento da formação.
Uma implicação derivada das reflexões teóricas dis- 
cutidas no capítulo 3 relativo à organizaçãocurricular na 
formação dos professores vai no sentido de defender a cria- 
ção de uma nova prática organizacional das instituições for- 
madoras, a fim de superar a dicotomia “discurso renovador 
- prática conservadora”. Esse tipo de prática pode levar a 
efeitos perversos na formação, uma vez que as próprias prá- 
ticas atuais de formação de professores não se constituem 
em referência para o futuro exercício da profissão dos alu- 
nos em formação. As práticas dos professores formadores, 
da instituição formadora, são determinantes nas atitudes, nas 
experiências vividas no processo formativo e nas represen-
4.4. Exigências de uma nova proposta curricular
202
tações geradas no repertório “cultural" do docente, consi- 
derando que os valores sobre a profissão são aí consolida- 
dos e reconstruídos.
Assim, uma das principais estratégias da profissiona- 
lização da docência está vinculada à tomada de consciência 
pelos docentes, da importância social do seu trabalho. A 
profissionalização que se inicia com a conscientização dos 
docentes em relação a seu trabalho, às condições e à sua 
formação e competências, à defesa ao próprio processo de 
construção da profissionalização, passa a ser um processo 
endógeno, reconhecendo as influências exógenas das po- 
líticas e outros fatores que, sob diferentes interesses, man- 
têm no plano do discurso a profissionalização do docente.
Aos professores formadores recomenda-se sair do 
isolamento para trabalharem de forma integrada, relacio- 
nando os recursos da formação na sua área disciplinar à 
formação dos graus de desenvolvimento das competênci- 
as nos níveis de integração curricular. Precisam conhecer 
a realidade do contexto do exercício profissional dos alu- 
nos, superar as práticas academicistas e tecnicistas para 
formar competências profissionais dentro do projeto 
formativo compartilhado pelos diferentes atores do pro- 
cesso. Não podemos continuar a exigir uma formação ini- 
cial baseada em competências que, por vezes, os próprios 
professores formadores não têm. Essa seria uma formação 
“demagógica” e “fraudulenta”. A instituição formadora de 
professores deve constituir-se numa referência, num espa- 
ço de construção e reconstrução da profissão e da 
profissionalização. Se faz necessária na formação inicial a 
necessidade de procurar um isomorfismo entre formação 
recebida pelo professor e o tipo de educação que ele deve- 
rá desenvolver nos contextos educativos (Garcia, 1999).
A reflexão anterior implica na urgência de se criar 
uma nova cultura institucional que considere as condições
203
dos professores formadores que, por vezes, são obstáculos 
aos processos de inovação, tais como:
- falta de motivação para a inovação;
- resistências às mudanças;
- falta de tempo e distribuição do tempo que não 
favorece o trabalho metodológico;
- academicismo nas práticas de ensino;
- insuficiente formação audiovisual;
- falta de recursos e/ou uso inadequado dos recursos 
disponíveis para o processo de ensino/aprendizagem;
- excesso no número de alunos a serem atendidos 
em sala, em especial nos primeiros anos de formação;
- resistência ao trabalho coletivo, à participação ativa 
no desenvolvimento do projeto de formação dos alunos.
A dinâmica da construção curricular deve constituir-se 
num princípio do aperfeiçoamento contínuo, uma vez que o 
currículo, como projeto pedagógico, é um sistema aberto, em 
autodesenvolvimento, e um espaço de pesquisa e inovação 
sobre a formação. Essa dinâmica obriga a uma constante (via 
avaliação e acompanhamento sistemático dos processos) re- 
flexão sobre as quais os conteúdos (epistemológicos, teórico- 
metodológicos, tecnológicos), as competências, habilidades, 
atitudes, ética profissional como cidadão, são elementos bá- 
sicos na formação profissional e consequentemente devem 
integrar a formação para contribuir com o desenvolvimento 
profissional desde a formação inicial. Essa dinâmica não se 
limita só aos componentes cognitivos e afetivos, assim como 
também aos espaços e tempos da formação.
Mudar as representações, crenças, valores dos docen- 
tes é um processo complexo que implica na “desconstrução 
do pensamento tradicional acrítico e empírico” marcado por 
uma tradição pedagógica. Essa "desconstrução” leva a uma 
revisão crítica dos diferentes obstáculos epistemológicos, 
as posições ideológicas sobre a sociedade, a escola, os alu- 
nos, a própria docência na busca de novas referências e no- 
vas práticas marcadas pela cooperação, a reflexão, a crítica,
204
a inovação, a competência nos contextos específicos de pro- 
dução da profissionalização. Essa tarefa compete às agênci- 
as formadoras e às organização sindicais e profissionais dos 
docentes.
O próprio processo para desenvolver um projeto pe- 
dagógico segundo as perspectivas teóricas discutidas nes- 
te livro requer um processo de inovação curricular a ser 
assumido pelas agências formadoras. Supõe a reconstru- 
ção do projeto na própria dinâmica da formação, que pas- 
sa a ser um contínuo campo de pesquisa de todos os atores 
envolvidos na formação do professor.
As agências formadoras devem dialogar com um 
"corpus de professores" em exercício do ensino fundamen- 
tal que se reconheçam como profissionais, com capacidade 
de identificar suas necessidades, possibilidades e projetos 
de desenvolvimento profissional. Esse diálogo possibilitará 
atualizar a formação inicial segundo as perspectivas e pro- 
blemática que emanam dos profissionais em exercício, as- 
sim como identificar as perspectivas futuras de desenvolvi- 
mento da profissionalização. Faz-se necessária uma trans- 
formação no status atual dos professores em exercício, para 
sua participação nos projetos da formação profissional.
Por sua vez, pouco poderão fazer as agências formado- 
ras se a sociedade e o Estado não participarem com políticas e 
recursos orientados às necessidades dos “modelos formativos", 
que essas instituições reconhecem. A profissionalização do pro- 
fessor e das instituições formadoras, além da criatividade e de 
um corpo docente profissional, precisam de condições materi- 
ais e todo apoio institucional para que incentivem e facilitem 
permanentemente as mudanças em discussão.
4.5. Conclusão
As inovações, as mudanças que se anunciam no cam- 
po da formação dos professores e das práticas docentes, 
podem ser reconhecidas como um “páreo" nada fácil de
205
ser assumido, uma hipótese de trabalho que, como toda 
hipótese, precisa ser documentada para compreendermos 
os limites e as possibilidades.
Não existe um modelo pronto e acabado, mas sim 
interrogações compartilhadas por muitos sobre as compe- 
tências necessárias para ensinar e para formar estas com- 
petências. Não há certezas. Precisamos trabalhar juntos, 
precisamos intercambiar experiências. As competências 
poderão ser uma nova idéia, que vão encontrar milhões de 
idéias novas nas lições da história. A profissionalização é 
uma abordagem, uma utopia a ser perseguida. No entanto, 
como tantas outras boas idéias, temos que preservá-la para 
que a mesma não caia num campo de domínio meramente 
retórico ou vazio da ação inovadora.
O movimento de profissionalização do trabalho do 
ensino fica contrastante entre as práticas declaradas e a rea- 
lidade do trabalho dos professores, suas condições de vida 
pessoal e profissional. Como pretender que estes formem 
cidadãos, quando seus próprios direitos como cidadãos es- 
tão limitados? Todo e qualquer discurso oficial reconhece o 
papel dos professores como essencial na construção da so- 
ciedade no século XXI, mas pouco tem oferecido, efetiva- 
mente, para mudar no plano real a formação e as condições 
de vida e trabalho desses professores, hoje chamados a 
reinventar os contextos da formação, do trabalho, as rela- 
ções sociedade-escola, etc. Enquanto existir uma inércia que 
limita essas transformações, pouco poderá ser modificado 
de forma significativa. O Estado, as instituições sociais, a 
sociedade, a família, devem procurar umamaior sintonia 
entre os projetos curriculares, as políticas educacionais e as 
condições objetivas necessárias a essas idéias.
A reformulação da instituição formadora, sob um 
novo projeto pedagógico que se aproxima às práticas de- 
sejadas nos futuros professores, leva a uma ruptura com o 
modelo organizacional tradicional do tempo, dos espaços 
e do modo de trabalhar o ensino. O próprio currículo como 
sistema complexo, aberto, em autodesenvolvimento, exi- 
ge flexibilidade nas regras para facilitar a inovação. A or-
206
ganização do tempo e dos espaços emerge como necessi- 
dade das novas práticas formativas, e não o contrário: 
condicionar as práticas educativas aos espaços e tempos 
pré-determinados e fechados. Essa situação possibilita ori- 
entar nosso diálogo com o currículo oculto para transformá- 
lo numa área de discussão e problematização.
Como explica Formosinho(2001), os professores for- 
madores podem “assumir” seu papel como formadores ao 
reconhecerem o contexto profissional e as dimensões pro- 
fissionais da sua prática. Nesse caso, a transferibilidade dos 
conhecimentos apresentados é compartilhada com os futu- 
ros professores, podendo também desconhecer seu papel de 
professor formado para desenvolver uma prática academi- 
cista, descomprometida com a profissionalização de seus 
alunos no contexto do projeto formativo.
O que observamos na atualidade? Uma reforma edu- 
cacional que gera expectativas de importantes mudanças, 
mas que está fadada a alcançar impacto limitado, que pro- 
cura incentivos discretos para a educação, os quais não pas- 
sam da aparência, ou dos fenômenos em si. Se pensamos 
em termos meramente filosóficos, deixando a essência da 
estrutura dos demais componentes do sistema intacto, essa 
situação pode levar à idéia do que chamamos “o gato 
pardismo em educação1 ”, ou seja, “mudar para não mudar”. 
A problemática é complexa e sua diversidade exige o esfor- 
ço de todos os componentes do sistema para uma ruptura 
que advêm da compreensão de se pensar e se agir de forma 
diferente no contexto de uma educação inclusiva, não só 
para os alunos, como também para os professores. Nos ter- 
mos de Morin, a educação precisa de uma revolução.
As propostas sobre a profissionalização devem to- 
mar como ponto de partida a complexidade e a diversida- 
de, as diversas contradições da docência como atividade 
profissional e dos contextos de trabalho, muitas vezes de- 
finidas pelo singular, quando reconhecemos as marcantes 
diferenças de natureza diversa, nos contextos do exercício
I Expressão tomada emprestada de uma obra educacional sem referência no momento.
207
da docência e consequentemente nos processos políticos, 
econômicos, que se definem nos contextos sócio-históri- 
cos como projetos individuais/coletivos marcados por va- 
lores, interesses, necessidades e possibilidades.
Respeitando nosso contexto, o caminho é mais profun- 
do e desafiador. Se hoje nos conformamos só em titular o 
professor estaremos adiando o futuro, uma vez que sua pro 
fissionalização é um desafio do presente, uma chance para 
levá-lo a construir a cidadania, a democracia, num mundo 
competitivo, globalizado e desigual. Por sua vez, estaremos 
criando problemas futuros, quando o presente nos possibilita 
trabalhar de forma consciente e comprometida com uma for- 
mação docente mais coerente com os novos contextos educa 
cionais, como é o movimento de formação para profissionali- 
zar a docência.
4.6. Referências
208
Betania Leite Ramalho é pedagoga, doutora em Ciências 
da Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona, 
Espanha. Professora do Departamento de Educação da 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN.
Isauro Beltrán Nuñez é doutor em Ciências da Educa- 
ção pela Universidade de Havana, Cuba. Professor do De- 
partamento de Educação da Universidade Federal do 
Rio Grande do Norte-UFRN.
Clermont Gauthier é pedagogo, doutor em Fundamentos 
da Educação e professor do Departamento de Ensino 
e Aprendizagem da Faculdade de Educação da Universi- 
dade Lavai, na Província do Quebéc, Canadá.
w w H'. editorasulina. com. br
FORMAR 0 PROFESSOR 
PROFISSIONALIZAR 0 ENSINO
P e r s p e c t i v a s e D e s a f i o s
Todas as propostas sobre a profissionalização devem tomar como 
ponto de partida a complexidade e diversidade, as diversas contradições 
da docência como atividade profissional e dos contextos de trabalho, 
muitas vezes definidas pelo singular, quando reconhecemos as marcantes 
diferenças de natureza diversa, nos contextos do exercício da docência 
e consequentemente nos processos políticos, econômicos, que se definem 
nos contextos sócio-históricos como projetos individuais /coletivos 
marcados por valores, interesses, necessidades e possibilidades.
Programa de Pós-Graduação em Educação - 25 ANOS
Editora Sulina

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