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UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO COLEGIADO DE MEDICINA FISIOPATOLOGIA CLÍNICA O RELATO DE UM ESTUDANTE MÉDICO DO VALE DO SÃO FRANCISCO PEDRO VICTOR FREITAS MEDRADO Guia texto apresentado ao Prof. Dr. RICARDO SANTANA DE LIMA do Colegiado de Medicina (CMED) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) como parte do trabalho desenvolvido pela disciplina Patologia Básica – 2020.3 PETROLINA 2020 Prefácio Sobre o autor, “Um jovem sonhador com grandes planos”. Uma definição mais ampla possa ser feita para entender o jovem Pedro Victor. Nascido em Juazeiro, da Bahia, e pronto a desbravar o mundo com tendências paradoxais entre o niilismo e o progresso ordenado. Seria, portanto, um entusiasta mais profundo das belezas das ciências biológicas, a destacar a patologia e a fisiologia. Muito embora, mesmo não sabendo ao certo o que seguiria, havia de ter um sonho em ser astronauta. A perspectiva de enxergar a Terra como observador atento às mudanças o conduzia a reflexões, muitas vezes, intensas sobre a vida e a morte. O trânsito da vida é inconstante e lindo, na maior parte, suas incertezas, ou certezas, torna a emoção em gratidão divina. A certeza de que somos filhos, ou bastardos, de um Deus, que por ventura nos criou a sua imagem e semelhança, define a vontade por continuar a sorrir, ou chorar. Certamente, o maior sonho desse autor é ter asas, pois pena o tem. A liberdade de voar seria o máximo desejo, e o maior sonho, além de astronauta. Os sentimentos, os cheiros e os prazeres evocados com a liberdade ajudam-nos a compreender o eu em sua plenitude. Ao optar pela medicina como carreira, os pressupostos de liberdade imediatamente foram ligados. A ideia de construir algo, baseado no conhecimento, motiva o autor a continuar em sua jornada. Não somente construir por si, os prazeres e os gozos por tal devem seguir uma tendência proporcional à curva de aprendizagem. Considera-se, portanto, a profissão do estudante de um artista, cujo motivação reside em aprender. Enquanto a arte do conhecimento reside na profissão do ourives, que transmuta o metal em joias. Sendo assim, o conhecimento não é, nem nunca deverá ser, arma de opressão ou manutenção de “armadilhas sociais”, ou seja, o saber não deve ser usado para fins de marketing social. Se és sábio e tem prazer por mantê-lo, não é necessário prová- lo a todos a todo momento. A partir do momento que desejas provar, crias para si uma realidade de venturas e individualismos, onde estudas apenas pela “prova” e competição. O período 2020.3 foi um marco para o autor não só pela adaptação ao ensino remoto, como também no estímulo a novas ideais diante uma nova realidade de dor e sofrimento. A oferta da disciplina Patologia Médica pelo Colegiado de Medicina (CMED) da Fundação Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) serviu de matriz de ideias. A compreensão da patologia, por si só, é algo improdutivo, logo a tendência seria unificar conceitos de distintas áreas da medicina em prol da perspectiva clínica. Não haveria, em sua essência, uma prevalência de uma sobre a outra, embora a centralidade consista na patologia. Em uma árvore de problemas, a patologia estaria no centro, a fisiologia nas raízes e os frutos seriam a parte clínica. Portanto, que o proveito desse breve livro-texto seja feito. O autor dedicou muito tempo e esforço na construção de tal. Sendo assim, esse guia envolve um parto de muitos amores e prazeres pela amada fisiologia, patologia e clínica. Proposta do livro e seus objetivos, Diante da realidade de ensino remoto, o período no chamado “home office” foi intensificado. Nesse ponto, houve uma automatização do estudo, optando pela digitação, ou invés da escrita. Sendo assim, o livro resumo “FISIOPATOLOGIA CLÍNICA: O RELATO DO ESTUDANTE DE MEDICINA” é o resultado de um estudo, e catalogação, intenso de livros e artigos sobre a temática da fisiopatologia clínica. A ideia é fornecer um breve guia que possa auxiliar outros estudantes a terem a mesma proposta em períodos excepcionais, como o vivenciado atualmente. Por ser produto de um estudante de patologia básica em medicina da UNIVASF, a organização desse relato segue a ordem do Programa da Disciplina (PD) Patologia Básica, ofertada via remoto no período suplementar 2020.3 da instituição. Assim como o PD da disciplina, o livro é organizado em cinco capítulos, com a apresentação de conceitos básicos do tema, e o relato da fisiopatologia clínica de algumas enfermidades clínicas e eventos patológicos. O objetivo essencial desse projeto é facilitar a interpretação e reflexão a cerca de alguns temas clínicos. Espera- se que ao fim de cada capítulo, os estudantes: • Dominem os principais conceitos básicos abordados • Dominem os principais eventos patológicos abordados • Dominem os principais eventos fisiológicos nas patologias abordadas • Compreendam os principais achados clínicos das patologias abordadas • Reflitam os conceitos básicos, patológicos, fisiológicos e clínicos abordados “Vida longa e próspera” do astronauta, SUMÁRIO CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO À PATOLOGIA 01 CAPÍTULO 2 PATOLOGIA CELULAR: ABORDAGEM PRÁTICA AO ESTUDANTE DE MEDICINA 05 CAPÍTULO 3 FISIOPATOLOGIA DA INFLAMAÇÃO 13 CAPÍTULO 4 FISIOPATOLOGIA HEMODINÂMICA 23 CAPÍTULO 5 NEOPLASIA: ABORDAGEM PRÁTICA AO ESTUDANTE DE MEDICINA 32 1 CAPÍTULO UM INTRODUÇÃO À PATOLOGIA 1. História da patologia 2. Conceitos básico da patologia 3. Preparação do estudo histopatológico O conhecimento médico é estruturado por várias áreas, cujo objetivo final é cuidar do paciente. O reconhecimento anatômico de órgãos, tecidos e fluidos corporais é imprescindível para a prática médica – sentido mais abrangente – sobretudo clínica. Nesse aspecto, a partir do momento que compreendemos a localização, irrigação, inervação e musculara do coração entendemos melhor a função envolvida em cada estrutura, sobretudo o estudo da funcionalidade cardíaca. Dessa maneira, os aspectos anatômicos e funcionais cardíacos são de suma importância para o estudo das doenças do aparelho cardiovascular. Portanto, o reconhecimento da doença envolvida em seus aspectos anátomo funcionais fornecem o pilar para se estudar a patologia. Outro aspecto, a ser pontuado, diz respeito ao conhecimento além da patologia clínica, por si o tratamento de uma patologia não envolve em graus de nobreza intervenções sócio comunitárias de uma doença. Logo, além do reconhecimento clínico, a patologia possui funções sociais relevantes, quando associada a diversas áreas do conhecimento. Embora a patologia seja reconhecida por ser um estudo micro funcional, portanto das reações básicas celulares e teciduais. Todavia, o reconhecimento macro funcional, por meio de sinais e sintomas, é uma ponte entre o micro e o macro, entre a patologia e a clínica – reconhecimento da patologia. Pensaremos em um corte na mão, o recrutamento de interleucinas e mediadores pró- inflamatórios produzem como reação sinais – alterações objetivas – e sintomas – alterações subjetivas – inflamatórios. Nesse aspecto, a resultante de reações celulares é visível do ponto de vista clínico. 1. História da patologia A história tem um papel imprescindível na divisão da patologia. Inicialmente, a pouca compreensão sobre a ciência associava a religião às patologias. Até o final da idade média prevaleceu a ideia de que as doenças se associavam com o desequilíbrio dos humores – Teoria Humoral – líquidos corpóreos. A partir do século XV, sobretudo com microscópio, necrópsia e autópsia, a patologiapode observar os órgãos tanto em seu aspecto macro – Fase Orgânica –, quanto a estrutura e organização dos tecidos – Fase Tecidual. 2 Isso mostrou que as alterações morfológicas teciduais são, muitas vezes, causas dos desequilíbrios funcionais. O desenvolvimento da microscopia óptica houve um predomínio da visão morfológica aplicado às pesquisas médicas – Fase Celular. Nesse ponto, o estudo da célula tinha como objetivo, principalmente, analisar as alterações morfológicas e funcionais, associando as causas - etiologias - do processo patológico. Com os avanços em biologia molecular e estudos sobre as organelas celulares, a patologia tem vivido sua nova fase – Ultra celular – associada aos avanços bioquímicos e da microscopia eletrônica. 2. Conceitos básico da patologia No geral, a patologia divide-se em geral e sistêmica, cada uma deverá abordar as reações básica das células e tecidos a estímulos anormais e examinar respostas específicas de órgãos e tecidos especializados, respectivamente. A etiologia estuda as causas, podendo ser determinado por fatores intrínsecos ou adquiridos. Os fatores etiológicos intrínsecos dizem respeito ao aspecto genético, ou endógeno. Enquanto os fatores adquiridos podem ser infecciosos, nutricionais, físicos ou químicos. A distinção entre fator e agente etiológico diz respeito ao agente causador da doença, podendo ter um vetor animado ou inanimado. É muito comum que o agente etiológico seja o mesmo do fator etiológico, como por exemplo a malária tem como agente etiológico e fator exógeno o protozoário P. falciparum. A patogênese da malária, por outro lado, envolve os mecanismos do desenvolvimento das doenças, associada com o ciclo de vida do Plasmodium. Além da sequência de eventos nas células e tecidos como resposta ao agente etiológico/fator extrínseco. Por exemplo, o parasita desencadeia, via Imunocomplexos (ICs), um quadro de inflamação sistêmica, desse modo se destaca o uso do difosfato de cloroquina como antimalárico. O ciclo do Plasmodium também se destaca na destruição dos eritrócitos e a liberação desses microrganismos e de seus metabólicos na circulação, assim se destaca principal alteração morfológica que influencia em sua função normal. Destaca-se, portanto, a importância clínica dessa compreensão nos picos febris, sobretudo em um dos principais sintomas da "malária terçã e quartã". 3. Preparação do estudo histopatológico A investigação da funcionalidade de um tecido se deve à análise de lâminas histológicas, o que facilita a visualização de imagens e capturas do ponto de vista microscópico. Não obstante, faz-se necessário o colorante de rotina para melhor processamento do tecido. Inicia-se com a fixação do tecido, objetivando uma preservação, geralmente feita é com formol tamponado a 10% ou formalina. É sempre importante que a solução seja tamponada, garantindo que o pH da solução esteja equivalente, em termos fisiológicos, ao encontrado no corpo humano, assim evita-se a degradação molecular de espécimes proteicas. Além disso, costuma-se usar um mordente para aumentar a área de fixação, logo mantém a durabilidade da cor e facilita a ação dos corantes. Após essas etapas, prossegue com a desidratação com finalidade de remover a água para ação das substâncias clarificadoras, isso porque a água presente nos tecidos apresenta uma polaridade distinta das substâncias envolvidas na inclusão (parafina e metacrilato), comprometendo a visualização. A desidratação prossegue em etapas, respeitando as propriedades de pressão osmótica, com o encharcamento do componente em solução alcoólica a 50%, 60%, 70%, 80%, 90% e por fim em solução absoluta (100%). Com a solução desidratada seguimos com a clarificação para remoção total do álcool presente 3 na solução com objetivo de permitir o encharcamento na parafina. Nesse caso, utiliza-se o xilol, um solvente, tanto miscível em álcool quanto em parafina. À medida que esse solvente penetra no tecido, em substituição ao álcool, seus componentes vão ficando em aspecto transparente, por isso o nome – clarificação. A parafina líquida à 56ºC é infiltrada no tecido e transferido a um molde que deverá endurecer e serão submetidos a microtomia para obtenção de segmentos. Após a microtomia, esse tecido deverá ser tratado com xilol para remover a parafina em questão e reidratá-lo para podermos prosseguir com a coloração. Ainda assim, essas secções de tecidos são incolores e não são adequadas para visualização em microscópio de luz. Dessa forma, prossegue-se com a coração, com a parafina previamente dissolvida e removida, e a lâmina, também, reidratada. Normalmente, usa-se a hematoxilina para corar os ácidos nucleicos – estruturas basófilas –, devido a sua natureza básica é oxidado (em benzoquinona) e resulta em uma coloração azul-púrpura escura. Em seguida prossegue com a lavagem dos cortes e coração em eosina, um corante de natureza ácida, que irá corar componentes básicos – acidófilos –, que se distribui pelo citoplasma celular. A eosina possui coloração vermelho rosado, variando com tons amarelados com fluorescência róseo-alaranjada (em solução alcóolica ou aquosa). 4 Referências Capítulo 1 JUNQUEIRA, L. C. U.; CARNEIRO, J. Histologia básica texto, atlas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. MCPHEE, S. J.; et al. Fisiopatologia da doença uma introdução à medicina clínica. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 2007. MEDRADO, L. Carcinogênese – Desenvolvimento, Diagnóstico e Tratamento das Neoplasias. Érica, 2015. ROSS, M. H., PAWLINA, W. R. Histologia – Texto e Atlas – Correlações com Biologia Celular e Molecular [7ed]. Guanabara Koogan, 2016. KUMAR, V.; et al. Robbins basic pathology, 9th ed. Philadelphia, PA: Elsevier/Saunders, 2013, p. 1–2. 5 CAPÍTULO DOIS PATOLOGIA CELULAR: ABORDAGEM PRÁTICA AO ESTUDANTE DE MEDICINA 1. A adaptação e a clínica fisiológica 2. Lesão e morte: o fim ou recomeço? 2.1. Morte celular: uma via a ser compreendida na clínica oncológica 3. Calcificação e pigmentação patológica associadas a clínica A célula é a unidade básica morfofuncional dos organismos, sua estrutura e função se adaptam constantemente às alterações extracelulares. A vida e a patologia são fundamentalmente indissociáveis, assim como a morte resulta dessa mescla. O fim embora seja resultado da morte, significa um curso comum da vida. Além de que pode representar o início de uma outra história. Pensaremos em uma célula normal, em estado homeostático, submetida a um estresse fisiológico ou estímulo patológico, dois cenários podem ocorrer: a adaptação ou a lesão celular. A diferença de um ao outro diz respeito a incapacidade de se adaptar. Do ponto de vista macro essa "incapacidade de se adaptar" esteve associada com as estratégias evolutivas humanas. Na perspectiva celular, uma lesão celular, caso leve e transitória, pode ser reversível, mas quando intensa e progressiva, pode ser irreversível. Desse modo, lesões irreversíveis conduzem a uma morte celular, ou via necrose ou apoptose. A vida, portanto, está sujeita as regras do jogo humano: a morte. 1. A adaptação e a clínica fisiológica As principais respostas adaptativas são a hipertrofia, hiperplasia, atrofia e metaplasia. O limiar que separa a adaptação da lesão celular diz respeito ao grau de excesso ou a nocividade do estímulo. Supondo um indivíduo com Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) não controlada por medicamentos, ou uma pessoa com estenose aórtica, ocorre um aumento gradual da pós-carga. Desse modo, temos uma reação fisiológica produto da pressão – lei de Laplace-Young – associada a multiplicação do número de miofibrilas, com aumente da espessura individual dos miócitos e deposição da matriz extracelular: hipertrofia cardíaca. Em termos gerais, a hipertrofia pode ser definida comoo aumento do tamanho das células que resulta em um aumento do tamanho do órgão. Além pode ser tanto fisiológica – reação natural devido a um estado corporal – quanto patológica – a própria hipertensão ou valvulopatia. Em específico sobre a hipertrofia cardíaca, dois sinais podem ser destacados em nossa prática clínica: os mecânicos e os tróficos. 6 O estímulo hipertrófico é recebido via receptores celulares que desencadeia uma reação de sinalização intracelular, cujo resultado é a síntese proteica e hipertrofia. Uma resposta mecânica, tal como o estiramento do sarcômero, ativa os receptores de membrana que aumentam o influxo de Na+, Ca++ e H+, o que causa aumento dos níveis citoplasmáticos de proteína G e AMP cíclico, ativando cascatas de fosforilação e modulando transcrição de DNA. A resposta trófica segue a mesma lógica, embora os receptores de membrana são distintos, tais como os receptores: adrenérgicos, de angiotensina II, de hormônios tireoidianos e de insulina. Dessa forma, pensemos em um quadro de hipertireoidismo (tireotoxicose), os achados cardiovasculares dizem mais a respeito da responsividade dos receptores adrenérgicos cardíacos (Beta-1) do que, necessariamente, a quantidade de catecolaminas circulantes. Em termos gerais, essa hipertrofia pode ocorrer ou por sobrecarga de volume – adição em série de sarcômeros – ou por sobrecarga de pressão – adição em paralelo. Quando a célula hipertrofia em paralelo, teremos um aumento concêntrico, enquanto a hipertrofia em série, teremos um aumento excêntrico. Um exercício é pensarmos canos que tiveram seu diâmetro(d’) aumentado, ambos com o mesmo d’, mas os orifícios centrais (o’), onde a água deverá passar, distintos. O cano 1 (d’,o’1= 3mm) apresentou uma “hipertrofia concêntrica”, enquanto o cano 2 (d’, o’2= 11mm) teve uma “hipertrofia excêntrica”. Assim como a hipertrofia, a hiperplasia pode ser fisiológica ou patológica e associada com sinalização celular – fatores de crescimento. Por definição, estímulos hormonais ou fatores de crescimento estão associados com a proliferação celular, dependendo de tecidos que contém populações celulares capazes de se dividir. Além disso, pode ocorrer simultaneamente à hipertrofia, e sempre em resposta ao mesmo estímulo. Em um aumento da demanda funcional cardíaca, que cursa com a elevação da pós-carga, um dos resultados é o aumento do tamanho do órgão, que tanto pode ser devido a uma hiperplasia quanto uma hipertrofia. Todavia, embora um mesmo estímulo possa desencadear essas respostas adaptativas, as células musculares cardíacas não possuem a capacidade de divisão. Portanto, na hipertrofia do miocárdio, por uma insuficiência cardíaca congestiva, a hiperplasia ocorre a nível das células não musculares, tais como as células da matriz, a destacar os fibroblastos. A hiperplasia do tipo fisiológica, segmenta-se em hormonal e compensatória. A multiplicação celular do epitélio glandular da mama feminina tem seu ápice na puberdade e durante a gravidez. Em termos fisiológicos, essa resposta, são produtos da estimulação de estrogênio e progestogênio, bem como seus respectivos receptores nas células do tecido mamário. O exemplo mais clássico da hiperplasia compensatória diz respeito ao mito de Prometheus, condenado a alimentar, durante o dia, uma águia com seu fígado, e durante a noite a "regeneração", exposto a uma eterna tortura. Embora, o hepatócito seja uma célula epitelial que raramente se divide, a restauração do seu parênquima ocorre por hiperplasia celular compensatória do parênquima remanescente, de forma regulada e precisa. Essa resposta regenerativa ocorre devido a liberação de fatores de crescimento: de Hepatócitos (HGF), Epidérmico (EGF) e de Fibroblastos (FGF). A atrofia é a diminuição do tamanho da célula, pela perda de substância celular, mas não morte celular. São causas da atrofia: a diminuição da carga de trabalho, perda de inervação, diminuição do suprimento sanguíneo, nutrição inadequada, perda de estimulação endócrina e o envelhecimento. Isso resulta 7 da combinação da síntese proteica diminuída com a degradação proteica aumentada nas células. Uma possível causa da degradação proteica ocorre via ubiquitina-proteossoma, no qual a deficiência de nutrientes promove uma ativação de ligases da ubiquitina que aceleram o catabolismo. Além disso, em muitas situações, a atrofia é acompanhada pelo aumento da autofagia, que resulta no aumento do número de vacúolos autofágicos. A carga genética tecidual é expressa pelas suas características fenotípicas. Na metaplasia ocorre uma alteração reversível do tipo celular adulto (epitelial o mesenquimal) por um outro tipo celular. Nesse caso, uma expressão fenotípica tecidual mais sensível é substituída por outra mais capaz de suportar o ambiente hostil. Em pacientes fumantes, é comum a metaplasia do tecido epitelial respiratório, nesse caso o epitélio colunar e ciliado (normal) dos brônquios e traqueia é substituído pelo epitélio pavimentoso estratificado – mais resistente. Todavia, características como a secreção de muco e remoção pelos cílios de materiais particulados são perdidos por essa ‘troca’. 2. Lesão e morte: o fim ou recomeço? A sobrevivência da espécie humana dependeu em graus variados da sua capacidade de adaptação ao meio inserido. Eventos excessivamente estressantes foram determinantes na seleção natural, e muitas vezes significou o desaparecimento de grupos étnicos ao redor do mundo. Além disso, anomalias intrínsecas, como alterações em segmentos genéticos, tanto foram positivas para a adaptação, como foram e são negativas para a sobrevivência humana. Essa associação de pontos de vistas auxilia na construção da patologia, temos que ter consciência de diferenciar a ocorrência de eventos microscópicos de macroscópicos. Isso porque a expressão fenotípica de uma lesão celular, embora focal ou multifocal, pode ter seus sintomas e sinais clinicamente ocultos, a depender do estágio. Ressalto, que muitas lesões podem ser reversíveis, do ponto de vista celular, genes como o p53 agem inibindo o ciclo celular de células geneticamente anormais. Os dois principais mecanismos de lesões reversíveis são a tumefação celular e a degeneração gordurosa. A tumefação é o resultado da falência das bombas de íons dependentes de energia na membrana plasmática, incapacitando a manutenção da homeostasia iônica e líquida. A degeneração gordurosa advém da privação de oxigênio e de lesões metabólicas ou tóxicas, nesse caso, tem-se a formação de vacúolos lipídicos, grandes ou pequenos no citoplasma. Uma gama de fatores pode estar associada com a lesão celular, destacaremos alguns. A privação de oxigênio interfere comumente no metabolismo aeróbico celular, isso por conta da oxigenação inadequada, ou por uma isquemia, pneumonia, anemia ou envenenamento. O clássico evento de envenenamento celular é o CO (monóxido de carbono) que realiza uma ligação de alta afinidade química, competindo por sítios de ligação com o O2, bem como interagindo com os citocromos e provocando uma inibição do ciclo de Krebs. O monóxido de carbono é um agente químico que causa severos danos a nível celular, além de ser comumente encontrado em poluentes diários. A exposição prolongada e o envenenamento severo podem levar à morte, tendo seu prognóstico dependente do tempo de exposição e administração do tratamento que é feito com oxigenoterapia hiperbárica. Os fatores adquiridos, tais como os distúrbios nutricionais e agentes físicos, embora com etiologias distintas causam distintas lesões celulares. As deficiências proteico-calóricas, dentre elas o Kwashiorkor, ocasionam uns 8 desequilíbrios osmóticos. Os fatores biológicos, como agentes infecciosos e reações imunológicas, podem ocasionar reações lesivas à célula, a presença de microrganismos podem desencadear via interleucinas cascatas inflamatórias que, variando a intensidade, lesar. Não obstante, fatores genéticosresultam em alterações patológicas grosseiras, tal como nas malformações congênitas associadas à síndrome de Down. Bem como, alterações sutis, como a substituição do ácido glutâmico por valina, que produz um "afoiçamento" da hemoglobina S, causando da anemia falciforme. O traço falcêmico pode ser diagnosticado ainda na infância com o teste do pezinho, os sintomas costumam a aparecer na segunda metade do primeiro ano de vida da criança. Além disso, o envelhecimento celular leva a alterações nas habilidades de replicação e de reparo das células e tecidos. 2.1. Morte celular: uma via a ser compreendida na clínica oncológica A necrose é considerada como uma forma acidental e não programada de morte celular, muitas vezes associada a progressão e agressividade do tumor. Os núcleos necróticos são produtos do estresse metabólico que indica o mau prognóstico, a quimio-resistência e metástases tumoral. O inchaço celular progride para uma ruptura de membrana ocasionando a liberação de HMG1 e citocinas pró-inflamatórias, ocasionando o recrutamento de células imunes. Desse modo, a progressão de tumores é intrínseca às mutações pró- oncogênicas e alterações epigenéticas, induzindo a angiogênese e proliferação de células cancerosas. A necrose pode ser regulada por estresse metabólico, Oxygen-Glucose Deprivation (OGD), bem como reprogramada pelos genes Snail e Dlx2. A compreensão esses pontos nos auxilia entender os mecanismos precisos da progressão do tumor ligado à necrose, sendo crucial para o desenvolvimento estratégias terapêuticas na clínica oncológica. Precisamos estruturar alguns conceitos para prosseguirmos. A apoptose por definição é a morte celular programada mediada por fatores extrínsecos (via de receptores) e intrínseco (via mitocondrial). A anoikis é um tipo de morte celular programada dependente de ancoragem com a matriz extracelular, isto é, quando elas perdem o contato com esse meio. Enquanto a paraptose é outro tipo de morte celular programada, no qual temos a formação de vacúolos citoplasmáticos. Quando a célula desmonta seus componentes citoplasmáticos para renovação ou remodelamento deles, por definição chamamos de Autofagia. Isso depende de conduções de privação ou hipóxia ou altas temperaturas, sendo essencialmente um evento catabólico. Não obstante, a necrose é um processo de catástrofe bioenergética que culmina em morte celular. Do ponto de vista funcional, a necrose é produto do inchaço das organelas celulares que progride com a perda da integridade da membrana plasmática, a degradação aleatória do DNA e liberação não controlada de moléculas, a destacar HMGB1 e lactato desidrogenase (LDH). Suas causas são diversas, como condições patológicas de isquemia, trauma, infecções, além das ROS (espécies reativas de oxigênio). Lembre-se, ainda, que tal pode ser programada (regulada) ou acidental (não programada). Todavia, a necrose seja considerada como uma morte celular não programada, há formas de regular a necrose. A necroptose é uma alternativa, sob a ótica das vias de sinalização, como a dependência à proteína quinase 1 que interage com o receptor RIPK1 ou RIPK3 e os MLK1 (substratos dos RIP). Além disso, existe os artanatos, ferroptose, oxitose, NETose/ETose, pironecrose e piroptose. As regiões internas dos tumores sólidos, normalmente >4mm de diâmetro, exibem hipóxia, isso é um sinal de malignidade, sendo difíceis de 9 tratar. As células tumorais são geneticamente limitadas, em vias apoptóticas, com tendência à necrose. Diferentemente da apoptose, que é reconhecida pela supressão tumoral, a necrose está associada com o aumento do tumor, bem como seu mau prognóstico. Isso, porque, genes como o genp53, em resposta a anormalidades cromossômicas, ativa vias apoptóticas para supressão tumoral. Enquanto a autofagia pode tanto associar com a supressão quanto a promoção de tumores, dependendo do contexto celular. Autofagia tanto pode eliminar substratos proteicos oncogênicos, quanto pode aumentar o estresse oxidativo (ROS). As duas principais causas de promoção de tumores são: Damage-Associated Molecular Pattern (DAMP) e a inflamação crônica. A necrose associada aos DAMP’s, em específico (HMGB-1), ocorre devido ao recrutamento células inflamatórias imunes, induzindo: a angiogênese, a proliferação de células cancerígenas e a invasividade. Os mecanismos moleculares da HMGB1 são onipresentes ao microambiente tumoral e funções através da ativação das vias de sinalização de NF-κB. O HMGB1 extracelular se liga a vários receptores, incluindo RAGE, TLR2 e TLR4 e ativa as vias de sinalização a jusante, como MAP quinases e diferenciação mieloide Vias NF-κB dependentes da proteína de resposta primária 88- (MyD88-). Enquanto o NF-κB aumenta a expressão de seus genes alvo (como IL-6, IL-8, e Snail) para regular o crescimento do câncer, angiogênese, EMT, invasão e metástase. A família de genes oncogênicos MYC e RAS induzem o recrutamento de leucócitos e linfócitos, a expressão de quimiocinas e citocinas induzem a “angiogenic switch”, onde os fatores de transcrição em vias intrínsecas de inflamação induzem a produção de ROS e as RNI (espécies intermediárias de nitrogênio). Desse modo, tem-se o recrutamento de citocinas e mudanças epigenéticas, com a hipermetilação de genes supressores de tumor e apoptóticos. No geral, a liberação de conteúdo celular vai seguir com o crescimento tumoral, progressão tumoral e recrutamento de infiltrado leucocitário. Além disso, células necróticas expressam as ciclooxigenases (COX-2) e subsequentemente estimulam a secreção de PGE2 de tumores ativos, que promove o crescimento tumoral e a inibição de células citotóxicas. A inflamação crônica atua de modo semelhante aos DAMP, ocasionando a mutação de genes supressores de tumor, necrose e mutação de proto-oncogenes. A privação de oxigênio e glicose (OGD) tem tido um papel importante na progressão tumoral, posto que o aumento da produção de ROS, regulada OGD, induz a necrose em tumores sólidos. Quando analisamos em células HUVEC, a OGD leva à necrose mitocondrial – via associação mitocondrial p53-ciclofilina. Os resultados obtidos são: a despolarização mitocondrial, a produção de ROS e violação do LDH. Além disso, observamos que o microRNA tem um papel de inibir o AMPK – molécula responsável por inibir a necrose induzida por OGD –, assim se usarmos um AntagomirR-451 – inibidor de microRNA-451 – podemos regular a necrose. Os genes Snail, Dlx-2 e Egr-1 tem o potencial de regular a atividade mitocondrial e metabolismo da glicose via “downregulating” das subunidades do citocromo C oxidase (COX) ou Frutose-1,6-bifosfatase 1. No metabolismo oncogênico a maioria das células cancerígenas produzem glicose, através da fosforilação oxidativa, em presença de oxigênio. Outro mecanismo, não muito comum, é o metabolismo da glutamina, via das pentoses fosfatadas, e síntese de ácidos graxos e colesterol. Precisamos compreender que as células tumorais tendem a reprogramar seu metabolismo 10 em condições específicas, com um aumento da glicose anaeróbica e redução da aeróbica (péssimo prognóstico). Dessa forma, podemos usar muitas moléculas reguladoras envolvidas na necrose, incluindo Snail e Dlx-2, assim é possível realizar uma reprogramação metabólica de células cancerosas. Portanto, a necrose pode ser um dos efeitos das terapias anticâncer. Os agentes anticâncer que visam a apoptose frequentemente induzem efeitos excessivos ou indesejados, mesmo em doses terapêuticas. Por isso, que se tem a necessidade de entender os mecanismos moleculares do estresse metabólico em tumores, visando o desenvolvimento de estratégias terapêuticas. Os sinais intrínsecos e extrínsecos são determinantes nos mecanismos de morte celular programada, essa compreensão pode ser usada para a regulação de patologias. A via intrínseca do apoptose, regulada pela família de genes Bcl-2, ocorre em células com dano genético ou em oncogenes de regulaçãopositiva. As proteínas BH123 - variantes pró-apoptóticas da família Bcl-2 - formam oligômeros na parede externa da mitocôndria, isso aumenta a permeabilidade da membrana, possibilitando a saída do citocromo c e de outras moléculas - SMAC/Omi e Xiap. A presença do citocromo c no conteúdo celular ativa os apoptosomos que via caspases libera o sinal para a morte celular. Além disso, em situações de estresse do retículo endoplasmático, ocorre a saída de Ca2+, todavia com a presença de variantes anti-apoptóticas da família Bcl-2, os oligômeros na parede externa não são formados, e não se altera a permeabilidade mitocondrial. Quando falamos da via extrínseca do apoptose, estamos falando de sinais extracelulares que induzem à apoptose. Destaca-se os receptores de morte, "Death Ligands" (TNF-alfa) e "Death receptors" (TNFR1), que são membros da família do receptor de TNF - Fatores de Necrose Tumoral. No geral, a ideia é a mesma, há uma ativação das caspases mostrando uma convergência entre o intrínseco e o extrínseco, embora o sinal seja recebido por receptores de membrana celular, sendo o sinal externo. Como citado em trechos anteriores, células tumorais são limitadas do ponto de vista apoptóticos, tendendo à necrose. Isso significa um problema do ponto de vista clínico, pois a necrose é um fator de mau prognóstico em cânceres. O fato é que a apoptose, sobretudo a via intrínseca, tem como objetivo controlar o número de células, com destaque à regulação positiva dos genes Bcl- 2. Entretanto, caso haja um desequilíbrio nas interações proteína-proteína internamente, é possível regular positivamente subgrupos proto-oncogênicos da família Bcl-2. Do ponto de vista clínico, medicamentos que regulem a proto- oncogenicidade proteica e estimulem a anti-oncogenicidade desses subgrupos apresentam um ponto positivo no combate ao câncer. Por outro lado, alterações nas vias normais do apoptose dificultam o tratamento de tumores. Além disso, células cancerígenas formam "blebbishield", isto é uma "bolha de proteção", em resposta à apoptose. Após a apoptose, as células cancerígenas conseguem reconstruir os corpos apoptóticos dentro dessas bolhas plasmáticas, significando um sinal de malignidade e resistência a terapia anticancerígena. 3. Calcificação e pigmentação patológica associadas a clínica Do ponto de vista celular, substâncias podem se acumular em quantidades anormais nos tecidos, associando-se ou não com lesões. Essas substâncias podem se localizar no citoplasma, no interior de organelas ou no núcleo, além de serem sintetizadas pelas células afetas ou produzida em qualquer outro lugar. O acúmulo de pigmentos pode ser de origem endógeno, quando sintetizado pelo corpo, ou exógeno, quando originados fora do corpo. O 11 pigmento exógeno mais comum é o carbono, que quando agregado escurece os linfonodos e o parênquima pulmonar, condição conhecida como antracose. A lipofuscina, produto do envelhecimento ou atrofia celular, possui uma coloração castanho-amarelado e se encontra nos tecidos cardíacos, do fígado e do cérebro. Sua composição é lipoprotéica derivada da peroxidação por radicais livres de lipídios polinsaturados de membranas subcelulares. Além disso, temos a melanina e hemossiderina, ambos endógenos, mas com funções distintas. Enquanto a melanina é produzida pelos melanócitos e possui uma composição preto-acastanhado, localizado na epiderme, atuando como protetor contra a radiação ultravioleta prejudicial. A hemossiderina é derivada da hemoglobina, de coloração variando entre o amarelo a castanho-dourado, acumulando-se em tecidos com excesso de ferro local ou sistêmico. Em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva esquerda, o ventrículo esquerdo tem sua potência reduzida e o sangue fica retido na circulação pulmonar o que ocasionando hiperemia passiva crônica. Desse modo, a pressão nos capilares alveolares é substancialmente elevada, isso obriga as hemácias a passarem por meio das células endoteliais e dos pneumócitos para luz alveolar. A ativação dos macrófagos, pela diapedese, é consoante a esse evento de migração alveolar, e com isso ocorre uma fagocitação da hemoglobina. Nesse ponto, teremos a separação da porção férrica – heme – da porção proteica – globina. A apoferritina incorpora do ferro da hemoglobina por meio de micelas de hidroxifosfato férrico, à medida que o tamanho excede, essa estrutura é visível no microscópio óptico – hemossiderina. A calcificação patológica é um processo comum em uma gama de doenças que impliquem o depósito anormal de sais de cálcio, normalmente ocorre uma combinação com pequenas quantidades de ferro, magnésio e outros minerais. Quando essa calcificação ocorre em tecidos mortos ou que estão morrendo, chamamos de calcificação distrófica; portanto, ocorre na ausência de perturbações metabólicas do cálcio. Porém, quando os depósitos de cálcio ocorrem em tecidos normais, chamamos de calcificação metastática, que quase sempre reflete algum distúrbio do cálcio, níveis sérios de cálcio anormais. Do ponto de vista clínico, a progressão do acúmulo de cálcio no arco aórtico está associada aos fatores de risco cardiovascular, síndromes metabólicas, diabetes e a doenças coronarianas. Além disso, o uso de estatinas, ainda é controverso, embora usadas para redução nos níveis séricos de LDL, também estão associadas a inibição da vitamina K2 que, naturalmente, age inibindo a calcificação vascular. 12 Referências Capítulo 2 JINESH, G. G.; KAMAT, A. M. Blebbishield emergency program: an apoptotic route to cellular transformation. Cell Death & Differentiation, v. 23, n. 5, p. 757–758, 2016. JINESH, G. G.; KAMAT, A. M. The Blebbishield Emergency Program Overrides Chromosomal Instability and Phagocytosis Checkpoints in Cancer Stem Cells. Cancer Research, v. 77, n. 22, p. 6144–6156, 2017. LEE, S. Y.; et al. Regulation of Tumor Progression by Programmed Necrosis, Oxidative Medicine and Cellular Longevity, v. 2018, p. 1–28, 2018. OLIVEIRA-PINTO, J.; et al. Fatores de risco para calcificação aórtica e impacto da calcificação do colo proximal e saco aneurismático na sua progressão pós-evar. Angiol Cir Vasc, Lisboa, v. 13, n. 3, p. 30-35, dez. 2017. KUMAR, V.; et al. Robbins basic pathology, 9th ed. Philadelphia, PA: Elsevier/Saunders, 2013, p. 1–28. 13 CAPÍTULO TRÊS FISIOPATOLOGIA DA INFLAMAÇÃO 1. Fisiopatologia da inflamação aguda 1.1. Vasculatura morfofisiológica 1.2. Mediação química e eventos celulares 2. Fisiopatologia da inflamação crônica 3. Artrite reumatoide: aspectos fisiopatológicos 3.1. A mononeurite múltipla e a artrite reumatoide 3.2. Diagnóstico da artrite reumatoide 3.3. Tratamento da artrite reumatoide 4. Mecanismos de reparo de lesões cardíacas: uma quebra de paradigmas Em termos conceituais, a inflamação é uma complexa reação protetora de vasos sanguíneos, proteínas e mediadores do hospedeiro com fins de eliminar a causa primordial da lesão. Um organismo que não reage as infecções com a inflamação, as feridas jamais cicatrizariam. Nesse aspecto, a inflamação é uma das principais barreiras de defesa do organismo – imunidade inata – diluindo, destruindo ou neutralizando os agentes nocivos. Todavia, a destacar o papel funcional da inflamação e do reparo, não elimina a sua causalidade em danos consideráveis. Em condições normais, as células de defesa, tais como os leucócitos, circulam pelo organismo, tendo o papel da reação inflamatória recrutá-las para o local da infeção ou lesão tecidual. Por definição a inflamação é dividida em aguda e crônica. A inflamação aguda tem seu início rápido e de curta duração, de poucos minutos a poucos dias, e caracteriza-se pela exsudação de líquido e proteínas plasmáticas, com acúmulo de leucócitos – a destacar neutrófilos. Portanto, normalmente, a aguda deverá cursar com alteraçõesvasculares e edema, a presença de células polimorfonucleares e a fibrina. Enquanto a inflamação crônica tem seu início mais lento, com a duração de dias a anos, e é caracterizada pelo influxo de linfócitos (células mononucleares) com proliferação vascular associada e fibrose. Nesse aspecto, a inflamação crônica é resultado de uma tentativa de reparo de uma destruição tecidual, comum a agentes infecciosos persistentes, tóxicos e doenças autoimunes. Os sinais clássicos da inflamação, ou sinais flogísticos, são o calor, o rubor, o tumor, a dor e a perda de função. Os sinais cardinais – quatro primeiros – foram descritos há mais de 2.000 anos por Celsus, relacionando-se desde o início com a prática médica. O último sinal – perda de função – seria resultado das alterações vasculares e modificações celulares evidenciados pelos quatro 14 primeiros, tendo sua etiologia categorizada por Rudolf Virchow. A inflamação é classicamente vista como uma reação controlada e autolimitada, sendo tal reação com vida curta, muito embora caso o agente agressor não seja removido podemos progredir com casos crônicos de inflamação. No desenrolar desse capítulo tentaremos aplicar esses dois conceitos dentro da parte fisiológica da clínica. 1. Fisiopatologia da inflamação aguda Quando falamos em inflamação aguda sempre associamos com as citocinas e as interleucinas (IL). De fato, não estamos errados, mas precisamos compreender melhor esse ponto. Conforme citado anteriormente, o agente nocivo vai desencadear uma reação em cadeia que deverá recrutar células de defesa. Do ponto de vista microbiológico, sinais extracelulares, tais como lipídeos da parede celular da bactéria ou polissacarídeo de fungos, possuem respectivamente seus receptores de membrana, receptores do tipo Toll (TLRs) e lectinas. Esse sinal é interpretado do ponto de vista celular para o estímulo de produção de citocinas, tais como os fatores de necrose tumoral (TNF), que expressam o aumento de moléculas de adesão associadas à inflamação aguda. Moléculas de adenosina trifosfato (ATP) de origem bacterianas podem atuar fosforilando caspases inativas, essas moléculas têm um papel determinante na ativação de IL-1b. Além disso, componentes intracelulares, como endossomos ou componentes citosólicos, têm a capacidade de ativar citocinas. A destacar o RNA ou DNA do agente nocivo, bem como componentes lipídicos da parede celular, sobretudo de bactérias. Resumindo, a inflamação cursa com o aumento da permeabilidade vascular e migrações de células polimorfonucleares – a destacar neutrófilos. A fase aguda produz várias alterações clínicas e patológicas, podemos destacar a febre, aumento expressivo de níveis plasmáticos de proteínas, leucocitose e até mesmo aumento da frequência cardíaca e pressão arterial. A febre costuma ser a manifestação clássica, caracterizada pelo aumento da temperatura corporal, dos agentes pirogênicos que estimulam a síntese de PGE no endotélio e estruturas vasculares do hipotálamo. A ação leucocitária estimula a liberação de IL-1 e TNF que ocasionam o aumento dos níveis de cicloxigenase, por isso que chamados essas citocinas de pirógenos endógenos. O aumento dos níveis plasmáticos de proteínas é significativo, sobretudo da proteína C reativa (CRP), além de atuar nos níveis de fibrinogênio e proteína amiloide A sérica (SAA). Essa elevação diz respeito a função de opsonização da CRP em paredes celulares antigênicas, e desse modo fixar o sistema complemento. Entretanto, os níveis séricos de CRP são marcadores de risco aumentado para isquemia miocárdica, necroses e aterosclerose. A contagem de leucócitos tende a subir em situações inflamatórias, quadro de leucocitose, sendo uma reação comum, muito embora reações leucomoides não são normais, estando associadas a quadros leucêmicos. O evento é produto do pool de reserva pós-mitótico da medula óssea, lembrando do papel das citocinas TNF e IL-1 no aumento leucocitário. Os quadros de aumento da frequência cardíaca e pressão arterial ocorre devido as alterações vasculares da inflamação. Naturalmente, o fluxo sanguíneo cutâneo é redirecionado para estruturas profundas, com fins de reduzir a perda de calor pela transpiração. 1.1. Vasculatura morfofisiológica 15 Precisamos compreender que água, sais, aminoácidos, glicose e outras pequenas moléculas conseguem passar pelos capilares normais, normalmente o tipo de passagem varia conforme o tipo molecular. As moléculas lipossolúveis passam pela célula – afinidade de membrana –, as hidrossolúveis pelas junções e canais intracelulares. O ponto principal a ser destacado é o balanço – reabsorção do líquido tecidual – entre a pressões osmótica (25mmHg) e hidrostática (32-12mmHg), desse modo o fluxo final de líquido que atravessa o leito vascular é próximo de zero, ressaltando que há uma quantidade desprezível. Em condições de transudato, isto é o extravasamento de líquido, teremos o aumento da pressão hidrostática aumentada, e redução da pressão osmótica coloidal. Insuficiências cardíacas congestivas, normalmente, cursam com o aumento anormal da pressão hidrostática, evidenciando o edema local. Na inflamação, temos uma condição de vasodilatação, com o aumento dos espaços entre os endotélios e não só o extravasamento de líquido, mas também de proteínas. Esse aumento dos espaços entre os endotélios ocorre devido a contração, assim temos a abertura de junções intercelulares. Os vasos ficam dilatados, com grande volume sanguíneo local e circulação mais lenta, em ponto de estase. Admite-se que a contração endotelial é consequência da ligação da histamina, bradicinina, leucotrienos e muitos outros mediadores químicos, bem como destaca-se o papel do TNF e IL-1 como retardantes endoteliais. A lesão endotelial, seja ela direta ou induzida por leucócitos, tem um papel importante no desencadear do aumento da permeabilidade vascular. Os vasos linfáticos, presentes em todas as regiões corporais, são por vezes considerados como um sistema de continuidade entre a drenagem de líquidos e células e o sangue – veia cava. Embora, inicialmente tais vasos devam drenar para os linfonodos, evitando que substâncias antigênicas e bactérias fluam diretamente ao sangue. Normalmente, ocorre uma inflamação secundária (linfangites) aos linfonodos (linfadenite) que hiperplasia seus folículos linfoides, aumentando o número de linfócitos e células fagocíticas, dos seis linfonodais. Quadro 1 – Principais substâncias secretadas pelo endotélio Substâncias Efeitos Prostaciclina Vasodilatação Tromboxano A2 Agregação plaquetária e vasoconstrição Óxido nítrico Potente vasodilatador Endotelinas Potente vasoconstritor Fonte: Autor Quadro 2 – Principais hormônios circulantes Substâncias Efeitos Bradicinina e Lisilbradicinina Vasodilatação Peptídeo natriurético atrial (PNA) Natriurese* e ação vasodilatadora Peptídeo natriurético do tipo B (PNB) Natriurese* e ação vasodilatadora Histamina Dilatação arteriolar Epinefrina no músculo esquelético e fígado Dilatação arteriolar Peptídeo intestinal vasoativo Dilatação arteriolar Norepinefrina Constrição arteriolar Epinefrina (exceto no músculo esquelético e fígado) Constrição arteriolar Vasopressina arginina Constrição arteriolar Angiotensina II Constrição arteriolar Neuropeptídio Y Constrição arteriolar Substância P Dilatação arteriolar Fonte: Autor Nota: (*) Aumento da taxa de filtração glomerular (TFG), devido a excreção de sal pela urina, o que reduz o volume sanguíneo e alivia o estiramento dos miócitos. Esse efeito tende a contrariar os efeitos pressores da angiotensina II, mas é inibido por substâncias como aldosterona. 16 1.2. Mediação química e eventos celulares As aminas vasoativas, com destaque para a histamina e a serotonina, estão relacionadas com a primeira fase do aumento de permeabilidade. Em condições naturais, tais moléculas estão estocadas em grânulos citoplasmáticos de mastócitos, basófilose plaquetas. As principais proteases plasmáticas advêm do sistema complemento, cininas plasmáticas e do sistema de coagulação. As anafilatoxinas C3a e C5a aumentam a permeabilidade vascular pela liberação da histamina de mastócitos e plaquetas, bem como se destaca a molécula C5a que ativa a via lipoxigenase em neutrófilos e macrófagos levando à formação de outros mediadores que aumentam a permeabilidade vascular. As cininas plasmáticas são formadas pela ativação do fator XII (ou Hageman) da coagulação sanguínea, que levam à formação da bradicinina, potente agente vasodilatador e que aumenta a permeabilidade vascular. Além disso, ressalto o papel dos metabólitos do ácido araquidônico pelas duas vias: ciclooxigenase e lipoxigenase. No que tange a via das ciclooxigenases, tem-se a prostaciclina (PGI2), que promovem a vasodilatação, o tromboxano A2, que produz vasoconstricção, e prostaglandina (PGE), que atua vasodilatação. A via das lipoxigenases, tem-se os endoperóxidos HPETE, que promove vasoconstricção e aumento da permeabilidade vascular; leucotrienos (C4, D4, E4, B4 e HHt) responsáveis pela vasoconstricção e aumento da permeabilidade vascular. A permeabilidade vascular pode ser induzida, também, por proteínas granulosas dos neutrófilos, ou diretamente, ou ativando mastócitos. Os radicais livres de oxigênio possuem um papel importante no aumento da permeabilidade vascular por lesão celular com a ativação do sistema complemento (C5a), por exemplo. Por outro lado, o Fator Ativador de Plaquetas (PAF), derivados das membranas de mastócitos, basófilos, neutrófilos e eosinófilos, tanto pode causar vasoconstricção, em concentrações muito baixas. Quanto vasodilatação e aumento da permeabilidade, em concentrações que estimulem a síntese de PGE e leucotrienos. As células endoteliais, macrófagos e neurônios centrais específicos atuam liberando óxido nítrico, possuindo efeitos vasodilatador, relaxamento da musculatura lisa, redução da agregação e adesão plaquetária, além de um efeito microbicida. As citocinas possuem um efeito proximal, sobretudo o IL-1 e TNF, ao estimular a síntese de PGl2, um potente vasodilatador de células endoteliais. Na inflamação aguda, as citocinas são produzidas durante as fases de ativação e efetora da imunidade inata e adaptativa. Há pelo menos dois eventos, conceituais gerais, celulares, a diapedese e a quimiotaxia. A ocorrência da passagem de leucócitos através do endotélio depende de moléculas de adesão (PECAM-1) e transposição da membrana basal (protease). Enquanto a quimiotaxia envolve sinais múltiplos, com finalidade de orientar a locomoção, dependendo de substâncias exógenas (antígenos) ou endógenos – componentes do complemento, leucotrieno B4 e citocinas. O padrão de circulação ocorre inicialmente com a aproximação dos leucócitos no endotélio, com a migração e rolagem. Na membrana leucocitária existe duas moléculas de contato, a glicoproteína Sialil-Lewis X modificada e a integrina - estado de baixa afinidade. Essas moléculas interagem com os grupamentos 'P'/'E'-selectina em um modelo rotatório, até uma estabilização, quando a integrina – com um estado de alta afinidade – interagem com o ligante de integrina (ICAM-1). Após os eventos de migração, adesão e rolagem, as células atravessam a parede vascular, via transmigração – diapedese. Nesse caso, o movimento é 17 coordenado por moléculas PECAM-1, onde o acúmulo de leucócitos se dará no foco inflamatório. A migração é dirigida ao foco de agressão, via quimiotaxia, nesse caso macrófagos com antígenos fagocitados granulam citocinas (TNF e IL-1) e quimiocinas. 2. Fisiopatologia da inflamação crônica A inflamação crônica diz respeito à duração do evento, enquanto a aguda envolve a curta duração e células polimorfonucleares, a crônica envolve células mononucleadas - linfócitos, plasmócitos e macrófagos - durante um longo período. Por ser de longa duração, é comum observar fenômenos proliferativos, como a fibrogênese e angiogênese, podendo haver outros eventos observados na fase aguda, tais como a destruição e reparação. Portanto, temos as principais características morfológicas da inflamação: infiltração de células mononucleares, destruição do tecido e reparo. O equilíbrio entre hospedeiro e agente lesivo é determinado pela baixa toxicidade e em alguns casos estimulando a reação de hipersensibilidade tardia. Os eventos patológicos, como silicose (sílica), asbestose (asbestos), sarcoidose, artrite reumatoide, tuberculose e a hiperplasia fibrótica, são condições no qual se observa a inflamação crônica. Nesse caso, demos exemplos que se enquadram como etiologias de infecções persistentes, a exposição prolongada a agentes tóxicos e condições autoimunes. Os macrófagos podem ser ativados classicamente (M1) ou alternadamente, isso depende do estímulo recebido. Micróbios e citocinas do tipo IFN-y estimulam positivamente a ativação do macrófago M1, que sobre presença de ROS, óxido nítrico e enzimas lisossômicas tem uma função microbicida, tanto de fagocitose quanto morte de bactérias e fungos. Por outro lado, a presença de interleucinas (IL-1, IL-12, IL-23 e quimiocinas) são a principal via pró-inflamatória. Todavia, as interleucinas (IL-13 e IL-4) estimulam a ativação alternada dos macrófagos, e tais sob presença de IL-10 e TGF-beta, possuem efeitos anti-inflamatórios. Muito embora, quando em presença de fatores de crescimento, ou do próprio TGF-beta tem uma ação de reparo tecidual e fibrose. Ressalto, também, o papel dos macrófagos na infiltração celular, pois à medida que fagocitam estruturas, ocorre uma granulação, como citado anteriormente, de citocinas que recrutam continuadamente monócitos da circulação. Nesse caso, teremos uma proliferação local de macrófagos no sítio inflamatório e imobilização local, lembre-se que esse evento é em tecidos cronicamente inflamados. Não obstante, os macrófagos interagem com linfócitos, sobretudo 'T', recrutando leucócitos participando da inflamação, nesse caso do tipo crônica. O macrófago M1 apresenta antígenos às células T e produzem citocinas (IL-6, IL- 12 e IL-23), essas respostas são traduzidas pelo linfócito T pela ativação (Th1 e Th17) e estímulo a liberar mais citocinas. Desse modo, as citocinas (IL-17 e TNF) atuam recrutando leucócitos, enquanto o IFN-y recrutará mais macrófagos, em uma estrutura cíclica. Devemos lembrar que o M1 em presença de TNF e IL-1 deverá recrutar mais leucócitos que atuam na inflamação. Além disso, temos a inflamação granulomatosa, que é um padrão específico da inflamação crônica, onde os macrófagos sofrem alterações estruturais e funcionais com fins de melhorar a eficiência da fagocitose. Os M1 formam agregados com linfócitos esparsos, isso é comum em infecções de Mycobacterim tuberculosis, T. pallidum e até mesmo de fungos. 3. Artrite reumatoide: aspectos fisiopatológicos 18 Artrite Reumatoide (AR) é uma doença sistêmica cuja causa base é desconhecida, enquanto a sua fisiopatologia ocorre devido a inflamação do tecido conjuntivo das articulações, sobretudo metacarpofalângeas e interfalangianas proximais. Como é produto de um processo inflamatório, pensamos em dor, tumefação/edema e comprometimento funcional das articulações. Não obstante, há presença dos sintomas constitucionais: febre, fadiga, perda ponderal, linfadenomegalia e esplenomegalia. Essas manifestações estão relacionadas com outras diversas patologias, como por exemplo alterações cardiovasculares. Na AR ocorre uma migração de componentes pró-inflamatórios, como células e mediadores químicos. Por consequência teremos um espessamento – hiperplasia e hipertrofia tecidual –, e formação de um tecido inflamatório na articulação sinovial, conhecido como "Pannus". Esse neo-tecido vai crescer sobre a cartilagem e revesti-la, possibilitando uma degradação de colágeno do tipo II por metaloproteinases da matriz e enzimas sinoviais. Além disso, temos a atividade condrocitáriaativa por estímulo de citocinas, como o TNF-alfa e as Interleucinas (IL1, IL6 e IL17). Essa é uma diferença a ser destacada entre a osteoartrose da artrite, pois enquanto em uma temos o aumento dos colágenos do tipo II e VI – osteoartrose –, em sua fase inicial, na outra teremos uma redução do componente colágeno II – artrite. A atividade das citocinas é estimulada pela ação das células T e B auto reativas, aceitando a hipótese de que a AR é uma doença autoimune. As erosões ósseas, que ocorrem na fase inicial da AR, são processos irreversíveis mediadas pelos osteoclastos e células polimorfonucleares. Essencialmente, reconhece que há um desbalanço entre reabsorção e formação óssea, pois se reabsorve mais. Normalmente, os receptores CSF (Fator estimulador de colônias de Granulócitos) e RANKL (Ligante do receptor ativador do FN-kappa B) são imprescindíveis para a formação, ativação e sobrevivência dos osteoclastos. O RANKL está muito associado a diferenciação dos precursores de osteoclastos em osteoclastos maduros. Enquanto o CSF é uma glicoproteína que estimula a medula óssea a produzir leucócitos polimorfonucleares (basófilos, eosinófilos, neutrófilos e mastócitos), o que implica em estímulo à inflamação. Associada a progressão do pannus, ocorre a angiogênese, assim os novos vasos acompanham a hipertrofia e hiperplasia sinovial, permitindo o afluxo de componentes pró-inflamatórios para o interior da articulação. O Fator de Crescimento Endotelial Vascular (VEGF) atua proliferando a formações de novos vasos sanguíneos a partir das células endoteliais. Reconhece que o endotélio atua na síntese de várias enzimas de reações catabólicas e anabólicas, bem como contendo receptores vasoativos, imprescindíveis para a reação inflamatória. 3.1. A mononeurite múltipla e a artrite reumatoide O Sistema Nervoso Periférico (SNP) é constituído por todos os componentes nervosos que se localizam fora do sistema nervoso central, exceto o II par craniano. Quando falamos em neuropatias periféricas, referimos a doenças que afetam o SNP, tais como os nervos dos membros inferiores e superiores. A neurite seria uma neuropatia, muito embora algumas literaturas reconheçam como conceitos distintos, pois a neurite envolve a inflamação nervosa, e alguns tipos de nervos periféricos não têm essa capacidade. As mononeuropatias, ou mononeurites, seriam lesões focais, e limitadas, de um nervo periférico, enquanto as mononeuropatias múltiplas são lesões de múltiplos 19 nervos periféricos, muito embora o somatório resulte em comprometimentos simétricos. O suprimento sanguíneo é feito por pequenas artérias no interior dos nervos periféricos, conhecidas como vasa nervorum. Esses vasos são suscetíveis a compressão mecânica externa, bem como podendo ter seu endotélio inflamado por ação de mediadores pró-inflamatórios. A artrite reumatoide por ser uma doença inflamatória sistêmica, cursa em alguns casos com a mononeurite múltipla, por alterações na vasculatura endotelial. Porém, outras causas que cursem com disfunção endotelial, como a diabetes, ocasionam nessa neuropatia. Especificamente para a diabetes mellitus do tipo 2, alguns estudos mostraram que o estresse oxidativo resultado da resistência à insulina ocasiona essa disfunção, nesse caso com um endotélio mais permeável. 3.2. Diagnóstico da artrite reumatoide O diagnóstico da AR, normalmente, é feita com o uso do exame físico, com os sinais e sintomas característicos, exame laboratorial e radiológico. No exame físico deve contar o número de articulações inflamadas, avaliar a capacidade funcional articular, isto é o movimento, instabilidade e deformações. Avalia-se, também, as manifestações extra articulares. Além no exame físico, observa-se a presença de nódulos articulares, ou desvios do membro, na mão, por exemplo, se observa o desvio ulnar, e nódulos característicos, tais como os de Heberden (distal) e de Bouchard (proximal). É possível encontrar deformidades articulares, associadas aos desvios, na mão encontramos os dedos em pescoço de cisne, na articulação interfalangiana distal. No laboratório deseja pedir o hemograma completo, função renal (creatina e ureia), enzimas hepáticas, exame qualitativo de urina, fator reumatoide, análise de líquido sinovial e proteína C reativa ou velocidade de hemossedimentação. Enquanto a radiografia fornecerá uma imagem das articulações comprometidas, ou não. Os critérios do Colégio Americano de Reumatologia são comumente usados como auxiliares no diagnóstico. Todavia, o paciente precisa apresentar, pelo menos, uma articulação com sinovite clínica definida, além de tal sinovite não ser causada por outra doença. Caso o paciente atenda com esses requisitos mínimos, e uma pontuação maior ou igual a 6, estaremos diante uma artrite reumatoide. 3.3. Tratamento da artrite reumatoide O tratamento para AR consiste em quatro propostas: corticoides, anti- inflamatórios não esteroidais, modificadores de doença convencionais e biológicos. O uso de anti-inflamatórios visa reduzir a dor e a inflamação articular, além disso ele pode receber corticoides que age tanto imunossuprimido, quanto inibindo a cascata inflamatória. Todavia, o uso de corticoides está associado a efeitos colaterais, que devem ser ponderados. As medicações modificadoras da doença são usadas para reduzir a progressão, ou evolução, dessa doença. Os convencionais são usados para desacelerar e prevenir a progressão da doença, tais como o metotrexato, hidroxicloroquina e sulfassalazina. Os tipos biológicos são proteínas desenvolvidas para agir contra citocinas e moléculas da superfície celular, tais como o anti-TNFalfa, rituximabe ou tocilizumabe. O tratamento inicial é agressivo para reduzir a progressão da 20 doença, mas prossegue com a individualização do tratamento a depender das respostas terapêuticas. 4. Mecanismos de reparo de lesões cardíacas: uma quebra de paradigmas Durante muito tempo o mito cardíaco, de que o coração é um órgão terminalmente diferenciado, foi aceito pela comunidade médica e científica. As justificativas clínicas se deviam a baixa incidência de tumores cardíacos, além da sua lenta e insuficiente replicação de miócitos e a presença de tecido fibrótico cicatricial. Muito embora, reconhece-se que a auto regeneração cardíaca é insuficiente para compensar a perda de músculo cardíaca após um evento isquêmico. Todavia, devemos reconhecer que há miócitos em estágio pró- mitótico, ou seja, pequenas populações de células capazes de reingressar ao ciclo celular. O estudo de Beltrami et al. 2001 identificou esse grupamento em segmentos peri-infarto e em segmentos distantes no coração. A presença de uma população de células primitivas distribuídas pelo miocárdio, que eram capazes de se replicar e formar clones, significa mudanças do ponto de vista terapêutico. A evidência da presença dessas células tem como um dos pilares estudos pré-clínicos em ratos, onde se realizava aplasia medular e transplante de medula com células marcadas (fluorescente verde). Observou que após 24 horas do evento isquêmico, tais marcadores estavam presentes em regiões peri- infarto, atingindo seu valor máximo 7 dias após o evento, Esse seria um novo paradigma de tratamento de doenças cardiovasculares, uma possibilidade de regeneração cardíaca, via mecanismo endógeno contra eventos isquêmicos. Durante certo momento, foi realizado a administração intramiocárdica de células mononucleares derivadas da medula óssea (CMDMO), e por meio de estudos duplo-cegos observou redução da área isquêmica. Talvez a maior dúvida tenha sido a incerteza do sinal, isto é o efeito era parácrino – de célula a célula vizinha – ou teria algo a longo prazo. Em termos gerais, a terapêutica é essencialmente dependente dos tipos celulares e da via de administração, bem como fatores locais e sistêmicos. Nesse ponto, quanto mais comorbidades uma pessoa tiver, menor são as chances de que o planoterapêutico funcione. Muito embora, a qualidade do produto terapêutico seja imprescindível no tratamento, a capacidade migratória e de formação de colônias influenciem substancialmente no tratamento. Além do que, em situações em que células com alto poder mitótico migrem para outros órgãos distantes, efeitos adversos, tais como neoplasias ou retinopatias proliferativas seriam indesejáveis. Em situações fisiológicas ou patológicas, ocorre a substituição do tecido natural do miocárdio, ocasionando sua rigidez. A hiperativação dos fibroblastos tem como sua causa base, com a formação de um tecido cicatricial formado pelo colágeno. O estiramento cardíaco, em resposta à expansão por volume e sobrecarga cardíaca, libera o peptídeo natriurético do tipo B (BNP). Essa molécula pode ser liberada, tanto pelos cardiomiócitos quanto pelos fibroblastos. Do ponto de vista funcional, tal molécula ocasiona fibrose por indução de metaloproteinases de matriz. Durante muito tempo, presumia não haver associação de causalidade entre a fibrose, o BNP e o Fluxo Coronariano Lento (FCL). Aliás, não se presumia que o FCL teria como causa base a malignidade. Por definição o fenômeno do Fluxo Coronário Lento (FCL) consiste no retardo do fluxo de contraste usado 21 durante a angiografia coronariana, considerando a ausência de doença epicárdica obstrutiva coronariana. Todavia, estudos atuais informam que o FCL tem como causas disfunções endoteliais, vasomotoras e microvasculares. Em estudos mais recentes validam a presença de tecido cicatricial em paciente com fluxo lento, durante a ressonância magnética cardíaca (RMC) da artéria coronariana descente anterior esquerda (DAE). Além disso, nos pacientes estudantes, observa-se a elevação do N-terminal pró-BNP (NT-proBNP), embora não significativo, em pacientes com fibrose e FCL. Desse modo, conclui-se que as disfunções da microvasculatura, sobretudo com a formação de placas de ateroma, são a causa base de FCL que tem como um dos resultados a fibrose cardíaca. 22 Referências Capítulo 3 CARVALHO, F. P. de; AZEVEDO, C. F. de. Fenômeno de Fluxo Lento Coronariano - Adicionando Fibrose Miocárdica à Equação. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2020. CANDEMIR, M.; et al. Determinação do Tecido Cicatricial do Miocárdio no Fenômeno de Fluxo Coronário Lento e a Relação entre a Quantidade de Tecido Cicatricial e o Nt-ProBNP. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2020. Critério de classificação da artrite reumatoide ACR-EULAR 2010. Revista Brasileira de Reumatologia, 2010. FERNANDES, M. R.; PERIN, E. C. Regeneração cardíaca: coração: um órgão pós-mitótico? .Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, 2007. GARCIA, J. A. D.; INCERPI, E. K. Fatores e mecanismos envolvidos na hipertrofia ventricular esquerda e o papel anti-hipertrófico do óxido nítrico. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, vol. 90, no. 6, p. 443–450, 2008. LAURINDO, I. M. M. et al. Artrite reumatóide: Diagnóstico e Tratamento. Revista Brasileira de Reumatologia, 2004. MACIEL, B. C. A hipertrofia cardíaca na hipertensão arterial sistêmica: mecanismo compensatório e desencadeante de insuficiência cardíaca. Rev Bras Hipertens, vol. 8, no. 4, p. 409–13, 2001. MCPHEE, S. J et al. Fisiopatologia da doença uma introdução à medicina clínica. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 2007. MILL, J. G.; et al. HIPERTROFIACARDÍACA: Mecanismos bioquímicos. Revista da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul, no. 3, p. 1–4, 2004. KUMAR, V.; et al. Robbins basic pathology, 9th ed. Philadelphia, PA: Elsevier/Saunders, 2013, p. 29–72. SAFI, J. Hipertrofia Miocárdica e Biologia Molecular. HiperAtivo, vol. 5, no. 2, p. 154–160, 1998. SOUZA, L. J. DE et al. Artrite reumatóide e mononeurite múltipla: relato de caso. Rev. Soc. Bras. Clín. Méd, n. 22, p. 216–218, 2008. WAJCHENBERG, B. L. Disfunção Endotelial no Diabetes do Tipo 2. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, 2002. 23 CAPÍTULO 4 FISIOPATOLOGIA HEMODINÂMICA 1. Hiperemia e congestão 1.1. Fígado em “noz moscada” 2. Edema 2.1. Aspectos da fisiologia vascular dos edemas 2.2. Correlação clínica da fisiopatologia dos edemas 2.2.1. Discussão do caso 3. Distúrbios circulatórios: uma breve revisão de conceitos 3.1. “Le Choc” 3.2. Hemostasia e tromboembolismo pulmonar (TEP) O organismo humano é constituído essencialmente por um sistema fechado de tubos, com a bomba matriz o coração, e a condução do fluido, não newtoniano complexo, por meio dos vasos sanguíneos dependente de uma resistência tubular. A pressão desse sistema é proporcional aos produtos da quantidade de fluido e resistência ao fluxo que escoam pelo interior desse tudo. Sendo assim, o produto entre o fluxo e a resistência seria, aproximadamente, igual à pressão. Do ponto de vista orgânico, a pressão pode ser obtida realizando o produto entre o débito cardíaco e a resistência vascular. O sangue flui como lâmina, ou seja, as camadas tendem a aumentar o fluxo da periferia ao centro, com o fluido mais rápido no centro. O fluxo sanguíneo é regular, sua função é básica é suprir as demandas funcionais dos tecidos, bem como auxiliar na remoção de resíduos gerados pelo metabolismo celular. Os distúrbios hemodinâmicos são alterações que cursam perturbando o equilíbrio hemodinâmico. As principais alterações hemodinâmicas são o edema, hiperemia e congestão, hemorragia, hemostasia e trombose, embolia, infarto e choque. 1. Hiperemia e congestão Ambos os eventos ocorrem devido ao aumento do volume sanguíneo em um tecido alvo. A hiperemia é um processo ativo resultante da dilatação arteriolar e um aumento do influxo sanguíneo, normalmente em eventos inflamatórios. Além disso, destaca-se a importância da hiperemia em reações inflamatórias, por otimizar a chegada de fagócitos aos locais de infecção, servindo como 24 agente sinalizador. O óxido nítrico, produzido pelas células endoteliais, é um dos responsáveis, em grande parte, pela vasodilatação e pelo fluxo sanguíneo aumentado. A congestão, por outro lado, é um evento passivo onde temos um fluxo de saída do sangue venoso, ou seja, com baixa oxigenação, comprometido. Diferentemente do evento de hiperemia, acúmulo de sangue oxigenado, a congestão tem uma coloração azul-avermelhada, característica da cianose. Em situações, como a insuficiência cardíaca do ventrículo esquerdo, o fluxo venoso de saída compromete a função pulmonar, ocasionando congestão pulmonar. Os achados clínicos comuns são a dispneia aos esforços, dispneia paroxística noturna e ortopneia. 1.1. Fígado em “noz moscada” Em situações de insuficiência cardíaca direita (ICD) o sangue tende a ficar represado nas veias e capilares sistêmicos, devido à falha do ventrículo direito em ejetar o sangue para a circulação pulmonar. No fígado ocorre uma hiperemia passiva das veias centro lobulares, que normalmente drenam na veia cava inferior. Em situações crônicas, o quadro tende a progredir para a periferia do lóbulo hepático, enquanto os sinusóides hepáticos se dilatam e confluem entre si. Essa etapa de confluência das vias de estase revela um estado mais progressivo da congestão passiva crônica do fígado. O fígado adquire um aspecto de "noz moscada", devido ao mosaicismo das regiões centrais e periféricas dos lóbulos. A evolução final é a fibrose do parênquima, ou até mesmo estágios de cirrose cardíaca, que é menos comum, mas pode ocorrer. 2. Edema O edema é definido essencialmente como o acúmulo de líquido intersticial, então a sua fisiopatologia envolve distúrbios das forças de Starling. Tal acúmulo pode ser em cavidades, como a pleural (hidrotórax), pericárdica (hidropericárdio) ou peritoneal (hidroperitônio ou ascite). Caso o edema evolua para um estado mais grave, teremos a anarsaca, que por definição é um edema sistêmico, ou generalizado,dos compartimentos. Sendo assim, teremos um inchaço profundo (sinal do cacifo em membros inferiores) dos tecidos subcutâneos. Como dito, as alterações das forças de Starling’s são as principais causas do edema. Nesse caso, destaca-se o aumento da pressão hidrostática, redução da pressão osmótica, obstrução linfática, retenção de sódio ou a inflamação. Em estados inflamatórios, por exemplo, a permeabilidade vascular, possivelmente, alterada por substâncias vasoativas, possibilita que o fluxo intersticial se acumule nos tecidos. 2.1. Aspectos da fisiologia vascular dos edemas O fluxo dos fluidos é resultante do produto da permeabilidade da parede capilar e a diferença entre as variações das pressões hidrostáticas (ΔPh) e oncóticas (ΔPo) no leito capilar (Fluxo = Kf.(ΔPh – ΔPo). Nos capítulos anteriores, foi citado que em condições fisiológicas, a pressão hidrostática é naturalmente maior do que a oncótica do plasma, na porção do leito capilar. Dessa maneira, o fluxo do fluido se desloca do compartimento intravascular em direção ao interstício. Porém, ao longo do capilar, a pressão hidrostática tende a reduzir significativamente. Em compensação, a pressão oncótica sofre um discreto aumento, sobretudo devido ao aumento da concentração de proteínas intracapilares por saída do fluido intravascular. 25 A tendência é a inversão do gradiente de pressão na extremidade venosa da rede capilar, assim a pressão oncótica ficará maior do que a hidrostática. Destaca-se, também, o papel dos vasos linfáticos na drenagem do excesso, caso tenha, de líquido no espaço intersticial. Assim que as forças de Starling's se mantém estáveis nos capilares. A homeostase "starlingeana" é balançada pela concentração de água e eletrólitos (sódio). Então, gostaria de destacar os três principais sistemas relacionados com a manutenção desse equilíbrio: sistema nervoso central (SNC), sistema cardíaco e renal. Isso envolve, tanto suas estruturas como as alças natriuréticas (rins), quanto fatores, como o fator natriurético atrial (FAN), hormônio antidiurético (HAD) ou óxido nítrico. O fato é que esses sistemas atuam em conjunto, facilitando respostas tróficas diversas. Os sensores de volume e pressão nos vasos, rins, átrio direto e fígado influenciam o SNC na ativação do sistema nervoso autônomo-simpático (SNAS). A liberação de renina, tanto vai ser dependente do envolvimento do SNAS, quanto da mácula densa pelas células justa-glomerulares sensíveis à redução sérica sódio. É sabido que a liberação de renina converte angiotensinogênio em angiotensina I, que por sua vez é convertida, via enzima conversora de angiotensina (ECA), em angiotensina II que assume um papel nas suprarrenais de coordenar a liberação da aldosterona. Nesse caso, a aldosterona atua reabsorvendo sódio, “retenção do sal”, com finalidade de aumentar a pressão arterial. Notem que a angiotensina II, também, desempenha um papel importante no controle do tônus endotelial, sendo um agente “hipertensivo” vasoconstrictor, que aumenta a pressão sistêmica – vide por aumento da resistência vascular periférica (RVP). Cito ainda que o aumento da RVP não altera em sua essência o débito cardíaco (DC), mas sim o volume de sangue arterial efetivo (VSAE). Isso significa que aumento do RVP, reduz VSAE, não altera diretamente o DC, lembre-se que o produto entre a RVP e o DC seria igual à PA. É importante de analisarmos que o débito cardíaco – produto entre frequência cardíaca (FC) e volume sistólico (VS) – é influenciado tanto por fatores cardíacos, inotropismo e cronotropismo, quanto volêmicos, como o sódio. Como o coração é em grande parte influenciado pelo mecanismo de Frank- Starling, o VS é diretamente influenciado pelo volume de sangue necessário na manutenção do retorno venoso. Então, em situações em que eu tenho a redução do DC – por queda da VS –, sem necessariamente alterar a RVP, posso cursar com redução do VSAE, e assim ativar, via SNAS, a liberação de renina. Assim, terei uma retenção de sal e água, maior elevação da pressão hidrostática do leito capilar e edema. Isso tende a ocorrer em doenças que afetam a contractilidade do miocárdio, com o enchimento deficiente do leito vascular arterial, a citar a insuficiência cardíaca congestiva. Sendo assim, podemos concluir que os mecanismos neurais, cardíacos e renais estão intrinsecamente associados com a formação dos edemas. A destacar os renais, sobretudo pela via do sistema renina-angiotensina- aldosterona. 2.2. Correlação clínica da fisiopatologia dos edemas Nesse tópico, acalento-me escrever sobre como o conhecimento de edemas é imprescindível na prática clínica. Para isso precisamos considerar a situação de que um paciente, F.L.T., trabalha como Juiz, com seus 54 anos, casado, natural de procedente de Petrolina - Pernambuco. 26 A queixa principal é dispneia há quinze (15) dias as atividades cotidianas, inicialmente associada ao subir as escadas do seu apartamento, ou quando caminhava em passos rápidos. Segundo o mesmo, atualmente, atividades domésticas e cotidianas já o deixam extenuado e muito dispneico. A esposa referiu que FLT acorda várias vezes na noite e precisa se sentar na cama, por conta da falta de ar. Ultimamente anda dormindo na cadeira de encosto, pois ao se deitar queixa de falta de ar quando se levanta. Além disso, a esposa informou que as pernas de seu marido estão ficando progressivamente edemaciadas. Com base nisso, o médico João conclui em seu interrogatório sintomatológico: aumento da barriga, lentidão intestinal, azia e queimor retroesternal ao alimentar-se, aumento do escroto com retração do pênis, crise de falta de ar com roncos e engasgos durante o sono e queixa da qualidade desse sono. Os antecedentes pessoais de FLT: Diagnosticada Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) aos 28 anos de idade, sem uso contínuo de medicamentos. Além disso, nega ou desconhece: acidente vascular encefálico (AVE) ou infarto agudo do miocárdio (IAM) prévios, doenças da tireoide, alergias a medicamentos, passados cirúrgicos ou prostatismo. Enquanto seus antecedentes familiares incluem hipertensão, diabetes e sobrepesou ou obesidade nas partes maternas e paternas. Os antecedentes pessoais incluem etilismo aos fins de semana e sedentarismo. Foi passado o uso de Losartana 50mg/M, mas seu uso é irregular, e sempre que refere dor utiliza analgésicos. No exame físico foi constatado, um Índice de Massa Corpórea de 35,67 kg/m2, em individuo de 174cm. Apresenta-se: dispneico em repouso, desperto, orientado, afebril, acianótico, hidratado, anictérico. Na ausculta respiratória, o murmúrio vesicular está abolido na base direita e com estertores na base esquerda e terço médio na direita. A ausculta cardiovascular, apresenta um ritmo cardiorrespiratório em três (3) tempos, com galope ventricular, bulhas hipofoneticas, sem sopros, e ictus não palpável. A frequência cardíaca mede 90bpm, com uma pressão arterial de 150/100 mmHg no braço direito e 140/ 94 mmHg no braço esquerdo. Relato, também, a turgência das veias jugulares (TVJ). No exame gastrointestinal, o paciente apresenta o abdome globoso, em “pele em casca de laranja”, com sinal do Piparote positivo. A palpação não consegue definir a presença de visceromegalias, mas os ruídos hidroaéreos estão presentes e normativos. No exame das extremidades, o paciente apresentou edemas de membros inferiores com "quatro cruzes em quatro" (4+/ 4+) até a raiz da coxa, e seus pulsos periféricos sem anormalidades. 2.2.1. Discussão do caso A ideia não é construir respostas prontas, mas refletir sobre. Então, temos um paciente com dispneia que evolui progressivamente aos esforços, dificuldade de dormir, histórico de HAS há 26 anos sem uso contínuo da medicação. Os achados clínicos são sugestivos de se pensar em anarsaca, a causa base é sugestivamente cardíaca. Em quadros de insuficiência cardíaca temos uma incapacidade do coração de bombear o sangue adequadamente.
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