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Associativismo e participação social -apostila1997

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ASSOCIATIVISMO RURAL E ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO
(Roteiro para Discussão)
Este roteiro é formado por cinco seções: 1) Grupo Social; 2) Formas de
Associativismo; 3) Conceitos de Participação (3.1 Tipos Básicos de Estratégias e
Concepções de Participação, 3.2 Conceito de Intervenção, 3.3 Significados do
Termo Participação e 3.4 Graus e Níveis de Participação); 4) Contexto da
Participação (4.1 Associativismo e Estrutura Social e 4.2 Associativismo e Estratégia
de Mudança); 5) Estratégias de Intervenção (5.1 Fundamentos Teóricos, 5.2 Nova
Abordagem Cooperativa, 5.3 Educação Participativa e 5.4 Planejamento
Participativo).
1. GRUPO SOCIAL
Associativismo está relacionado à noção de atividade humana desenvolvida
em grupo. Assim, inicialmente, vamos rever o que significa grupo social.
Grupo social pode ser entendido como uma coletividade de indivíduos ligados
entre si por uma rede ou sistema de relações sociais. Os membros de um grupo
interagem uns com os outros de forma mais ou menos padronizadas, isto é, de
acordo com normas e padrões de comportamento “aceitos” ou “impostos” pelo
grupo. O relacionamento ou interação dos membros de um grupo fundamenta-se
num conjunto de papéis e status inter-relacionados que definem direitos e
obrigações dos membros. De modo geral, os membros de um grupo possuem um
sentimento de identidade comum ou uma similitude de interesses o que os capacita
distinguir os membros dos não membros (Bertrand, 1973: 30).
Tais colocações nos ajudam a compreender o que significa grupo social.
Todavia, elas não significam a impossibilidade de existir dominação, manipulação,
subserviência e conflitos entre membros do grupo.
Questão: Você poderia dar exemplos de situações dessa natureza?
Na identificação de um grupo social deve-se buscar três características
fundamentais: a) precisa haver uma pluralidade de pessoas; b) precisa haver uma
interação definível e dirigida para a realização de objetivos comuns; c) os
membros precisam possuir um senso de solidariedade ou o que poderia ser
chamado de sentimento de nós, sentimento de pertencer ao grupo. Os conjuntos
humanos que não possuem estas características (por exemplo, “mulheres
assalariadas”, “estudantes com média nove”) são considerados categorias ou
agregados estatísticos. Não se deve pensar que tais categorias sejam
sociologicamente irrelevantes. Elas podem ter enorme importância mas não entram
na classificação de grupo social (Bertrand, 1973; 31).
Edgard Alencar
Universidade Federal de Lavras
Departamento de Administração e Economia
1997
2
Questões: a) O que significam as expressões “pluralidade de pessoas”,
“interação definível”, “realização de objetivos comuns” e “senso de solidariedade” ou
“sentimento de pertencer ao grupo”? b) Você conhece algum método utilizado para
identificação de grupos sociais? Você poderia descrevê-lo?
Geralmente, os grupos sociais são classificados da seguinte forma: grupo
primário e grupo secundário; grupo formal e grupo informal; grupo de localidade;
grupo de interesse. Grupo primário - neste tipo de grupo, os membros relacionam-
se por meio de contatos (interação) face a face como, por exemplo família e grupo
de amizade. Grupo secundário - a interação entre os seus membros realiza-se
por meio de “atividade participante” que, representando interesses específicos, os
une mas não requer contatos pessoais próximos entre eles; por exemplo, sindicatos
e associações profissionais.
Questões: a) E o que mais? b) O que você entende por “atividade
participante”? c) Você poderia dar um exemplo de atividade participante?
Grupo formal - este tipo de grupo é sistematicamente constituído para
desempenhar certas funções e opera em conformidade com certas regras de
procedimentos previamente estabelecidas, denominadas regimentos, estatutos, etc.
De modo geral, os grupos formais são chamados de organizações. Grupo informal
- é o grupo onde a interação de seus membros não é regulada por regras
preestabelecidas estatutariamente. De modo geral, tal interação é regulada pela
tradição ou convívio.
Questão: O que distingui um grupo secundário de um grupo formal e um
grupo primário de um grupo informal?
Grupo de localidade - este tipo de grupo é modelado por relações
dependentes, em grande parte, da situação geográfica, isto é, localização e
residência. As populações que vivem em comunidades, vizinhanças e regiões
fornecem exemplos de grupos de localidade. Grupo de interesse - é o grupo que
possui um objetivo comum como força unificadora central (Bertrand, 1973: 31-32).
Geralmente, os grupos de interesses são constituídos para aumentar o poder de
pressão, barganha, reivindicação ou negociação dos seus membros frente a outros
grupos de interesse.
Questões: a) Você poderia dar exemplos de diferentes grupos sociais dos
quais você participa e classificá-los de acordo com os diferentes tipos de grupos
sociais? b)Tomando como referência o setor rural, você poderia dar um exemplo de
um grupo que seja, ao mesmo tempo, informal, de localidade e de interesse? Um
grupo que seja ao mesmo tempo formal, de localidade e interesse? c) Dentro de um
grupo formal pode existir grupos informais? d) Dentro de um grupo pode existir
dominação, manipulação, subserviência e conflito entre seus membros? Você
poderia ilustrar uma destas situações? c) Os grupos sociais estão inseridos em uma
sociedade. Você poderia dar exemplos de possíveis influências que a sociedade
exerce sobre os grupos sociais?
3
2. FORMAS DE ASSOCIATIVISMO
Como as associações são grupos sociais, o associativismo também pode ser
de natureza informal ou formal. Associativismo informal representa formas
espontâneas de ajuda mútua, de modo geral desenvolvidas entre membros de uma
comunidade. Historicamente, uma das manifestações de associativismo informal
mais comum no Brasil agrário é o mutirão. Cândido (1971) insere a prática do
mutirão como um trabalho coletivo da comunidade rural ou, usando a denominação
da área que estudou, do bairro rural1. Segundo esse autor, mutirão “consiste,
essencialmente, na reunião de vizinhos, convocados por um deles, a fim de ajudá-lo
a efetuar determinado trabalho: derrubada, roçada, plantio, limpa, colheita,
malhação, construção de casa, fiação, etc.” (Cândido, 1971: 68) (Boxe 1).
A idéia de solidariedade, ajuda mútua contida no mutirão, levou alguns
teóricos do trabalho comunitário no Brasil a acreditarem que existia uma tendência
natural entre os camponeses para a exploração coletiva da terra. No entanto, as
experiências demonstraram que tal suposição não era totalmente correta. A
solidariedade entre os camponeses realmente existe, tendo em vista as limitações
de mão-de-obra familiar, principalmente durante os períodos de “pico” das
atividades agrícolas. Mas, esta forma de ajuda mútua não interferia no destino
que as famílias beneficiadas davam à produção que obtinham. Este destino da
cultura camponesa era uma decisão da família. Em decorrência, as tentativas de
exploração coletiva da terra encontravam resistência por parte dos pequenos
agricultores2.
Interpretar as práticas de ajuda mútua existentes entre os camponeses como
um fator que predispõe à exploração coletiva da terra fascinou muita gente e esteve
presente em muitas estratégias de intervenção na realidade rural, em diferentes
partes do mundo e em distintas épocas. Na Europa, durante a primeira revolução
industrial, as idéias de exploração coletiva da terra e a organização coletiva da
produção e serviços, inspiradas na solidariedade comunal, foram vistas como
formas alternativas ao “capitalismo desumano e opressor”3. Em períodos mais
recentes, as formas de solidariedade comunal fundamentaram, ideologicamente,
estratégias de desenvolvimento de governos nacionalistas na América Latina e na
África4. Também inspiraram formas organizacionais de exploração coletiva, que
eram percebidas como meios que conduziriam à coletivização da terra5.
Boxe 1
“As várias atividades da lavoura e da indústria doméstica constituem oportunidades
de mutirão, que soluciona o problemada mão-de-obra nos grupos de vizinhança (por
vezes entre fazendeiros), suprimindo as limitações da atividade individual ou familiar. E o
aspecto festivo, de que se reveste, constitui uns dos pontos importantes da vida cultural do
caipira.
(...) Geralmente os vizinhos são convocados e o beneficiário lhes oferece alimento e
uma festa, que encerra o trabalho. Mas não há remuneração de espécie alguma, a não ser
a obrigação moral em que fica o beneficiário de corresponder aos chamados eventuais dos
que o auxiliam. Este chamado não falta, porque é praticamente impossível a um lavrador,
que só dispõe de mão-de-obra doméstica, dar conta do ano agrícola sem cooperação
vicinal” (Cândido, 1971: 67-68).
4
Autores como Kitching (1989), Brown (1994) e Sardan (1990) identificam
estratégias de desenvolvimento rural, fundamentadas na solidariedade comunal,
como populistas.
Kitching (1989) caracteriza como “populistas” as correntes de pensamento
que, a partir do século XIX, têm se oposto à produção em grande escala e
concentrada, defendendo, em contrapartida, modelos alternativos de
desenvolvimento, fundamentados na pequena produção e empreendimentos
individuais, tanto na indústria quanto na agricultura. Segundo esse autor, existe um
ponto comum entre as idéias populistas do início da revolução industrial e as idéias
populistas contidas atualmente (“neopopulismo”) em alguns modelos de
desenvolvimento para o terceiro mundo: as situações econômicas e sociais da
industrialização. Nos dois casos, a industrialização se dá em um contexto onde a
maior parte da produção agrícola é realizada em núcleos familiares, utilizando
“meios de produção” (terra e tecnologia simples) próprios ou arrendados.
Convencionalmente, esses pequenos produtores agrícolas são conhecidos como
“camponeses” e os produtores não agrícolas como “artesãos”.
Considerando o mundo pré-industrial dos camponeses e artesãos, é óbvio
que a primeira geração de trabalhadores assalariados seria recrutada entre eles.
Transformando-se em trabalhadores assalariados (processo de proletarização), os
artesãos e camponeses experimentaram um processo de exploração e duras
condições de vida. Surge, assim, uma oposição à industrialização, expressa no
desejo de se defender e recriar o mundo de pequenos empreendimentos. Além do
mais, estando as indústrias concentradas nas cidades e estando o processo de
proletarização associado à migração, a ideologia antiindustrialização passou a
olhar, com nostalgia, a vida comunitária das vilas rurais de então, tornando-se
também antiurbana. Assim, surge, na Europa, durante o século XIX, um movimento
intelectual de oposição à industrialização capitalista, o qual questionava se o custo
humano dessa industrialização seria aceitável frente aos benefícios econômicos que
ela poderia trazer.
O neopopulismo surgiu na Rússia e no leste europeu depois da Primeira
Guerra Mundial. Ele se opõe tanto aos padrões de industrialização capitalista quanto
aos da industrialização promovidos pelos Estados socialistas. Os neopopulistas,
segundo Kitching (1989), não se contentam somente com as críticas sobre o custo
humano da industrialização mas também questionam a “racionalidade” econômica
da industrialização e dos grandes empreendimentos empresariais, principalmente na
agricultura. O principal teórico do neopopulismo foi o agrônomo e economista russo,
Chayanov. Seu pensamento continua a influenciar as teorias atuais sobre economia
camponesa e desenvolvimento rural.
As críticas neopopulistas sobre a industrialização são mais ambiciosas do que
as críticas dos populistas do Século XIX. As críticas neopopulistas não se opõem
totalmente à industrialização. Os neopopulistas consideram que existe um padrão
alternativo (ou trajetória) de desenvolvimento econômico mais eficiente do que a
industrialização de grande porte na eliminação da pobreza e redução dos custos
sociais. É por esta razão que as idéias dos neopopulistas têm exercido grande
influência no que se escreve e se pensa sobre desenvolvimento. Tanto para os
populistas quanto para os neopopulistas, a principal falha da industrialização e dos
empreendimentos de grande escala está em que eles exacerbaram a desigualdade
social: desigualdade entre indivíduos e grupos sociais, entre campo e cidade, entre
regiões e entre nações (Kitching, 1989: 19-22).
5
Sardan (1990) e Brown (1994a) identificam como populistas algumas
estratégias de intervenção que emergiram nos anos 1970, quando foi constatado
que os modelos de desenvolvimento agrícola, conhecidos pelo nome genérico de
“revolução verde”, mostraram-se incapazes de absorver a grande maioria dos
pequenos produtores rurais, aumentando o desemprego e miséria das populações,
posta à parte nesses modelos. O alvo das análises de Sardan (1990) e Brown
(1994a) são as estratégias de intervenção que advogam o desenvolvimento de
tecnologias alternativas, fundamentadas nas práticas agropecuárias camponesas
em contraposição às tecnologias geradas por centros de pesquisa, bem como as
estratégias fundamentadas na “conscientização”. No centro das críticas desses dois
autores estão os trabalhos de Robert Chambers e as estratégias de participação
elaboradas a partir dos trabalhos de Paulo Freire (Boxe 2).
Brown (1994a) considera que a idéia de participação e os princípios
dialógicos presentes nas obras de Paulo Freire figuram, nas estratégias de
intervenção praticadas por organizações governamentais e não-governamentais,
muito mais ao nível da retórica do que da prática. Para Brown, as ações das ONGs
e agências governamentais de desenvolvimento são paternalistas e manipuladoras
e, ao contrário de dialógicas, são impositivas, representando a concepção de mundo
das organizações e, portanto, alienígenas às populações rurais. Também considera
que tais ações não são capazes de resolver os problemas causados pelo
desenvolvimento econômico, os quais resultam na exclusão de grande parcela dos
pequenos agricultores, uma vez que tais problemas têm raízes estruturais. As ONGs
não percebem essa situação porque as avaliações que realizam são orientadas
pelos pressupostos ideológicos que guiam suas ações e não pelos fatores
estruturais, econômicos e políticos das sociedades onde elas operam.
Ao contrário de autores como Kidd & Kumar (1981) que atribuem os
problemas relacionados com as ações de ONGs e agências governamentais ao
desvirtuamento das idéias de Paulo Freire, Brown (1994) argumenta que tais
problemas repousam nas próprias concepções teóricas de Paulo Freire (Boxe 3).
O centro das críticas de Sardan (1990) são as posições defendidas por Chambers,
principalmente no seu livro com o sugestivo título Rural Development: Putting the
Last First, editado em 1983. Chambers questiona, nesse livro, as formas de
intervenção praticadas pelas instituições públicas e privadas, as quais considera
que pouco têm contribuído para a solução dos problemas dos pequenos produtores,
Boxe 2
CHAMBERS, R. “Rapid rural appraisal: rationale and repertoire”. Discussion Paper, No 155,
Brighton, Institute of Development Studies, The University of Sussex, 1980. 15 p.
CHAMBERS, R. Rural development: putting the last first. Londres, Longman, 1983. 246 p.
CHAMBERS, R. (org.). Farmer first: farmer innovation and agricultural research. Londres,
Intermediate Technology Publications, 1991. 219 p.
CHAMBERS, R. Challenging the professions: frontier for rural development. Londres,
Intermediate Technology Publications, 1993. 143 p.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1970. 218 p.
FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1970. 93 p.
FREIRE, P. Ação cultural para liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1976. 149 p.
6
apesar de consumirem muitos recursos e tempo. Chambers aponta uma série de
fatores relacionados com a ineficácia dessas organizações, entre os quais
destacam-se:
• a formação universitária recebida pelos extensionistas ou agentes de mudança,
distanciada da realidade rural e crivada de valores declasse média urbana,
dificultando a compreensão dos problemas dos pequenos produtores e a
formulação de estratégicas apropriadas de intervenção;
• o distanciamento das pesquisas conduzidas nas universidades e estações
experimentais da realidade rural, gerando tecnologias não adequadas aos
pequenos produtores;
• a inadequação dos programas e projetos de desenvolvimento rural, elaborados a
partir dos “gabinetes” dos burocratas das grandes cidades e fundamentados em
diagnósticos planejados no mesmo locus, bem como sobrepassados pelos
interesses das lideranças políticas regionais e locais;
estrutura burocrática autoritária das agências de mudança, estabelecendo linhas de
ação verticais e rígidas com nenhuma participação dos extensionistas que estão nas
suas bases e muito menos dos produtores, alvos dessas ações.
Como solução para esse quadro, Chambers (1983) considera que seria necessário:
• repensar a formação dos agentes de mudanças (agrônomos, assistentes sociais,
sociólogos etc.), gerando um novo tipo de profissional;
• substituir os diagnósticos caros, demorados e de pouca eficiência por práticas de
levantamento participativas, envolvendo os produtores (diagnósticos rápidos
participativos - DRP);
• valorizar o conhecimento dos camponeses sobre práticas agrícolas, plantas,
minerais, solo, variações climáticas, formas de organização social e modos
próprios de solução de problemas;
• incentivar a pesquisa que alia o conhecimento camponês e o conhecimento
gerado pelas universidades e estações experimentais;
• incentivar a organização dos produtores em associações que, via gestão
participativa, sejam capazes de elevarem o seu poder de reivindicação e
barganha, etc.
Sardan e Brown não questionam as críticas de Chambers sobre as formas de
intervenção praticadas por organizações públicas e privadas no meio rural, mas as
Boxe 3
David Brown também sustenta esta visão polêmica em outras publicações:
BROWN, D. “Methodological considerations in the evaluation of social development
programmes: an alternative approach”. Community Development Journal, 26 (4): 259-
265, 1991.
BROWN, D. “Systems approaches to NGO management: establishing decision making
models for project-level M & E”. Paper presented at the NGO Performance Panel,
Development Studies Association Annual Conference, Swansea, September, 1991.
BROWN, D. “Information systems for NGOs”. The Rural Extension Bulletin, Reading, No 1:
21-26, abr. 1993.
BROWN, D. “Seeking the consensus: populist tendencies at the interface between research
& consultancy”. Paper presented at the Workshop ‘From Consultancy to Research?’,
The University of Wales, Swansea, March 1994.
7
posições por ele defendidas ao propor um novo paradigma de intervenção. Para
Sardan será pouco provável que, mesmo aprimoradas, as técnicas voltadas para a
produção em pequena escala satisfaçam à demanda crescente de alimentos nas
sociedades em urbanização e às necessidades de geração de divisas estrangeiras,
via exportação de produtos agrícolas. Além do mais, o aumento na produção de
alimentos pelos pequenos produtores pode ser inviabilizada pela produção obtida
em maior escala por produtores maiores e mais capitalizados. Tanto Sardan quanto
Brown apontam os fatores estruturais que geram e comandam a formulação de
políticas econômicas, educacionais e de pesquisa como os condicionantes da
situação de pauperização e exclusão dos pequenos produtores do processo
produtivo e não simplesmente o fato das instituições de pesquisa, ensino e extensão
estarem alheias aos problemas dos pequenos produtores.
As colocações de Kitching (1989), Sardan (1990) e Brown (1994a) sugerem
que as intervenções calcadas na organização dos camponeses, na participação e
na geração de tecnologias apropriadas não são suficientes para eliminar a tendência
histórica de desarticulação da pequena produção artesanal, provocada pelo
processo de capitalização. Como será visto um pouco mais a frente, outros autores,
no entanto, consideram as formas de intervenção, fundamentadas em tais práticas,
essenciais para aumentar o poder de contraposição dos pequenos produtores frente
às forças que os empurram para um processo de marginalização crescente. Tem-
se, pois, duas perspectivas teóricas em confronto e, em muitos casos, tais
perspectivas se originam de um mesmo paradigma. Esse confronto ilustra as
complexidades em que estão envolvidas as discussões sobre associativismo rural.
Estudos como o de Okali et al. (1994), embora não empregando as mesmas
perspectivas de análise desses três autores, apresentam um quadro sombrio das
experiências associativas de pequenos produtores estudadas, sobretudo daquelas
que envolvem a participação do camponês na busca de novas tecnologias
(partipatory research). Outros estudos, como o de Ammann (1987), indicam que o
desenvolvimento de comunidades, prática muitas vezes ligada ao associativismo
rural, também pode ser utilizado como uma estratégia de desmobilização social. Por
outro lado, existem trabalhos que mostram a importância das práticas associativistas
como um instrumento de luta dos pequenos produtores e que, pelo menos no
momento que os estudos foram realizados, tais práticas permitiam a permanência
dos pequenos produtores na terra, elevando seu nível de renda e participação
como cidadãos. Essa é a imagem transmitida pelos seguintes estudos:
AGUIAR, A.R.C. Saber camponês e mudança técnica: um estudo de caso junto a
pequenos produtores do bairro de Cardoso, Poço Fundo, MG. Lavras, ESAl,
1992. 148p.
SILVA, W.R. Do discurso à enxada: ação social da igreja em uma comunidade
rural. Lavras, ESAL, 1992, 99p.
BURKEY, S. People first: a guide to self-reliant, participatory rural development.
Londres, Zed Books, 1993. 244p.
RAHMAN, M.D.A. People’s self-development perspectives on participatory
action research: a journey through experience. Londres, Zed Books, 1993. 234p.
BASS0, N. Prática associativa em uma associação de pequenos produtores no
Rio Grande do Sul. Lavras, ESAL, 1993. 76p.
SOUZA, M.L.O. Participação em associações de pequenos produtores: dilemas
da administração coletiva. Lavras, UFLA, 1995, p.134 p.
As formas de associativismo formal mais conhecidas no setor rural brasileiro
são o cooperativismo e sindicalismo. Essas formas têm-se expandido em
8
decorrência do processo de capitalização da agricultura, o qual provoca: a) aumento
do excedente comercializável; b) tecnificação do processo produtivo; c) mudança
nas relações de trabalho. No entanto, Silva (1991) observa que a especialização
dos produtores que acompanha a integração da agricultura aos complexos
agroindustriais rompe o ideal unitário de representação de interesses e enfraquece o
poder político dos sindicatos patronais em favor das associações de caráter
econômico por produto e cooperativas.
Questões: a) O que Silva quer dizer com esta colocação? b) Que implicações
essa colocação poderia ter para o estudo do associativismo rural?
Formas associativas formalizadas, mas de âmbito comunitário (por exemplo
“associações comunitárias”, “condomínios rurais”, “grupos de compra e venda”),
têm, também, se expandido nas últimas décadas. O crescimento dessa forma de
associativismo, principalmente entre pequenos produtores, pode ser vista como
resultado da intervenção de organizações governamentais e não-governamentais no
sentido de aumentar os ganhos de escala nas atividades de produção e nas
operações de compra e venda. Em alguns casos, associações dessa natureza são
organizadas para que os pequenos produtores tenham acesso a recursos originados
de programas governamentais e de outras instituições, os quais somente são
liberados para associações legalmente constituídas6.
Questões: Você conhece alguma experiência desse tipo? Você poderia
descrevê-la, tendo como referência as questões formuladas a seguir? a) Por que a
associação foi organizada? b) Quem eram os produtores envolvidos? c) Que
organização assessorava os produtores? d) Como a associação foi organizada? e)
Que atividades eram desenvolvidas?f) Como era a participação dos associados no
desenvolvimento dessas atividades?
As diferentes formas de associativismo, incluindo também o associativismo
informal, não vêm merecendo a atenção que deveria nos estudos de Administração
Rural. Elas oferecem aos estudiosos da administração campos de estudos que
podem cobrir os mais diversos interesses dessa área do conhecimento e desafiar a
perspicácia das mais variadas abordagens teóricas. Tais associações são
organizações que envolvem:
1. um crescente contingente de produtores, os quais são socialmente
heterogêneos;
2. o processamento e comercialização dos seus produtos, a comercialização dos
insumos que usam no processo produtivo, a prestação de serviços de assistência
técnica, aluguel de máquinas, crédito;
3. o objetivo de representação dos interesses dos seus associados, tido como
central pelo menos nos estatutos;
4. a operação em um mercado complexo, com elevada concentração de capital e
sob a influência de um processo de globalização econômica;
5. a inserção em uma sociedade onde a dinâmica de sua economia deslocou-se do
setor rural para o setor urbano-industrial , há mais de meio século.
 Pelo que se pode ver, as diferentes formas de associativismo rural oferecem
aos estudiosos da administração um amplo campo de estudo que, por ser tão
amplo, eles, certamente, o compartilharão com profissionais de outras áreas do
conhecimento.
9
Questões: Tendo como referência os cinco “pontos” indicados acima, formule
possíveis problemas de pesquisa que poderiam ser estudados pelas diferentes
áreas de interesse da Administração. Por que será, então, que os temas
relacionados com associativismo têm merecido pouca atenção dos estudiosos da
administração rural?
Nesta unidade didática, vamos discutir somente alguns dos possíveis
problemas relacionados com o associativismo rural no contexto de programas de
desenvolvimento. Esperamos que ninguém fique desapontado com a reduzida
amplitude do nosso objetivo.
3. CONCEITO DE PARTICIPAÇÃO
As reflexões sobre desenvolvimento rural, por volta de 1970, mostraram que
ele é desigual e que, freqüentemente, possuíam conseqüências funcionais para
alguns indivíduos e disfuncionais para outros (Galjart, 1981: 88). No caso específico
do Brasil, por exemplo, podemos observar que as políticas de modernização da
agricultura, de 1965 a 1976, foram bastante seletivas em termos de distribuição de
recursos como crédito e subsídios. A aplicação desses recursos foi orientada em
função das possibilidades de retornos econômicos diferenciais entre regiões,
produtos e produtores. As políticas de pesquisa e assistência técnica seguiram, de
modo geral, o mesmo padrão.
Questões: a) Você poderia descrever as características gerais dessas
políticas? b) Por que elas foram formuladas?
Os resultados dessas políticas, aliados a outros fatores como, por exemplo,
urbanização e industrialização, provocaram profundas modificações no setor rural:
a) capitalização do processo produtivo; b) diferenciação social, com o surgimento de
diferentes categorias de produtores e trabalhadores rurais; c) concentração de terra
e renda; e) integração do setor rural ao setor urbano via complexos agroindustriais,
etc.
Questão: Você poderia indicar as características gerais que tais processos
assumiram no Brasil?
Os resultados dessas mudanças tiveram efeitos diferentes para distintos
segmentos da população rural. Para alguns, significou proletarização ou eminência
de desintegração de suas unidades de produção, para outros, abertura de novas
oportunidades e crescimento.
Estudos conduzidos em outros países do terceiro mundo também apontaram
problemas dessa natureza. É por essa razão que Galjart comenta: “as reflexões
sobre o desenvolvimento mostraram que ele é desigual e que, freqüentemente,
possuía conseqüências funcionais para alguns indivíduos e disfuncionais para
outros”. A partir dessa época (e no caso de algumas ONGs, até mesmo antes),
agências internacionais de desenvolvimento (por exemplo, United Nations Research
Institute for Social Development - UNRISD, Organização Internacional do Trabalho,
Organização Mundial da Saúde, FAO, UNESCO e Banco Mundial) procuraram, sob
uma variedade de nomes, novas abordagens que pudessem orientar programas e
projetos voltados para os segmentos sociais colocados à margem do “processo de
10
desenvolvimento econômico”, tais como: a) Necessidades Básicas (Basic Needs); b)
Desenvolvimento Rural Integrado (Integrated Rural Development); c) “Target-Group
Strategy” (Boxe 4).
Um elemento comum a essas abordagens é a participação das pessoas,
“alvos” dos programas ou projetos de desenvolvimento. No entanto, os métodos
para implementar estas estratégias variam de acordo com a visão que as agências
possuem do papel ou natureza da intervenção. Dessa visão resultam diferentes
dimensões ou significados atribuídos à participação.
3.1 Tipos básicos de Estratégias e Concepções de Participação
Podemos, de uma forma muito simplificada e com o propósito de iniciarmos a
discussão do conceito de participação, identificar dois tipos básicos de estratégias.
Primeiro, as estratégias fundamentadas na suposição de que existe pouca
coisa incorreta no processo de intervenção e que as falhas passadas decorreram,
em grande parte, do “fator humano” ter sido omitido (negligenciado) ou do fato de os
indivíduos não interessarem em se envolver nos projetos sobre os quais eles
possuíam poucas informações ou, mesmo, dúvidas. Suposições dessa natureza
conduzem à elaboração de estratégias de intervenção, cujos objetivos são os de
“preencher lacunas” , injetar mais informação, aumentar o conhecimento básico.
Assume-se, nesse caso, que se as pessoas são envolvidas elas mesmas se
comprometerão a apoiar os projetos (Oakley & Marsden, 1985).
Em segundo lugar, as estratégias que resultam da avaliação dos projetos,
anteriormente desenvolvidos. Através da avaliação, chega-se a conclusão de que
Boxe 4
Algumas ONGs, fundamentadas nas obras de Paulo Freire, já vinham desenvolvendo
metodologias de intervenção centradas na “participação” dos pequenos produtores na
formulação e implementação de projetos de desenvolvimento. No final dos anos setenta,
“participação” foi, também, incorporada nos programas financiados por instituições como
Banco Mundial, FAO, Organização Mundial do Trabalho, Organização Mundial da Saúde
e, por influência dessas instituições, nas estratégias de intervenção de diversos países.
Esses temas são tratados pelos seguintes autores:
BEBBINGTON, A. & FARRINGTON, J. “Private voluntary initiatives: enhancing the public
sector’s capacity to respond NGO needs”. Word Bank Agriculture Symposium,
Washington, 1992. 31p.
BEBBINGTON, A; THIELE, G.; DAVIES, P. & RIVEROS, H. Non-governamental
organizations and State in Latin America, Londres, Routledge, 1993. 290 p.
CHAMBERS (1993), op. cit.
CLARK, J. Democratizing development: the role of voluntary organizations. Londres,
Earthscan Publications, 1991. 259 p.
LISK, F. (org.). Popular participation in planning for basic needs. Londres, International
Labour Organization, 1985. 167p.
OAKLEY, P. “Participation in development in N.E. Brazil”. Community Development
Journal, Oxford, 15 (1): 10-22, jan. 1980.
OAKLEY, P. & MARSDEN, D. Approaches to participation in rural development. Genebra,
International Labour Office, 1985. 91 p.
OKALI et al. (1994), op. cit.
MIDGLEY, J. (org.). Community participation, social development and the state. Londres,
Methuen & Co., 1986.
11
tais projetos foram concebidos equivocadamente. Nesse caso, participação pode ser
percebida como uma estratégia para criação de novas oportunidades, exploração de
novos caminhos, juntamente com os indivíduos “alvos” dos projetos de
desenvolvimento. Nessa estratégia, a metodologia de intervenção é
fundamentalmente diferente. Mais conhecimento sobre os projetos não é
necessário. O conhecimento dos indivíduos, alvos das ações de intervenção, é que
não havia sido incorporado quando da formulação do projeto. Asfalhas nos projetos
de desenvolvimento não estão no “fator humano em si”. Elas residem no fato de se
atribuir um papel passivo aos indivíduos, os quais são percebidos mais como
“consumidores de conhecimento” do que “produtores de conhecimento”.
Participação, nesse caso, relaciona-se com produção de conhecimento, novas
orientações, novas formas de organização (Oakley & Marsden, 1985).
Essas duas concepções de participação foram incorporadas a vários projetos
de desenvolvimento, durante últimas décadas. Mas é importante observar que
participação é um processo multidimensional e varia de situação para situação
em respostas a circunstâncias particulares. Não existe um único modo de
compreender esse processo e a sua interpretação está mais em função da
perspectiva de análise empregada. No momento, gostaríamos de observar que as
duas concepções gerais de participação podem dar origens a formas distintas de
intervenção7.
Questão: O que o texto em negrito quer dizer?
3.2 Conceito de Intervenção
Intervenção, tendo como referência o trabalho com comunidades, é uma
ação (ou conjunto de ações) praticada por pessoas (agentes, assessores) que não
pertencem ao núcleo comunitário onde tal ação se realiza. Ela pode assumir um
caráter “tutorial” ou um caráter “educativo” (Alencar, 1995).
A intervenção assume um caráter tutorial quando a ação do agente externo
é orientada no sentido de introduzir “idéias” previamente estabelecidas sem que
haja participação da população alvo de sua ação na formulação de tais “idéias”.
Nessa forma de agir, é o agente externo que elabora os diagnósticos, identifica os
problemas, escolhe os meios para solucioná-los, estabelece as estratégias de ação
e avalia as ações executadas. Cabe à população, nessa forma de intervenção,
executar as ações “prescritas” (Alencar, 1995).
A intervenção assume um caráter educativo quando a população alvo é
estimulada pelo agente externo a desenvolver a habilidade de diagnosticar e
analisar seus problemas, decidir coletivamente sobre as ações para solucioná-los,
executar tais ações e avaliá-las, buscando, sempre que necessário, novas
alternativas (Alencar, 1995).
3.3 Significados do Termo Participação
Oakley & Marsden (1985), analisando diferentes projetos de
desenvolvimento, identificaram diferentes significados atribuídos ao termo
participação:
1. envolvimento voluntário dos indivíduos nos programas, sem, contudo,
participarem da sua elaboração;
12
2. sensibilização dos indivíduos, aumentando-lhes a responsabilidade para
responderem as propostas de programas de desenvolvimento e encorajando
iniciativas locais;
3. envolvimento dos indivíduos no processo de tomada de decisão, na
implementação dos programas, na divisão dos benefícios e na avaliação das
decisões tomadas;
4. associação do conceito de participação com o direito e o dever dos indivíduos
participarem na solução dos seus problemas, terem responsabilidade de
assegurar a satisfação de suas necessidades básicas, mobilizarem recursos
locais e sugerirem novas soluções, bem como de criarem e manterem as
organizações locais;
5. associação do conceito de participação com a iniciativa de pessoas e grupos,
visando a solução de seus problemas e a busca de autonomia;
6. organização de esforços de pessoas excluídas para que elas aumentem o
controle sobre recursos necessários ao desenvolvimento e sobre as instituições
que regulam a distribuição desses recursos.
Participação pode, também, estar associada aos seguintes significados:
1. Colaboração - envolvimento das pessoas nas atividades grupais, onde o agente
externo é o principal protagonista. Essa forma de participação equivale a
“informação” , uma vez que as decisões básicas, relacionadas aos programas de
desenvolvimento, já foram tomadas. “Participação” não está dissociada do
controle e responsabilidade do agente externo.
2. Desenvolvimento de Comunidade - participação é entendida como um
processo de promoção social, onde é delegada aos membros da comunidade a
responsabilidade de criarem conselhos de desenvolvimento, os quais são
considerados veículos da participação.
3. Organização - 3.1 Participação relaciona-se com o processo onde os indivíduos
se organizam e, por meio dessa organização, tornam-se capazes de ter voz nos
projetos de desenvolvimento. 3.2 Organização como resultado da busca pelos
indivíduos de formas mais adequadas de ação, as quais emergem da análise que
eles fazem da realidade que os envolve. O agente externo teria, nesse caso, uma
menor influência.
4. Empowering - a interpretação mais comum relaciona-se com a aquisição de
poder: poder em termos de acesso e controle de recursos necessários ao
desenvolvimento (Oakley & Marsden, 1985).
3.4 Graus e Níveis de Participação
Bordenave (1983) considera as seguintes questões-chave na participação
num grupo ou organização:
• Qual é o grau de controle dos membros sobre as decisões?
• Quão importantes são as decisões de que se pode participar?
3.4.1 Grau de controle
“No caso do controle, evidentemente não é igual os membros participarem de
atividades decididas pelo próprio grupo e participarem duma atividade controlada
por outro ou outros. Numa associação de pais e mestres, por exemplo, os pais
podem opinar e colaborar, mas via de regra o controle é mantido pela direção do
13
colégio. Num conselho paroquial os leigos dão mais palpites, mas o controle final
não sai das mãos do pároco” (Bordenave, 1983: 30).
A Figura 1 ilustra alguns dos “graus” que pode alcançar a participação numa
organização qualquer, do ponto de vista do menor ou maior acesso ao controle das
decisões pelos membros.
Figura 1 - Níveis de participação (Bordenave, 1983: 31).
“O menor grau de participação é o da informação. Os dirigentes informam os
membros da organização sobre as decisões domadas. Por pouco que pareça, isto já
constitui uma certa participação, pois não é infreqüente o caso de autoridades não
se darem sequer ao trabalho de informar seus subordinados. Em alguns casos, a
reação dos membros às informações recebidas é tomada em conta pelos
superiores, levando-os a reconsiderarem uma decisão inicial. Outras vezes, o direito
de reação não é tolerado” (Bordenave, 1983: 31).
“Na consulta facultativa a administração pode, se quiser e quando quiser,
consultar os subordinados, solicitando críticas, sugestões ou dados para resolver
algum problema. Quando a consulta é obrigatória, os subordinados devem ser
consultados em certas ocasiões, embora a decisão final pertença ainda aos
diretores. É o caso da lei que estabelece a negociação salarial entre patrões e
operários” (Bordenave, 1983: 31).
“Um grau mais avançado de participação é a elaboração/recomendação na
qual os subordinados elaboram propostas e recomendam medidas que a
administração aceita ou rejeita, mas sempre se obrigando a justificar sua posição”
(Bordenave, 1983: 32).
Num degrau superior está a co-gestão, na qual a administração da
organização é compartilhada mediante mecanismos de co-decisão e colegialidade.
Aqui, os administrados exercem uma influência direta na eleição de um plano de
ação e na tomada de decisões. Comitês, conselhos ou outras formas colegiadas
são usadas para tomar decisões” (Bordenave, 1983: 32).
“A delegação é um grau de participação onde os administrados têm
autonomia em certos campos ou jurisdições antes reservados aos administradores.
A administração define certos limites dentro dos quais os administradores têm poder
de decisão. Ora, para que haja delegação real, os delegados devem possuir
C
O
N
T
R
O
L
E
DIRIGENTES
MEMBROS
INFORMA-
ÇÃO
CONSULTA
FACULTATI-
VA
CONSULTA
OBRIGATÓ-
RIA
ELABORA-
ÇÃO DE
RECOMEN-
DAÇÃO
CO-
GESTÃO
AUTO-
GESTÃO
DELEGA-
ÇÃO
14
completa autoridade, sem precisar consultar seus superiores para tomarem as
decisões” (Bordenave, 1983:32).
“O grau mais alto de participação é autogestão, na qual o grupo determina
seus objetivos, escolhe seus meios e estabelece os controles pertinentes sem
referência a uma autoridade externa. Na auto gestão desaparece a diferença entreadministradores e administrados, visto que nela ocorre a auto administração”
(Bordenave, 1983: 33).
3.4.2 Importância das decisões
Bordenave (1983: 33) considera que a outra questão-chave na participação é
a importância das decisões a cuja formulação os membros têm acesso. Isto significa
que em qualquer grupo ou organização existem decisões de muita importância e
outras não tão importantes. Assim, por exemplo, numa cooperativa de crédito, a
decisão de passar a ser também cooperativa de consumo constitui uma decisão
importante, com amplas conseqüências, ao passo que a decisão de pintar ou não a
sala de reuniões da diretoria constitui uma decisão administrativa de pouca
importância.
“Segundo sua importância, as decisões podem ser organizadas em níveis, do
mais alto ao mais baixo. Uma maneira de distinguir os níveis é enumerar os passos
da programação, a saber:
• Nível 1 - formulação da doutrina e da política da instituição;
• Nível 2 - determinação de objetivos e estabelecimento de estratégias;
• Nível 3 - elaboração de planos, programas e projetos;
• Nível 4 - alocação de recursos e administração de operações;
• Nível 5 - execução das ações;
• Nível 6 - avaliação dos resultados“ (Bordenave, 1983: 33).
Geralmente, há uma relativa disposição favorável para permitir a participação
dos membros da organização nos níveis 5 e 6, isto é, na execução das ações e na
constatação de seus resultados. No entanto, nos níveis de formulação de políticas e
planejamento, a participação fica restrita a uns poucos “burocratas”, “teocratas” ou
“lideranças” (Bordenave, 1983: 34).
Bordenave (1983: 34) observa que “em muitas comunidades rurais e favelas
urbanas, antigamente poucos habitantes participavam do melhoramento das
condições locais. Mais recentemente, alguns deles tomaram a iniciativa de
apresentar reivindicações ante os poderes públicos, ao mesmo tempo em que
tomavam parte em ações locais de melhoria. Após avaliar sua situação,
encaminhavam às autoridades queixas e demandas de serviços de água, esgotos,
transporte, segurança, saúde, etc. Hoje, essas comunidades já passaram de uma
participação de níveis 5 e 6 a uma participação de níveis 3 e 4, ganhando influência
e intervenção em áreas de decisão antes zelosamente monopolizadas pelas
prefeituras”.
Questões: a) Tendo como referência o esquema de Bordenave, você poderia
relacionar os diferentes níveis de participação com os distintos significados que são
atribuídos ao termo participação? b) Considerando que podem existir diferentes
níveis de participação e que participação pode assumir distintos significados, quais
seriam as possíveis implicações teóricas e metodológicas que esses diferentes
15
níveis e significados poderiam ter para uma pesquisa sobre participação? c)
Supondo que você esteja fazendo uma pesquisa sobre participação de produtores
em um projeto de desenvolvimento rural, quais seriam os procedimentos teóricos e
metodológicos que você adotaria para realizar esse estudo?
4. CONTEXTO DA PARTICIPAÇÃO
Pode parecer óbvio dizer que o associativismo surge, se desenvolve ou
perece dentro de um sistema social e que o associativismo, como qualquer forma de
organização, sofre a influência do sistema social em que está inserido. Por mais
óbvia que esta colocação pareça, ela não pode ser negligenciada, principalmente se
considerarmos que as influências do sistema social não são facilmente percebidas e
apresentam múltiplas dimensões. Pesquisas revelam que fatores, por exemplo,
culturais, características de mercado, estrutura social, estrutura de poder e políticas
econômicas são relevantes para o estudo do associativismo.
Questão: Em que sentido tais fatores podem ser relevantes?
Algumas das possíveis influências do sistema social sobre o associativismo
serão discutidas a seguir.
4.1 Associativismo e Estrutura Social
As sociedades não são sistemas sociais homogêneos. Elas são formadas por
classes sociais, frações de classes e categorias sociais que podem ter: a) diferentes
interesses, os quais podem mesmo ser conflitantes; b) uma visão distinta do mundo;
c) diferentes problemas; d) acesso diferenciado aos benefícios institucionais da
sociedade (crédito, assistência técnica, resultados de pesquisa, educação, serviço
de saúde, etc.) e) diferentes níveis de facilidade ou dificuldade para se
organizarem; f) diferentes dimensões de poder (acesso aos centros de decisões e
capacidade de influenciá-los).
As classes e frações de classes encontram-se em um processo de
diferenciação social. Do ponto de vista clássico, este processo pode assumir as
configurações representadas na Figura 2.
Sorj e Wilkinson (1983, p.167), analisando o processo de transformação
social da agricultura brasileira, observaram que no antigo padrão de articulação
campo-cidade, a estrutura fundiária era o elo direto que produzia as condições de
existência de uma ampla massa de trabalhadores que gerava um sobretrabalho em
pobres condições técnicas e que favorecia de forma imediata o conjunto do setor
industrial. No atual padrão de acumulação, esta estrutura está sendo substituída por
outra, onde a dinamização da geração de excedentes agrícolas é dada pelo
complexo agroindustrial, tanto no nível do processo produtivo no estabelecimento
agrícola como na apropriação da produção agrícola, que passa a ser
crescentemente industrializada antes de alcançar o consumidor.
Neste sentido, e sem negar a importância que ainda possuem certas formas
de expansão de fronteiras e da produção gerada por produtores tradicionais,
observam esses dois autores, pode-se afirmar que a estrutura fundiária é, agora,
sobrepassada pelo complexo agroindustrial na determinação das condições de
16
produção das relações sociais na agricultura. O complexo agroindustrial se
transforma no beneficiário principal do sobretrabalho dos produtores agrícolas,
substituindo crescentemente tanto o latifundista como o capital comercial tradicional
e parcialmente o próprio conjunto do capital industrial. Para Sorj e Wilkinson (1983),
esse processo determina que sejam as formas de subordinação da produção
agrícola ao complexo agroindustrial um dos aspectos chave para se compreender
as novas formas que assumem as relações sociais na agricultura no momento atual
e as condições de sua transformação.
 Figura 2 - Modelo (bi)linear do desenvolvimento do capitalismo na agricultura
(Djurfeldt,
 1986: 149)
Os dois autores consideram que o conceito de ‘diferenciação social’,
largamente utilizado para analisar as transformações na produção, é insuficiente
para captar os efeitos da subordinação do campo à agroindústria. Portanto,
propõem um modelo analítico no qual se cruzariam a diferenciação social
clássica, ou ‘vertical’, com a diferenciação ‘horizontal’.
Por diferenciação vertical (‘clássica’), entendemos o processo de
proletarização ou aburguesamento e a eliminação do produtor familiar. Por
diferenciação ‘horizontal’, destacamos a separação entre empresas
familiares que conseguem modernizar seus processos produtivos e aquelas
que terminam numa pauperização e marginalização crescente, como produto
do mesmo processo (Sorj & Wilkinson, 1983: 168).
Esquematicamente, tem-se as seguintes configurações:
1. diferenciação vertical - existe uma tendência à eliminação dos produtores
familiares através da expulsão e/ou marginalização daqueles que não conseguem
acompanhar os novos patamares tecnológicos;
2. diferenciação horizontal que implica: a) a existência de transformações dentro
do conjunto de produtores familiares, sem que estas transformações conduzam à
proletarização; b) um processo pelo qual empresas que anteriormente utilizavam,
predominantemente, trabalho assalariado passam a se sustentar
fundamentalmente do próprio trabalho familiar.
Ponto de Partida Fase de Transição Ponto Final
Senhores feudais Junker burguês
 Burguesia rural
 Camponês rico
Campesinato Camponês médio
 não diferenciado Camponêspobre Proletariado rural
 Trabalhadores
 sem terra
 Processo de Processo de
 diferenciação proletarização
17
Sorj & Wilkinson (1983: 168) observam que este modelo é de caráter
analítico-descritivo e sua utilidade central é de mostrar que os processos de
diferenciação social podem levar, tanto à heterogeneização da produção familiar e
sua polarização em proletariado e burguesia quanto a sua manutenção, porém
diferenciando-se em seu interior entre produtores familiares que permanecem
viáveis e outros em processo de pauperização e eventualmente de expulsão8.
Os processos de diferenciação vertical e horizontal geralmente aparecem em
forma cruzada, de maneira que, por exemplo, os produtores familiares pauperizados
servem como força de trabalho temporária nas empresas capitalistas. “Trata-se,
portanto, da formação de categorias sociais novas e não de estratos de um
continuum tradicional-moderno. Cada grupo social tem seu lugar redefinido pelo
avanço da integração agroindustrial” (Sorj & Wilkinson, 1983: 169).
No caso brasileiro, observam os dois autores, o processo de transformação
das relações de produção da agricultura tem-se dado na direção de: a) depurar as
relações de produção capitalistas nas grandes empresas agrícolas; b) fortalecer um
grande setor de produtores familiares capitalizados; c) gerar uma massa de
pequenos produtores pauperizados que se encontram marginalizados, pela sua
baixa produtividade, dos grandes circuitos produtivos. “Trata-se de um processo
ainda fluido, onde os processos de diferenciação não estão totalmente definidos.
Ainda assim pode-se assinalar que a predominância destes setores se dá de forma
desigual nas distintas regiões do país, sendo, por exemplo, predominante o terceiro
no nordeste, tanto quanto seriam os dois primeiros no centro-sul” (Sorj & Wilkinson,
1983: 169-170) (Boxe 5).
Questões: a) Existe alguma relação entre o processo de diferenciação social e as
colocações que foram efetuadas por Brown, Kitching e Sardan? b) Quais seriam as
possíveis implicações que o processo de diferenciação social poderia trazer para um
estudo sobre associativismo rural?
Boxe 5
O processo de capitalização da agricultura envolve as unidades de produção camponesas,
as quais passam, também, a depender de bens e serviços do setor urbano-industrial e,
dessa forma, são obrigadas a voltar parte de sua produção para o mercado. Outros fatores
devem ainda ser levados em conta nos estudos dessas unidades como por exemplo,
“novas aspirações culturais”, “relação entre área de terra e herdeiros”, “apoio institucional” e
“mercado regional de terra”. Tais fatores podem concorrer para a dissolução desse tipo de
unidade de produção ou levá-la à diferenciação. Alguns estudos, analisando as estratégias
de adotadas por pequenas unidades familiares, mostram como elas têm operado no
sentido de se manterem no processo produtivo. Por exemplo:
AGUIAR (1992); BASSO (1993);
CARRIERI, A.P. A racionalidade administrativa: os sistemas de produção e o
processo de decisão-ação em unidades de produção rural. Lavras, ESAL, 1992. 208
p. (Dissertação MS);
SANTOS JESUS, J.C. Trajetória de decisões administrativas na unidade camponesa e
na empresa agropecuária capitalista: estudo de casos no sul de Minas Gerais.
Lavras, ESAL, 1993. 147 p. (Dissertação MS);
GARCIA JR, A.R. O sul: caminho do roçado - estratégias de reprodução camponesa e
transformação social. São Paulo, Marco Zero, 1990. 285 p.;
ABROMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo, Hucitec,
1992. 275.
18
Müller, no seu estudo “Estado e Classes Sociais na Agricultura”, identificou as
seguintes classes e frações de classes no campo:
- Burguesia
- tradicional
- industrializada
- Pequena burguesia
- tradicional
- industrializada
- Trabalhadores a domicílio
Burguesia industrializada é aquela fração de classe que em superfícies
médias e grandes [com mais de 100 ha de área global] obtém grandes volumes de
produção, graças a uma elevada composição orgânica de capital [composição
orgânica de capital é a relação entre benfeitorias, máquinas, equipamentos, insumos e mão-
de-obra]; opera com assalariados e “autônomos”, é organizada ao nível institucional
ou com tendências para tanto (Müller, 1982: 86 e 88).
Burguesia tradicional é aquela fração de classe composta de proprietários
de terras, cujos proventos [a exemplo da velha oligarquia rural] residem, sobretudo, na
esfera mercantil [renda da terra] (Müller, 1982,: 88).
Pequena burguesia industrializada é a fração de classe que, em
superfícies relativamente diminutas [menos de 100 ha de área], obtém volumes de
produção relativamente grandes, graças à combinação do trabalho não-remunerado
com remunerado, em proporções em que predomina, claramente, o primeiro tipo de
mão-de-obra; opera com relativamente elevada composição orgânica de capital;
integra ou tende a integrar organizações nas quais já participa a burguesia
industrializada (Müller, 1982: 88 e 89).
Pequena burguesia tradicional é a que, em superfície relativamente
pequena e com predominância do trabalho familiar, desenvolve uma produção
agrícola caracterizada por baixa incorporação de processos técnicos e baixo nível
de produção. Não tende à organização institucional. “Se a considerássemos na
dinâmica da acumulação de capital, posta pela industrialização do campo,
poderíamos observar que está fadada à dissolução porque, ou eleva sua
composição técnica e de valor, ou passa a integrar uma das frações da classe
trabalhadora (Müller, 1982: 88 e 89).
Trabalhadores “a domicílio” são proprietários, pequenos produtores com
excesso de braços e falta de terra e de capital, vinculados ao capital industrial e/ou
comercial. “Os estabelecimentos destas frações sociais, subordinados ao capital
comercial ou industrial, não passam de lugares de trabalho que alimentam os
processos de acumulação da burguesia comercial ou industrial ou, no caso mais
tradicional de vínculos financeiros com proprietários rurais, estes estabelecimentos
alimentam os rendimentos destes últimos”. “Quando vinculados ao capital mercantil
de proprietários locais ou de comerciantes em áreas pouco mercantilizadas,
compõem as camadas mais atrasadas desta fração de classe” [‘camponeses’]
(Müller, 1982: 88-89).
Trabalhadores assalariados incluem-se os trabalhadores permanentes e
temporários com acentuadas características de operários, principalmente aquele
contingente que trabalha na agricultura industrializada (Müller, 1982: 88).
- Trabalhadores
- permanentes
- temporários
-Trabalhadores “autônomos”
- arrendatários
- parceiros
19
Trabalhadores “autônomos” são os pequenos arrendatários e parceiros
que, a rigor, constituem uma faixa de mercado de trabalho. “A parcela associada a
cultivos industrializados tende a obter sua remuneração em produto praticamente
avaliada já em termos monetários, o que não acontece com aqueles associados à
agricultura tradicional” (Müller, 1982: 88).
Outros estudos também retratam a heterogeneidade social no campo, usando
outra terminologia (Boxe 6):
- Latifundiários
- Empresários capitalistas
- Empresários familiares
- Camponeses
- Neocamponeses
- Moradores, parceiros e pequenos arrendatários
- Assalariados
. permanentes
. temporários
Esta classificação fundamenta-se no conceito de unidades de produção.
Unidade de produção (UP) é entendida como a área de terra onde a produção
agropecuária é realizada. Este conceito não se restringe ao aspecto formal da
propriedade legal da terra, uma vez que abrange áreas exploradas sob o sistema de
parceria, áreas arrendadas e áreas sob posse. A forma como os fatores de
produção (terra, capital e trabalho) são organizados dentro das UPs e a relação
destas com o mercado são os determinantes básicos de tal classificação9.
Boxe 6
Vejam, por exemplo:
PEREZ, L.H. Caracterização de áreas agrícolas brasileiras segundo suas formas de
produção. Piracicaba, ESALQ/USP, 1975. 170 p. (Dissertação MS).
LOPES, J.R.B. Do latifúndio à empresa: unidade e diversidadedo capitalismo no
campo. São Paulo, CEBRAP, 1976. 55 p.
SOARES, G.A.D. A questão agrária ma América Latina. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
177 p.
MOLINA FILHO, J. “Classificação e caracterização sócio-econômica das unidades de
produção agrícola no Brasil”. In: SEMINÁRIO DE MODERNIZAÇÃO DA EMPRESA
RURAL, 1., Rio de Janeiro, 1977. p. 387-392.
ALENCAR, E. & MOURA FILHO, J.A. “Unidade de produção agrícola e administração
rural”. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, 14 (157): 25-29, 1988a.
BARAÚNA, F.G. Caracterização sócio-econômica de unidades de produção: um
estudo no núcleo colonial J.K., município de Mata de São João -BA. Lavras, ESAL,
1988. 80 p. (Dissertação MS).
VILAS BOAS, A.A. Organização da produção agropecuária e integração ao setor
urbano-industrial: um estudo de caso. Lavras, ESAL, 1992. 126 p. (Dissertação
MS).
20
Os estudos aqui citados, ao retratarem a heterogeneidade social
existente no campo, também mostram como as mudanças que se processam
no nível macro produzem seus efeitos nas unidades de produção, ou seja, no
nível micro. Assim, mesmo quando as nossas atenções estiverem voltadas
para compreender ações desenvolvidas por diferentes segmentos da
população rural ou para compreender atividades do cotidiano, não poderemos
desconhecer tais mudanças. Caso contrário, corremos o risco de ficar na mera
constatação de fatos e concluir nossas pesquisas justamente onde elas
deveriam iniciar10. Voltaremos a estas considerações. No momento, acreditamos
ser conveniente formular algumas questões.
Questões:
a) Vocês concordam com a colocação em negrito?
Sim. Por quê?
Em termos. Por quê?
Não. Por quê?
b)Quais seriam as possíveis implicações que a heterogeneidade social poderia ter
para os estudos na área de Administração Rural? c) Quais seriam estas implicações
para os estudos sobre associativismo rural? d) A bibliografia citada sugere que
temas como “diferenciação social” e “complexo agroindustrial” vêm sendo estudados
há mais de duas décadas. Por que será que somente agora os estudantes de
Administração Rural têm demonstrado um certo interesse por estes temas?
Os produtores rurais, como observamos, não formam uma categoria social
homogênea. Eles podem ser classificados em relação ao nível de inserção no
mercado e forma de organização da produção (por exemplo, empresário agrícola,
empresário familiar, camponês). Eles podem, ainda, ser classificados quanto ao tipo
de atividade predominante nas suas unidades de produção (por exemplo: produtor
de leite, cafeicultor, sojicultor e avicultor).
A classificação por atividade tornou-se importante pois os complexos
agroindustriais são organizados por produtos, embora uma classificação dessa
natureza não seja suficiente para descrever o setor agrícola brasileiro. Por exemplo,
produtores de leite e cafeicultores são categorias genéricas. Isto é, contém no seu
interior uma diversidade de produtores cujas unidades de produção poderiam
assumir as características de um dos quatro tipos básicos de UP ou mesmo
assumir característica de tipos híbridos ou de unidades neocamponesas.
Os diferentes níveis de inserção das unidades de produção agrícolas no
mercado formam segmentos diferenciados, o que foi discutido anteriormente11. A
Figura 3 ilustra essa segmentação.
Atividades Agrícolas
CAIs Completos
Atividades Agrícolas
CAIs Incompletos
Atividades Agrícolas
Modernizadas
Indústrias de
Máquinas e
Insumos
 D1
Agroindústria de
Processamento
21
 FIGURA 3 - Segmentação da agricultura (KAGEYAMA et al. (1990, p.187)
Esses diferentes segmentos apresentam um retrato geral da agricultura
brasileira. Mas parece que, pelo menos em termos de hipóteses, podemos admitir
que muitos dos produtos incluídos no segundo e terceiro segmentos não são
produzidos unicamente em unidades de produção que poderíamos classificar como
“empresas agrícolas capitalistas” ou “empresas familiares”. Certamente, ainda existe
um espaço para unidades “híbridas” que se encontram situadas entre o que
denominamos “empresas agropecuárias capitalistas” e “latifúndio” ou entre
“empresas familiares” e “unidade camponesas típicas”. Um exemplo dessa situação
poderia ser a pecuária de corte, onde a produção extensiva ainda possui peso.
No caso das pequenas unidades de produção (sejam elas capitalizadas ou
não, integradas ou não aos complexos agroindustriais), sua presença é marcante no
contexto agrícola brasileiro e, notadamente, no estado de Minas Gerais. Os dados
do Quadro 1 ilustram este fato.
QUADRO 1 - Distribuição percentual do número de estabelecimento agropecuário,
área ocupada e pessoal ocupado, segundo grupos de áreas, Minas
Gerais, 1985.
Grupos de área
(ha)
Estabelecimentos
(%)
Área ocupada
(%)
Pessoal ocupado
(%)
Menos de 10 33,47 1,86 21,84
10 - 49 38,21 11,19 32,80
50 - 99 12,04 10,25 13,26
100 e mais 16,28 76,70 32,10
Total 100,00
 (551.952)
 100,00
 (4.035.752)
 100,00
 (2.655.911)
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1985. Dados extraídos de Monteiro & Resende (1988, p. 12 e 16)
Em 1985, os estabelecimentos rurais com menos de 100 ha representavam
aproximadamente 84% do total de estabelecimentos de Minas Gerais e, embora
ocupassem 23,3% da área total, detinham 67,9% do pessoal ocupado na atividade
agrícola. Se estes números mostram uma realidade que não pode ser desprezada,
deve-se acrescentar a eles as seguintes informações apresentadas por Monteiro &
Resende:
Atividades Agrícolas
Artesanais
Subsis-
tência
Embalagem e
Classificação
 Ligações específicas
 Ligações não específicas
Mercado Final
(Interno e Externo)
22
Mais de 50% da produção de banana (69%), batata-inglesa (72%), feijão
(58%), mandioca (61%) e tomate (81%) são produzidos em fazendas com
menos de 100 ha de área total; perto de 50% da produção de algodão (48%),
arroz (45%), café (44%) e milho (50%), também são nelas produzidos. A
produção que é originada basicamente na grande propriedade (aqui
considerada aquela que possui mais de 100 ha) é a cana-de-açúcar (83%) e
soja (94%). Considerando-se as pequenas e médias propriedades (até 100
ha), nota-se que a maior parcela de produção se encontra na faixa de 10 a 50
ha (Monteiro & Resende, 1988: 17).
Questões:
a) No entanto, mesmo considerando as limitações que uma classificação de
natureza abrangente nos impõe, quais seriam os possíveis tipos de unidades de
produção que encontraríamos nesses quatro segmentos?
Segmento 1 (CAIs Completos)?
Segmento 2 (CAIs Incompletos)?
Segmento 3 (Atividades Agrícolas Modernizadas)?
Segmento 4 (Atividades Agrícolas Artesanais)?
b) Você gostaria de fazer algum comentário sobre a segmentação da agricultura, tal
como ela é apresentada por Kageyama e colaboradores?
Independente da existência de possíveis limitações, a segmentação da
agricultura brasileira mostra que os produtores rurais interagem com uma variada
gama de atores sociais localizados fora do setor rural. Essa interação representa a
complementaridade entre setores. Todavia, devemos entender que ela ocorre em
um contexto de articulação de interesses entre diferentes atores sociais e que tais
atores não dispõem dos mesmos recursos de poder ou capacidade de influir, seja
em nível de mercado, o locus onde as transações comerciais entre setores se
verificam, seja em nível do Estado, onde as decisões políticas são formuladas12.
A capitalização do processo produtivo tem ainda outras implicações. Elas
transformam as relações de trabalho no campo, substituindo o sistema de colonato
e parceria pelo trabalho assalariado. Essa transformação acarreta liberação de mão-
de-obra, a qual se junta ao excedente populacional dos minifúndios, aumentando a
disponibilidade de mão-de-obra para as atividades sazonais. Assim, a capitalização
do processo produtivo agrícola, ao mesmo tempo em que representou uma
potenciação da capacidade produtiva,também significou a proliferação do trabalho
assalariado temporário, o que, de certa forma, pode ser observado no Quadro 2.
QUADRO 2 - Composição do emprego no campo, segundo categorias ocupacionais
em percentagem de equivalente homem (1970-1980)
Categorias ocupacionais 1970
(%)
1975
(%)
1980
(%)
Assalariado
• Permanente
• Temporário
 23,6
 (7,4)
 (16,2)
 27,7
 (8,4)
 (19,3)
 35,8
 (11,3)
 (24,5)
Parceria 4,8 3,3 2,8
Familiar 71,6 68,9 61,5
Fonte: IBGE (1985).
23
Podemos identificar dois tipos básicos de trabalhadores temporários.
1. Trabalhadores que não se encontram totalmente desprovidos dos meios de
produção:
• Posseiros, parceiros, pequenos arrendatários que, temporariamente,
deixam suas residências para executarem tarefas agrícolas em outras
unidades de produção. Para esses trabalhadores, o trabalho sazonal é
uma atividade complementar a uma ocupação principal.
2. Trabalhadores que se encontram desprovidos de qualquer meio de produção,
exceto sua própria força de trabalho:
• Bóias-frias, residentes nas áreas urbanas;
• Itinerantes, hospedam provisoriamente nos locais de trabalho agrícola.
Os dois tipos básicos de trabalhadores temporários (1 e 2) têm em comum o
fato de serem remunerados pela capacidade de rendimento do trabalho. O valor do
salário no trabalho temporário, de modo geral, não se determina como no trabalho
por tempo (horas trabalhadas) mas pela capacidade de rendimento do trabalhador,
por exemplo: tarefa, produtividade e empreitada. Todavia, a diferença quanto à
forma de remuneração entre o salário por tempo e o salário por tarefa não altera em
nada a natureza da relação do trabalho assalariado. “Em ambas as formas, o salário
representa, sempre, um pagamento de parte da força-de-trabalho despendida, seja
esta parte medida em horas de trabalho, ou em quantidade de tarefas executadas
(Gonzales & Bastos, 1977: 31).
Dada a forma de pagamento da força-de-trabalho e os vínculos de
instabilidade que o acompanham, o trabalho temporário oferece aos empresários
vantagens diferenciais sobre as demais modalidades de relação de trabalho sejam
assalariadas ou semi-assalariadas. Algumas das principais vantagens:
1. a fiscalização do trabalho torna-se bastante reduzida;
2. intensificação do trabalho;
3. a não residência dos trabalhadores nas fazendas, além de descartar algumas
teias legais que poderiam envolver encargos trabalhistas, permite ao empresário
economizar área e evitar construções de casas, etc.;
4. facilita a interposição de intermediários (“gato”, “turmeiro”, etc.) entre o
empresário e os trabalhadores, criando meios de fugir de alguns encargos sociais
(só aparentemente).
A remuneração por capacidade de rendimento do trabalho permite aos
empresários agrícolas valorizarem seu capital de forma mais eficiente, dadas as
condições da produção agrícola brasileira. Formas de trabalho como parceria
perdem sua importância. Torna-se necessário, no entanto, fazermos uma distinção
entre diferentes formas de parceria historicamente praticadas no país: “parceria que
partilha o produto principal” e “parceria que partilha o produto secundário”.
No primeiro caso, temos, por exemplo, a “quarteação” na pecuária tradicional
e “meação” na cafeicultura tradicional. A quarteação praticamente desapareceu com
a capitalização da agricultura. Nos dias atuais, seria fora de propósito imaginar um
empresário entregando ao seu empregado um bezerro em cada quatro “vingados”.
Da mesma forma, seria estranho imaginar um empresário pagando seus
trabalhadores com sacas de café. A parceria que partilha produtos secundários
permanece e é uma forma que pequenos e médios empresários usam para manter
trabalhadores especializados (tratoristas, encarregados, retireiros etc.) nas suas
fazendas: “Se não der terra para meia outros dão e o empregado vai embora” (produtor do
Sul de Minas, entrevistado em 1981).
24
Dentro deste quadro, o trabalhador assalariado permanente tende a ser cada
vez mais especializado (operador de máquinas, retireiro, etc.), sendo as atividades
sazonais que demandam maior volume de mão-de-obra executadas por
trabalhadores temporários.
Devemos também observar que as transformações que se processam na
agricultura brasileira vêm sendo acompanhadas por um processo de concentração
de renda e terra . Os dados dos censos agropecuários de 1970 e 1980 revelam que
houve uma concentração crescente de renda na atividade rural:
• em 1970, os 50% mais pobres da zona rural detinham 22,4% da renda rural e em
1980, apenas 14,9%;
• em 1970, os 5% mais ricos detinham 23,7% da renda rural e, em 1980, passaram
a concentrar 44,2%;
• o 1% dos mais ricos quase triplicou sua participação, passando de 10,9% em
1970 para 29,3% em 1980 (Figueiredo, 1984, p.14).
A concentração de renda não é um fenômeno que se restringe somente ao setor
rural, mas ao país como um todo. De acordo com os dados PNAD, no período de
dez anos (entre 1983 e 1993) a participação dos 10% mais pobres no total dos
rendimentos pessoais no Brasil caiu de 0,9% para 0,7%. Em compensação, os 10%
mais ricos tiveram um aumento de sua participação na renda de 48,1% para 49,8%.
A parcela de 1% mais rica da população, que detinha 14% de toda a renda pessoal
em 1983, passou a deter 16% em 1993 (Folha de São Paulo, 21 de março de 1996,
1o Caderno , p. 4).
O índice de Gini é um indicador que mede a desigualdade de qualquer coisa
entre os elementos de um conjunto. Este índice pode ser usado para indicar como
está distribuída a terra, a riqueza ou a renda de um país entre os seus habitantes. O
índice de Gini varia, teoricamente, de zero a um. No caso da terra, por exemplo, ela
seria igual a 1 (um) se a totalidade da terra pertencesse a um único proprietário; e
seria igual a zero se a terra fosse distribuída em partes absolutamente idênticas
entre todos os proprietários. Entre este contínuo, são estabelecidas as seguintes
classes de concentração:
0,000 a 0,100 = concentração nula;
0,101 a 0,250 = concentração fraca;
0,251 a 0,500 = concentração média;
0,501 a 0,700 = concentração forte;
0,701 a 0,900 = concentração muito forte;
o,901 a 1,000 = concentração absoluta.
Quadro 3 - Concentração da posse da terra
no Brasil, medida pelo índice de
Gini, 1920-1980.
Ano Índice de Gini
1920 0,804
1940 0,831
1950 0,843
1960 0,841
1970 0,843
1975 0,851
1980 0,859
(Retrato do Brasil, 1984, no 11).
Historicamente, a concentração de
terra no Brasil, medida pelo índice de
Gini, situa-se na faixa muito forte
(Quadro 3). Estes índices mostram
que ocorreu uma ligeira diminuição
entre 1950 e 1960, mas nos
períodos posteriores a concentração
voltou a aumentar. Se forem
considerados os agricultores sem
terra, o índice de Gini para 1980
salta de 0,859 para 0,923, já na
faixa de concentração absoluta.
25
(Retrato do Brasil, 1984, no 11)
Dados de 1990 revelam que, no Brasil,
• 2,8% das propriedades possuíam áreas acima de 15 módulos fiscais e
ocupavam 56,7% das terras (somente 0,9% ocupavam 35,8% das terras, isto é,
118,4 milhões de hectares) e
• 89,1% das propriedades possuíam áreas inferiores a 4 módulos fiscais e
ocupavam 23,4% das terras (Folha de São Paulo, 19 de maio de 1996, 1o
Caderno, p. 9).
O módulo fiscal varia de acordo com o município. O menor módulo mede 5 ha, nas
regiões metropolitanas das capitais. O maior módulo é no pantanal mato-grossense
e mede 110 ha.
 O que este quadro
QUADRO 4 - Concentração de terra no Brasil e em outros países, medida pelo índice de
Gini, 1980.
Pais Índice de Cini
Bélgica, Holanda e Noruega 0,300 (no máximo)
EUA, Canadá Austrália e Nova Zelândia 0,400 (no máximo)
Argentina, Uruguai e Chile 0,550 (no máximo)
Índia e Paquistão 0,700 (no máximo)
Brasil 0,859
Fonte: Retrato do Brasil, 1984, no 11.
Questão: Quais seriam as possibilidades reais do associativismo como um
instrumento de mudança em uma sociedade profundamente heterogênea, com uma
agricultura segmentadae marcada por elevada concentração de terra e renda?
4.2 Associativismo e Estratégia de Mudança
Ainda que superficial, a caracterização que efetuamos do presente cenário
da agricultura brasileira mostra que o setor agrícola passa por profundas
transformações, as quais envolvem mudanças nas relações de trabalho, alterações
quantitativas e qualitativas na interdependência entre campo e cidade, diferenciação
social e aumento nos índices de concentração de terra e renda. Tais transformações
representam, também, mudanças profundas nas condições objetivas de vida dos
diferentes segmentos da população rural. Elas geram “questões fundamentais”, as
quais podem assumir características de “questões agrícolas” ou “questões agrárias”.
Suas respostas decorrerão do modo como os diferentes atores sociais interpretam
sugere ?
26
esse cenário, identificando problemas, suas causas e propondo estratégias, bem
como dos recursos de poder de que dispõem para implementá-las.
O associativismo é, muitas vezes, percebido como peça dessas estratégias
e, como tal, pode ser visto como um instrumento capaz de transformar ou modificar
a realidade ou como um instrumento que proporciona aos diferentes atores sociais
meios para se adaptarem a essa realidade. A natureza do papel atribuído ao
associativismo, como um “instrumento de mudança” ou “instrumento de adaptação”,
decorre do modo como as “questões fundamentais” são formuladas e essa
formulação é sobrepassada por diferentes concepções ideológicas de sociedade
(Boxe 7).
As diferentes concepções de associativismo relacionam-se com os distintos
modos pelos quais os problemas referentes ao campo são interpretados. Essas
interpretações podem assumir as características de “questão agrícola” ou “questão
agrária” (Boxe 8). Com o propósito meramente analítico, agruparemos tais
interpretações em três grandes perspectivas: perspectiva técnico-econômica,
perspectiva social-reformista e perspectiva de transformação social.
Boxe 7
Ideologia é um dos conceitos mais controvertidos e discutidos em sociologia. Esse termo é usado
em três diferentes sentidos: (a) para designar tipos específicos de crenças; (b) para designar
crenças que são, em certo sentido, distorcidas ou falsas; (c) para designar qualquer conjunto de
crenças.
- Tipos específicos de crenças - Nesse sentido, ideologia refere-se a um conjunto de crenças
organizadas em torno de alguns valores centrais (por exemplo: comunismo, fascismo,
nacionalismo). Nesse caso, ideologia é freqüentemente considerada uma oposição às instituições
dominantes em uma dada sociedade e desempenha o papel de aglutinar membros em partidos.
- Crenças que são distorcidas ou falsas - Esta concepção de ideologia associa-se com a
perspectiva marxista. Nesse caso, ideologia possui diferentes usos mas os argumentos centrais
são: (a) as ideologias são determinadas pelas estruturas econômicas da sociedade: (b) nas
sociedades de classes, tais como as capitalistas, as ideologias são distorcidas pelo interesse da
classe burguesa. O primeiro argumento está fundamentado na noção de superestrutura e na idéia
de que a ideologia de uma pessoa é determinada pela classe social a que ela pertence. O segundo
argumento é freqüentemente expresso nos conceitos de classe dominante e falsa consciência.
Nesta concepção, classe é muito mais do que uma simples maneira de descrever a posição social
de diferentes segmentos na sociedade. Marx percebia as classes sociais como forças reais,
capazes de transformar as sociedades capitalistas em socialistas: (a) uma busca incessante do
lucro pelos capitalistas levaria a uma exploração do proletariado e sua pauperização; (b) nessas
circunstâncias, os trabalhadores desenvolveriam a “consciência de classe”. Consciência de classe
é a situação em que o proletariado passa a compreender, objetivamente, sua posição frente a
posição da burguesia e o seu papel histórico na transformação do capitalismo em socialismo. O
proletariado passaria da “situação de classe em si” para a “situação de classe para si”. Situação de
classe em si - proletariado é identificado como uma categoria definível, mas sem consciência de
classe. A interpretação do mundo é fundamentada na concepção burguesa de realidade, o que
gera uma falsa consciência. Situação de classe para si - o proletariado possui consciência de
classe, isto é, percebe a sua situação de classe explorada e está pronto para desencadear o
conflito contra a burguesia.
- Qualquer conjunto de crenças - A concepção de ideologia como qualquer conjunto de crenças,
independente de ser falso ou verdadeiro, relaciona-se com a sociologia do conhecimento. O ponto
central dessa concepção é que todas as crenças são socialmente determinadas, não existindo um
único fator determinante (por exemplo, o econômico). As ideologias influenciam a visão que o ser
humano tem do mundo e podem ser definidas como concepções (idéias) do mundo a partir das
quais os indivíduos interpretam, explicam, justificam ou questionam a “organização social, política e
econômica” de uma dada sociedade.
Boxe 8
“Em poucas palavras, a questão agrícola diz respeito aos aspectos ligados às mudanças na
produção em si mesma: o que se produz, onde se produz e quanto se produz. Já a questão agrária
está ligada às transformações nas relações de produção: como se produz, de que forma se produz.
No equacionamento da questão agrícola, as variáveis importantes são as quantidades e os preços
dos bens produzidos. Os principais indicadores da questão agrária são outros: a maneira como se
27
Para a perspectiva técnico-econômica os problemas do campo são
formulados em termos de questão agrícola, a qual se relaciona com os aspectos
ligados às mudanças na produção em si mesma: o que se produz, onde se produz e
quanto se produz. Para essa perspectiva, as mudanças a se processarem na
agricultura ocorrerão sobre a égide da modernização do processo produtivo:
desenvolvimento da mentalidade empresarial, novas técnicas de produção, novos
mecanismos de comercialização, eficiência econômica e integração da agricultura
aos complexos agroindustriais.
A perspectiva social-reformista vincula a questão agrária à justiça social. A
miséria de grande parcela da população rural reside, essencialmente, na acentuada
concentração da propriedade da terra, concentração de renda e no desigualmente
acentuado acesso a recursos e benefícios oriundos do complexo institucional da
sociedade. Em alguns casos, a acentuada concentração de terra e renda é tida
como obstáculo ao desenvolvimento econômico de uma sociedade, uma vez que
limita a produção de alimentos e cria uma legião de marginalizados. Para a
perspectiva social-reformista, as mudanças a se processarem no setor agrícola
devem iniciar, necessariamente, por uma reforma agrária.
A perspectiva de transformação social vincula a questão agrária à posse
privada da terra. Sendo a terra um meio de produção, a sua posse constitui um
elemento fundamental para a exploração do trabalhador que a cultiva, da mesma
forma que a posse privada de outros meios de produção constitui elemento
fundamental para que haja exploração de outras categorias de trabalhadores. Para
a perspectiva de transformação social, as mudanças a se processarem no setor
rural são as mesmas a se processarem na sociedade como um todo: abolição dos
meios privados de produção, edificando uma sociedade socialista.
Essas interpretações, como respostas estratégicas a situações específicas,
podem se sobrepor. Por exemplo, embora apoiada na perspectiva técnico-
econômica, políticas podem ser formuladas, visando promover uma reforma agrária
como resposta à necessidade de reorganizar a produção agropecuária ou para
atenuar conflitos pela posse da terra. Da mesma forma, medidas de caráter social-
reformista podem ser advogadas como parte de uma estratégia de mobilização
popular, sendo, no entanto, a principal razão dessa mobilização fundamentada em
uma perspectiva de transformação social. Aumento da produtividade e do retorno
econômico pela introdução de novos processos

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