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Conteúdo: DIREITO DO CONSUMIDOR Gustavo Santanna COBRANÇA DE DÍVIDAS 4 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: • Identificar a cobrança indevida. • Aplicar o artigo 42 do CDC ao caso concreto. • Justificar o artigo 71 do CDC ao caso concreto. INTRODUÇÃO O Código de Defesa do Consumidor não proíbe a cobrança de dívidas, desde que seja feita com respeito e utilizando as ferramentas legais como a inscrição nos órgãos de proteção ao crédito. O que se veda é a cobrança vexatória, aquela que expõe o consumidor e gera desconforto. Nesta Unidade de Aprendizagem você vai identificar o que o artigo 42 e o artigo 71 do Código de Defesa do Consumidor preveem sobre a cobrança de dívidas. O ARTIGO 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A COBRANÇA DE DÍVIDAS O Código Consumerista dispôs, através de dois artigos, sobre a cobrança de dívidas, além de, no artigo 71, criminalizar o uso de forma indevida da cobrança. Coloca o CDC que: Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Art. 42-A. Em todos os documentos de cobrança de débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ do fornecedor do produto ou serviço correspondente. 5 A cobrança de débitos com ligações telefônicas e envio de cartas, por exemplo, é exercício regular de direito, se efetuadas de forma comedida, sem excessos, respeitando a dignidade da pessoa humana (GARCIA, 2015, p. 335). O problema é que, muitas vezes, a cobrança é feita no trabalho, na residência, no lazer, utilizando-se de diversos procedimentos vexatórios. Às vezes, até mesmo vizinhos e parentes são incomodados. Protege-se, assim, a imagem e a privacidade do consumidor-devedor (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 313). Como perfeitamente destaca Antonio Herman Benjamin (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 314), a cobrança deve ser limitada à figura do próprio consumidor, não podendo envolver terceiros. São atos de cobrança considerados normais o envio de correspondência para o endereço fornecido pelo consumidor indicando o valor da dívida e seu vencimento ou algumas ligações telefônicas em horário comercial informando os mesmos dados. A comunicação relava à cobrança deve ser feita diretamente ao consumidor. Nesta área, são inadmissíveis os excessos, tais como correspondência com destaque para o ato de cobrança, inúmeras cartas e ligações em horários inconvenientes, constrangimentos etc. (BESSA, MOURA, 2014, p. 179) Como bem aponta Antonio Herman Benjamin (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 314): “são violações per se dos dois dispositivos: a) a utilização de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral; b) o emprego de afirmações falsas, incorretas ou enganosas. Esses dois grupos de afronta legal são proibidos de maneira absoluta. Em outras palavras: jamais é justificável, em cobrança extrajudicial, o uso de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, assim como de afirmações desconformes da realidade.” Daniel Amorin e Flávio Tartuce (TARTUCE, NEVES, 2014, p. 311), fornecem alguns exemplos de condutas de cobrança consideradas vexatórias, como a prática de casas noturnas de impedir a saída do consumidor enquanto não for paga a dívida de consumação; a entrega de correspondência de cobrança aberta em portaria de prédio; o não funcionamento do sistema de cartão de débito com a consequente negativa, por parte do estabelecimento, de deixar o consumidor sair, acionando a brigada militar. DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO O montante a ser cobrado também é muito importante. Isso porque, conforme o parágrafo único do artigo 42, se o valor cobrado não for o devido, 6 o consumidor tem direito a repetição de indébito1. A cobrança de quantia a maior gera enriquecimento indevido (ou ilícito) do fornecedor, gerando, assim, ao consumidor, valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais (salvo hipótese de engano justificável, cabendo, nesse caso, a prova ao fornecedor – quem alega). Repetição de indébito é uma ação proposta por aquele que pagou a maior contra àquele que recebeu. Para Leonardo de Medeiros Garcia, para que a cobrança possa se dar em dobro, se faz necessária: 1) cobrança indevida; 2) pagamento em excesso (comprovada a má-fé) e 3) inexistência de engano injustificável. Nesse sentido, o Ministro do STJ Luis Felipe Salomão já se manifestou no Agravo Interno a Recurso Especial nº 1.572.392/RS, julgado em 01/12/2016 afirmando que: “A repetição do indébito em dobro pressupõe cobrança indevida por má-fé do credor”. Logo, se o consumidor não comprovar que a cobrança indevida se deu por má-fé (prova muito difícil de ser realizada), a repetição de indébito será simples, e não em dobro. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DE QUANTIA PAGA INDEVIDAMENTE. EXIGÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO DE MÁ-FÉ. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7 DO STJ. SÚMULA 83 DO STJ. 1. Inviável a repetição em dobro do indébito sem prova inequívoca da má- fé do credor, que não pode ser presumida. 2. A verificação da ocorrência de má-fé, a justificar a devolução em dobro dos valores pagos, demanda o reexame da matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7 do STJ. 3. A Corte estadual julgou nos moldes da jurisprudência pacífica desta Corte. Incidente, portanto, o enunciado 83 da Súmula do STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp nº 779.575/PB, Ministra Relatora Maria Isabel Gallotti, julgado em 11/10/2016). 1 Regra semelhante encontra-se no artigo 940 do Código Civil: Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição. 7 Leonardo de Medeiros Garcia (2015, p. 339) expõe sinteticamente os casos em que o Superior Tribunal de Justiça admite a devolução em dobro nos moldes do parágrafo único do artigo 42 da Lei nº 8.078/90: • casos envolvendo serviços públicos, bastando a verificação da culpa; • nos demais casos, quando for comprovada a má-fé do fornecedor na cobrança indevida; • a cobrança não pode ter sido oriunda de cláusula posteriormente declarada nula; • não pode o objeto da cobrança indevida ter posicionamento controvertido nos tribunais; • a cobrança indevida não pode ser oriunda de má interpretação legal. Deve-se ter cuidado também com relação ao prazo prescricional para propositura da ação de repetição de indébito, pois o prazo não vem previsto no CDC, mas, sim, no Código Civil. De acordo com as jurisprudências abaixo, do STJ, dever-se-ia seguir o prazo prescricional insculpido no artigo 206, 3º, IV, ou seja, 3 anos. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. COBRANÇA DE SERVIÇOS DE TELEFONIA NÃO CONTRATADOS. 1. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. PRECEDENTES. 2. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE. SÚMULA 83 DO STJ. 3. DANO MORAL NÃO DEMONSTRADO. MODIFICAÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. 4. ALEGADA OFENSA AO ART. 475-B, § 1º, DO CPC/1973. FALTA DE PRÉ-QUESTIONAMENTO. 5. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. O entendimento das Turmas integrantes da Segunda Seção desta Corte é no sentido de que o prazo prescricional da ação ordinária por cobrança indevida de valores referentes a serviços de telefonia nãocontratados, como no caso dos autos, é o previsto no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, ou seja, 3 anos. 2. Outrossim, a jurisprudência da Segunda Seção desta Corte Superior entende ser impossível a restituição em dobro do indébito sem a prova de que a instituição financeira tenha agido de má-fé. 3. A análise quanto à ocorrência do dano moral demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado nesta Corte, ante o http://trienal.precedentes.2.m�/ 8 óbice constante do enunciado sumular n. 7/STJ. 4. (...). 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp nº 708.688/RS, Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/05/2016). AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR E PROCESSUAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COBRANÇA INDEVIDA DE VALORES. INCIDÊNCIA DAS NORMAS RELATIVAS À PRESCRIÇÃO INSCULPIDAS NO CÓDIGO CIVIL. PRAZO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO TRIENAL. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. 1. Esta Corte entende que o prazo prescricional da ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados, movida contra empresa de telefonia, como no caso dos autos, é o previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil, ou seja, 3 anos. Precedentes. 2. Incide, nesse ponto, a Súmula 83/STJ, aplicável também aos recursos especiais interpostos pela alínea a do permissivo constitucional, segundo iterativa jurisprudência deste Tribunal. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp nº 729.090/RS, Ministro Relator Luis Felipe Salomão, julgado em 27/10/2015) Contudo, a mesma Corte, em fevereiro de 2016, entendeu, com relação a cobrança de água indevida feita por concessionária de serviço público, que o prazo prescricional seria de 10 anos, e não 3, então vejamos: PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. PRAZO PRESCRICIONAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TARIFA DE ÁGUA E ESGOTO. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. CDC. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COBRANÇA INDEVIDA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.113.403/ RJ, Relator Ministro Teori Albino Zavascki (DJe 15/9/2009), sujeito à sistemática do artigo 543-C do CPC, fixou o entendimento de que a ação 9 de repetição de indébito referente às tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional geral estabelecido no Código Civil. Nos termos do CC/1916, tal prazo é de 20 anos, ou de 10 anos, conforme previsto no CC/2002. 3.O Superior Tribunal de Justiça possui firme jurisprudência no sentido de não configurar erro justificável a cobrança de tarifa de esgoto por serviço não prestado pela concessionária de serviço público (no caso dos autos, constatou-se que inexistia rede coletora de esgoto da Casan no local), razão pela qual os valores indevidamente cobrados do usuário devem ser restituídos em dobro, conforme determina o artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. 4. (...). (REsp nº 1.571.393/SC, Ministro Relator Antonio Herman Benjamin, julgado em 23/02/2016). Percebe-se, pois, que o Superior Tribunal de Justiça não pacificou entendimento quanto ao prazo prescricional para propositura de ação de repetição de indébito, se três anos, seguindo o artigo 206, 3º, IV, ou 10 anos, de acordo com o artigo 205, ambos do Código Civil. O CABIMENTO DA CONSUMERISTA REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO APÓS A DECLARAÇÃO DA NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS ABUSIVAS por Magno Federici Gomes, Mariana Cordeiro Santos SAIBA MAIS O CRIME DE COBRANÇA ABUSIVA DE DÍVIDAS Capitulado no artigo 71 do Código de Defesa do Consumidor, constitui crime utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou 10 interfira com seu trabalho, descanso ou lazer. A pena prevista para este crime é de três meses a um ano e multa. Crime este que foi idealizado pensando no descumprimento da norma do artigo 42 (estudada). Assim como no artigo 42, não é vedada a cobrança da dívida, mas, sim, a cobrança utilizadora de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, usando-se afirmações falsas, incorretas ou enganosas, expondo o consumidor injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer. De acordo com Bruno Miragem (MIRAGEM, 2014, p. 820), são elementos objetivos do tipo: a) existência de uma dívida a ser cobrada; b) a utilização, na cobrança da dívida, alternativa ou cumulativamente, de: b.1) ameaça; b.2) coação; b.3) constrangimento físico ou moral; b.4) afirmações falsas incorretas ou enganosas; b.5) qualquer outro procedimento que exponha o consumido, injustamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer. (MIRAGEM, 2014, p. 820) O sujeito ativo do crime é quem realiza a cobrança, mesmo que não seja o titular da dívida e não se configure como fornecedor do artigo 3º do CDC (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 1.272). Bruno Miragem (MIRAGEM, 2014, p. 821) conceitua ameaça como a conduta capaz de atemorizar o consumidor- vítima e coação como o temor de dano ou grave ameaça de dano. Como bem aponta Leonardo Roscoe Bessa (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 488), bastaria a utilização das expressões ameaça ou coação para abranger todos os tipos previstos no artigo 71 do CDC. É crime comissivo e previsto somente na forma dolosa. 11 REFERÊNCIAS BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentário ao código de defesa do consumidor. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. BESSA, Leonardo Roscoe; MOURA, Walter José Faiad de. Manual de direito do consumidor. 4. ed. Brasília : Escola Nacional de Defesa do Consumidor, 2014 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. 11.ed. Salvador: Juspodivm, 2015. MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 3.ed., Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2014. http://3.ed/ http://6.ed/ http://11.ed/ http://5.ed/ http://3.ed/ Conteúdo:
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