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Conteúdo: DIREITO DO CONSUMIDOR Gustavo Santanna INFRAÇÕES PENAIS 4 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: • Identificar os crimes contra a relação de consumo. • Aplicar as sanções tipificadas ao caso concreto. • Determinar a responsabilidade penal da pessoa jurídica. INTRODUÇÃO Quando você compra algo, a empresa que está realizando a venda tem responsabilidade de garantir que o negócio seja correto. Toda vez que ela não cumprir com as regras do negócio, estará sujeita a infrações. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) regulamentou, entre os artigos 61 ao 80, as infrações penais que constituem crime contra as relações de consumo. Nesta Unidade de Aprendizagem você vai identificar as condutas consideradas crimes contra as relações de consumo e suas respectivas penalidades. DAS INFRAÇÕES PENAIS O Código de Defesa do Consumidor separou o Título II exclusivamente para tratar das infrações penais no tocante às relações de consumo. Percebe- se que o bem jurídico tutelado pelo direito penal do consumidor foram as relações de consumo. Relações de consumo, de acordo com Leonardo Roscoe Bessa (2014, p. 462), significa: “perspectiva e visão coletiva do ambiente de produção, distribuição e comercialização de produtos e serviços, possui sentido de modelo ideal de mercado pautado pela honestidade, lealdade, transparência (boa-fé objetiva), respeito aos interesses existenciais e materiais do consumidor, parte vulnerável da relação jurídica.” Já no primeiro artigo, 61, o CDC considerou crime contra as relações de consumo não somente as condutas tipificadas nos artigos do CDC, mas também em outras leis especiais e no Código Penal. Assim, já podemos concluir de antemão, que os crimes elencados no CDC não são exaustivos. Como exemplo, pode-se citar o artigo 7º da Lei nº 8.137/90, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo: seriam instituidores de um “dever” de adotar determinados comportamentos (ÁVILA, 2009, p. 80). Ainda que intimamente ligado aos “valores”, com estes 5 não se confundem porque os princípios situam-se no plano deontológico, enquanto que os valores estão no plano axiológico. Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo: I - favorecer ou preferir, sem justa causa, comprador ou freguês, ressalvados os sistemas de entrega ao consumo por intermédio de distribuidores ou revendedores; II - vender ou expor à venda mercadoria cuja embalagem, tipo, especificação, peso ou composição esteja em desacordo com as prescrições legais, ou que não corresponda à respectiva classificação oficial; III - misturar gêneros e mercadorias de espécies diferentes, para vendê- los ou expô-los à venda como puros; misturar gêneros e mercadorias de qualidades desiguais para vendê-los ou expô-los à venda por preço estabelecido para os demais a mais alto custo; IV - fraudar preços por meio de: a) alteração, sem modificação essencial ou de qualidade, de elementos tais como denominação, sinal externo, marca, embalagem, especificação técnica, descrição, volume, peso, pintura ou acabamento de bem ou serviço; b) divisão em partes de bem ou serviço, habitualmente oferecido à venda em conjunto; c) junção de bens ou serviços, comumente oferecidos à venda em separado; d) aviso de inclusão de insumo não empregado na produção do bem ou na prestação dos serviços; V - elevar o valor cobrado nas vendas a prazo de bens ou serviços, mediante a exigência de comissão ou de taxa de juros ilegais; VI - sonegar insumos ou bens, recusando-se a vendê-los a quem pretenda comprá-los nas condições publicamente ofertadas, ou retê-los para o fim de especulação; VII - induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária; VIII - destruir, inutilizar ou danificar matéria-prima ou mercadoria com o fim de provocar alta de preço, em proveito próprio ou de terceiros; 6 IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria em condições impróprias ao consumo; Pena - detenção de 2 (dois) a 5 (cinco) anos ou multa. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II, III e IX pune-se a modalidade culposa, reduzindo-se a pena e a detenção de 1/3 (um terço) ou a de multa à quinta parte. De acordo com Leonardo de Medeiros Garcia (2015, p. 460), as condutas trazidas pelo Código Consumerista constituem “crimes de perigo”, uma vez que bastaria a simples manifestação da conduta para caracterizar a ilicitude, não se necessitando, assim, da ocorrência do efetivo dano ao consumidor. Não se deve esquecer que o fato de o fornecedor responder na esfera penal, não se exclui a sua responsabilização nas esferas civil e administrativa. FIQUE ATENTO De acordo com o artigo 12 do Código Penal, as suas regras gerais devem ser aplicadas aos fatos tipificados nas leis especiais (como é o caso do CDC) se não houver disposição de modo diverso. Como não há disposição em sentido contrário a essa no Código Consumerista, a ele se aplicam todas as regras gerais do Código Penal. Começar-se-á trabalhando as regras que se aplicam a todos os tipos penais do CDC, para, após, trabalhar-se detalhadamente os crimes em espécie. DO CONCURSO DE PESSOAS, CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES, PENAS E PROCESSO PENAL O artigo 75 da Lei nº 8.078/90 estabelece regra referente ao concurso de pessoas, semelhante aos artigos 29 a 31 do Código Penal, então vejamos: 7 Art. 75. Quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos neste código, incide as penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas. Ainda que de semelhante redação dada ao artigo 11 da Lei nº 8.137/90, a reponsabilidade estabelecida no artigo 75 do CDC aos diretores, administradores ou gerentes da pessoa jurídica é subjetiva, ou seja, deve ser efetivamente medida a sua culpabilidade. Já no artigo 76, o Código Consumerista apresentou o que lhe era considerado passível de agravar os crimes nele tipificados: Art. 76. São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste código: I - serem cometidos em época de grave crise econômica ou por ocasião de calamidade; II - ocasionarem grave dano individual ou coletivo; III - dissimular-se a natureza ilícita do procedimento; IV - quando cometidos: a) por servidor público, ou por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima; b) em detrimento de operário ou rurícola; de menor de dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas portadoras de deficiência mental interditadas ou não; V - serem praticados em operações que envolvam alimentos, medicamentos ou quaisquer outros produtos ou serviços essenciais. Como bem aponta Antonio Herman Benjamin (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 1.286), as circunstâncias agravantes são determinadas características de uma conduta criminosa que reforçam seu caráter antijurídico e têm o objetivo de estabelecer critérios para acréscimo da pena- base do tipo. O conceito de servidor público trazido no artigo IV, “a” de fato deve ser lido como “agente público”, ou seja, “todas as pessoas físicas, legalmente 8 investidas que, de algum modo, exercem a função estatal (pública) de maneira definitiva ou transitória, independentemente do vínculo que possuem com o Estado” (SANTANNA, 2015, p. 223). Observa Bruno Miragem (2014, p. 825) que as agravantes constantes no Código Penal (artigo 61) devem, também, ser reconhecidas nos casos tipificados no CDC, como a reincidência, por exemplo. Ainda que o CDC não tenhaprevisto circunstâncias atenuantes, devem ser consideradas aquelas estabelecidas no artigo 65 do Código Penal. A pena pecuniária deve ser fixada em dias-multa, correspondente ao mínimo e ao máximo de dias de duração da pena privativa da liberdade cominada ao crime. Na individualização desta multa, o juiz também deve observar que a multa pode ser aumentada até o triplo, se considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é ineficaz, embora aplicada no máximo. FIQUE ATENTO Pelo artigo 78 do CDC, além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser impostas, cumulativa ou alternadamente, observado o disposto nos arts. 44 a 471, do Código Penal: I - a interdição temporária de direitos; 1 Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. § 1º vetado. § 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. 9 § 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. § 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. § 5o Sobrevindo condenação à pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la, se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior. Conversão das penas restritivas de direitos Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos arts. 46, 47 e 48. § 1o A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. § 2o No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza. § 3o A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em consequência da prática do crime. § 4o Vetado. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade. § 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. § 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. § 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. § 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada. Interdição temporária de direitos Art. 47 - As penas de interdição temporária de direitos são: I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II - proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; III - suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV – proibição de frequentar determinados lugares; V - proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos. 10 II- a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação; III - a prestação de serviços à comunidade. Há discussão na doutrina se as penas previstas no artigo 78 seriam autônomas ou não. A discussão surgiu porque o Código Penal foi alterado após a publicação do CDC e os artigos 44 a 47 passaram a estabelecer penas alternativas. Antonio Herman Benjamin (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2013, p. 1.289) as considera como alternativas ou acessórias (não autônomas) em relação às penas estabelecidas nos tipos penais, ou seja, o juiz, além das penas estabelecidas nos tipos, acrescentaria as do artigo 78. É o que defende também, Leonardo Roscoe Bessa (2014, p. 495): “não são autônomas, como estabelece a regra geral do artigo 44 do CP. Ou seja, neste aspecto, o CDC abre exceção à sistemática dos arts. 43 a 48 do Código Penal”. Já Bruno Miragem (2014, p. 825) prefere deixar a critério do juiz estabelecer se se trata de pena alternativa ou acessória (aplicando-se cumulativamente às penas fixadas nos tipos do CDC). A fiança é exigível para fins de admissão de livramento condicional do acusado (liberdade provisória), preso em flagrante, até a prolação da sentença. As condições legais para a concessão da liberdade provisória estão previstas entre os artigos 321 a 350 do Código de Processo Penal. Percebe-se que o CDC somente tratou unicamente do valor da fiança, e não de seus requisitos (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 496), ao estipular no artigo 79 que: Art. 79. O valor da fiança, nas infrações de que trata este código, será fixado pelo juiz, ou pela autoridade que presidir o inquérito, entre cem e duzentas mil vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN), ou índice equivalente que venha a substituí-lo. Parágrafo único. Se assim recomendar a situação econômica do indiciado ou réu, a fiança poderá ser: a) reduzida até a metade do seu valor mínimo; b) aumentada pelo juiz até vinte vezes. Com a extinção do BTN, em 1991, pela Lei nº 8.177/91, utiliza-se a TR com índice de correção monetária (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 496). Por fim, o artigo 80 do Código de Defesa do Consumidor apresenta como novidade os legitimados para intervir como assistentes do Ministério Público nas ações penais, bem como para propor ação penal subsidiária, quais sejam: 11 • as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; • as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear. A importância dada pelo artigo 80 a esses órgãos e entidades deve-se ao fato de sua especialização e possibilidade de oferecer subsídios à atuação do Ministério Público (MIRAGEM, 2014, p. 825). Compete à Justiça Estadual processar e julgar os crimes e as ações penais que tenham por objeto as relações de consumo. OS CRIMES EM ESPÉCIETIPIFICADOS NO CDC O sujeito ativo dos crimes é o fornecedor (conceituado no artigo 3º do CDC), enquanto o sujeito passivo é o consumidor individual ou a coletividade de consumidores. Como bem aponta Antonio Herman Benjamin (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 1.214), os tipos penais previstos no Código de Defesa do Consumidor possuem função eminentemente preventiva em razão do perigo presumido que carregam. Esse mesmo autor (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2013, p. 1.215-1.217) classifica os crimes de consumo em próprios e impróprios. Os primeiros são um conjunto de delitos que amparam direta e imediatamente o consumidor. Os segundos não são voltados para o consumidor e fornecedor, mas, de alguma forma, pode afetar a relação de consumo. O primeiro crime tipificado no Código de Defesa do Consumidor vem previsto no artigo 63: Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa. § 1° Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado. § 2° Se o crime é culposo: Pena - Detenção de um a seis meses ou multa. 12 Crime omissivo que admite a modalidade culposa, protege o direito básico à informação dos consumidores. Cuida-se de crime de mera conduta (perigo abstrato), pois o tipo se perfectibiliza, independentemente do dano concreto. Destaca Leonardo Roscoe Bessa (2014, p. 475): “o tipo penal evidencia a importância que o CDC confere à tutela da saúde e segurança (incolumidade psicofísica) dos destinatários dos produtos”. Segundo o artigo 64 do CDC, é crime: “deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado”, cuja pena é de detenção de seis meses a dois anos e multa. Incorre nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos. Trata-se de crime omissivo próprio, de mera conduta, mas que, ao contrário do artigo 63, não possui a modalidade culposa. Como não há previsão expressa quanto à forma como deva se dar a comunicação, admitir-se-ia através de meio impresso, rádio, televisão, internet, etc. (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 478). O crime existe em razão do dever capitulado no artigo 10, § 1º do CDC. Difere, substancialmente, do artigo 63, porque este se destina a informar no próprio produto (embalagem, invólucro, recipientes ou publicidade). Antonio Herman Benjamin (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 1.234) considera o parágrafo único, ou seja, a retirada do mercado, uma espécie de recall, que pode ser voluntário ou por determinação oficial. O artigo 65, por sua vez, expõe que é crime: Executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa. Parágrafo único. As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à lesão corporal e à morte. É crime comissivo, que tem como sujeito ativo o fornecedor do serviço com alto grau de periculosidade que contraria determinação de autoridade competente e como sujeito passivo a coletividade de consumidores e a Administração Pública (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 1.237). De acordo com Bruno Miragem (2014, p. 812), o parágrafo único do artigo 65 admite o concurso de crimes caso haja homicídio (artigo 212 do Código Penal) ou lesão corporal (artigo 129 do Código Penal). 13 Interessante observação faz Leonardo Roscoe Bessa (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 480) ao identificar, numa primeira análise, contradição frente ao artigo 10, que veda colocar no mercado produto ou serviço com alto grau de nocividade ou periculosidade. Isso porque o artigo 65 criminaliza a contrariedade com a determinação da autoridade competente, e não propriamente o serviço ou produto. Assim, a interpretação que deve ser feita é de que o artigo 10 veda totalmente os produtos ou serviços de “altíssimo” grau de periculosidade. O Código de Defesa do Consumidor criminaliza, no artigo 66, “fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços” com pena de detenção de três meses a um ano e multa. Ainda de acordo com o parágrafo 1º, incorre nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. Enquadra-se nesse tipo penal toda “conduta promocional em que ausente o suporte publicitário, como técnicas de venda no próprio estabelecimento comercial, ou mesmo nas vendas porta a porta” (MIRAGEM, 2014, p. 813). Trata-se de crime de mera conduta, pois não é elementar do tipo a existência de prejuízo ou dano ao consumidor, bastando a afirmação falsa ou enganosa, que admite a modalidade culposa no parágrafo 2º (neste caso, com detenção de um a seis meses ou multa). De acordo com o artigo 67 do CDC, é considerado crime fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva. A pena para esse crime é de detenção de três meses a um ano e multa. De acordo com o artigo 37 da Lei nº 8.078/90: § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. 14 Novamente trata-se de crime de mera conduta, podendo ser sujeitos ativos do crime o fornecedor, o comerciante ou fabricante (anunciante), as pessoas físicas que agem pelo anunciante, pela agência ou pelo veículo responsável pela publicidade e o próprio veículo que difunde a publicidade (jornal, revista, televisão, etc.) (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 484-485). Ainda que não expressamente previsto, Bruno Miragem (2014, p. 814) e Antonio Herman Benjamin (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 1.259) admitem a modalidade culposa para o crime capitulado no artigo 67, quando coloca “deveria saber”. Contudo, os próprios autores referem que muitos doutrinadores (por eles, Leonardo Roscoe Bessa, 2014, p. 485) entendem que esta expressão remeteria ao “dolo eventual”, exatamente por não ter previsão expressa da modalidade culposa e porque, nesse caso, os crimes na modalidade dolosa e culposa teriam a mesma cominação da pena em abstrato, o que feriria o princípio da individualização da pena. Os sujeitos ativos do crime do artigo 67 podem ser o anunciante, o publicitário e o próprio veículo difusor. FIQUE ATENTO Pelo artigo 68, constitui conduta criminosa fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. É crime com pena de detenção de seis meses a dois anos e multa. O legislador entendeu por criminalizar quem desrespeitar o artigo 37, § 2º, onde é considerada abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. A discussão com relação à expressão “deveria saber” é a mesma do artigo67 (se modalidade de culpa ou dolo eventual). Já o artigo 69 considera crime, punível com detenção de um a seis meses ou multa, deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à 15 publicidade. Esse crime vem resguardar o artigo 36, parágrafo único do CDC, em que: “o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem”. Assim como o artigo 68 é crime de mera conduta e o sujeito ativo do crime é o fornecedor. É crime omissivo, doloso e o sujeito passivo é toda a coletividade de consumidores. Segundo o artigo 70, é conduta criminosa empregar na reparação de produtos, peças ou componentes de reposição usados sem autorização do consumidor. A pena é de detenção de três meses a um ano e multa. Este artigo criminaliza a conduta apurada no artigo 21 do CDC em que, no fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto, considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais, adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor. O crime só se perfectibiliza se não houver a autorização do consumidor. É crime comissivo, formal (de perigo abstrato) e sem modalidade culposa. De acordo com Antonio Herman Benjamin (BENJAMIN, MARQUES, MIRAGEM, 2010, p. 1.270), o consentimento posterior retira a incriminação. Outro crime exposto pelo CDC é do artigo 71: Art. 71. Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer. Pena - Detenção de três meses a um ano e multa. Conclui-se que a Lei nº 8.078/90 entendeu por criminalizar a cobrança abusiva de dívidas, como já havia vedado no artigo 42 (na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça). De acordo com Bruno Miragem (MIRAGEM, 2014, p. 820), são elementos objetivos do tipo: a) existência de uma dívida a ser cobrada; b) a utilização, na cobrança da dívida, alternativa ou cumulativamente, de: b.1) ameaça; b.2) coação; b.3) constrangimento físico ou moral; b.4) afirmações falsas, incorretas ou enganosas; b.5) qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer. 16 O sujeito ativo do crime é quem realiza a cobrança, mesmo que não seja o titular da dívida e não se configure como fornecedor do artigo 3º do CDC (BENJAMIN, MARQUES, BESSA, 2014, p. 488). Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros é crime previsto no artigo 72 punível com pena de detenção de seis meses a um ano ou multa. Também é crime capitulado no artigo 73 deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata, com pena de detenção de um a seis meses ou multa. Ambos os artigos criminalizam a conduta contrária ao artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor. O primeiro é crime comissivo, enquanto o segundo é omissivo. Porém, ambos possuem o mesmo sujeito ativo: o fornecedor ou quem mantenha banco de dados em que constem as informações do consumidor (MIRAGEM, 2014, p. 822). Por fim, o Código de Defesa do Consumidor considerou crime deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente preenchido e com especificação clara de seu conteúdo (artigo 74) com pena de detenção de um a seis meses ou multa. De acordo com o artigo 50 do CDC: “A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito. Parágrafo único. O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações”. Trata- se de crime omissivo puro e de mera conduta sem a previsão de modalidade culposa. A TUTELA PENAL E OS CRIMES NAS RELAÇÕES DE CONSUMO por Osvaldo Moura Junior, Paulo César Ribeiro Martins SAIBA MAIS 17 REFERÊNCIAS BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. Comentário ao código de defesa do consumidor. 3.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. BENJAMIN, Antonio Herman; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 6.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor. 11.ed. Salvador: Juspodivm, 2015. MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. SANTANNA, Gustavo da Silva. Direito Administrativo. 4.ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015. http://3.ed/ http://6.ed/ http://11.ed/ http://5.ed/ http://4.ed/ Conteúdo: