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CAPITULO I

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CAPITULO I
A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL: CONTEXTO SOCIO-HISTÓRICO DE IRACEMA E MACUNAÍMA
A formação da identidade literária ocidental está diretamente ligada ao surgimento do cristianismo, onde houve a predominação de uma junção de fatores ligados a concepção teológica, com base nos preceitos judaico-cristãos que influenciou diretamente os valores sociais, morais, culturais, econômicos e políticos. Tais concepção só fora criticada abertamente no século XVIII com o advento de diversos movimentos históricos, entre eles a Revolução Industrial, surgida na Inglaterra, a Revolução Francesa, a Independência dos Estados Unidos da América, com ideais de filósofos iluministas que acreditavam numa sobreposição da razão sobre o ideário religioso. 
1 – A construção do ideal romântico na literatura nacional
Com a Revolução Francesa, em 1789, teve-se início uma nova visão de nação e da concepção de Estado. Modificou-se os padrões sociais e artísticos, fundamentados diretamente nos emblemas de “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”. Diante disso, surge um novo movimento no campo literário, que visava exatamente a valorização de uma identidade nacional, em contraposição, a escola literária do Neoclassicismo. Este novo movimento fora denominado de Romantismo. 
Arnold Hauser (1972) assim aponta que as transformações vividas pela arte e pelos artistas no século XIX:
A Revolução e o movimento romântico marcam o fim de uma época cultural em que o artista se dirigia a uma ‘sociedade’, a um grupo mais ou menos homogêneo, a um público cuja autoridade, em princípio, reconhecia absolutamente. A arte deixa, agora, de ser uma atividade social orientada por critérios objetivos e convencionais, e transforma-se numa forma de auto-expressão que cria os seus próprios padrões; numa palavra: torna-se o meio empregado pelo individuo singular para se comunicar com indivíduos singulares. (HAUSER, 1972, p.804)
Neste mesmo caminho, o autor romântico português Almeida Garret (apud Nicola, 2006), apontou o papel do escritor nessa nova sociedade que estava se constituindo:
Este é um século democrático; tudo o que se fizer há-de ser pelo povo e com o povo ... ou não se faz. Os príncipes deixaram de ser; nem podem ser; Augustos. Os poetas fizeram-se cidadãos, tomaram parte na coisa pública como sua; querem ir, como Euripedes e Sófocles, solicitar na praça os sufrágios populares, não, como Horácio e Virgilio, cortejar no paço as simpatias de reais corações. As cortes deixaram de ter Mecenas; os Médicis, Leão X, D. Manuel e Luís XIV já não são possíveis; não tinham favores que dar nem tesouros que abrir ao poeta e ao artista. (GARRET APUD NICOLA, 2006, p. 252)
Conforme pode ser notado na fala do poeta, grandes transformações ocorreram no ideário social, e uma nova sociedade, dominada pelo capital burguês, romântico e marcada pelo individualismo e pelo patriotismo, além de forte apego as emoções e a liberdade de imaginação, surge no cenário mundial. 
Alfredo Bosi (2006, p. 97) afirma que “o romance foi, a partir do Romantismo, um excelente índice dos interesses da sociedade culta e semi-culta do Ocidente. A sua relevância, no século XIX se compararia, hoje, à do cinema e da televisão” 
No Brasil não é diferente. Com a queda de impérios ocorrendo no continente europeu e, principalmente, com o advento de Napoleão Bonaparte como Imperador da França e a determinação do bloqueio continental, levaram a mudança da Família Real Portuguesa para o Brasil e com ela novas necessidades para a então colônia elevada a Reino Unido à Portugal e Algarves. Tais necessidades se fizeram no campo das artes, da arquitetura, da construção civil, da economia e da política. Tantas mudanças culminaram em 1822 com a independência política do Brasil. 
Segundo Antonio Candido (2002)
Do ponto de vista da cultura, a presença do governo português no Brasil foi um marco histórico transformador, a partir do Rio de Janeiro, que se tornou definitivamente centro do país e foco de irradiação intelectual e artística. Depois de 1808, foram permitidas as tipografias e imprimiram-se os primeiros livros, criou-se uma importante biblioteca pública, foi possível importar obras estrangeiras, abriram-se cursos e foram fundadas algumas escolas superiores. (CANDIDO, 2002, p. 11)
Esse momento da sociedade brasileira fora marcado diretamente pelo dualismo aristocracia/escravatura. Não havia a figura institucionalizada como posição social do burguês como ocorria na Europa. 
Contudo, apesar das transformações políticas, somente em 1836, com a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães, é que se tem início o movimento literário denominado de Romantismo. Para Candido (2002), porém, a poesia de Magalhães não apresentou grandes inovações. Segundo o autor: 
O comedimento de Magalhães contribuiu para dar ao nosso Romantismo inicial um ar de respeitabilidade, que tranquilizou a cultura oficial e evitou choques, operando uma transição branda e quase sempre trivial, na qual pareciam importar principalmente o desejo de autonomia e o sentimento patriótico, benvindo por todos. Por isso é possível dizer que esse Romantismo inicial foi sobretudo programático e conviveu bem com a tradição. (CANDIDO, 2002, p. 29)
O ano de 1881 é considerado o marco final do Romantismo, quando são lançados os primeiros romances de tendência naturalista e realista, como O Mulato de Aluísio Azevedo, e, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. 
No romantismo brasileiro destacam-se na prosa grandes autores como Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antonio de Almeida e José de Alencar. Este, por sua vez, é considerado pela crítica como o maior nome da literatura romântica brasileira.
1.1 – José de Alencar: uma literatura múltipla
José de Alencar é considerado o primeiro grande escritor da literatura nacional, pois em sua produção literária procurou estabelecer uma visão sobre a sociedade de seu tempo, os movimentos históricos e a valorização da figura do índio. 
José Martiniano de Alencar Junior nasceu em 1829 no estado do Ceará. Foi o primogênito de José Martiniano de Alencar, um ex-padre católico que se tornou deputado federal, e de Ana Josefina de Alencar, uma prima irmã de seu pai. 
Com um ano de idade José de Alencar Junior fora morar no Rio de Janeiro, Capital do Império, pois seu pai havia se tornado senador do império. Quando, em 1836, seu pai fora nomeado governador do Ceará, José de Alencar Junior, voltou a viver em Fortaleza. Formou-se em Direito pela Faculdade do Lago de São Francisco em São Paulo e com os ensinamentos jurídicos destacou-se no campo da política, da literatura, e da filosofia do direito. Estreou na literatura no Jornal Correio Mercantil, na cidade do Rio de Janeiro, com a criação da seção de crônicas “Ao Correr da Pena” no rodapé do referido jornal. 
Seu estilo literário neste folhetim fazia com que Alencar escrevesse sobre variados temas de forma leve e fácil clareza para o leitor. Com a projeção de suas crônicas, Alencar é convidado a se tornar redator-chefe no Jornal Diário do Rio de Janeiro. 
Com a mudança para este novo Jornal, Alencar inicia a escritura de seus primeiros folhetins. Estes eram importantes instrumentos de sociabilidade, discussão dos fatos cotidianos que aconteciam no momento. 
Salienta-se que José de Alencar ao assumir a redação do Jornal Diário do Rio de Janeiro encontrou este em uma situação de dificuldade financeira e com o objetivo de atrair mais leitores para o jornal, Alencar passou a escrever romances que seriam publicados no rodapé do periódico. Foi nesse jornal, que entre janeiro e abril de 1857 que José de Alencar publicou, em folhetim, o romance “O Guarany”. 
Para Candido (2002):
partir de certa altura, Alencar pretendeu abranger com ela, sistematicamente, os diversos aspectos do país no tempo e no espaço, por meio de narrativas sobre os costumes urbanos, sobre as regiões, sobre o índio. Para pôr em prática esse projeto, quis forjar um estilo novo, adequado aos temas e baseado numa linguagem que, sem perder a correçãogramatical, se aproximasse da maneira brasileira de falar). (Candido, 2002, p. 63)
Pode-se notar, que o crítico aponta elementos significativos sobre as características do movimento romântico no Brasil, incorporados na obra de Alencar, entre eles a figura do índio, como representante da cultura nacional e a utilização de um vocabulário e sintaxe mais brasileiros, que permitissem o entendimento pelo leitor. 
Luis Roncari (1995, p. 288) apontou que “os nossos autores, os melhores, souberam aproveitar dele os elementos que serviam mais bem aos seus propósitos e deixaram outros de lado. Essa era a primeira tarefa dos nossos estudantes que iam forma-se na Europa e tomavam contato com o que chamavam de ‘a nova poesia’ ou ‘a poesia moderna’”. Logo, podemos perceber, que para o movimento romântico no Brasil, havia uma necessidade de destacar determinados elementos, principalmente, os ideais nacionalistas, a fim de se construir uma identidade nacional. 
Neste sentido, José de Alencar consegue abstrair da história nacional elementos significativos a construção do enredo de seus romances, de forma a abordar múltiplas temáticas, entre elas a indianista, o romance histórico, o romance de cunho regional. Além de romances foi autor de teatro e poesias.
Logo, para Candido (2002), os romances de Alencar: 
... se ordenam desde a narrativa banal sobre donzelas virtuosas casando com rapazes puros, até certas histórias de força realista, nas quais não apenas traça com o devido senso da complexidade humana o comportamento e o modo de ser de homens, e sobretudo mulheres, mas revela por meio deles certos abismos do ser e da sociedade. (CANDIDO, 2002. P. 64)
No teatro, José de Alencar escreveu 09 peças. Em 1857, por exemplo, José de Alencar, escreveu 04 peças teatrais. A peça teatral “Aos olhos de um anjo” fora alvo de críticas e censura e José de Alencar esboçou o seu descontentamento com o gênero dramático.
Segundo Alencar (apud Rezende, 2011 p. 207):
Esqueci-me porém que tinha contra mim um grande defeito, e era ser a comédia produção de um autor brasileiro e sobre costumes nacionais; esqueci-me que o véu que para certas pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira, rompia-se quando se tratava de esboçar a nossa própria sociedade. (ALENCAR APUD REZENDE, 2011 p. 207)
Alencar deixou claro que ainda a imagem do autor nacional é inferior a figura dos clássicos europeus. 
Mas foi no romance que José de Alencar se destacou, principalmente, no chamado romance indianista. Inicia-se com a figura de Peri, o herói nacional, em 1857, com a publicação de “O Guarani”. A narrativa conta a história do amor de Peri pela bela Cecília, filha de um colonizador português. Neste romance observa-se os traços clássicos do movimento literário romântico, como uma história de amor que traz consigo os obstáculos a sua concretização e temos ainda a figura do índio Peri apaixonado por Cecília, uma plena manifestação do lirismo e da idealização do romantismo. 
Seguindo a tradição literária romântica que visa o resgate da figura do índio nacional, tem-se a publicação de Iracema, em que se apresenta a lenda de fundação do atual Estado do Ceará. Neste romance, a figura principal é Iracema, jovem da tribo dos tabajaras que relaciona-se com Martim, um dos colonizadores portugueses que aportam na região, que enamora-se por Iracema. 
Além destes romances de cunho indianista, Alencar procurou em sua obra descrever todo o território nacional como em O Gaucho (1870), O tronco do Ipe (1871), Til (1872) e o Sertanejo (1875), em que percebe-se claramente a mudança do ambiente urbano da capital nacional do império para um ambiente mais interiorano com características regionais. 
Após vasta publicação no meio literário nacional, com mais de vinte e um romances, José de Alencar morre em 1877, aos 48 anos de idade, vítima de tuberculose, na cidade do Rio de Janeiro, deixando seis filhos. 
2. A Reinvenção do Brasil: O movimento modernista 
A escola literária a qual denominamos de Modernismo está diretamente ligada aos movimentos e contextos sociais e transformações ocorridas no inicio do século XX. Fortemente influenciada pelos movimentos de vanguardas, que estavam diretamente ligadas as mudanças históricas ocorridas na Europa. 
Esses movimentos estéticos influíram na forma de pensar e de agir no contexto histórico-cultural: Cubismo, Futurismo, Expressionismo, Dadaísmo e Surrealismo. 
2.1 – O movimentos vanguardistas
Esses movimentos lançaram manifestos nos quais demonstravam as suas ideias e concepções de pensamento, bem como, definiam estratégias formais para alcançar os ideários das correntes vanguardistas.
Cada uma das vanguardas possuíam um projeto próprio, mas todas possuíam um objetivo em comum: romper com os princípios que sustentavam a produção artística do século XIX, seja, nas artes plásticas, literatura, musica e, concepções culturais. 
Segundo Maria Luiza Abaurre et all (2008, p. 34):
o desafio enfrentado pelos artistas é claro: encontrar uma nova linguagem capaz de expressar a ideia de velocidade, capturar a essência transformadora da eletricidade, o dinamismo dos automóveis. Por esse motivo, toda a produção artística de vanguarda terá um caráter de ruptura, de choque e de abertura. A ruptura se dá com os valores e princípios do passado; o choque, com as expectativas do público. A abertura é marcada pela busca de novos modos de olhar e interpretar a realidade em permanente estado de transformação. (ABAURRE, et all, 2008, P. 34)
Pode-se verificar que a atuação das vanguardas e dos artistas vanguardistas é de rompimento com o status quo artístico cultural. 
2.1.1 – Cubismo
O movimento cubista teve inicio na França, em 1907 e teve no campo das artes plásticas, Pablo Picasso como maior expressão. No campo literário surge com Apollinaire. 
Segundo Willian Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães (2000, p. 336) são característicos dessa estática vanguardista:
Os pintores cubistas opõem-se à objetividade e à linearidade da arte renascentista e da realista. Buscando novas experiências com a perspectiva, procuram decompor os objetos representados em diferentes planos geométricos e ângulos retos...Na literatura, essas técnicas da pintura correspondem à fragmentação da realidade, à superposição e simultaneidade de planos – por exemplo, reunir assuntos aparentemente sem nexo, misturar assuntos, espaços e tempos diferentes. (CEREJA e MAGALHÃES, 2000, p. 336)
2.1.2 – Futurismo
Defendido pelo italiano Marinetti e tendo inicio em 1909, essa corrente cultural surpreendeu o mundo europeu pelo caráter violento e radical de suas propostas. 
Para Cereja e Magalhães (2000, p. 338) o futurismo apresenta algumas das seguintes ideias:
o menosprezo à mulher e a exaltação da guerra (considerada um meio para ‘limpara’ o planeta, livrando-o dos mais fracos), anteciparam ideologicamente aquilo que seria o fascismo italiano nas décadas de 1930-1940. Como confirmação, temos o fato de que nessas décadas Marinetti se aproximou de Mussolini, e o futurismo passou a ser uma espécie de arte oficial do fascismo italiano. (CEREJA E MAGALHÃES, 2000, p. 338)
2.1.3 – Expressionismo
Esse movimento artístico procura partir da subjetividade do artista para o mundo exterior. 
Para Cereja e Magalhães (2000, p. 339):
Para o artista expressionista, a obra de arte é reflexo direto de seu mundo interior e toda a atenção é dada à expressão, isto é, ao modo como forma e conteúdo livremente se unem para dar vazão ás sensações do artista no momento da criação. Essa liberdade da expressão assemelha-se à que os futuristas pregavam com seu lema ‘palavras em liberdade. (Cereja e Magalhães, 2000, p. 339)
2.1.4 – Dadaísmo 
Esse movimento teve como ponto de partida a instabilidade, o medo e a revolta provocados pela Primeira Guerra Mundial e pretendida ser uma resposta nítida à decadência da civilização representada pelo conflito. 
Segundo Cereja e Magalhães (2000, p. 341) o movimento dadaísta “caracteriza-se pela agressividade, pela improvisação, pela desordem, pela rejeição de qualquer tipode racionalização e equilíbrio, pela livre associação de palavras e pela invenção de palavras com base na exploração apenas de seu significante”. 
2.1.5 – Surrealismo
Esse movimento tem inicio na França em 1924 e possuía duas linhas de atuação: experiências criadoras automáticas e o imaginário extraído do sonho.
2.2 – O modernismo no Brasil
O movimento literário a que denominamos de modernismo no Brasil fora uma junção das diversas correntes vanguardistas do inicio do século XX. Com uma linguagem diferenciada e valorização da cultura folclorística nacional o modernismo procurou através da ironia, humor, piada, paródia traçar uma realidade do Brasil. 
Com a Semana de Arte Moderna de 1922 tem inicio no Brasil esse movimento que influenciou a pintura, a música e a literatura, tendo, esta, como principais nomes: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, entre outros. 
2.2.1 – Mário de Andrade: Reinventor do Brasil
Em uma cidade de características ainda provincianas, nasceu em 09 de outubro de 1893, Mario Raul de Morais Andrade, Carlos Augusto de Moraes Andrade e Maria Luísa Leite Moraes Andrade que tornou-se um dos maiores nomes da literatura nacional, sendo, inclusive, um dos mentores da Semana de Arte Moderna de 1922 e introdutor do movimento modernista no Brasil, que inovou as diversas maneiras de se ver a cultura do nacional, criando, figuras históricas como Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. 
Sua obra engloba prosa, poesia, pesquisa e resgate nacional, com o uso de vocabulário diversificado, inventando língua, mudando conceitos. 
Mário de Andrade era um apaixonado pela cidade de São Paulo, onde viveu por quase toda a vida. Tal visão pode ser vista no poema ‘Inspiração”:
São Paulo! comoção de minha vida ...
Os meus amores são flores feitas de original ...
Arlequinal! ... Traje de losangos .... Cinza e ouro ....
Luz e bruma ... Forno e inverno morno ....
Elegâncias sutis sem escândalos , sem ciúmes ...
Perfumes de Paris ... Aryz !
Bofetadas líricas no Trianon ... Algodoal !...
São Paulo comoção de minha vida !
Galicismo a berrar nos desertos da América !
(ANDRADE, Mario de. Pauliceia Desvairada. In: Poesias completas. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1987, p. 83)
Além disso, viajou pelo território brasileiro na busca incessante de manifestações folclóricas e musicas que demonstravam a cultura do país. Outro campo em que houve grande aprofundamento dos estudos de Mario, fora a língua “brasileira” em contraponto a língua portuguesa. Para Mário havia-se uma necessidade de se entender a gramática brasileira com a incorporação de falares regionais e neologismos sintáticos. 
Sua primeira obra publicada fora “Uma Gota de Sangue em Cada Poema”, publicado em 1917, ano da morte de seu pai e de contato com a obra de Anita Malfatti. É também em novembro deste ano que inicia uma grande amizade com Oswald de Andrade. 
Com a junção de Anita Malfatti, Oswald de Andrade e Mario de Andrade da-se o pontapé inicial para a formação de um novo núcleo de interesse estético, que culminaria em 1922 com a Semana de Arte Moderna.
Em 1921, Mario de Andrade publica um livro de poema intitulado Pauliceia Desvairada. Segundo Selomar Claudio Borges (2011):
 “os poemas de Paulicéia desvairada, contrariando os que veem somente o seu sabor localista e dentro de um tempo moderna e modernista, em um tempo que são tempos. Com isso, com pensadores que tendem à contemporaneidade, esta vista aqui como entrelaçamento de discursos no tempo agora”. (BORGES, 2011, p.92)
Neste mesmo sentido, Sergio Miceli (2012) aponta que: 
A cidade de São Paulo recriada por Mário de Andrade faz ressoar a presença avassaladora do imigrante italiano e elege como sítio privilegiado a região do centro histórico, na qual se concentram os escritórios dos grandes bancos e empresas industriais, o prédio da Bolsa de Valores, o Clube Comercial, os viadutos, evocando assim os pilares das transformações em curso(...). As comunidades das etnias “comerciais” – judeus, sírios, libaneses, armênios – se espalham num cinturão alargado em torno do vértice financeiro – o Brás e a Mooca dos italianos, o Bom Retiro dos judeus – em contraste com os recén-fincados redutos residenciais da aristocracia agrária e dos atirados capitães de indústrias, a nata emergente com mansões edificadas nos bairros de Higienópolis e avenida Paulista. (MICELI, 2012, p.39 e 40)
Nesta obra, Mario alerta para um novo estilo de literatura, um novo movimento literário denominado de Modernismo. 
Este movimento tem inicio no Brasil após a Semana de Arte Moderna de 1922, que tinha por objetivo representar a confluência das várias tendências de renovação que, empenhadas em combater a arte tradicional, vinham ocorrendo na cultura brasileira antes de 1922. A semana ainda conseguiu chamar a atenção dos meios artísticos de todo o país e, ao mesmo tempo, aproximar artistas com ideias modernistas que até então se encontravam dispersos. 
Neste importante evento, Mário declama seu poema Ode ao Burguês em que atesta sua completa rejeição aos padrões sociais estabelecidos pelos costumes e pela tradição literária imposta, principalmente, pelos poetas parnasianos. 
Nos poemas de Pauliceia Desvairada (1921), Losango Caqui (1926), Clã do Jabuti (1927), entre outros, os versos livres exprimem sensações, ideias, momentos de vida. 
Além de poesias, Mário de Andrade, publicou livros em prosa, entre eles: Amar, verbo intransitivo (1927), que choca a burguesia paulistana com a história de Carlos, um adolescente de família tradicional iniciado nos prazeres do sexo pela sua tutora, contratada por seu pai exatamente para essa tarefa. 
Para Shirley Souza Gomes Carreira (2002, p. 46) o romance de Mário de Andrade, “Amar, Verbo Intransitivo” é uma metanarrativa pois
“é uma forma textual de autoconsciência do processo do narrar que revela a ficção como artefato, como um construto do autor. [...] Por ter trânsito livre entre o real e o imaginário, ela invade o mundo aparentemente autônomo da estória, estabelecendo relações dialógicas constantes, que conduzem o leitor a perceber a obra não como produto mimético, mas como o resultado da interpretação dos discursos do real”. (CARREIRA 2002, p. 46)
Posteriormente, em 1928, publica o romance Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Esse romance Mário renova a imagem do herói brasileiro, traçado pela escola romântica, o índio. No percorrer da história, Macunaíma é uma personagem que se transforma a cada instante, assumindo as feições de diferentes etnias que deram origem ao povo brasileiro (índio, negro e europeu). 
Mário de Andrade, após vasta produção cultural, morre em sua casa em São Paulo, em 25 de fevereiro de 1945, vítima de um infarto. 
3. O diálogo entre as palavras: o mundo intertextual
A concepção de literatura e do fazer literário se faz presente em cada argumentação ou provocação discursiva, seja, através da oralidade ou através da própria produção textual que invadem a nossa linguagem. Diante disso, ao analisar o texto bíblico, por exemplo, presente em Eclesiastes, capitulo 1, versículo 9, tem-se que “o que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol”(. A estrutura frasal apontada demonstra a necessidade de analisar-se que o arcabouço da linguagem e de suas expressões remetem a um processo constante de intertextualidade, assimilando, diante disso, fatores históricos, de linguagem, de estilo, entre outros. 
 Essa discussão faz-se necessária, para que se possa entender a importância das relações intertextuais nas obras de José de Alencar e Mário de Andrade. O primeiro ao idealizar a figura do índio, como o Bom Selvagem e o segundo ao figurar a imagem do antigo herói nacional, o índio, em um ser “sem nenhum caráter”. Além disso, os textos se entrelaçam na construção nacional, relembrando lendas e costumes de povos, para a formação de uma sociedade brasileira. 
3.1 – Intertextualidade
Para iniciar essa discussão sobre o diálogo entre os textos é interessante observar os apontamentosde Roland Barthes (1974, p. 456)
“o texto redistribui a língua. Uma das vias desta desconstrução é permutar textos, farrapos de textos que existiram ou existem Em volta do texto considerado e finalmente dentro dele; todo o texto é um intertexto; outros textos estão presentes nele, em diversos níveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis”.
A indicação do termo intertextualidade refere-se diretamente a situação de relações estabelecidas entre os textos. Isso indica que na produção de um texto o nexo casual reflete que todos os textos utilizam-se do processo intertextual, pois para serem produzidos utilizou-se de palavras que já viram ou ouviram anteriormente. Portanto, a ideia de texto “original” está cada vez mais tomando proporções diversas, uma vez que, nenhum autor inicia-se do nada, mas de algum texto. 
Para ilustrar claramente essa concepção, João Cabral de Melo Neto, autor pernambucano da Terceira Geração Modernista no Brasil, traça em breves palavras de seu poema retirados do livro A Educação pela Pedra (1997):
Tecendo a Manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes 
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos.
(MELO NETO, 1997a,)
Utilizando-se da figura do galo, o poeta demonstra a necessidade de relação do autor com o universo literário para se construir o texto, ou seja, um texto é a junção de diversos elementos que se concretizam na obra textual e literária. 
O poeta e escritor Mário de Andrade em seu Prefácio Interessantíssimo aponta que o texto não é uma entidade estável e sim em contínuo processo, conforme pode-se verificar na afirmação de que “sinto que o meu copo é grande demais para mim, e inda bebo no copo dos outros”. (ANDRADE, 1979, p. 07)
Segundo Machado (2011, p. 89), o texto:
“se constrói como um mosaico de citações, pois absorve e transforma uma multiplicidade de outros textos. Em todo texto, encontramos um discurso polifônico, isto é, várias vozes, várias melodias que se desenvolvem independentemente, mas dentro de uma mesma tonalidade que evidencia, por fim, a mensagem. No entanto, essa mensagem só é entendida em toda plenitude se o interlocutor conhecer os textos e ensinamentos que deram origem àquele outro em questão. Passar por cima ou olvidar as referencias intertextuais contidas em qualquer contexto pode tornar o texto pobre e até mesmo sem sentido”. 
Logo, a intertextualidade pressupõe a criação de novos sentidos e de uma releitura na reorganização de textos já existentes. Há uma mudança semântica do objeto artístico. 
Diante disso, é necessário entender que o processo intertextual possui desdobramentos, entre eles, a paródia.
3.1.1 – Paródia 
A paródia é uma produção intertextual na qual ocorre uma desconstrução da imagem anterior. Nesta desconstrução é mantida praticamente a mesma forma, pois são esses os resquícios que vão estabelecer as pontes de significação. No entanto, o texto parodístico faz uma representação daquilo que havia sido outrora apresentado. É uma maneira diferente de ler o convencional, libertando o discurso para uma consciência crítica e, por vezes bem humorada. 
Esse conceito intertextual pode ser visto e reafirmado nos apontamentos de Massaud Moisés, apud Medeiros (2000) apontam que “Paródia é o nome que se dá a toda composição literária que imita o tema ou a forma de uma obra séria, quer explorando aspectos cômicos, que expondo aspectos satíricos. Seu objetivo é ridicularizar um estilo ou uma tendência dominante”.
Pode-se perceber que o fato de utilizar a paródia na construção de um texto é um elemento importante para a compreensão dos novos estilos literários pós Semana de Arte Moderna em 1922. 
Contextualmente a história, o termo paródia esteve associada à antiguidade como uma contracanção, ou seja, era uma canção que imitava e voltava-se para outra canção, com o objetivo de satirização, ou seja, de perversão ao sentido original. 
Ou seja, não é uma deturpação do tema, mas sim uma extrapolação da ideia inicial, com o acréscimo de figuras estilísticas, principalmente, a ironia. Tal fato é visivelmente visto no romance Macunaíma de Mario de Andrade em que ocorre a sátira da figura do herói nacional da escola romântica. 
A paródia trabalha com uma argumentação ideológica, pervertendo o que foi dito anteriormente, questionando, criticando ou negando os modelos pré-concebidos. Pode-se observar tal constatação nos seguintes poemas:
Poema de Sete Faces, segundo Carlos Drummond de Andrade
Quando nasci, um anjo torto 
desses que vivem na sombra 
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
(ANDRADE, 2003). 
Por outro lado, ao que chamamos que licença poética, Adélia Prado compõe:
Com licença poética, Adélia Prado
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
(...)
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
(PRADO, 1993)
Pode-se perceber que a autora mantém a mesma forma construída do texto, mas modifica substancialmente o seu contexto, a essência do texto, característica da paródia. 
Observa-se que em ambos os poemas o uso da primeira pessoa se faz presente, além, é claro, da figura do anjo, de um lado “torto” e do outro “esbelto”. 
Segundo Lopes (2014, p. 12) atesta que:
No “Poema de Sete Faces”, o eu-lirico é apresentado como injustiçado diante do mundo e do abandono de Deus, no qual, a fala do anjo é posta: “vai Carlos ser gauche na vida”. Ao passo que, no poema “Com licença poética”, o eu-lírico é apresentado como um sujeito com missão a realizar, conforme a previsão do “anjo esbelto”.
Nota-se que os dois poemas apresentam a mesma temática, pautada por um sentimento de insatisfação com a realidade da qual faz parte, através dos sentimentos de indiferença, solidão e abandono. Isso tudo causado por desilusões vivenciadas por eles (o eu-líricio). É certo que os poemas apresentam pontos afins, tais como a forma autobiográfica, a noção de insatisfação experimentada, com foco para o abandono e a solidão. Entretanto, o primeiro é de autoria masculina e trás um eu-lírico masculino, o segundo é de autoria feminina e trás um eu-lírico também feminino, o que de antemão já justifica a constituição de uma visão diferente de mundo. (LOPES, 2014, p.12)
A intertextualidade é tão presente no poema, que, no final, tem-se a ideia de que o texto de Adélia dialoga com Drummond, apesar de apresentarem pontos em comum, ambos os textos se contrapõem na visão de mundo, seja uma, partindo da visão do universo feminino e com isso a possibilidade de superação, seja, o outro visto pelo olhar masculino que é diretamente influenciado por seus desejos.
A paródia, por outro lado, não pode ser vista como uma simples representação humorística de algo anteriormente escrito. Do ponto de vista da psicanálise a representação assume uma nova diretriz que é de re-apresentação, conforme nos aponta Affonso Romano de Sant’Anna (1985), ou seja, é trazer a tona elementos que estavam ocultos na primeira escrituração. 
Segundo Sant’Anna (1985, p. 31) o texto paradisíaco “faz é exatamente uma re-apresentação daquilo que havia sido recalcado. Uma nova e diferente maneira de ler o convencional. É um processo de liberação do discurso. É uma tomada de consciência crítica”. 
Logo, pode-se verificar que a paródia possui por base a constituição de um novo olhar, diferentemente de outros recursos estilísticos como a paráfrase. Na paródia o olhar intertextual é essencialmente voltados para a consecução de uma análise invertida ou oculta do que está escrito nos recursos linguísticos e nas suas diversas manifestações. 
Ainda Sant’Anna (1985, p. 29) “a paródia foge ao jogo dos espelhos denunciando o próprio jogo e colocando as coisas fora de seu lugar “certo””. Ou seja, a função da paródia é levar ao leitor uma nova vertente sobrealgo já abordado, utilizando-se de figuras de linguagem como metáforas, ironia, catacrese, entre outras figuras estilísticas. 
É importante que se ressalte que o texto paradisíaco é uma reinterpretação de produções já escritas e, é um dos elementos, mais utilizados durante a primeira geração modernista, haja vista, produções como de Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, que buscavam “abrir os olhos” da população para a realidade do país, saindo-se da visão idealizada e constituída ideologicamente nas escolas literárias anteriores, em especial, a primeira geração do Romantismo, que criou uma imagem surreal do Brasil, como país perfeito, em que as relações sociais constituíam-se como fragmento da idealização do amor, dos heróis nacionais, como se estes não possuíssem defeitos. Também vão ao encontro do pragmatismo e formalismo da escrita dos poetas parnasianos. 
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