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Questão Palestina

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Emilio Gennari 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Questão Palestina 
 
 
Os primeiros onze capítulos deste texto foram publicados em 2004 pela Editora Achiamé, no 
livro “Questão Palestina – da Diáspora ao Mapa do Caminho”. As atualizações nasceram de 
estudos posteriores. Ao reproduzir este material, total ou parcialmente, cite a fonte. 
 
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 Índice 
 
 
 
Apresentação 03 
 
 
Introdução 04 
 
 
1. Da diáspora aos primeiros passos do movimento sionista 05 
 
 
2. Árabes e judeus na Palestina 12 
 
 
3. Da segunda guerra mundial ao primeiro conflito árabe-israelense 20 
 
 
4. Do fim da guerra aos novos passos da resistência palestina 29 
 
 
5. A guerra dos seis dias 38 
 
 
6. Da estratégia do terror à guerra do Yom Kippur 47 
 
 
7. Líbano: da guerra civil à ocupação israelense 58 
 
 
8. A resistência palestina: da derrota do Líbano à Intifada 68 
 
 
9. A “paz” de Oslo 79 
 
 
10. O governo Barak e a segunda Intifada 89 
 
 
11. Do massacre de Jenin ao Mapa do Caminho 101 
 
 
Bibliografia 114 
 
 
Atualizações 117 
 
 3 
 
 Apresentação. 
 
 
 Com certeza, você já deve ter percebido que os enfrentamentos entre palestinos e israelenses 
marcam presença constante nos meios de comunicação. Fotos, entrevistas e reportagens trazem 
detalhes que parecem pintar um retrato fiel dos conflitos que, há mais de um século, marcam as 
relações entre os dois povos. 
 
 O problema é que, na maioria das vezes, as notícias acabam ocultando o que, supostamente, 
se propõem a revelar. Sei que parece um paradoxo, mas basta resgatar alguns momentos do passado, 
para perceber que elas se comportam como as imagens de um espelho. Os traços precisos garantem 
se tratar de um retrato perfeito quando, na verdade, podem não passar de um reflexo que inverte a 
realidade diante dos nossos olhos. 
 
 Apressados, não percebemos que corremos o risco de comprar gato por lebre justamente 
quando nos damos por satisfeitos em conhecer os últimos acontecimentos. A sensação de estar por 
dentro nos impede de ver que, para entender os fatos, é necessário fazer um esforço que vai além 
das nossas atenções com o desenrolar do presente. Neste sentido, reconstruir os passos pelos quais o 
quotidiano da história foi ganhando as dimensões atuais, averiguar como os atores sociais 
responderam às contradições do seu tempo e trazer à tona o contexto em que suas opções foram 
viabilizadas são etapas essenciais para superar o cômodo nível das aparências. 
 
 Consciente deste desafio, o estudo que aqui inicia se propõe a resgatar os dados que 
permitem mergulhar no conflito palestino-israelense, desvendar o jogo de interesses e entender as 
relações que se ocultam nos reflexos que estão ao nosso alcance. 
 
 Para dar conta desta tarefa, lançamos mão de um recurso literário insólito num trabalho deste 
tipo. Desde as primeiras linhas, os momentos que marcam a história da Questão Palestina são 
resgatados através de um diálogo franco e aberto com uma coruja. 
 
Sim, você entendeu bem. Trata-se de uma conversa entre um ser humano e uma 
representante do mundo das aves que, por contar com uma visão capaz de enxergar nas noites mais 
escuras, traz à luz o que as sombras das aparências impediam de ver. 
 
Apesar do estilo descontraído, todos os dados foram pesquisados e comparados durante dois 
anos de intensos estudos cuja abrangência supera abundantemente as citações bibliográficas 
colocadas no fim do texto. 
 
Como não queremos prolongar a espera, vamos ceder logo a palavra à Nádia, a coruja, para 
que, ao iluminar os caminhos do passado nos ajude a entender melhor o presente e, sobretudo, a 
transformá-lo. 
 
Boa leitura. 
 
Emilio Gennari. 
Brasil, setembro de 2003. 
 
 
 
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 Introdução. 
 
 
 Os primeiros raios de sol começam a penetrar o véu escuro da noite. 
 Deitado na cama, o corpo saboreia os instantes que precedem a hora de levantar. A cabeça 
flutua docemente entre o sonho e a realidade enquanto os ouvidos captam os movimentos da vida 
que desperta. 
Na bizarra mistura de vozes e ruídos, o coração identifica um gemido de cansaço e de dor. 
 Incitadas pela curiosidade, as pernas deixam o abrigo dos lençóis. Os olhos tateiam entre as 
sombras tentando guiar os pés rumo àquele sinal de sofrimento que se torna cada vez mais próximo. 
Com a ajuda dos óculos, a visão começa a identificar o contorno da figura que parece familiar. 
Sentindo-se observada, ela vira vagarosamente o corpo. 
Ainda sonolenta, a voz expressa a surpresa do reencontro: 
- “Nádia é você?”, pergunta a língua incrédula. 
- “Em carne e osso!”, responde a coruja com voz cansada enquanto ajeita sob a asa um graveto em 
forma de forquilha que lhe serve de muleta. 
 Preocupados, os olhos percorrem o corpo da ave salpicado de poeira, queimaduras e 
pequenos cortes. Sem esperar maiores comentários, Nádia dirige o olhar a seus ferimentos e começa 
a responder às interrogações silenciosas presas na garganta. 
- “Estes foram por causa de um míssil que, por pouco, não me derrubou em pleno vôo; aquela é a 
marca deixada por uma pedra arremessada da rua; e o machucado na perna é obra de uma bala que 
passou de raspão enquanto estava em cima de um telhado”. 
- “Vai ver que você foi enfiar o bico onde não devia!”, comento em tom de preocupada reprovação. 
 A coruja me lança um olhar penetrante, apóia uma asa no encosto do sofá enquanto com a 
outra aponta a muleta em minha direção. Segurando-a com a frieza de quem faz pontaria antes de 
disparar um tiro certeiro, Nádia aperta o gatilho das palavras: “O maior problema da sua cabeça não 
é o fato dela servir para separar as orelhas e carregar um nariz no qual você apóia estes óculos 
inúteis, e sim dela ser incapaz de perceber que as injustiças cometidas contra qualquer ser humano 
são uma séria ameaça a todos os demais. 
O fato de ninguém revelar as razões pelas quais elas ocorrem fortalece os poderosos que, 
protegidos pelo silêncio, levarão a outros países os ventos de morte que empurram suas ações. A 
indiferença e a apatia são as condições que garantem a sua impunidade, ajudam a ocultar seus 
verdadeiros interesses e o combustível que alimentará seus próximos passos. 
Fui à Palestina não para xeretar no que não devia e sim para penetrar com meus olhos a noite 
daquelas terras e desvendar o que poucos conhecem”. 
 Atingido e envergonhado, procuro me recompor sentando no sofá. 
A coruja baixa o graveto em direção à almofada e, disfarçadamente, coloca as condições 
para a trégua: “Eu sei que não é fácil tirar os olhos do próprio umbigo quando tudo ao seu redor diz 
o contrário. Mas seria um bom começo se, no lugar de ficar me olhando com ar de peixe morto, 
você me ajudasse a pôr no papel a história dos povos que hoje se enfrentam numa luta que parece 
não ter fim”. 
 Com a obediência de quem pede perdão pelo próprio erro, sento à mesa e me apresso a 
resgatar da bagunça um velho caderno de anotações e uma caneta que se esconde entre duas pilhas 
de livros. 
 Nádia acompanha cada movimento e, ao me ver pronto, ensaia, pensativa, o começo do seu 
relato: “Vejamos... bom... talvez... não... isso. Sim. Isso sim! É melhor começarmos por descrever a 
situação do povo judeu... 
 
 
 5 
1. Da diáspora aos primeiros passos do movimento sionista. 
 
- “Pelo amor de Deus, Nádia, de que diabo você está falando?”, pergunto sem fazer cerimônias. 
 A coruja coça a cabeça, olha para o alto, respira profundamente e com voz pausada 
responde: “Pra início de conversa, você precisa saber que, dois mil anos atrás, a Palestina estava sob 
o domínio do império romano. É contra ele que se dirigem as rebeliões pela independência 
conhecidas pelo nome de 1ª e 2ª guerra judaica ocorridas, respectivamente, nos anos entre 66-73 e 
132-135 depois de Cristo.Durante a primeira, e precisamente no ano 70, os romanos derrubam o Templo de Salomão, 
um dos principais símbolos da fé e da identidade dos hebreus. Na segunda, em 135 depois de Cristo, 
a repressão do império termina com a sua expulsão da cidade de Jerusalém. Impossibilitada de 
continuar vivendo em seu país de origem, a maior parte deles se dispersa pelo mundo num 
movimento desorganizado conhecido pelo nome de diáspora, que quer dizer dispersão. 
 Por sua vez, a palavra sionista vem de Sion, que é o nome da colina de Jerusalém onde 
estava o templo destruído pelos romanos. Como vou explicar mais adiante, trata-se de um 
movimento que se forma no âmbito das perseguições contra os judeus da Europa, ocorridas nas 
últimas décadas do século XIX. Sua proposta central é a criação de uma pátria judaica em terras 
palestinas para a qual parte dos hebreus da diáspora se dirige num movimento de retorno aos lugares 
que marcaram a história dos antepassados”. 
- “Mas, Nádia, por que você começa de um período tão distante se o que interessa entender é o que 
está acontecendo hoje?”, questiono assustado pelo trabalho que me espera. 
 Sem perder a pose, a coruja pisca os olhos e com a calma típica de quem não se impacienta 
em relatar o resultado de suas pesquisas repele a investida da minha preguiça: “Simples, meu caro 
secretário. Como dizia um velho conhecido, o presente é o túmulo do passado e o berço do futuro. 
Sem resgatar a história que nos trouxe até aqui, dificilmente podemos entender os acontecimentos e, 
menos ainda, delinear o que pode ocorrer de agora em diante. 
 No caso dos judeus, a necessidade de percorrer os séculos é ainda maior. Sem este rápido 
passeio, não é possível entender porque este povo é perseguido e nem as verdadeiras razões que vão 
dar origem ao movimento sionista”. 
 Resignada a mão aproxima a caneta do papel, enquanto a coruja saboreia satisfeita o 
gostinho de mais uma vitória. Sem perder tempo, limpa a garganta e continua: “Vejamos... onde é 
que estávamos? Ah! Sim. Isso mesmo. Estava dizendo que depois da poderosa máquina de guerra 
do império romano ter esmagado o movimento de independência judaico, o povo hebreu se dispersa 
pelo mundo. Encontramos traços da sua presença no Egito, no Irã, na Tunísia, em Marrocos, na 
Espanha, na Itália e em outros países da Europa. 
 Via de regra, ao longo de toda a idade média, os hebreus participam ativamente da vida 
cultural, política e econômica das regiões onde moram. O comércio e a agiotagem são as principais 
atividades que identificam os judeus na sociedade feudal e que alimentam junto ao povo simples a 
fama de indivíduos avaros e exploradores. 
A bem da verdade, é necessário dizer que, de uma forma ou de outra, todos os setores da 
sociedade se relacionam com eles e têm razões para hostilizá-los. 
 De um lado, confiando em seu desempenho, reis e nobres entregam aos judeus a tarefa de 
cobrar os impostos e de fornecer-lhes os produtos finos que suas cortes almejam. Porém, de outro, 
não faltam ocasiões em que se vêem na necessidade de contrair empréstimos junto aos usurários 
hebreus, ora para financiar as expedições comerciais, ora para ampliar o exército e, com ele, o 
controle sobre as próprias atividades do reino, ou, ainda, para bancar as compras de bens de luxo. 
 Artesãos e camponeses vêem o judeu como representante do senhor feudal e nutrem por ele 
um ódio ainda maior por ser o explorador imediato. Se isso não bastasse, como o aumento dos 
impostos ocorre, sobretudo, em épocas de más colheitas e poucos negócios, é comum eles terem que 
recorrer aos empréstimos extorsivos dos agiotas hebreus para quitarem suas obrigações em relação 
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ao poder ou financiar suas atividades. Quanto maior o peso de suas dívidas, maior o ódio em relação 
a eles. 
 Por sua vez, a nascente burguesia local, tanto comercial como financeira, vê neles um 
concorrente indesejado e um obstáculo à consolidação de suas atividades. Além de marcar presença 
no lucrativo comércio dos produtos para a corte, a relação dos judeus com a nobreza e a casa 
reinante acaba sustentando a dominação destas e colocando empecilhos à expansão dos bancos que 
estão se formando. 
 Neste contexto, não é difícil perceber que o ódio em relação aos hebreus tem como base o 
papel por eles desempenhado na sociedade e é cuidadosamente alimentado pela imagem de 
explorador e parasita veiculada pela própria elite em suas relações com o povo simples. Ao agir 
desta forma, a corte e a nobreza utilizam a perseguição aos judeus como uma válvula de escape para 
canalizar e esvaziar o descontentamento social. E como artesãos e camponeses têm razões de sobra 
para manter azeitado seu sentimento de vingança, é só a classe dominante dar o sinal verde para que 
verdadeiras matanças sejam rapidamente organizadas. 
 Com estas medidas, os poderosos retomam também o controle das atividades econômicas e 
administrativas confiadas aos súditos de origem judaica e, em meio às hostilidades, não hesitam em 
apropriar-se de seus bens”. 
- Mas, Nádia, eu sempre ouvi dizer que tudo isso ocorria em função de diferentes crenças religiosas 
ou de atitude moralistas?”, pergunto incrédulo e desconcertado. 
 A coruja sorri, sacode a cabeça e com a ponta das asas na cintura responde: “Engraçado. 
Apesar de limpas, as lentes de seus óculos não lhe permitem enxergar além da cortina de fumaça 
alimentada ao longo dos séculos. 
Os motivos religiosos, bem como a suposta natureza perversa dos judeus, que constituem a 
essência do anti-semitismo desta época, são o biombo atrás do qual as elites ocultam os objetivos de 
suas hostilidades. Em nome da religião, o povo simples apóia a matança e a expulsão que acabam 
atingindo os hebreus independentemente da função por eles exercida na sociedade. Ao fazer isso, 
porém, ele não está se libertando de um sistema opressor, mas tão somente de alguns de seus 
incômodos representantes. O gostinho da vingança realizada desafoga o descontentamento popular 
ao mesmo tempo em que permite a seus algozes reciclarem suas formas de dominação e se 
fortalecerem para uma nova rodada de exploração. 
Em 1215, as perseguições que ocorrem em algumas regiões da Europa ocidental obrigam as 
pessoas de origem judaica a morarem em determinados bairros da cidade. Esta espécie de 
confinamento acaba fortalecendo sua identidade coletiva. É assim que os judeus passam a vestir-se 
de forma diferente, a criar laços comunitários e a falar uma língua própria, o idiche. 
Mas isso não é tudo. Perseguidas na Europa ocidental boa parte das comunidades se dirige 
para a Polônia em fluxos migratórios que se intensificam nos séculos XIV e XV. 
Chegados na nova pátria, os judeus não demoram a conquistar a proteção do rei graças à sua 
competência nos negócios e à fidelidade que lhe demonstram. Em pouco tempo, recebem dele a 
permissão de atuar nos setores que antes eram monopólio da corte: extração mineral, caça, pesca, 
criação e exploração das feiras, comércio do sal, administração das tabernas e cunhagem das 
moedas. 
É bom lembrar que administrar estas concessões significa também poder decidir o conjunto 
de taxas e impostos a serem cobrados de todos aqueles que, direta ou indiretamente, dependem 
delas para viver. Some a isso, as já consagradas habilidades nos ramos do comércio e da agiotagem, 
agora plenamente utilizadas para desenvolver e expandir a exportação e a importação de produtos 
com o ocidente, e não terá nenhuma dificuldade em entender porque esta é considerada a época de 
ouro da migração judaica. 
 Esta ampliação do papel dos hebreus na Polônia deve-se, basicamente, à ausência de uma 
burguesia local organizada e preparada. Ainda assim, a corte não deixa de manter os judeus a rédeas 
curtas e não titubeia em usar o anti-semitismo para restabelecer o seu domínio sobre as atividades 
por eles desempenhadas. Em breves palavras, o ódio dos camponeses em relação àqueles que lhe 
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cobramtributos, cujo dinheiro tomam emprestado a altas taxas de juros e em cuja taberna bebem é, 
mais uma vez, um ingrediente indispensável a ser aproveitado pelos poderosos no controle das 
relações sócias, econômicas e políticas do reino”. 
- “Nádia, explica uma coisa pra mim. Com certeza, nem todos os judeus eram ricos ou 
desempenhavam funções outorgadas pelo poder. Como é que eles se relacionavam entre si?” 
- “Uhm! Fico feliz em ver que está querendo enxergar um pouco mais longe”, diz a coruja satisfeita 
com a pergunta. E segurando a muleta como uma maestrina que se prepara para dar início a um 
concerto continua: “Meu pequeno humano de óculos, você precisa saber que no início do século 
XVI, há judeus espalhados por todo o reino polonês. 
O fato de participarem da sociedade e serem por ela rejeitados leva a um aprimoramento de 
sua organização comunitária. Em geral, esta se baseia na keilá, ou seja, numa associação de judeus 
que moram na mesma cidade, têm sua sinagoga, seus rabinos, seu cemitério e cuidam dos demais 
serviços. Toda keilá tem uma direção formada por um comitê executivo e um conselho, além de 
várias comissões que se encarregam da educação, do ensino religioso, da assistência, das questões 
jurídicas, etc. Via de regra, os membros destes órgãos são escolhidos no interior de um seleto grupo 
composto pelos mais ricos e mais cultos da comunidade. 
 As contradições entre ricos e pobres, consideradas parte da vontade divina, são 
escamoteadas pela assistência social prestada aos mais necessitados ou recém-chegados, pelo fato 
dos mais abastados serem os únicos a pagarem as contribuições comunitárias e a auxiliarem as 
famílias de menor poder aquisitivo na hora de quitar os impostos reais. É assim que o paternalismo 
e a ausência de uma relação direta de exploração no interior da comunidade judaica não permitem o 
surgimento de grupos de oposição. As poucas vozes discordantes não passam de protestos 
individuais que se diluem com o passar do tempo. 
 Ao longo do século XVI, a educação passa a ser um requisito necessário para a educação do 
bom judeu. No interior da keilá, a análise e a discussão dos temas religiosos, bem como a prática 
dos mandamentos divinos, são elementos importantes para manter a coesão da comunidade. Neste 
contexto, os sofrimentos provocados pelas perseguições levam a aprimorar um sentimento 
messiânico. A espera de um redentor, de um salvador do povo de Israel, e, através dele, de toda a 
humanidade, conduzem à idealização de um passado feliz e de uma solução sobrenatural para as 
humilhações do presente. 
Ainda assim, enquanto a sociedade feudal proporciona condições de vida relativamente 
boas, os judeus não pensam em criar um estado para eles. Além disso, entre os hebreus da Europa 
ocidental que não haviam migrado em função das perseguições, já há vários ricos que tendem a se 
integrar aos costumes dos países onde moram. Até o final do século XIX, as ligações com a cidade 
santa de Jerusalém, na Palestina, são meramente religiosas, de peregrinação aos lugares sagrados”. 
- “Pelo que você acaba de dizer, então, esta situação de equilíbrio das contradições no interior da 
comunidade judaica deve ter durado por séculos?” 
 Nádia fecha os olhos. Suspira. Levanta a asa em minha direção e com a ponta chamuscada 
de suas penas faz um gesto que adianta a resposta negativa à minha interrogação. “As relações entre 
os hebreus começam a mudar em 1648, quando Bohdan Chmielnitski lidera uma revolta dos 
cossacos apoiada pelos camponeses ucranianos, dos quais os nobres poloneses vinham cobrando 
impostos absurdos através dos judeus. A revolta marca o início de uma série de ataques que atingem 
a economia das principais cidades da Polônia. Estes destroem as propriedades dos hebreus e levam 
uma parte significativa das comunidades a procurar refúgio no interior. 
Na impossibilidade de levar adiante os velhos ofícios, os judeus procuram novas atividades. 
A principal delas é a fabricação e distribuição de bebidas alcoólicas, mas a maioria dos migrantes 
tenta sobreviver como músico, artesão, vendedor ambulante, dono de albergue ou através de 
qualquer biscate capaz de garantir a comida diária. Aqueles que mantêm as velhas funções de 
cobradores de impostos ou agiotas passam a ser odiados pelos próprios judeus que são por eles 
explorados. Diante da situação de empobrecimento, a vida comunitária da keilá se desestrutura 
ainda que seus antigos membros mantenham os sinais externos que os identificam como hebreus. 
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Se isso não bastasse, entre 1772 e 1795, Rússia, Áustria e Prússia se encarregam de eliminar 
a Polônia do mapa europeu. Desta forma, o império czarista, que até então se recusava a aceitar a 
entrada dos judeus em seu território, acaba herdando alguns milhões deles. De início, a elite russa, 
preocupada com a colonização das áreas recém-conquistadas, autoriza os hebreus a adquirir terras 
para a lavoura e garante a eles 5 anos de isenção de impostos. Aos que não têm recursos é entregue 
uma pequena propriedade acompanhada da promessa de não pagar tributos por 10 anos e de ter 
direito a um empréstimo. 
Mas a falta de tradição agrícola da comunidade judaica somada à não concessão dos 
benefícios prometidos criam uma situação insustentável para a maioria do povo judeu. Somente sob 
o czar Nicolau I (1825-1855), em alguns distritos, as colônias judaicas que se dispõem ao trabalho 
agrícola recebem pequenas vantagens, entre as quais a dispensa do temido serviço militar. 
Na metade do século XIX, as indústrias russas precisam de uma boa quantidade de força de 
trabalho para compor o quadro de funcionários e, sobretudo, como massa de desempregados cujo 
papel é de manter baixos os salários a serem pagos. É assim que, no governo de Alexandre I (1855-
1881), os judeus perdem todas as regalias já conseguidas e não podem mais se cadastrar como 
agricultores. Anos depois, só têm direito à posse de áreas que se encontram em regiões remotas e, 
em 1892, são proibidos de viverem fora das aldeias ou das cidades”. 
- “Nádia, pelo que sei, o processo de industrialização costuma levar consigo mudanças sociais 
profundas. O que acontece com as relações entre os hebreus e destes com a Rússia da época?”. 
- “Bom querido secretário, vamos por partes. Em primeiro lugar, eu já disse que o avanço da 
industrialização leva consigo a formação de um grande exército de desempregados desejosos de 
assumir um lugar na produção. Nesta situação, que atinge a própria comunidade judaica, parte 
significativa dos hebreus, deixado o trabalho nas roças, está empregada nas fábricas ou disputa uma 
vaga. Ao mesmo tempo, porém, setores da elite judaica se tornam proprietários de pequenas 
manufaturas, levam adiante atividades 
comerciais ou vivem da velha agiotagem. 
 Sabendo que desemprego é sinônimo 
de miséria, descontentamento e revolta, não 
é difícil imaginar a postura do czar para sair 
dos apuros causados por esta realidade: 
culpar os judeus pelo fato deles ocuparem o 
lugar dos russos na produção, explorá-los 
nas manufaturas ou através do comércio e da 
usura. E o culpado apontado pela elite 
czarista é facilmente identificado: tem uma 
religião diferente, fala outra língua, segue 
tradições suspeitas, vive em grupo, usa 
barbas cumpridas, chapéus e longos capotes 
pretos. Graças a esta intervenção do poder 
central e dos governantes locais, as massas 
são levadas a perseguir os judeus como verdadeiros inimigos do povo. 
Por outro lado, a divisão no interior da comunidade judaica russa vai aumentando com o 
passar do tempo. Diante das greves, não faltam rabinos que, comprometidos com os hebreus ricos 
dos quais dependem economicamente, condenam o proletariado judeu alegando que sua atitude, por 
ser ilegal, atrai a ira do governo contra toda a comunidade. Por sua vez, a elite empresarial judaica, 
além de colocar as forças policiais contra os líderes operários, não titubeia em contratarcristãos 
para furar as greves promovidas pelos judeus. Sabia, de fato, que ninguém iria impedir o trabalho 
deles através de ações violentas, pois as mesmas poderiam desencadear a repressão orquestrada 
pelas autoridades. 
Apesar destas atitudes hostis, em algumas regiões, o operariado hebreu tece relações com o 
movimento socialista, chega a usar as sinagogas como locais de reunião, não hesita em lançar mão 
Judeus mortos durante as perseguições 
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da ação clandestina para organizar seus movimentos e subtraí-los à repressão policial. Não poucas 
vezes, seus panfletos e materiais impressos acusam as lideranças da comunidade judaica de 
apoiarem a luta dos capitalistas contra os trabalhadores no interior da própria comunidade e não 
hesitam em afirmar que o povo judeu está dividido em duas classes que se opõem de forma 
inconciliável”. 
- “Tudo bem, Nádia, mas o que eu ainda não consegui entender é a relação entre o movimento 
sionista e a realidade dos judeus na Rússia. Será que você poderia ser um pouco mais clara?”. 
 A coruja faz um gesto com a asa pedindo que me aproxime. Alegre por ganhar alguns 
instantes de descanso, a mão solta a caneta como se estivesse se livrando de uma pesada ferramenta. 
O corpo se espreguiça vagarosamente fazendo o sangue correr livre pelas veias. Sem impacientar-se, 
Nádia introduz suas palavras com um sorriso: “Agora que está devidamente acordado, tenho certeza 
que vai entender o que vou dizer. 
 Pra começar, é necessário lembrar que, na segunda metade do século XIX, o judeu russo 
Leão Pinsker, integrante da Sociedade para a Difusão da Cultura entre os Judeus da Rússia, é um 
dos que debatem temas relativos ao judaísmo. Através de suas intervenções, ele prega inicialmente 
um processo de assimilação da língua e da cultura russas por parte das massas judaicas. 
 Suas idéias, porém, são abaladas pelas perseguições de 1871, em Odessa, e totalmente 
revistas a partir de 1881 quando estas se espalham por toda a Rússia. Diante do anti-semitismo e da 
situação de inferioridade em que se encontra a maioria dos hebreus, Pinsker começa a divulgar a 
necessidade desta constituir-se enquanto nação. Para viabilizar a idéia, ele propõe a fundação de 
uma espécie de diretório, liderado pela elite hebraica, cujo objetivo seria o de criar um lar seguro e 
inviolável para o excedente de judeus que vivem como proletários nos diversos países e são um 
fardo para os cidadãos nativos.
1
 
 Em outras palavras, o primeiro passo seria o de separar a elite judaica do proletariado 
hebreu. Na visão de Pinsker, caberia a ela organizar-se para criar um refúgio seguro não para si, e 
sim para os judeus pobres cujo excedente vem trazendo problemas sérios à própria elite judaica em 
processo de integração na sociedade russa. Pouco importa onde este lar está localizado ou se nele já 
estão morando outros povos. O essencial é produzir uma dupla solução para a questão judaica: de 
um lado, a emancipação das camadas mais altas no interior de cada país e, de outro, a criação de 
uma pátria para o grande contingente de pobres, desempregados, artesãos e operários judeus que 
representam um fardo tanto para os russos, como, sobretudo, para os que buscam se emancipar. Se o 
problema é o excedente de proletários e proletárias do povo hebreu, a saída é, literalmente, exportá-
lo pra bem longe. Com Pinsker, o sionismo ensaia os primeiros passos. 
 Os atritos no interior da comunidade judaica, porém, não se limitam à realidade criada pelo 
desenrolar da situação na Rússia. As violentas perseguições levam milhares de hebreus a migrarem 
para a Europa ocidental. Transformados em força de trabalho abundante e disponível, se dirigem 
para os países mais desenvolvidos à procura de algo que garanta o seu sustento. No entanto, a sua 
vinda inquieta os judeus destas nações que, há décadas, haviam se integrado na sociedade burguesa 
e lutavam pela manutenção dos direitos de cidadania. 
 O fato é que a chegada dos barbudos, incultos e maltrapilhos membros do proletariado 
hebreu russo, à procura de trabalho num mercado saturado, poderia oferecer o pretexto para reavivar 
o anti-semitismo, nunca efetivamente superado, e reativar o vendaval de hostilidades do qual 
haviam sido vítimas no passado. É neste contexto que surge e ganha consistência o movimento 
sionista impulsionado pelo intelectual, advogado e jornalista Theodor Herzl”. 
- “Bom, diante da situação que você acaba de descrever, deve ter sido fácil para ele viabilizar a 
aceitação do Estado Judeu junto à elite hebraica...”, comento para mostrar que estou vislumbrando 
as próximas etapas da narração. 
 Nádia pisca os olhos e espetando o meu ombro com o graveto-muleta solta um 
surpreendente: “Não. Por incrível que pareça!”, que me deixa desorientado. E continua: “Pelo que 
 
1
 Jaime Pinski, Origens do Nacionalismo Judaico, pg. 109. 
 10 
lembro, é em 1894 que Herzl levanta, pela primeira vez, a bandeira do Estado Nacional Judaico. Em 
seguida, ele procura alguns membros da elite hebraica da Europa ocidental para transformar seu 
sonho em realidade. Mas, apesar de seus esforços, não consegue obter adesões significativas. Nem 
mesmo o Barão Hirch, que três anos antes havia fundado a Associação 
para a Colonização Judaica com a finalidade de despachar o excedente 
do proletariado hebreu da Rússia para a Argentina e a Palestina, se 
interessa pelo seu projeto. 
 Ao perceber as razões do mal-estar dos judeus emancipados das 
nações européias, Herzl começa a dialogar com eles. Em fevereiro de 
1896, publica a primeira edição de O Estado Judeu na qual escreve: A 
questão judaica existe. Seria tolice negá-lo. É um pedaço da idade 
média desgarrado em nossos tempos e do qual os povos civilizados, 
ainda que com a melhor boa vontade, não podem se desembaraçar. 
Apesar de tudo, deram prova de generosidade, emancipando-nos. A 
questão judaica persiste onde quer que vivam os judeus em número 
apreciável. Onde não existia foi levada pelos imigrantes judeus. 
 Procuramos, naturalmente, aqueles lugares onde não nos 
perseguem e aí, todavia, a perseguição é a conseqüência do nosso 
aparecimento. Isto é verdade e permanecerá verdade por toda parte, 
mesmo nos países de civilização adiantada – a França é uma prova – por tanto tempo quanto a 
questão não for resolvida politicamente. Os judeus pobres levam agora consigo o anti-semitismo à 
Inglaterra, depois de já o haverem levado à América.
2
 
 Você entende que se a culpa da existência da questão judaica é dos hebreus pobres, já que a 
média e alta burguesia deste povo haviam se emancipado com sucesso, a solução só poderia ser a 
que Pinsker havia apontado: exportar o problema pra bem longe. Além de ocultar que a presença do 
proletariado judaico poderia ser o pretexto, mas não a razão, do anti-semitismo, cujas explicações 
deitam raízes no papel da própria burguesia judaica no interior das nações, o texto não deixa 
dúvidas quanto ao fato de que a questão religiosa da volta à terra santa não é o motivo inspirador do 
sionismo. 
 Diante dos passos dados por Herzl nesta direção, a elite hebraica rejeita a idéia de criar um 
Estado Nacional Judaico alegando que, como cidadãos de diferentes países, seus membros devem 
lealdade aos povos que os hospedam. O interesse em defender o status de cidadão leal tem como 
base o temor de que a idéia do nacionalismo judaico acrescente a pecha de Traidor da Pátria ao 
sentimento anti-semita europeu. 
 É nesta situação que, em 29 de 
agosto de 1897, Herzl funda a Organização 
Sionista Mundial como resultado do 
Congresso que se desenvolve em Basiléia, 
Suíça, e do qual participam entre 200 e 250 
delegados de 24 países. Após duras 
polêmicas, a Palestina é definida como 
morada do povo hebreu e objetivo do 
sionismo. Para acalmar os membros da 
elite judaica, Herzl garante que um Estado 
Judeu na Palestina não iria solicitar que 
elesse mudassem para lá, já que eles são 
ingleses, franceses, alemães, etc., de fé 
mosaica. Além disso, a existência deste Estado facilitaria o seu processo de integração na realidade 
européia e americana e acabaria com o problema do proletariado judaico migrante. 
 
2
 Jaime Pinski, texto citado, pg. 129. 
Theodor Herzl 
Foto do Congresso de Basiléia 
 11 
 Entendido o recado, a burguesia hebraica muda de posição sem perder a chance de reafirmar 
suas convicções. É assim que, por exemplo, em setembro de 1897, a Liga dos Judeus Britânicos faz 
questão de esclarecer que seus objetivos são: 
2. Preservar o status de súditos britânicos que professam a religião judaica; 
3. Resistir à alegação de que os judeus constituem-se em nacionalidade política separada; 
4. Facilitar o estabelecimento na Palestina dos judeus que desejam fazer dela o seu lar. 
E continua: A Liga dos Judeus Britânicos foi fundada para preservar os princípios pelos 
quais nossos pais lutaram e pelos quais conseguiram para nós a emancipação e a completa 
igualdade de direitos. (...) Os súditos britânicos que professam a religião judaica não têm e não 
podem ter nenhuma outra nacionalidade política a não ser a do Império Britânico, que eles 
ajudaram a construir e para o qual estão orgulhosos em ter oferecido suas vidas.
3
 
 Vencendo as resistências da elite, o movimento sionista começa a crescer. Seu maior 
impulso, porém, não vem da atividade de convencimento junto à burguesia hebraica, mas sim da 
onda migratória de Leste para Oeste que percorre a Europa após as perseguições promovidas pelo 
governo czarista entre 1903 e 1906, bem mais graves e violentas das anteriores”. 
- “Nádia, agora fiquei curioso. Como é possível levar milhares de pessoas a migrarem para uma 
terra distante? Além do sentimento de insegurança, trata-se de algo que não pode ser feito da noite 
para o dia”. 
 A coruja mexe a cabeça em sinal de afirmação e, após alguns instantes, retoma o relato: 
“Você tem razão. É difícil. Mas o que você ainda não conhece são os passos que Herzl daria para 
viabilizar sua empreitada. A ação dele se desenvolve em duas frentes simultâneas. A primeira busca 
mostrar à pequena burguesia, aos artesãos e aos migrantes desempregados que o retorno à Palestina 
prevê uma possibilidade real de ascensão social. 
Ao descrever o sonho sionista, ele não titubeia em dizer: Para isto é preciso, antes de tudo, 
fazer tabula rasa de muitas idéias antiquadas, passadistas, atrasadas, confusas e estreitas. Assim, 
espíritos limitados pretenderão, antes de mais nada, que a migração, saindo da civilização, deverá 
dirigir-se ao deserto. Absolutamente! Ela se efetuará em plena civilização. Não desceremos a graus 
inferiores; ao contrário, elevar-nos-emos. Não ocuparemos choças de barro e palha, mas belas 
casas modernas que poderão ser habitadas sem perigo. Não perderemos os bens adquiridos, mas 
os valorizaremos. Cederemos os nossos direitos apenas para outros melhores. Não nos 
separaremos de caros hábitos, mas os levaremos juntos. Não abandonaremos a nossa velha casa 
antes que a nova esteja acabada. Só partirão aqueles que têm certeza de assim melhorar a sua 
sorte. Primeiro os desesperados, depois os pobres, depois os remediados e, por fim, os ricos. Os 
que partirem na vanguarda, ascenderão às camadas mais altas que então enviarão os seus 
membros. A migração será ao mesmo tempo um movimento de ascensão de classe.
4
 
 Com este anseio de ascensão social, em seguida colocado em segundo plano, o movimento 
sionista incorpora também as idéias messiânicas e a visão do retorno à terra dos antepassados que se 
mantinham vivas ao longo dos séculos. É assim que o ideal abstrato da volta à Jerusalém, celebrado 
nos rituais religiosos, adquire vida e impulsiona a realização do sionismo entre as camadas mais 
pobres da comunidade judaica. 
 A segunda frente diz respeito a como conseguir terra para dar início à colonização hebraica. 
Nesta época, a Palestina integra o Império Turco (Otomano) e não é terra de ninguém. Por 
importantes que fossem, os financiamentos vindos dos magnatas judeus para comprar terrenos dos 
proprietários árabes conseguem apenas dar origem a um processo de ocupação vagaroso e 
extremamente limitado. No máximo, eles ajudam a abrigar com dificuldade os proletários hebreus 
que saem da Rússia direto para a Palestina. Mas, dificilmente, podem sustentar, por si só, a 
formação de um Estado Judeu. O jeito, então, é tentar amolecer o coração das grandes potências, ora 
 
3
 Idem, pg. 127. 
4
 Idem, pg 134-135. 
 12 
apelando ao seu desejo de expansão colonial, ora aos possíveis benefícios que elas teriam ao 
proporcionar uma pátria aos hebreus da diáspora. 
 De início, Herzl procura o kaiser alemão Guilherme II que não se entusiasma pela idéia. Em 
seguida, é a vez do sultão turco Abdul-Hamid ao qual tenta mostrar, sem sucesso, que a chegada de 
judeus dedicados ao trabalho e com bons recursos financeiros traria vantagens e bem-estar ao seu 
império. 
Diante do fracasso, a saída é abrir caminhos em direção à França e à Inglaterra. É neste 
sentido que o próprio Herzl escreve: Para a Europa constituiríamos aí um pedaço de fortaleza 
contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie. Ficaríamos como 
Estado Neutro, em relação constante com toda a Europa, que deveria garantir a nossa existência. 
5
 
 Anos depois, quando a Palestina passa a integrar os domínios da Inglaterra, a perspectiva 
sionista de um Estado Judeu protegido por uma grande potência colonial começa a ganhar 
consistência. Mas este é um assunto que vou tratar melhor no próximo capítulo que você pode 
chamar de... 
 
2. Árabes e judeus na Palestina. 
 
- “Bom, Nádia, ao falar das relações entre os dois povos, gostaria que contasse como é a vida nesta 
terra antes da chegada das migrações sionistas. Ao que me consta, são os judeus a trazerem a 
civilização para uma região árida e bem pouco povoada”, pergunto para dar mostras dos meus 
conhecimentos. 
 A coruja ouve atentamente o meu pedido. Suspira. Sacode a cabeça e, mancando, começa a 
andar de um lado a outro do sofá. Sem cruzar o meu olhar, levanta a ponta da asa para o alto 
sinalizando que quer o máximo de atenção para as palavras que está prestes a pronunciar. “Os 
humanos são um caso sério. Vivem dizendo que são seres inteligentes e superiores aos demais, mas 
têm uma capacidade surpreendente de comprar gato por lebre. Isso acontece porque no lugar de ir 
além das aparências estufam o peito com o que todos repetem. Crentes de que já possuem uma 
explicação para os acontecimentos, os bípedes da sua espécie não percebem que aceitam como 
verdades o que nós corujas sabemos não passar de velhas mentiras”. 
 Nádia vê que o rubor toma conta do meu rosto. De rabo de olho, acompanha os gestos 
silenciosos com os quais o corpo anuncia a retirada estratégica atrás da mesa sobre a qual estão os 
papeis com o seu relato. E desenhando círculos no ar com o graveto que, até poucos instantes, lhe 
servia de muleta, continua: “Voltando ao nosso assunto, você precisa saber que a palavra de ordem 
uma terra sem povo para um povo sem terra, assumida pelos sionistas em 1901, não passa de 
propaganda enganosa. E a dizer isso não sou eu, pobre representante do reino das aves, e sim Achad 
Há’am, um judeu originário da Ucrânia. Ao narrar suas impressões após uma viagem à Palestina 
realizada em 1891-92, ele assinala: Do exterior somos inclinados a acreditar que a Palestina hoje é 
um país quase completamente vazio; um deserto onde cada um pode comprar tantas terras quanto 
desejar. A realidade é bem outra. É difícil encontrar neste país terras aráveis que não sejam 
cultivadas... Não são apenas os camponeses, mas também os grandes proprietários que hesitam em 
vender sua boa terra. Numerosos de nossos irmãos vieram aquipara comprar terras e tiveram que 
permanecer no país durante meses, percorrendo-o de cima a baixo, sem contudo encontrar o que 
procuravam.
6
 
 Na época em que Achad faz a sua viagem, a população palestina é de, aproximadamente, 
700 mil pessoas, 35% das quais mora nas cidades. Quase inteiramente construídas pelos árabes 
palestinos, Jerusalém, Nablus, Nazaré, Acre, Jaffa, Jericó, Ramallah, Hebron e Haifa estão entre os 
principais centros da vida urbana onde uma indústria pouco expressiva convive com o artesanato e 
intensas atividades comerciais. 
 
5
 Idem, pg. 137. 
6
 Helena Salem, Palestinos os novos judeus, pg. 20. 
 13 
 A agricultura é, sem dúvida, um setor de fundamental importância para a economia da 
região. Na primeira metade do século XIX, a terra pertence aos moradores dos cerca de 500 
vilarejos que, mesmo sem poder contar com sistemas de irrigação, cultivam cereais verduras e 
frutas, sobretudo na faixa úmida da planura costeira. 
As formas de propriedade já existentes se mantêm praticamente inalteradas até pouco depois 
de 1850, quando o aumento dos impostos por parte do governo turco provoca um progressivo 
empobrecimento dos vilarejos. Pressionados pelas dívidas, os agricultores se vêem obrigados a 
venderem seus terrenos aos notáveis da cidade cujas riquezas vêm da cobrança de tributos e das 
atividades comerciais com o Ocidente. Mas, como esta elite mora nos grandes centros, ou até 
mesmo fora do país, os camponeses acabam ficando na mesma terra na condição de arrendatários. 
 Com a formação dos pomares de frutas cítricas destinadas ao mercado europeu, o preço dos 
terrenos agrícolas aumenta dando a seus distantes proprietários uma boa razão para vendê-los. A 
chegada dos migrantes sionistas eleva o número de compradores e, com ele, o valor a ser pago, o 
que torna os negócios ainda mais lucrativos. Incentivados pelas boas ofertas, entre 1878 e 1908, os 
grandes proprietários cedem aos judeus cerca de 400 dos 27 mil quilômetros quadrados do território 
palestino. 
 Apesar de se instalar numa parte extremamente pequena das terras dos vilarejos, a 
colonização sionista começa a alterar as relações amigáveis entre árabes e judeus que existiam antes 
de 1882, ano em que chega um bom número de migrantes vindos da Rússia”. 
- “Nádia, você poderia dizer de quantas pessoas está falando e o que isso representa para os 
camponeses árabes?”, me atrevo a sugerir na tentativa de ganhar tempo para esticar os dedos. 
 Sem ceder à razão da minha investida, a coruja coloca uma asa atrás das costas e fingindo 
não ouvir os estalos, continua: “Os dados que você pede são poucos e imprecisos. Mas alguns 
historiadores calculam que, de 1882 a 1914, devem ter entrado na Palestina cerca de 65 mil judeus, 
boa parte dos quais se instala nas 44 colônias agrícolas que se formam neste período. Dos relatos 
que chegam até nós, sabemos que os colonos sionistas organizam a vida da nova comunidade 
judaica sem levar em consideração as regras e os costumes já existentes, numa forma que os árabes 
consideram ofensiva. 
 Mas o que vai minar a relação entre árabes e hebreus é algo bem mais sério. Acontece que, 
em geral, quando um território é colonizado por um outro povo, além das riquezas naturais, este 
costuma explorar a força de trabalho local. Na Palestina, após um primeiro momento em que os 
nativos são empregados nas colônias judaicas ou nas demais atividades dirigidas pelos sionistas, 
eles passam a ser progressivamente substituídos pelos hebreus recém-chegados do exterior. É assim 
que, caçados das terras onde sempre viveram e tiraram o seu sustento, empobrecidos, 
marginalizados e sem ter pra onde ir, aos palestinos não resta outra escolha a não ser a de tentar 
garantir a sobrevivência saqueando os assentamentos dos judeus. 
 De início, os sionistas não apelam para o uso das armas por temer que esta opção faça 
precipitar a situação. Mas em setembro de 1907, um grupo de ativistas hebreus funda uma 
organização armada e semiclandestina com o objetivo de zelar pela defesa dos assentamentos: a 
HaShomer. Seus membros, pagos pelos colonos, passam por um treinamento militar, aprendem a 
língua e os costumes dos árabes além de se vestir como eles para melhor realizar as tarefas de 
infiltração nos vilarejos. 
 Paralelamente a isso, alguns intelectuais hebreus buscam promover relações de amizade 
entre árabes e judeus. Boa parte deles, porém, não esconde que mantém esta postura com a 
preocupação de buscar soluções capazes de garantir um mínimo de convivência pelo menos até que 
a presença sionista se torne irreversível. 
 Em ritmo mais lento, com poucos recursos e sem contar com o apoio da elite que se delicia 
com o dinheiro da venda das terras, os palestinos ensaiam as primeiras respostas. Em julho de 1914, 
um panfleto anônimo convoca os árabes a defenderem a pátria com unhas e dentes. Ao resgatar as 
razões deste apelo prossegue: Tenham piedade de sua terra e não a vendam como mercadoria (...). 
Façam pelo menos com que seus filhos herdem o país como vocês o herdaram de seus pais. 
 14 
Homens! Quereis acabar como escravos e servos de um povo famigerado no mundo e na 
história?Quereis ser escravos dos sionistas vindos para expulsar-nos do nosso país, afirmando que 
a eles pertence?
7
 Marginalizado, o povo começa a trilhar o caminho da resistência”. 
- “O que eu ainda não consegui entender é como a Inglaterra apóia o tal lar judeu na Palestina?”, 
questiono para retomar um assunto que ficou pendente no final do capítulo anterior. 
 Nádia coça a cabeça, olha para o alto e segurando o queixo com a ponta da asa fica 
pensativa. Depois de alguns “Vejamos..., bem...., sim..., talvez seja melhor ir por aí...” retoma o 
relato com a serenidade de um violinista que conhece cada nota da partitura: “Pra começar é bom 
lembrar que o império turco governa a Palestina entre 1517 e 1918. Na segunda metade do século 
XIX, quando ocorrem as primeiras migrações, o território palestino integra a província da Grande 
Síria que incorpora os atuais estados da Síria, Líbano, Jordânia, Israel e, obviamente, a Cisjordânia. 
 Ao longo da administração otomana, algumas províncias do império manifestam seu 
descontentamento em relação ao poder central, mas não chegam a criar um verdadeiro movimento 
de independência. 
 No início do século XX, o império turco perde uma ampla região dos Bálcãs, cede o controle 
do Egito e do Canal de Suez à Grã Bretanha e, em 1912, é forçado a entregar a Líbia à Itália. Com a 
1ª Guerra Mundial, em 1914, a Turquia sente que pode vir a perder as províncias árabes devido às 
novas investidas imperialistas dos exércitos franceses, italianos e britânicos. Sob o impulso das 
hostilidades em relação à Rússia e convencido de que a Alemanha sairia vitoriosa do conflito, o 
império otomano se alia a ela. Ao mesmo tempo, porém, setores nacionalistas dos atuais estados da 
Arábia Saudita, Iêmen, Omã e Emirados Árabes Unidos, cujos territórios vinham gozando de uma 
relativa autonomia, vêem a possibilidade de caminhar rumo á sua independência caso a Turquia 
venha a ser derrotada. 
 Ameaçada pelas ambições de França, Rússia, Alemanha e Áustria-Hungria, a Grã Bretanha 
teme perder suas posses na África e, sobretudo, o controle do Canal de Suez por onde passam as 
rotas comerciais para a Ásia. Neste contexto, pôr as mãos na Palestina, porta de acesso para o Canal 
de Suez, passa a ser de importância crucial para o governo de Londres. Mas para dar conta desta 
empreitada, o dinheiro e as armas britânicas teriam que alimentar a rebelião árabe nos territórios 
controlados pela Turquia. Com uma revolta interna 
enfraquecendo o império otomano, obter o controle 
da Palestina seria como tirar um doce da boca de 
uma criança. Os territórios árabes ficariam 
independentes da Turquia e, longe de se constituir 
imediatamente em Estados soberanos, 
permaneceriam soba proteção britânica 
interessada em viabilizar melhores condições de 
acesso às jazidas de petróleo da região. 
 O problema é que a França, aliada da 
Inglaterra no conflito mundial, também está 
querendo ampliar seu domínio sobre estas terras. É 
assim que, para evitar uma situação desgastante, 
em janeiro de 1916, ingleses e franceses assinam 
um acordo secreto conhecido pelo nome de Sykes-
Picot. Pelos termos do tratado que leva o nome dos 
principais negociadores, uma vez derrotada a 
Turquia, os britânicos estenderiam o seu controle sobre Iraque, Palestina e Jordânia, enquanto a 
França ficaria com o Líbano e a Síria. Os demais países da península árabe manteriam suas 
autonomias ainda que à sombra do império britânico. 
 
7
 Benny Morris, Vittime, pg. 89. 
 15 
 Mas nem tudo funciona de acordo com o previsto. Em 1917, Alemanha e Áustria parecem 
estar a ponto de impor uma derrota aos adversários e o movimento insurrecional dos povos árabes é 
lento e pouco significativo. A Grã Bretanha, então, não tem outra escolha a não ser a de encontrar 
no sionismo um aliado confiável para executar as tarefas que considera indispensáveis. Em 
novembro do mesmo ano, o governo de Londres oficializa o seu apoio ao Movimento Sionista 
através da Declaração Balfour, do nome do Lorde que havia negociado com a França e os Estados 
Unidos a sua viabilização. Nela se expressa que O Governo de Sua Majestade é favorável ao 
estabelecimento em Palestina de um lar nacional do povo hebreu e dará o melhor de si para fazer 
com que este objetivo seja alcançado, ficando claro que não será dado nenhum passo que venha a 
prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas da Palestina, ou os direitos e 
o status político que os hebreus gozam em qualquer outro país.
8
 Com esta redação, a Inglaterra trata 
de ganhar os judeus sem atiçar a desconfiança dos árabes. 
 Em terras palestinas a resposta é imediata. O recrutamento no interior da comunidade 
judaica garante aos britânicos a formação de três batalhões. Se, de um lado, isso proporciona a força 
que faltava, de outro, ao se tornarem soldados e oficiais, os colonos judeus recebem armas e 
treinamento bélico, elementos escassos em suas fileiras. 
 Enquanto isso, a Turquia continua mantendo as duras medidas repressivas implementadas 
desde o início do conflito mundial. Em território palestino ela confisca tudo aquilo que pode ser 
usado no esforço de guerra. Milhares de árabes são recrutados para integrar as mal-equipadas tropas 
otomanas ao mesmo tempo em que o império lança mão da tortura, das prisões arbitrárias e do 
exílio para sufocar possíveis focos insurrecionais. Os mais atingidos são os intelectuais e os setores 
médios da sociedade, ou seja, aqueles que teriam condições de articular uma força de oposição à 
administração turca. Ainda assim, na medida em que a repressão se torna mais pesada e os fatos 
evidenciam a possível derrota da Turquia na guerra, um pequeno grupo de palestinos abraça a causa 
da rebelião árabe como meio para obter a independência. 
 Com o fim da primeira guerra mundial, policiais e soldados britânicos marcam presença na 
Palestina. As condições de vida dos camponeses árabes pioram e não demoram em reacender as 
hostilidades com os judeus. É neste contexto que a Associação Islâmica-Cristã de Jaffa expressa 
com palavras duras o antagonismo de interesses que permeia a realidade: Jogaremos os sionistas no 
mar, ou serão eles a expulsar-nos para o deserto.
9
 
- “Nádia, confesso que estou assustado. Estas últimas palavras soam como uma verdadeira 
declaração de guerra. Mas, será que havia razão para isso?” 
 A coruja ouve atentamente e, com a ponta das asas na cintura, se prepara para dar uma de 
suas sacudidas. “Meu pequeno humano de óculos, você precisa entender que quando os propósitos 
de convivência pacífica são negados pelo agravar-se das contradições, não há como esperar dias de 
paz. Enquanto não se resolvem as razões que dão origem aos conflitos, estes vão continuar 
revelando que os discursos de fraternidade entre os povos não passam de uma miragem que 
desaparece na medida em que caminhamos em direção a ela. Se tiver paciência em me ouvir, vai 
entender o que acabo de dizer. 
 Pra início de conversa, você precisa saber que, com a chegada de gordos recursos em libras 
esterlinas, os sionistas ampliam a compra de terras daquela elite árabe que vive bem distante delas e 
das condições de vida dos camponeses seus arrendatários. Entre 1920 e 1929, a comunidade judaica 
dobra o tamanho das áreas destinadas à colonização. Isso significa que a quantidade de agricultores 
palestinos privados dos meios de subsistência não pára de aumentar. 
 Sabendo que isso vai complicar as relações entre os assentamentos e as comunidades árabes, 
os sionistas dissolvem a HaShomer e, no início de 1920, criam a Haganah, uma força militar que, 
pouco a pouco, ganha consistência e treinamento suficientes para passar da defesa dos 
 
8
 Benny Morris, idem, pg. 101. 
9
 Idem, pg. 120. 
 16 
assentamentos judaicos ao ataque dos palestinos. E em 1930-31, alguns oficiais da Haganah criam o 
Irgun, um grupo clandestino treinado para realizar ações de represália. 
 No fim dos anos vinte, a Palestina é atingida por uma seca prolongada que perdura até 1934 
reduzindo substancialmente a produção agrícola. Os vilarejos árabes e as pequenas cidades do 
interior conhecem um progressivo empobrecimento e uma forte migração dos palestinos rumo a 
Jaffa e Haifa cujos arredores se enchem de favelas. 
 Em 1935, diante da substancial redução dos recursos que vêm do exterior e da necessidade 
de dar emprego aos judeus recém-chegados, os sionistas passam a demitir os árabes que trabalham 
como assalariados em seus empreendimentos. É nesta situação que o secretário da federação 
sindical judaica de Jaffa declara: Pouco importa quantos árabes estejam desempregados, eles não 
têm direito a nenhum emprego que poderia ser ocupado por um hebreu. Nenhum árabe pode ter 
direito a vagas nas empresas judaicas. E, melhor ainda, se os árabes puderem ser expulsos também 
dos demais empregos. 
10
 
 O sentimento de revolta palestino aumenta ainda mais em outubro de 1935 quando se 
descobre que um suposto carregamento de cimento destinado a um importador judeu é composto de 
800 fuzis e 400 mil projeteis. Some a isso o sucesso da revolta contra o domínio inglês na cidade do 
Cairo, no Egito, e não terá nenhuma dificuldade em entender o acirrar-se da insatisfação e do 
radicalismo árabes. 
Suas primeiras manifestações ganham corpo em 25 de novembro de 1935 quando as 
organizações políticas palestinas enviam um protesto ao Alto Comissariado britânico reivindicando 
o fim da imigração e da venda de terras aos hebreus, além da instalação de um governo democrático 
que seja expressão da maioria árabe. Na tentativa de contornar a situação, os ingleses tentam montar 
um Conselho Legislativo no qual Londres se reserva o direito a dizer a última palavra”. 
- “Isso parece mais uma provocação do que uma tentativa de acordo pacífico...”, sugiro ao 
vislumbrar assustado o desenrolar dos novos acontecimentos. 
 De pé, apoiada no graveto que lhe serve de muleta, Nádia atende solene à minha inquietação. 
“É verdade. A saída encontrada pelos britânicos só é boa para eles mesmos. E ainda que por razões 
diferentes, tanto os palestinos quanto os sionistas acabam rejeitando-a e suspendendo as 
improdutivas negociações que se arrastam até abril de 1936 quando uma greve geral marca o início 
da primeira rebelião palestina. 
 Impulsionado por jovens nacionalistas, o movimento é organizado e dirigido pelo Alto 
Comitê árabe composto de 8 membros representantes das principais facções políticas locais. Suas 
reivindicações centrais são o fim da imigração e da compra de terras por parte dos sionistas ea 
implantação de uma assembléia legislativa eleita pelo povo. A greve tem uma adesão limitada, mas 
consegue provocar escassez de produtos agrícolas na cidade e atrasos na construção civil onde os 
palestinos constituem a maior parte da força de trabalho. Ao mesmo tempo, grupos árabes atacam as 
hortas e os pomares dos assentamentos judaicos derrubando árvores frutíferas e causando sérios 
prejuízos. 
 A administração britânica na Palestina percebe logo que seus dois batalhões de infantaria e 
as forças policiais não conseguem conter os ataques dos rebeldes, cada vez mais freqüentes e 
imprevisíveis. Diante do agravar-se da situação, Londres envia cerca de 20 mil soldados para a 
região, recruta 2 mil e 700 policiais hebreus e distribui farto armamento aos colonos judeus. 
Os sionistas sabem que as razões da insatisfação árabe convergem para a disputa de uma 
terra onde não há lugar para os dois povos. Nas primeiras semanas, procuram garantir apenas a 
defesa dos assentamentos por temer que eventuais ações de represália possam ampliar a extensão do 
conflito. E com a chegada dos contingentes britânicos, deixam a eles a tarefa de assumir o ônus de 
esmagar a resistência dos rebeldes. 
 Na metade de maio, as tropas impõem o toque de recolher, invadem repentinamente bairros 
e residências palestinas, realizam emboscadas e ações de patrulhamento contando com o apoio dos 
 
10
 Idem, pg. 159. 
 17 
sionistas. Encurralados pela repressão, os militantes árabes se refugiam nos vilarejos mais distantes. 
Neles a adesão ao movimento não é imediata. O fato de a rebelião ocorrer nas semanas que 
antecedem a colheita, o receio de enfrentar as tropas britânicas e o esvaziamento dos vilarejos em 
função das migrações internas rumo aos principais centros do país são elementos que, inicialmente, 
freiam o envolvimento dos camponeses palestinos. 
Mas, em agosto de 1936, boa parte das regiões rurais se rebela. O repúdio à dominação 
estrangeira, a aversão e o medo em relação aos sionistas que ameaçam sua sobrevivência fazem com 
que até mesmo as tradicionais rivalidades entre os clãs sejam deixadas de lado. Além de atacar 
postos policiais e assentamentos, grupos guerrilheiros levam adiante ações de sabotagem contra 
linhas telefônicas, pontes e ferrovias. 
Em resposta, a administração britânica passa de medidas de contenção da revolta a 
verdadeiras ações de contra-insurreição. As casas dos camponeses palestinos, acusados de dar 
abrigo aos rebeldes, são derrubadas e seus pertences confiscados ou destruídos. Vilarejos inteiros 
são arrasados e uma violenta repressão se abate sobre todos os suspeitos de integrar o movimento. 
Nestas condições, o prolongar-se da luta esgota rapidamente os poucos recursos dos 
militantes e a perspectiva da derrota leva o Alto Comando árabe a abrir negociações com os 
britânicos. Ao mesmo tempo, os governos autônomos da Arábia, Iraque, Iêmen e Jordânia 
pressionam os palestinos a pôr fim à greve e às ações guerrilheiras. Isolados, sem recursos e com as 
tropas britânicas prontas para desfechar o ataque definitivo, não resta aos rebeldes outra saída a não 
ser a de suspender a luta. 
Os britânicos restabelecem a ordem e garantem a continuidade da imigração judaica. Em 
novembro de 1936, a Comissão Peel, do nome do seu presidente Lorde William Robert Peel, 
começa os trabalhos de avaliação dos acontecimentos e apresentação de possíveis soluções. 
O relatório final, em julho de 1937, não surpreende quem conhece o desenrolar das relações 
entre a Grã Bretanha e o movimento sionista. Depois de puxar as orelhas dos administradores locais 
pela fraqueza demonstrada na hora de encarar o início da revolta, recomenda a divisão da Palestina 
em dois territórios. Aos judeus seria destinado pouco menos de um quinto do país. A Grã Bretanha 
manteria o controle sobre Jerusalém, Belém, Haifa e outras três cidades menores. Os palestinos 
ficariam com o deserto do Negev, a Faixa de Gaza e a atual Cisjordânia. Juntos, estes três territórios 
formariam com a Jordânia um estado árabe independente. 
A Comissão recomenda ainda que haja uma troca de população pela qual 225 mil palestinos 
sairiam da área destinada aos judeus, enquanto mil 250 hebreus em terras árabes fariam a mesma 
coisa. A razão que justifica esta medida é muito simples: sem a transferência, o estado sionista teria 
uma população árabe quatro vezes maior do que a judaica, e isso representaria uma ameaça 
constante à tranqüilidade da ordem interna. Os sionistas que haviam sugerido a exportação da 
Europa dos hebreus pobres como forma de resolver o problema das perseguições, agora encontram 
no governo de Londres um aliado de peso para defender a mesma medida em relação aos palestinos, 
legítimos moradores daquelas terras”. 
- “Nádia, agora fiquei curioso. Como é que as partes envolvidas no enfrentamento reagem ao 
relatório da Comissão Peel?”, pergunto na tentativa de apressar o relato. 
 A coruja sorri. E depois de um “Você não consegue mesmo imaginar as reações?”, que deixa 
no ar uma mistura de ironia e suspense, começa a dar a resposta. “Os judeus, obviamente, não têm 
outra coisa a fazer a não ser comemorar um resultado tão favorável aos seus projetos. Numa carta ao 
filho, Ben Gurion, um dos líderes mais importantes e respeitados da comunidade judaica, escreve: 
Um Estado hebreu numa parte da Palestina não é o ponto de chegada, mas sim de partida. A posse 
de uma região seria importante não só pelo que representa, mas ela nos tornaria mais fortes, e 
tudo aquilo que nos fortalece é destinado a facilitar a conquista do país inteiro. Fundar um 
[pequeno] Estado será como fornecer uma alavanca à nossa histórica tentativa de resgatar toda a 
região.
11
 
 
11
 Idem, pg. 179-180. 
 18 
 Do outro lado, em julho de 1937, o Alto Comitê árabe rechaça categoricamente o relatório 
da Comissão Peel, cujas conclusões entregam aos hebreus as melhores terras e 87% dos pomares 
palestinos. Em outras palavras, além de condenar a população árabe a um nível de vida bem 
inferior, a posição britânica possibilita as condições materiais para ampliar a chegada dos migrantes 
judeus e, de conseqüência, as futuras lutas de conquista do território. Mescle isso ao fato dos 
palestinos se sentirem legítimos habitantes de uma terra que sua religião considera sagrada e o 
resultado é que, em 14 de outubro do mesmo ano, a revolta árabe explode mais uma vez. 
 Além dos assentamentos judaicos, policiais e soldados britânicos se tornam alvo dos grupos 
guerrilheiros que atingem, inclusive, as residências dos árabes que se opõem ao movimento. Os 
enfrentamentos se intensificam em 1938 e se encerram definitivamente em setembro de 1939”. 
- “Ao longo deste período de quase dois anos, qual é o comportamento dos grupos armados 
judaicos?”. 
- “Parte deles se dedica ao mais puro terrorismo”, responde a coruja com voz seca e firme. 
- “Mas, Nádia, será que você não está se enganando? Desde que me conheço por gente, eu sempre 
ouvi dizer que atentado terrorista é coisa de palestino...”, murmuro perplexo e de queixo caído pela 
resposta inesperada. 
 A coruja sacode a cabeça. Em seguida, senta no sofá e com a calma de quem se prepara para 
contar uma história que espera seja ouvida e entendida, aponta o graveto-muleta em minha direção. 
Depois de um “Preste muita atenção ao que vou dizer” que cutuca os neurônios mais preguiçosos, 
Nádia pisca os olhos e acrescenta: “Quem não conhece a história cai facilmente nas armadilhas dos 
poderosos que levam a associar o termo palestino ao de terrorista. Eles fazem isso para que, ao 
desqualificar toda forma de luta e de resistência deste povo, sejam esquecidas as razões históricas 
que lhe dão origem. A reconstrução dos acontecimentos mostra que o terrorismo, no verdadeiro 
sentido da palavra, é assumido pelos judeus como forma de enfrentamentobem antes de se tornar 
uma arma nas mãos dos palestinos. 
 Entre 1937 e 1938, grupos do Irgun se encarregam de semear o terror entre a população 
árabe. O primeiro atentado ocorre em 11 de novembro de 1937 num posto rodoviário de Jerusalém: 
dois palestinos são mortos e outros cinco feridos. Três dias depois, bombas explodem 
simultaneamente em várias regiões rurais. O Irgun passa a comemorar o 14 de novembro como o 
dia do fim da abstinência da violência. 
 As ações se sucedem. Em 6 de julho de 1938, um militante deste grupo judaico detona 
grandes quantidades de explosivo num mercado árabe de Haifa. Resultado: 21 mortos e 52 feridos, 
todos palestinos. Passados nove dias, outro atentado mata 10 árabes e fere mais de 30 na cidade 
velha de Jerusalém. Em 25 de julho, o mercado de Haifa é novamente sacudido por uma explosão. 
Desta vez, o saldo é de 39 palestinos mortos e mais de 70 feridos. Estes que acabo de listar são os 
resultados das principais ações terroristas do Irgun. Houve outras que foram menores, mas não 
menos eficientes na tarefa de espalhar o terror entre a população árabe. 
 Neste contexto, a Haganah muda de papel. Além da defesa dos assentamentos, passa a 
realizar patrulhamentos e ataques preventivos. No início de 1939, por ordem de Ben Gurion, é 
criada uma unidade secreta de operações especiais para executar represálias contra vilarejos e 
militantes árabes, eliminar informantes e atacar instalações britânicas com o intuito de desencadear 
a repressão contra alvos palestinos. Quem desempenha um papel importante nesta transição da 
Haganah da autodefesa a uma postura agressiva é o jovem oficial escocês Charles Orde Wingate, da 
Quinta Divisão britânica. 
 Além do corpo de operações especiais, em junho de 1938, mais de 60 soldados ingleses e 
uma centena de hebreus formam os Esquadrões Especiais Noturnos. De acordo com o próprio 
Wingate, eles são parte de um plano mais amplo para espalhar o terror entre os palestinos: Os 
árabes acham que a noite é deles porque durante a noite a polícia e as tropas britânicas se fecham 
nos quartéis, mas nós hebreus [sic] lhes mostraremos que podemos acabar com seus planos. Não 
 19 
desistiremos até que tiverem medo da noite assim como agora eles têm do dia.
12
 No primeiro mês 
de atividade, os Esquadrões interceptam e matam mais de 60 árabes, parte dos quais em ações de 
represália contra os vilarejos usados como bases de operação dos rebeldes palestinos. Terminada a 
rebelião, a estratégia e razão de ser destes grupos são incorporadas por destacamentos da Haganah. 
 É também nesta época que os judeus aprimoram seus serviços de inteligência que se ocupam 
tanto de questões políticas como militares. Seus membros são recrutados entre comerciantes, 
agricultores, carteiros, entregadores, encanadores, garçons, pastores, policiais e vendedores de gado. 
Trata-se de pessoas que entram em contato com um grande número de cidadãos e que, por sua vez, 
arregimentam outros informantes, muitos dos quais são árabes atraídos pelas recompensas em 
dinheiro ou pela possibilidade de prejudicar o clã adversário. 
 O clima de terror é alimentado também pelas tropas britânicas que, sem fazer cerimônias, 
destroem casas, pomares e vinhedos das famílias suspeitas de protegerem os rebeldes. Se isso não 
bastasse, entre 1937 e 1939, são enforcados mais de cem árabes e não são poucos os palestinos que 
acabam amarrados nas locomotivas como escudo humano contra possíveis ataques. Se isso não 
bastasse, imitando o que Hitler faz com os hebreus na Alemanha, a população árabe é obrigada a 
usar sinais de identificação e seus deslocamentos são controlados com rigor. Além disso, os 
britânicos limitam as exportações palestinas de frutas cítricas para impedir que parte dos recursos 
seja usada no financiamento da guerrilha. 
 O saldo de mortos entre o início de 1938 e setembro de 1939, quando se encerra a rebelião, 
revela o peso da aliança anglo-judaica em relação às forças rebeldes. Ao todo são 114 britânicos, 
349 hebreus e cerca de mil e 500 árabes. 
 Com os principais líderes mortos, presos ou no exílio, com os suprimentos cortados, com 
centenas de simpatizantes e militantes assassinados e com o apoio popular destruído pelo terror, a 
rebelião não tem como se sustentar”. 
- “Confesso que agora estou meio atordoado. Você se importaria de delinear o desenrolar desta 
chuva de acontecimentos?”, peço na tentativa de vislumbrar os passos que as forças em jogo estão 
prestes a dar para garantir seus interesses na região. 
 Animada pela pergunta inesperada, a coruja se apóia no graveto com uma asa enquanto com 
a outra usa o encosto do sofá para se levantar. De pé, com o olhar atento do capitão que acompanha 
cada momento da navegação, Nádia se prepara para alinhavar as conclusões que, como sempre, 
devem ser também o ponto de partida da próxima etapa desta viagem pela história da questão 
palestina. Ajeitadas as plumas do peito, com voz solene, solta um “Muito bem, vejamos” que 
sinaliza o início do relato. “Em primeiro lugar, é necessário dizer que, já em 1938, a Grã Bretanha 
volta atrás quanto à divisão da Palestina. Apesar de reapresentá-la como solução para o conflito no 
relatório da Comissão Woodhead, criada para examinar esta questão, o império sabe que suas 
conclusões não têm a menor possibilidade de serem aplicadas e, por isso, não se esforça para 
viabilizá-las. 
 Acontece que diante das ameaças de uma nova guerra mundial, o Oriente Médio, rico em 
petróleo, ponto de passagem das rotas comerciais para a Ásia e sede de importantes bases militares 
britânicas, é uma área estrategicamente crucial para o governo de Londres que vê a necessidade de 
trabalhar para não alimentar os conflitos existentes. Neste contexto, a situação da Palestina 
preocupa na medida em que pode atrair sobre o império britânico a inimizade de dezenas de milhões 
de árabes e de centenas de milhões de muçulmanos. E a nível econômico e militar os povos árabes 
pesam muito mais do que a comunidade judaica e seus aliados internacionais. Apoiar os hebreus 
significa correr o risco de atiçar o sentimento antiimperialista árabe e empurrá-lo para uma possível 
aliança com as forças de Hitler e Mussolini. Isso quando aos sionistas não resta outra opção a não 
ser a de permanecer do lado da Grã Bretanha. 
Mas, ao agir desta forma, Londres acaba alimentando tanto a desconfiança dos palestinos 
como dos judeus. 
 
12
 Idem, pg. 192. 
 20 
E não é pra menos. Diante das pressões pelo fim da imigração e da venda das terras, a 
administração britânica aceita limitar a 80 mil o número de hebreus que podem entrar na Palestina 
nos dez anos seguintes, estabelece regras para reduzir a compra de terras e propõe a criação de um 
Estado palestino independente cuja implantação se daria no prazo de uma década. 
Estas medidas, além de não satisfazer a comunidade árabe, elevam o descontentamento dos 
sionistas para os quais a Grã Bretanha parece decidida a abandonar a Declaração Balfour e a ceder 
às pressões locais justo no momento em que os hebreus da Europa começam a sofrer a perseguição 
nazista. É assim que, semanas depois, os protestos dos judeus conseguem garantir a entrada de 75 
mil migrantes num prazo de 5 anos (isso sem contar os que chegariam clandestinamente com 
Londres fazendo vista grossa na tentativa de evitar atritos com os sionistas). Quanto às compras de 
terras, se nos anos da rebelião palestina haviam nascido cerca de 36 novos assentamentos, não seria 
agora que o império iria pôr fim a esta realidade. 
 Graças ao trabalho de fortalecimento da infra-estrutura e aos recursos vindos do exterior, a 
economia judaica na Palestina se desenvolve. Além de conseguir ampliar a produção dos 
assentamentos, os hebreus montam oficinas especializadas na blindagem de veículos e empresas 
para a produção de material bélico. Podendo contar com uma estrutura própriade suprimentos, a 
Haganah cresce e se fortalece. 
 Do lado árabe, a repressão anglo-judaica e as lutas internas haviam destruído centenas de 
casas, plantios e pomares. Entre civis e rebeldes estima-se que os dois momentos de revolta tenham 
custado entre 3 e 6 mil mortos enquanto pelo menos outros 6 mil palestinos haviam sido presos. 
Com a economia destruída, a miséria e o desemprego aumentando a olhos vistos, com a maior parte 
de suas lideranças na cadeia, mortas ou no exílio, a possibilidade de rearticular imediatamente uma 
resistência à altura das necessidades é, praticamente, nula. 
 O início da segunda guerra mundial traz novos ingredientes que elevam o grau de hostilidade 
entre árabes e judeus e deterioram o controle do império britânico sobre a Palestina. Sabendo que 
vêm mais coisas, é bom você tomar um café enquanto me preparo para falar do período que vai de 
1939 a 1949, ou seja... 
 
 
3. Da segunda guerra mundial ao primeiro conflito árabe-israelense. 
 
Renovadas as energias, o corpo se aproxima vagarosamente da mesa sobre a qual Nádia 
espera impaciente a sua volta. Sem desgrudar o olhar do relógio de parede, a coruja bate 
repetidamente o graveto-muleta no livro debaixo de suas patas na que parece ser uma frenética 
cronometragem da sua ausência. E dirigindo a ponta da asa para a cadeira vazia expressa toda a sua 
ansiedade: “Vinte e três minutos e quarenta e oito segundos para esquentar meio litro d’água, coar o 
café e tomar dois dedos de líquido quente misturado com um pingo de leite frio! Francamente! Este 
não é um intervalo, e sim um monumento à preguiça!”. 
- “Mas, Nádia...” 
- “Nada de mas, porém, tente entender ou outras solenes introduções para desculpas esfarrapadas. Já 
conheço todas e você bem sabe que não adianta apelar a elas para justificar esta demora”, diz a 
coruja para apressar a minha volta. 
 Ao ver que a mão já segura descansada o instrumento de trabalho, a ave pisca os olhos e 
aponta a muleta para a caneta parada no início da folha. Limpada a garganta com um sonoro “Hem! 
Hem!”, a voz pausada revela que, apesar do atraso, Nádia não perdeu o fio da meada: “Escreva: 
como a Grã Bretanha havia previsto, a comunidade judaica não hesita em declarar o seu apoio ao 
governo de Londres logo no início da segunda guerra mundial. Com este gesto, os sionistas esperam 
que sua lealdade seja compensada com o fim dos limites à imigração e com a defesa aberta da 
necessidade de criar um Estado judaico na Palestina. 
 Para os árabes, a escolha é mais difícil. Os britânicos controlam o Oriente Médio e têm 
fortes contingentes armados no Egito, Iraque e Palestina. Neste contexto, uma atitude abertamente 
 21 
hostil significaria correr o risco de reviver a dura repressão sofrida ao longo da revolta recém-
esmagada pelas forças anglo-judaicas. Do ponto de vista emotivo, o desejo de vingança levaria a 
apoiar a Alemanha e seus aliados, mesmo porque Hitler promete garantir a independência dos países 
árabes no amanhã da derrota do exército inglês. 
 Ao mesmo tempo, porém, a política de discriminação racial do nazismo assusta e ofende os 
povos do Oriente Médio. Entre as expressões que retratam este clima de indefinição está a anotação 
que Khalil Sakakini faz em seu diário na metade de 1941, ao dizer que os palestinos festejaram 
quando o enclave britânico de Tobruk se rendeu aos alemães. E não foram só os palestinos a 
festejar, mas o inteiro mundo árabe, tanto no Egito, como na Palestina, Síria, Líbano e Iraque, e 
não porque ame os alemães, mas sim porque não suporta os ingleses por causa de sua política na 
Palestina.
13
 
 A eclosão da segunda guerra mundial vai congelar o enfrentamento entre ingleses, judeus e 
palestinos”. 
- “Bom, acredito que, por parte dos hebreus, isso se deve também às preocupações humanitárias 
com as vítimas do holocausto”, me atrevo a sugerir na tentativa de esclarecer esta questão. 
 Nádia pára. Imóvel sobre a pilha de livros parece reunir os elementos que respondem à 
minha indagação. Depois de breves instantes de silêncio, a ave abre um sorriso desconcertante. 
“Você fala em preocupações humanitárias como se estas constituíssem a nova razão de ser do 
sionismo. Pois fique sabendo que, diante da perseguição dos hebreus nos campos de extermínio, a 
reação inicial da comunidade judaica na Palestina é permeada pela avaliação dos possíveis efeitos 
negativos sobre o projeto sionista. 
 Em dezembro de 1938, dois anos antes do holocausto, Ben Gurion observa: Se soubesse que 
posso salvar todas as crianças [dos hebreus] alemães transferindo-as para a Inglaterra, ou somente 
metade delas levando-as para a comunidade de Israel, escolheria salvar a metade porque o cálculo 
não pode limitar-se àquelas crianças, mas sim deve incluir o destino histórico de todo o povo 
hebreu. 
Quatro anos depois, quando o holocausto já é uma realidade, o mesmo Ben Gurion declara: 
A catástrofe dos hebreus europeus não é uma questão que me diz respeito de forma direta. E, ainda: 
A destruição dos hebreus europeus é o dobrar dos sinos que anunciam a morte do sionismo.
14
 
Trocado em miúdos, isso significa que o projeto de construir o Estado judaico na Palestina 
está acima de tudo, orientando as ações e as preocupações da comunidade hebraica local. De fato, 
sem um fluxo migratório constante, a concentração de judeus em território palestino não atinge um 
nível suficientemente elevado para justificar o seu reconhecimento como Estado independente. É 
por isso que, com o início da guerra, a organização de uma rede para a imigração clandestina torna-
se uma prioridade. Para os judeus é imprescindível desafiar abertamente as limitações impostas pelo 
governo de Londres que, preocupado em não alimentar reações adversas dos povos árabes, toma 
algumas medidas para deportar parte dos judeus que entram ilegalmente em território palestino. 
Para forçar o império a abrir mão das restrições, em novembro de 1940, a Haganah detona 
um velho navio ancorado no porto de Haifa com 1700 imigrantes clandestinos à espera de sua 
deportação. Mas o que devia soar como um ato de protesto se transforma em tragédia. A quantidade 
excessiva de explosivo utilizada na ação acaba matando 252 hebreus. 
As ações de “convencimento” não param por aí. Um mês depois, um grupo de operações 
especiais da Haganah coloca uma bomba no Centro de Imigração de Haifa, enquanto grupos 
semiclandestinos se preparam para garantir o aumento do fluxo de imigrantes. 
Ainda assim, não são muitos os judeus que conseguem escapar da repressão nazista. 
Calcula-se que, de 1939 a 1945, cerca de 92 mil conseguem entrar na Palestina. Menos da metade 
dos 217 mil que aí chegam para construir o seu lar entre 1932 e 1938. 
 
13
 Idem, pg. 208. 
14
 Idem, pg. 209. 
 22 
Com as notícias do holocausto se espalhando pelo mundo, a Grã Bretanha teme ser acusada 
publicamente de agir contra o respeito à pessoa humana e, pouco a pouco, começa a fazer vista 
grossa diante das imigrações clandestinas. 
Paralelamente a isso, os próprios Estados Unidos começam a simpatizar cada vez mais com 
a idéia de garantir um refúgio aos hebreus perseguidos. Aproveitando a fragilidade do governo de 
Londres, Tio Sam ensaia as primeiras paqueras com a comunidade judaica na Palestina”. 
- “Então, pelo que acaba de dizer, de agora em diante, a relação entre sionistas e britânicos só vai 
conhecer momentos de tensão?”, questiono sorrindo na certeza de pegar a coruja em aberta 
contradição com o esfriamento do conflito entre judeus, ingleses e palestinos que ela apontava no 
início do capítulo. 
 Nádia sacode a cabeça e percebendo as minhas intenções desce dos livros, se aproxima e 
apoiando a asa no meu ombro diz: “O fato dos humanos darem uma de espertinhos apenas denuncia 
sua vontade de usar a ironia para ocultar a falta de conhecimento. No mundo das corujas as coisas 
não são assim. A nossa tarefa

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