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Aluizio Lendl Maria Lidiane de Sousa Pereira Rakel Beserra de Macêdo Viana Percursos linguísticos e ensino de línguas COLEÇÃO ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS Cada volume desta coleção promove um rico debate teórico-metodológico a respeito do complexo processo de ensino e aprendizagem de línguas. As discussões estão sustentadas a partir de abordagens (in)disciplinares, mestiças e nômades, esses estudos se dão nos mais diversos contextos e têm potencial para enriquecer distintos olhares sobre a temática, uma vez que ousam pensar de forma diferente. Conselho editorial Prof. Dr. Fábio Marques de Souza (UEPB, Brasil) Profa. Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentina) Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri-Kaneoya (UNESP, Brasil) Comitê científico da obra Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani (USP). Profa. Dra. Cristina Bongestab (UEPB). Profa. Dra. Cristiane Navarrete Tolomei (UFMA). Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus (UFMT). Profa. Dra. Eliete Correia dos Santos (UEPB). Prof. Dr. Ivo Di Camargo Junior (SME-Ribeirão Preto-SP). Prof. Dr. José Alberto Miranda Poza (UFPE). Prof. Dr. Maged Talaat Mohamed Ahmed Elgebaly (Aswan University). Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri-Kaneoya (UNESP). Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentina). Profa. Dra. Maria Manuela Pinto (Universidade do Porto). Profa. Dra. Mona Mohamad Hawi (USP). Prof. Dr. Nefatalin Gonçalves Neto (UFRPE). Profa. Dra. Rosa Ana Martín Vegas (USAL, Espanha). ALUIZIO LENDL MARIA LIDIANE DE SOUSA PEREIRA RAKEL BESERRA DE MACÊDO VIANA (ORGANIZADORES) PERCURSOS LINGUÍSTICOS E ENSINO DE LÍNGUAS Copyright © dos autores Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida ou arquivada, desde que levados em conta os direitos dos autores. Aluizio Lendl, Maria Lidiane de Sousa Pereira, Rakel Beserra de Macêdo Viana [Organizadores]. Percursos linguísticos e ensino de línguas. São Paulo: Mentes Abertas, 2019, 130 p. ISBN 978-65-80266-14-2 1. Linguística 2. Ensino de Línguas. 3. Linguagens. 4. Ensinar. 5. Aprender. I. Título. CDD 410 Capa: Lucas de França Nário Oliveira http://www.mentesabertas.com.br/ SUMÁRIO Prefácio .................................................................................................................................... 5 Cássio Florêncio Rubio Apresentação ......................................................................................................................... 8 Michelle Soares Pinheiro A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ENEM: UMA BREVE ANÁLISE DE PROVAS DE LÍNGUA PORTUGUESA ...................................................................................................... 10 Cassio Murilio Alves de Lavor Rakel Beserra de Macêdo Viana APONTAMENTOS SOBRE A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA MÍDIA DIGITAL: A (RE)PRODUÇÃO DE DISCURSOS DE AUTORIDADE E AS INFLEXÕES NO ÂMBITO EDUCACIONAL ................................................................................................... 30 Alberto Lopo Montalvão Neto Francisco Vieira da Silva Éderson Luís Silveira COMPORTAMENTO VARIÁVEL DA CONCORDÂNCIA VERBAL DE 3ª DO PLURAL E ALGUMAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS ................................................................. 43 Maria Lidiane de Sousa Pereira Aluiza Alves de Araújo Brenda Kathellen Melo de Almeida ESPANHOL COMO LE NOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DO ENSINO MÉDIO INTEGRADO DO IF SERTÃO-PE: UMA ANÁLISE DISCURSIVA ............................... 57 Kélvya Freitas Abreu Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa LETRAMENTO: LEITURA E ESCRITA COMO PRÁTICAS SOCIODISCURSIVAS DE LINGUAGEM E DE INTER(AÇÃO) ................................................................................... 67 Marcos de França Cláudia Rejanne Pinheiro Grangeiro UM ESTUDO SOBRE A MEGAESTRUTURA MULTIMODAL DO MERRIAM- WEBSTER: VISUAL DICTIONARY ONLINE .................................................................... 82 Aluizio Lendl José Marcos Rosendo de Souza Antônio Luciano Pontes O ENSINO DE LITERATURA MEDIADO PELO PROJETO “ESCOLA-CASA DE LEITORES” ............................................................................................................................ 93 Cássia da Silva Antônia Cândido de Souza Maria Lúcia Pessoa Sampaio O METADISCURSO INTERACIONAL EM ARTIGOS CIENTÍFICOS DA ÁREA DE ECONOMIA ......................................................................................................................... 110 Antônio Luciano Pontes Evandro Gonçalves Leite José Juvêncio Neto de Sousa SOBRE OS ORGANIZADORES ........................................................................................ 123 SOBRE OS AUTORES ........................................................................................................ 124 5 PREFÁCIO No tocante às competências relacionadas à linguagem a serem desenvolvidas no âmbito escolar, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), publicada em sua última versão no ano de 2017, reitera o que já se apontara de forma bastante clara nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), datados do final do século XX, qual seja a necessidade da compreensão da linguagem como “construção humana, histórica, social e cultural”, sendo reconhecida como meio de expressão da subjetividade e identidade. O documento destaca a importância do conhecimento e da exploração das mais variadas práticas de linguagem como meios de construção de uma sociedade “justa, democrática e inclusiva” e menciona o papel fundamental dessa habilidade humana para a “defesa de pontos de vista e para o respeito ao outro e a promoção dos direitos humanos, da consciência socioambiental” e a atuação crítica do indivíduo frente a questões do mundo contemporâneo. Concernente especificamente a esse último ponto, a BNCC defende como competência específica a ser desenvolvida o reconhecimento e respeito “à diversidade de saberes, identidades e culturas”, com a aquisição de uma “postura crítica, reflexiva e ética”, nas mais diversas práticas sociais mediadas por diferentes linguagens. As competências da linguagem mencionadas nos documentos oficiais se relacionam intimamente com o que se tem desenvolvido no âmbito dos estudos científicos da linguagem, nas mais variadas correntes e perspectivas teóricas que, longe de se chocarem, complementam-se, proporcionando diferentes “pontos de vista” sobre o mesmo objeto, como já anunciara Saussure, há mais de um século. Pontos de vista esses que permitem uma visão ampla, completa e complexa dessa atividade exclusivamente humana. Nesse contexto, os trabalhos acadêmicos desenvolvidos se constituem em fonte fundamental de subsídio para o que preconizam as diretrizes e parâmetros da área de Linguagens. É justamente com base na correlação possível (e necessária) entre os estudos da ciência linguística e o ensino de línguas que se reúne, nesta obra, uma série de frutíferos trabalhos desenvolvidos a partir de diferentes abordagens teóricas, as quais apresentam resultados de pesquisas ou reflexões sobre a relação essencial e imprescindível entre os inúmeros componentes da linguagem verbal e o contexto escolar. O livro Percursos linguísticos e Ensino de Línguas, organizado por Aluizio Lendl, Maria Lidiane de Sousa Pereira e Rakel Beserra de Macêdo Viana, muito além de se constituir em mais uma relevante ferramenta para estudantes e pesquisadores da área dos estudos da linguagem, evidencia a importânciae a legitimidade do pensamento acadêmico e científico como único meio para a construção do conhecimento. As experiências dos autores, pesquisadores com sólida formação nas mais renomadas universidades do país e atuantes em diversos contextos escolares, comprovam, em cada um dos oito capítulos de que se compõem esta obra, a indissociável relação entre os fundamentos teóricos da linguística e a prática docente no ensino de línguas, permeada sempre pelo contexto social, cultural, político e histórico dos usuários das línguas naturais. Já no primeiro capítulo, apresenta-se uma análise que trata de fenômenos de variação linguística evidenciados em provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com pesquisa de cunho Variacionista, que opõe os Parâmetros 6 Curriculares Nacionais (PCN), os objetivos específicos da Competência 8 da Matriz Curricular do Enem, no que concerne ao conhecimento do aluno acerca da língua portuguesa e de suas variedades, à prova do Enem aplicada entre 2013 e 2018. Os resultados desse comparativo, revelados ao final do capítulo, irão apontar, dentre outras questões, se o Exame tem abordado, de forma satisfatória, temáticas relacionadas à variação linguística, como preceituam os PCN e a Matriz Curricular da prova. O segundo capítulo trata da compreensão do posicionamento de discursos de divulgação científica presentes na mídia digital, com base no viés teórico de diferentes autores da Análise do Discurso. A investigação dos autores desse capítulo coloca em debate a imagem do cientista como ser iluminado e a ciência como inefável e transformadora, a considerar que esses sujeitos se integram à sociedade, influenciando-a e sendo por ela influenciados. No terceiro capítulo desta obra, discute-se, com base nos pressupostos teóricos da Sociolinguística, um tema bastante presente dentro e fora do ambiente acadêmico e escolar do ensino de língua portuguesa, a variação na concordância verbal de terceira pessoa do plural no português brasileiro e suas implicações pedagógicas. As autoras proporcionam, neste capítulo, importante debate sobre a vivacidade do fenômeno variável, com atuação de diferentes fatores de ordem social e linguística, e apontam, em suas conclusões, a relevância da consideração de uma prática pedagógica que considere aspectos sociais e científicos envolvidos no emprego das variantes linguísticas. Em seu quarto capítulo, a obra conta com uma análise discursiva que tem como foco a proposta dos projetos pedagógicos de curso (PPC’s) do Ensino Médio para o ensino de Espanhol como língua estrangeira, buscando verificar a orientação apontada nesses documentos institucionais para a prática docente. No desenvolvimento da discussão, destaca-se o comparativo crítico das pesquisadoras entre o que preceituam os documentos oficiais governamentais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), os PCN, as Orientações Curriculares do Ensino Médio (OCEM) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, e entre o que figura nos PPC’s considerados na pesquisa. Com base em uma abordagem sociodiscursiva, o quinto capítulo do livro trata do processo de letramento como prática social e discursiva que permite o emprego da leitura e escrita de forma crítica e torna o indivíduo um sujeito. Os autores debatem, ao longo de seu texto, as consequências da formação de indivíduos alfabetizados ou de leitores/escritores proficientes na produção de gêneros textuais reais. O sexto capítulo desta obra, propõe um estudo centrado nas representações conceituais analíticas em verbetes ilustrados online, por meio da exploração de dicionários eletrônicos ilustrados. Com base na Teoria da Multimodalidade, a partir da Gramática do Design Visual, os pesquisadores debatem aspectos relacionados à organização composicional interna dos verbetes, com destaque para sua construção de sentido. No sétimo capítulo, são apresentados os resultados do Projeto “Escola- casa de leitores”, que visa, por meio do trabalho com obras literárias indicadas no vestibular da Universidade Regional do Cariri, contribuir na preparação dos participantes para o exame vestibular. O debate desenvolvido ao longo do capítulo evidencia uma visão crítica dos problemas que envolvem a leitura dentro e fora da escola e da diversidade temática das obras literárias. Além disso, expõe uma 7 proposta metodológica para o estudo da literatura, com o estabelecimento da relação entre escola e casa e a formação de leitores críticos. O último capítulo desta obra volta-se para pesquisa realizada com artigos científicos da área da Economia, com análise dos usos e funções do metadiscurso interacional. A discussão empreendida ao longo do texto permite a comprovação científica de quais recursos metadiscursivos são mais empregados na área do conhecimento considerada. Essas estratégias revelam características do contexto de produção e dos produtores e podem subsidiar pesquisas em outros contextos discursivos, acadêmicos e não acadêmicos. Este é um livro que permite ao leitor o contato com rica pluralidade de pesquisas vinculadas aos estudos linguísticos, as quais possuem em comum a relação imprescindível entre o saber acadêmico e a prática docente, ou, em outras palavras, o trabalho com a linguagem verbal no contexto escolar. Os textos que aqui se apresentam filiam-se a diferentes áreas, teorias, perspectivas e abordagens, como a Sociolinguística, a Análise do Discurso, a Teoria da Multimodalidade, o Estudo do Metadiscurso e até mesmo o emprego da literatura para a formação do leitor crítico, entretanto se coadunam em um ponto essencial, o ensino de línguas, visto como um processo contínuo, que se inicia nos primeiros anos de vida de um ser humano e segue por toda a sua vida, com a leitura e a produção de gêneros mais complexos, ligados ou não ao ambiente acadêmico. Uma excelente leitura a todos e a todas. Prof. Dr. Cássio Florêncio Rubio Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira Redenção-CE, 2 de maio de 2019. 8 APRESENTAÇÃO O livro “Percursos linguísticos e ensino de línguas” trouxe grandes contribuições no campo teórico da linguística, por meio de reflexões, questionamentos e inquietações, as quais esmiúço a seguir: Cassio Murilio Alves de Lavor e Rakel Beserra de Macêdo Viana deram relevância ao caráter heterogêneo e flexível da língua portuguesa por meio de uma análise minuciosa de como as provas do ENEM fomentam a variação linguística. Os autores concluíram que, entre os anos 2013 e 2018, cerca de 16,7% das questões de Língua Portuguesa abordava o fenômeno da variação linguística, o que evidencia o respeito aos documentos oficiais de ensino e um compromisso sociopolítico em prol da diversidade linguística. Alberto Lopo Montalvão Neto, Francisco Vieira da Silva e Éderson Luís Silveira analisaram, em linhas gerais, algumas das maneiras pelas quais a mídia contribui para produções/caracterizações identitárias, onde várias formas são assumidas pelos sujeitos dos meios de comunicação, reverberando discursos inerentes às posições em que falam, de suas Formações Discursivas (FD) típicas. Além disso, os autores também abordam a forma autoafirmativa e o caráter de verdade imposto pelo discurso midiático, em um conflitante jogo ideológico. Maria Lidiane de Sousa Pereira, Aluiza Alves de Araújo e Brenda Kathellen Melo de Almeida analisaram o comportamento variável da concordância verbal da 3ª pessoa do plural. As autoras perceberam que o uso da variante analisada sofre um estigma social como também não ocorre de forma aleatória nem é resultado da falta de conhecimentos verbais por parte dos falantes. Ou seja, para as pesquisadoras, a variante em questão se localiza especificamente na atividade linguageira dos fortalezenses. O que demanda uma intervenção pedagógica nos ambientes educacionais a fim de se amenizar os valoressimbólicos discriminatórios em nossa sociedade. Kélvya Freitas Abreu e Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa analisaram a relação entre as prescrições governamentais e os projetos pedagógicos de cursos (PPC’s) do Ensino Médio Integrado do IF Sertão-PE. As autoras constataram que se faz pertinente reformular esses PPC’s com a finalidade não somente de aproximá- los aos documentos governamentais como também de relacioná-los de forma mais contundente à pedagogia dos (multi)letramentos e ao dialogismo bakhtiniano. Dessa forma, segundo as autoras, a aula de Língua Espanhola poderia instigar um posicionamento crítico e um engajamento discursivo por parte dos discentes. Marcos de França e Cláudia Rejanne Pinheiro Grangeiro analisam as diferenças teóricas entre alfabetização e letramento. Os autores consideraram alfabetização como um processo necessário para se atingir o letramento, este último visto como práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. A partir dessa distinção, para os pesquisadores, a escola deve assumir a responsabilidade de desenvolver práticas de letramento a fim de sensibilizar os estudantes a serem cidadãos politicamente ativos e agentes de mudanças sociais por meio da 9 língua(gem). Aluizio Lendl, José Marcos R. de Souza e Antônio Luciano Pontes, com base na Gramática do Design Visual e nos fundamentos teóricos da Lexicografia, analisaram a organização composicional interna da megaestrutura do dicionário visual online Merrian-Webster. Os autores concluiram que predomina a relação de coesão e coerência intersemiótica entre as definições verbais e imagéticas na megaestrutura do dicionário analisado, além de haver muitas representações conceituais analíticas com o objetivo de sistematizar a exposição dos elementos verbo- imagéticos e seus componetes fundamentais. Cássia da Silva, Antônia Cândido de Souza e Maria Lúcia Pessoa Sampaio alertaram para a necessidade de formar leitores de obras literárias dentro e fora do contexto escolar (neste caso, intermediado pelo projeto “Escola-Casa de Leitores”) com o intuito de (re)pensar uma metodologia para desenvolvimento ou aprimoramento da competência leitora. Dessa forma, os estudantes teriam mais condições de construir interpretações textuais com viés crítico acerca das mais variadas questões sociopolíticas presentes nas obras literárias. Antônio Luciano Pontes, Evandro Gonçalves Leite e José Juvêncio Neto de Souza discorreram sobre usos e funções do metadiscurso interacional em artigos científicos do âmbito da Economia por intermédio de uma abordagem quantiqualitativa. Os autores identificaram que os recursos metadiscursivos mais empregados nos textos analisados foram os marcadores de engajamento e os atenuadores. Os pesquisadores destacaram ainda que os membros da área da Economia demonstram interesse de modalizar seu discurso e de envolver o leitor no texto. Diante do exposto, indico a leitura apurada dos artigos deste livro por acreditar na relevância social e acadêmica dos conteúdos aqui elencados e por sentir que o atual momento sociopolítico brasileiro demanda leituras, intervenções e análises que transcendam os limites da criticidade. Penso que, somente por meio de uma pedagogia crítica e engajada, poderemos nos motivar para agir de maneira concreta contra todo e qualquer autoritarismo e preconceito sociodiscursivo seja na escola, na universidade ou na comunidade. Profa. Michelle Soares Pinheiro Instituto Federal do Ceará 10 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ENEM: UMA BREVE ANÁLISE DE PROVAS DE LÍNGUA PORTUGUESA Cassio Murilio Alves de LAVOR Rakel Beserra de Macêdo VIANA Introdução A base da sociolinguística está ancorada no pensamento de Weinreich, Labov e Herzog (2006) que nos apresentaram a noção de heterogeneidade linguística, afirmando que a língua se trata de um sistema heterogêneo, contrário à ideia de uma língua como sistema fechado, fixo e homogêneo. A língua é, na verdade, um sistema de regras variáveis e categóricas que dão conta da sistematização de um possível ou aparente “caos” linguístico. Essa concepção ganhou força e conseguiu adeptos em todo o mundo, mas nem sempre foi assim, pois, principalmente, por se considerar, anteriormente, a língua um sistema homogêneo, o estudo das variações não despertava o interesse dos estudiosos da língua. Os estudos sociolinguísticos encontraram terreno fértil para a análise de diversos fenômenos e para a conscientização da variação linguística no português brasileiro (doravante PB), além da luta em desmistificar muito preconceito linguístico em relação a diversos falares no país. No âmbito educacional, os documentos oficiais da educação, assim como os programas dedicados ao ensino básico no país, trazem diretrizes que orientam escolas, professores e demais atores da educação, a contemplarem a variação linguística e reconhecerem a diversidade do PB, com a perspectiva de erradicar o preconceito linguístico na sociedade brasileira. Dessa forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) reconhecem a variação linguística como inerente à língua e, quanto ao tratamento a ser atribuído às variedades linguísticas nos PCN de Língua Portuguesa, salienta-se a necessidade de se reconhecer que nosso país apresenta uma unidade linguística que é constituída por muitas variedades, sendo que “o uso de uma ou outra forma de expressão depende, sobretudo, de fatores geográficos, sócio econômicos, de faixa etária, de gênero (sexo), da relação estabelecida entre os falantes e do contexto de fala” (BRASIL, 1998, p. 29). A partir das recomendações oferecidas pelos PCN e da verificação de sua aplicabilidade nos livros didáticos recomendados pelo MEC, através do Plano Nacional de Livros Didáticos (PNLD), surge uma dúvida quanto à cobrança da variação linguística nas provas anuais do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem): o exame vem contemplando o fenômeno da variação linguística, conforme recomendado pelos PCN, em suas avaliações na área de Linguagens e Códigos? E quanto essa participação representa na totalidade das questões? Para responder a essas questões, outros pesquisadores já buscaram respostas baseadas em exames anteriores do Enem, como Andrade (2015), Andrade e Freitag (2016a, 2016b), e Bagno (2015) que realizaram análises anteriores ao ano de 2012 e Silva Jr. (2018), que trouxe questões de aplicações mais recentes do exame. Em todos esses estudos, a análise voltava-se para 11 questões que continham a abordagem variacionista de forma mais específica, ou seja, como conteúdo solicitado pela questão. A presente pesquisa objetiva analisar a presença de fenômenos de variação linguística na língua portuguesa na prova do Enem. Pretende-se examinar questões apresentadas nos últimos seis exames, ou seja, o interstício entre 2013 a 2018, especificamente, aquelas que pretendem avaliar o conhecimento do aluno acerca da Língua Portuguesa e suas variedades e registros, objetos específicos da Competência 8 da Matriz Curricular: “Competência de área 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade” (BRASIL, 2009, p. 60). Para isso, propomos analisar as questões por dois prismas: aquelas que tratam de forma específica do conhecimento da variação linguística e aquelas questões que trazem a variação linguística de maneira não específica na questão. Dividimos este trabalho em seis seções, a partir desta introdução, trazemos uma breve apresentação dos PCN e suas considerações sobre o ensino de linguagens e códigos; em seguida, um conciso histórico sobre o ENEM. A quarta parte da pesquisa traz alguns trabalhos que analisaram o fenômeno variacionista em exames do Enem; já, na seção seguinte, apresentamos a metodologia usada e o corpus examinado, seguida da análise de questões das provas examinadas e concluímos, por fim, com nossasconsiderações acerca dos resultados apresentados. Os PCN de Linguagens e Códigos Desde a década de 1980 que o ensino de língua portuguesa nas escolas é apresentado como o principal meio para melhorar a qualidade da educação no país, ou seja, segundo os PCN, dominar a língua materna passa a ser uma ferramenta para que o educando possa ter uma participação social plena e concreta, pois é através da língua que as práticas sociais são construídas, que o ser humano pode expressar suas opiniões, defender suas ideias e produzir conhecimentos. Assim, os PCN, criados em função da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96, define-se como uma coleção de documentos que propõe a grade curricular de toda e qualquer instituição educativa de ensino básico no Brasil, elaborado com o propósito de nortear o trabalho docente e as atividades realizadas na sala de aula. Quanto às orientações destinadas à Língua Portuguesa sobre variação linguística, os PCN orientam que: [...] a questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro as diferentes situações comunicativas [...] é saber, portanto, quais variedades e registro da língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige (BRASIL, 1997, p. 31). A partir do exposto, podemos entender que, para os PCN, o sistema educacional precisa valorizar uma educação social, democrática e que contemple 12 as diferenças culturais do educando, proporcionando o acesso real aos saberes linguísticos, para que esses possam exercer sua cidadania, um direito inalienável de todos. É certo que muitas discussões em torno do tema foram promovidas nas universidades do país, o que se refletiu nas mudanças ocorridas nos documentos oficiais de ensino nas últimas décadas, no entanto, podemos observar que muito ainda precisa ser feito para que se observe mudanças nas práticas docentes. Dessa forma, podemos ver que os PCN reconhecem a Língua Portuguesa falada no Brasil como um conjunto de variedades, quando apresenta a variação linguística como sendo: [...] constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em Língua Portuguesa está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades (BRASIL, 1998, p. 29). Os PCN de Língua Portuguesa contemplam a visão variacionista da língua, ao reconhecê-la como algo inerente à língua, e entende a variação como um fenômeno associado a valores sociais, orientando o professor e a escola a cuidar para que não se possa existir, muito menos se produzir e/ou reproduzir, o preconceito linguístico. O trabalho em sala de aula deve valorizar a competência comunicativa, tornando o aluno capaz de interagir com os outros, valorizando as diferenças linguísticas que vão desde questões sociais a questões pessoais, como práticas de linguagens exercidas por jovens adolescentes. Segundo o documento: [...] é preciso considerar o fato de que os adolescentes desenvolvem um tipo de comportamento e um conjunto de valores que atuam como forma de identidade, tanto no que diz respeito ao lugar que ocupam na sociedade e nas relações que estabelecem com o mundo adulto quanto no que se refere a sua inclusão no interior de grupos específicos de convivência. Esse processo, naturalmente, tem repercussão no tipo de linguagem por eles usada, com a incorporação e criação de modismos, vocabulário específico, formas de expressão etc. São exemplos típicos as falas das tribos, grupos de adolescentes formados em função de uma atividade (surfistas, skatistas, funkeiros etc.) (BRASIL, 1998, p. 47). Mesmo considerando a abordagem variacionista vista nos PCN e na proposta do exame, autores como Gonzáles e Stein (2012) apresentam duas ressalvas: a primeira é de que ambos os documentos trazem um tratamento superficial aos conceitos variacionistas; a segunda é de que esses documentos se utilizam de variados termos de áreas distintas da linguística e da linguística aplicada, em que a leitura exige profundo conhecimento de variadas áreas que cooperaram para sua constituição ressalva essa corroborada em Bagno (2015). Ainda segundo Gonzáles e Stein (2012), mesmo que os PCN sejam capazes de fornecer subsídios para uma pedagogia da variação linguística, esses subsídios se apresentam confusos e com pouca aplicabilidade. Por fim, sabemos que os PCN defendem e estimulam o trabalho com a variação linguística, mas é a escola a maior responsável pela oferta de 13 conhecimento sobre a língua e o direcionamento dos alunos à reflexão de que a língua compreende diversas variedades, e que há ocasiões em que cada variedade pode e deve ser usada, afinal, um dos pressupostos da sociolinguística é a adequação das variedades da língua às diversas situações comunicativas dos indivíduos. O Enem: breve histórico A Prova do Enem é uma avaliação do perfil do aluno na conclusão do ensino básico, com o objetivo de oferecer uma referência em relação às diferentes competências construídas pelo mesmo, durante sua escolarização. Esse exame está estruturado sob os conceitos de competências e habilidades que explicitam aptidões básicas e necessárias ao mundo do trabalho e ao ingresso à universidade. A prova do Enem, segundo as orientações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), difere dos tradicionais vestibulares, pois aquele não exige a conhecida “decoreba” de datas, fórmulas e os famosos “bizus”, como esses, uma vez que, as questões apresentadas no Enem permitem ao aluno testar suas possibilidades individuais, para resolver problemas do dia-a-dia, sejam eles de natureza pessoal, de trabalho, de capacitação para o ensino superior e até de relacionamento social, algo inovador que abrange desde o conhecimento teórico cientifico até os conhecimentos empíricos desenvolvidos dia a dia. Segundo Macedo (2005), a situação-problema é um dos recursos utilizados para a avaliação escolar e o desenvolvimento de competências. O fato de ser um exame que abarca todo o território nacional serve, além do SAEB1 e ENADE2, como um instrumento de avaliação que pode demonstrar como anda a educação no país, ou seja, seus números são um forte indicador de como o ensino está em cada localidade e, com isso, fornecer subsídios para futuras políticas públicas por parte dos governos estaduais e federal, no tocante a melhoria desses dos índices. Além disso, o Enem promove discussões entre professores e alunos relacionados à concepção de ensino defendida pela LDB, pelos PCN e pela Reforma do Ensino Médio (BRASIL, 2017), norteadores da atual concepção do exame. A estrutura e a organização do Enem refletem o pensamento do poder público a respeito da representação social dos itens avaliados. A incidência maior ou menor de uma competência ou habilidade avaliada indica a relevância do tópico para o elaborador do instrumento de avaliação, assim como, a presença de um determinado conteúdo. É preciso considerar, portanto, que atualmente esse exame goza de grande relevância e importância social por ser uma forma de acesso às universidades mais renomadas do país, fato que envolve, além do aluno, a família e a sociedade. As provas objetivas do Enem são elaboradas com itens, ou questões, que seguem as recomendações do Guia de Elaboração de Itens, desenvolvido também pelo INEP, com o objetivo de assegurar que apresentem uma estrutura adequada ao objetivo do exame, que é testar as habilidades e competências do educando ao término do ensino médio, contemplando a Matriz de Referência do Enem elaborada em 2009 que avalia o candidato com a prova de Linguagens, Códigos e 1Sistema de Avaliação da Educação Básica. 2 Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – exame destinado a alunos de graduação. 14 suas Tecnologias quanto aos conhecimentos referentes a 09 competências e 30 habilidades Os itens da prova são compostos, cada um, por: um texto base, usado para estimular o estudante a mobilizar recursos cognitivos na solução da situação- problema proposta, que pode ser, uma imagem, charge, tira, ou seja, um texto verbal ou não verbal, chamado de suporte do item; pelo enunciado, que pode vir sob a forma de complementação ou de interrogação, mas tem que ser preciso e estar totalmente ligado à habilidade que se pretende avaliar, chamado de comando; por alternativas de respostas, apresentadas na forma de cinco opções, sendo somente uma correta, o gabarito, e outras quatro alternativas que não contemplam a resposta escolhida como correta, chamadas de distratores, que mesmo sendo respostas incorretas eles têm de ser plausíveis, ou seja, parecerem corretas para o candidato sem se tratarem de pegadinhas. A resolução da prova de Língua Portuguesa do Enem envolve, portanto, uma postura ativa do candidato e a ativação de suas estruturas cognitivas de leitura e raciocínio, assim como a ativação de seus conhecimentos prévios, tanto linguísticos, como específicos sobre o tema tratado. A prova de Linguagens e Códigos é composta por quarenta e cinco questões de língua portuguesa, cinco questões de língua inglesa e cinco de língua espanhola, sendo, essas duas últimas, uma opção do inscrito. Vale lembrar que, em consonância com os PCN, as questões devem ser elaboradas de modo a permitir que o aluno mobilize suas competências e habilidades para eleger a única alternativa correta entre as cinco oferecidas. Além disso, atualmente, o Enem possui uma edição extra, seguindo o mesmo formato da prova regular, nas unidades prisionais e de internação de adolescentes que cumprem medidas socioeducativos, o Enem PPL, aplicada cerca de um mês após a avaliação oficial. Esse recurso é uma oportunidade para menores infratores e adultos presidiários retomarem suas vidas por meio do ensino superior ou da conclusão do ensino médio, pois a nota pode servir para a obtenção do certificado de conclusão do ensino médio em cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para os que pretendem o ensino superior, as notas terão que estar acima de 600 pontos. Vejamos, na seção seguinte, o estado da arte que trazemos para contribuir com nossa reflexão e análise dos dados. A variação linguística no Enem – alguns estudos Temos como estado da arte, alguns trabalhos que já procuraram verificar como se dá o tratamento da variação linguística em diversas edições do Enem, desde sua origem. Dentre esses trabalhos, destacamos apenas alguns, como os de Andrade (2015), de Andrade e Freitag (2016a, 2016b), Bagno (2015) e Silva Jr. (2018), por serem mais recentes e procurarem o mesmo objetivo que o nosso. Andrade (2015) analisa as provas objetivas de língua portuguesa dos anos 2000 a 2012. A autora verificou em sua pesquisa que há coerência entre as prescrições dos documentos oficiais da educação brasileira e as normas orientadoras do Enem, entretanto, Andrade (2015) nos afirma que ainda é necessário que haja mudanças para que o tratamento da variação linguística seja mais efetivo, tanto no exame, quanto no ensino da língua. Para a autora, sua pesquisa: 15 [...] possibilitou a constatação da aplicação das prescrições contidas nos documentos, identificada desde a presença das concepções sociolinguísticas dos contínuos propostos por Bortoni-Ricardo (2004a), até a existência das terminologias indicativas de variação, demonstrando que há uma congruência de sentido entre todos acerca da concepção de língua [...] (ANDRADE, 2015, p. 79). Em Andrade e Freitag (2016a), vemos uma maneira diferente de apresentar os dados estatísticos. As autoras utilizaram a wordcloud (ou tagcloud), que consiste em uma representação visual de várias palavras através do formato de uma nuvem, possibilitando maior visibilidade aos resultados, pois as palavras mais frequentes tornam-se maiores na nuvem desenhada. Andrade e Freitag (2016a) identificaram 161 questões de língua portuguesa, em 14 provas, sendo que daquele total, somente 35 abordaram o conteúdo de variação linguística. Para as autoras, não há padronização das questões de variação, pois há provas que não trazem questões de variação – duas edições –, em outras edições, as questões aparecem correspondendo a 30% a 44% da prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. A análise realizada demonstrou que existe uma congruência quanto às prescrições dos documentos oficiais e às normas orientadoras do exame, todavia, a observação das questões evidencia o quanto ainda são necessárias mudanças para que aconteça uma abordagem variacionista mais efetiva no Enem e no ensino de Língua Portuguesa (ANDRADE; FREITAG, 2016a, p. 293- 294) Já, em Andrade e Freitag (2016b), o foco da pesquisa está na proposta de contínuos trazida por Bortoni-Ricardo (2004), a saber, o contínuo de urbanização, de oralidade-letramento e de monitoração estilística. Para as autoras, entre as questões do exame que tratam da variação linguística, poucas são as questões que se enquadram na proposta dos contínuos de Bortoni-Ricardo (2004), mas verificaram, ainda, outras questões de variação linguística ligadas à variação regional, histórica e entre português do Brasil e de Portugal. Andrade e Freitag (2016b) corroboram Faraco (2008) quando entendem que a primeira capacidade verificada no exame está relacionada ao domínio da norma culta, concepção adotada no exame, como apresentado por Faraco (2008): Nossa crítica é que há na definição dessa grande competência dois equívocos. O primeiro é não distinguir suficientemente a norma culta da norma curta (o que leva os documentos do exame a falarem em norma culta e as questões a se orientarem antes pelos preceitos de norma curta). Segundo e mais sério, tomar a norma como um fenômeno em si, isolado das práticas sociais de fala e escrita em que ela faz sentido e, por consequência, sobrepondo-se a elas (p. 179). Também verificando o tratamento da variação linguística em provas do Enem, Bagno (2015) examina as provas do interstício de 1998 a 2012 além de 16 analisar o discurso assumido por grandes corporações midiáticas e de cursinhos pré-vestibulares de nosso país, sobre o Enem. Inicialmente, o autor faz uma discussão sobre a falta de homogeneidade do exame para designar a variedade falada por indivíduos letrados e defende que para a sociolinguística, “não existe falante de estilo único” (BAGNO, 2015, p. 210, grifos do autor). Continuando, Bagno (2015) ainda apresenta os contínuos de letramento trazidos por Bortoni-Ricardo (2004), apresentando questões do referido exame que não contemplam de maneira adequada a abordagem da variação linguística, afirmando que “a separação rígida entre fala e escrita, criticada há bom tempo pelos estudos antropológicos, linguísticos e pedagógicos em torno do letramento, continua, no entanto, impregnando o senso comum” (BAGNO, 2015, p. 212, grifos do autor). Finalizando seu texto, Bagno (2015) realiza uma grande crítica a empresas de cursinhos pré-vestibulares e à mídia, que usam o exame em prol de seus benefícios próprios e de uma elite cultural, através de críticas contra o exame, exame este, que vem universalizando o aceso ao ensino superior à população mais pobre do país. Concluindo seu texto, o autor insiste com os elaboradores do exame nacional que: [...] devem exibir coerência teórica, precisamente para não oferecer armas terminológicas à ideologia conservadora, como a falsa oposição entre “culto/padrão/escrito” e “coloquial/informal/regional” que, saindo da esfera acadêmica para o campo da distorção ideológica praticada pelos meios de comunicação, em nada contribui para o aprimoramentodo debate sobre questões de linguagem e ensino em nossa sociedade (BAGNO, 2015, p. 224, destaques do autor). Por último, na pesquisa de Silva Jr. (2018), são analisadas seis questões dentre as edições 2015, 2016 e 2017 da prova de Língua Portuguesa do Enem. Para o autor: [...] o aluno deve ser preparado para discutir acerca da variação linguística, uma vez que as questões apesar de serem poucas, são complexas, exigindo do estudante uma análise detalhada das situações comunicativas para poder chegar a uma resposta exata (SILVA, 2018, p. 28). A partir da leitura e análises realizadas por Silva Jr. (2018), a pesquisa é finalizada com a afirmação de que é necessário que os alunos tenham aceso aos mais diversos tipos de variações linguísticas, para que o estudo da língua seja mais dinâmico e significativo, finalização que vem corroborando as conclusões já vistas nos estudos acima apresentados. Vejamos como propusemos a realização de nossa pesquisa. Metodologia Realizamos uma seleção minuciosa de todas as questões que contemplam o fenômeno da variação linguística, nas duas aplicações anuais das provas do 17 Enem, para obtermos material necessário à análise quantitativa. Assim, conseguimos uma amostra significativa das questões das provas do Enem, realizadas entre 2013 a 2018. Destacamos que, nessa etapa, levamos em consideração não somente questões que exigem do aluno, explicitamente, conhecimentos sobre a variação linguística, mas selecionamos, também, questões em que seu contexto apresenta o fenômeno da variação e mudança linguística, adequadas às H25, H26 e H27 da C8 do Enem3. Para tanto, a busca pela variação linguística abrangeu as questões que continham em seu suporte (que pode ser um texto verbal ou não verbal, comando, distratores e/ou gabarito) o reconhecimento da variação da língua, da sociolinguística como um todo. Essa análise parte do pressuposto de que se um item ou questão apresenta em seu suporte, assim como em seu comando ou em seus distratores e gabarito, algo que contemple a diversidade, variação e mudança linguística, demonstrando o caráter heterogêneo da língua, estamos diante de uma escolha pensada, por parte da banca organizadora, em contemplar os eixos cognitivos presentes em uma das cinco matrizes de referências do Enem, para além de verificar o conhecimento sobre o tema em pauta, validando a variação linguística. Posto isso, o corpus desta pesquisa foi formado por todas as questões selecionadas nas provas de Língua Portuguesa, de primeira e segunda aplicação do Enem no período de 2013 a 2018, que totalizam 480 questões. Vejamos, no Quadro 1, o demonstrativo das questões encontradas. Quadro 1- Número de questões por prova Provas Enem Questões 1ª aplicação Questões 2ª aplicação Específicas Não especificas Específicas Não específicas 2013 Amarela 106- 126-118 116-117-133 107-125-127-128 ---- 2014 Amarela 97-100-110 102-114-130 112- 131- 134 105-114-115-117- 118-129-133 2015 Amarela 107-115-122-124- 131 109-127 109-110-123 111-114-115-119 2016 Amarela 102-106-121 111-130-133-135 97-102-105-121 100-103-108-112- 113-115-124 2017 Amarela 08-32-33 18-22 42 13-15-24-30-32 2018 Amarela 06-07-31-43-44 10-26 19-20 26-33 Nº total de questões 38 42 Fonte: elaborado pelos autores. Do total de 480 questões analisadas, 80 referem-se a questões que abordam, de uma maneira ou outra, o fenômeno da variação linguística no PB. Essa abordagem se dá de forma não específica (como vemos, no Quadro 1, 16 questões, na primeira aplicação, e 25 na segunda aplicação), a partir de textos, imagens, intertextualidade no suporte, comando e distratores, e de maneira específica, a 3 H25 - Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro; H26 - Relacionar as variedades linguísticas a situações especificas de uso social; H27 - Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação. 18 própria questão sobre variação linguística, testando os conhecimentos prévios dos alunos sobre as variedades linguísticas brasileiras (como vemos, 22, na primeira aplicação, e 17 na segunda aplicação). Destas 80 questões, 38 são referentes à primeira aplicação do Enem, e 42 são de segunda aplicação. Dessa forma, as demais 400 questões abordam outros fenômenos linguísticos como fonologia, morfologia, sintaxe, ortografia, concordância, interpretação, literatura, entre outros. Vejamos, na seção a seguir, a análise de nossos dados e os resultados a que chegamos. Em nossas análises, apresentamos os percentuais de ocorrência do fenômeno variacionista nas provas do Enem, exibindo, primeiro, o percentual geral e, em seguida, os percentuais para as provas de primeira aplicação e de segunda aplicação. Por último, traremos os resultados comparativos entre as questões que tratam o tema aqui levantado. Análise e discussão dos resultados Entre 2013 e 2018 foram aplicadas 12 provas do Enem, sendo que 6 foram aplicadas a toda a comunidade estudantil do país, com livre acesso a partir da inscrição, e 6 foram aplicadas àqueles alunos que, por alguma razão, estão reclusos em algum centro de reabilitação social. Em um total de 480 questões analisadas, obtivemos um total de 80 questões (16,7%) que contemplam, de forma específica e não específica, o fenômeno da variação linguística no Brasil, como podemos ver no gráfico a seguir. Gráfico 1 – Percentual de questões nas provas do Enem de Primeira e de Segunda aplicação entre 2013 a 2018 Fonte: elaborado pelos autores. Como podemos observar, no Gráfico 1, das 12 provas aplicadas, 83,3% do conteúdo (400 questões) se destinam a outras áreas dentro da prova de Língua Portuguesa, e 16,7% (80 questões) contemplam a abordagem variacionista da língua, seja em questões que cobram o conhecimento específico sobre o tema, ou questões que abordam o tema da variação linguística em seus textos, imagens, charges e quadrinhos sem que para isso procurem testar o conhecimento do aluno a respeito do fenômeno em estudo, ou seja, que abordam o tema de forma não específica. Vejamos, nos Gráficos 2 e 3, os percentuais de questões por edição da prova do Enem. 16,7% 83,3% Abordagem variacionista Demais abordagens 19 Gráfico 2 - Quantidade de questões de cunho sociolinguístico na 1ª aplicação do ENEM Fonte: elaborado pelos autores. Para as provas do Enem de 1ª aplicação, observamos, a partir do Gráfico 2, uma média de 6 questões por ano, como mostrou o Quadro 1. Os anos de 2015 e 2018 foram os que apresentaram um maior número de questões que contemplam especificamente o fenômeno da variação linguística: juntos, somam 10 das 39 questões do interstício investigado. Já, a partir do Gráfico 3, verificamos um total de 42 questões, sendo destas, 17 que contemplam o fenômeno da variação linguística de forma específica, e 25 de forma não específica, o que difere das provas de 1ª aplicação: as questões não específicas estão em maior quantidade na 2ª aplicação do exame. Gráfico 3 - Quantidade de questões de cunho sociolinguístico na 2ª aplicação do ENEM Fonte: elaborado pelos autores. Podemos perceber, diante dos resultados apresentados, que existe um leve acréscimo percentual de questões que contemplam de forma não específica, o fenômeno da variação e mudança linguística nas provas de 2ª aplicação do Enem. Para esse segundo exame, assim como os de 1ª aplicação, os números percentuais de questões que abordam o fenômeno são bastante significativos, levando em consideração que existem muitos outros assuntos abordados na prova de Língua Portuguesa. Esses números demonstram que as provas do Enem vêm, ao longo dos últimos seis anos, apresentando o fenômeno da variação linguística de maneiraa atender as recomendações dos PCN. Vejamos agora, no Gráfico 4, essa divisão entre questões específicas e não específicas nas questões que abordam a variação linguística. 7,5% 7,5% 12,5% 7,5% 7,5% 12,5% 7,5% 7,5% 5% 10% 5% 5% 0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Específicas Não específicas 7,5% 7,5% 5% 10% 5% 5% 0% 17,5% 10% 17,5% 12,5% 5% 0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Específicas Não específicas 20 Gráfico 4 - Percentual de questões específicas de variação linguística e questões não específicas nas provas do Enem de 1ª e 2ª aplicação de 2013 a 2018 Fonte: elaborado pelos autores. Como apresentado no Gráfico 4, das 80 questões selecionadas como as que contemplam o fenômeno da variação, 39 questões exigem do aluno conhecimentos específicos sobre o fenômeno de variação linguística. Já, 41 destas questões, abordam a variação linguística, mas não como uma questão específica, mas sim, tratam da variação em sua estrutura sem cobrar do aluno um conhecimento específico da sociolinguística variacionista, reconhecendo, dessa forma, que a língua é heterogênea e permite diversas variações e variedades. De posse da seleção das questões que contemplam o fenômeno da variação e mudança linguística para formar a amostra desta pesquisa, de maneira específica e não específica, pudemos verificar que os organizadores tiveram a preocupação em trazer para o exame a abordagem sociolinguística da linguagem cotidiana, fato que nos surpreendeu. Acreditamos que o tratamento, mesmo que de maneira sutil, da variação linguística, traz reflexões acerca da forma como a língua é propagada pela gramatica normativa, reconhecida como a correta, e, também, outras formas linguísticas mais presentes na realidade histórico-social do aluno, reconhecidas em sua oralidade. Acreditamos que o simples contato com outra forma de língua no exame, mesmo tratada como inadequada pela gramática normativa, pode levar o aluno a fazer considerações acerca do que se acredita como certo e errado na língua. Esse tipo de abordagem nas questões do Enem pode fazer o aluno perceber que o falante está, a todo momento, migrando entre situações de oralidade e de escrita, como trata Bortoni-Ricardo (2004), Nos diversos domínios sociais, inclusive na sala de aula, as atividades próprias da oralidade são conduzidas em variedades informais da língua, enquanto para as atividades de letramento os falantes reservam um linguajar mais cuidado (BOROTNI- RICARDO, 2004, p. 335). Vejamos como ocorre as duas abordagens nas questões selecionadas de nossa amostra, a partir dos Quadros 2 e 3, na sequência. 47,5% 52,5% Questões específicas Questões não especificas 21 Quadro 2 - Questões nº 97 e nº 08 específicas da abordagem variacionista Enem 2014, caderno 5, amarelo, p. 7. Enem 2017, caderno 2, amarelo, p. 7. No Quadro 2, encontramos a questão de nº 97 da prova do Enem de 2014 e observamos que a mesma trata do fenômeno da variação linguística no Brasil a partir dos versos de Antônio de Barros, apresentando formas variantes fonético- fonológicas, como: óia em vez de olha, pr’esses em vez de para esses. No texto, as diferenças linguísticas são apresentadas de forma explícita através do verso “Vou mostrar pr’esses cabras”, a partir da junção da preposição para com o pronome demonstrativo esses. Além disso, o uso do substantivo cabra para se referir, nesse contexto, a um homem sertanejo típico nordestino. Como vemos, a problemática é abordada nos versos, o suporte do item, e cobrada no enunciado da questão, o comando, que utiliza o registro formal da língua para verificar o conhecimento do aluno acerca da variação regional, diatópica, questionando-o em que verso se apresenta uma característica do falar popular regional. O gabarito da questão apresenta a letra “C” como sendo a correta (“Vou mostrar pr’esses cabras”), ou seja, o enunciado pede uma forma característica da fala popular em detrimento da fala tida como norma padrão pela gramática. Já a questão nº 08, ainda no Quadro 2, apresenta, a partir dos versos, a forma variante jerimum, conhecida em algumas regiões do país como abóbora. No dicionário, a palavra é grafada com “j”, mas o texto apresenta o substantivo escrito com g, em vez de j. Esse mesmo texto aborda a questão da classe de palavras substantivo, onde a palavra jerimum escrita com “G” maiúsculo, indica que a palavra se trata de um substantivo próprio, o nome de um lugar, diferenciando de jerimum, o legume. O gabarito da questão apesenta a opção “E” como sendo a 22 correta: “Reafirmar discursivamente a forte relação do falante com seu lugar de origem”. A questão em análise espera que o aluno compreenda que há uma forte relação do falante com seu lugar de origem, ou seja, a questão demonstra o caráter heterogêneo da língua, além da valorização do interior brasileiro e suas variedades linguísticas, a partir do poema trazido no suporte da questão. Essa questão, além de apresentar como válida a relação entre o falante e sua variante linguística, mostra uma posição de valorização linguística das variantes do PB. Vejamos, no Quadro 3, mais duas questões de nossa amostra em análise. Quadro 3 - Questões nº 122 e nº 102 específicas da abordagem variacionista Enem, 2015, caderno 5, amarelo, p. 14. Enem, 2016, caderno 5, amarelo, p. 7. No Quadro 3 a questão nº 122 apresenta, em seu suporte, uma reportagem sobre as novas tecnologias e como a escrita vem acompanhando essas novas formas de comunicação. Ainda no suporte, vemos que o texto apresenta, ao candidato, a linguagem como um código de comunicação que pode ser usado de distintas formas, a depender do contexto situacional, da comunicação e dos 23 propósitos comunicativos dos indivíduos, ou seja, o texto apresenta a língua, enquanto código de linguagem que permite variações. O comando da questão, além de afirmar o surgimento de usos particulares da língua a partir do desenvolvimento da tecnologia como uma nova realidade, indaga o candidato sobre a função da escola: “cabe à escola levar o aluno a...”. Dessa forma, com o propósito de verificar se ao aluno possui conhecimentos sociolinguísticos, o gabarito da questão, letra “E” afirma que cabe à escola levar o aluno a “perceber as especificidades das linguagens em diferentes ambientes digitais”. Já a questão nº 102, ainda do Quadro 3, nos oferece, em seu suporte, um fragmento da peça O santo e a porca, de Ariano Suassuna. Semelhante à questão nº 97 do Quadro 2, o comando da questão exige do candidato conhecimentos de variedades linguísticas relacionadas ao Nordeste brasileiro. Com o questionamento “Nesse texto teatral, o emprego das expressões ‘o peste’ e ‘cachorro da molest’a’ contribui para...”, o exame apresenta, em um texto canônico da literatura brasileira, a variedade linguística presente nas regiões do Brasil a partir de expressões próprias. Podemos, portanto, verificar a necessidade de conteúdos de variação linguística para que o candidato possa responder corretamente à questão, a partir do gabarito, item “B”, que traz como resposta: “caracterizar usos linguísticos de uma região.”. Vimos, portanto, quatro questões que solicitam os conteúdos de variação linguística de forma específica ao candidato. Seguindo agora uma nova análise, o Quadro 4, nos apresenta, portanto, duas questões que consideramos cobrar de maneira não específicas a variação linguística. 24 Quadro 4 - Questões nº 10 e nº 116 não específicas da abordagem variacionista Enem, 2018, caderno 2, p. 6. Enem, 2013, caderno 5, p. 112. Como podemos observar no Quadro 4, a questão nº 10 não apresenta, em seu enunciado, uma abordagem específica sobre o fenômeno da variação e, sim, sobre tradução semiótica, com a adaptaçãodo livro Grande sertão: veredas para o quadrinho. Acreditamos que essa questão se trata de uma forma não específica de abordar a variação linguística, pois, além de se utilizar de expressões da linguagem do dia a dia, uma linguagem mais coloquial, como em “causa dum”, no lugar de “por causa de um”, o comando pede que se identifique a inter-relação entre diferentes linguagens, no qual o gabarito, a letra “D”, reforça os conteúdos de variação linguística e a tese de que o uso da variação é legítimo, atingindo, inclusive, outros propósitos. Lembramos, então, que os PCN partem do pressuposto de que a língua se 25 realiza nas práticas sociais, portanto, dotar o aluno de competência textual, oral e escrita, para uma atuação eficiente além dos muros escolares passa a ser a finalidade principal do ensino de Língua Portuguesa, anteriormente focado no desenvolvimento de habilidades de leitura e no domínio da língua escrita padrão. Assim, deve ser desenvolvida a competência comunicativa do educando, ou seja, sua capacidade de realizar a adequação do ato verbal às mais variadas situações de comunicação (TRAVAGLIA, 2001, p. 17). Ainda no Quadro 4, a questão nº 106 não trata, especificamente, do fenômeno da variação, e sim, da função conativa, gênero textual propaganda, texto híbrido, texto publicitário, abordando a temática do aquecimento global, especificamente o derretimento das calotas polares, como sua primeira consequência para nosso planeta. Para isso, o texto publicitário cria toda sua mensagem a partir da ligação entre a conjugação do verbo “derreter” e o efeito do aquecimento no derretimento das calotas polares. No entanto, o texto escolhido para compor a questão apresenta, em sua composição, o fenômeno variacionista entre o pronome pessoal de 2ª pessoa do singular “tu” e o pronome de tratamento “você”, quando a questão não aborda o fenômeno variacionista, mas, sim, a intertextualidade entre o verbal, o não verbal e os conhecimentos de mundo do candidato. Para essa questão, a banca, também não apresenta, em seus distratores, nenhuma opção que leve o aluno ao fenômeno da variação linguística apresentado na imagem, assim como também não apresenta na opção escolhida como a certa, o gabarito “E”, e muito menos no comando há qualquer menção ao fenômeno. Isso nos possibilita concluir que, mesmo uma questão não exigindo o conhecimento especifico sobre o fenômeno da variação e mudança linguística, não significa que o fenômeno não possa ser contemplado pela questão, a partir de uma música regional, uma charge usando a fala coloquial, uma poesia, entre outras maneiras. O fato é que a banca teve a opção de escolher uma imagem que, em seu conteúdo, não suscitasse tal discussão e que, ao optar por essa imagem, possibilitasse ao aluno a certeza de que ambas as formas são aceitas na língua cotidiana. Entendemos que esse fato está ancorado na C8 e H26, ou seja, o aluno vai relacionar a variedade linguística no texto apresentado na campanha a situações específicas de uso social, portanto, passível a ser aceita como correta. Nesse caso, o participante do exame não vai se atentar à variação linguística presente no texto para responder ao comando da questão. No entanto, ele está consciente de que, em determinados contextos, orais ou escritos, a variação é permitida sem nenhum prejuízo ao entendimento textual, pois “a principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido” (BRASIL, 2000, p. 5). Vejamos, no Quadro 5, as últimas questões de nossa análise. 26 Quadro 5 - Questões nº 133 e nº 22 não específicas da abordagem variacionista Brasil Enem, 2016, caderno 5, p. 16. Enem, 2017, caderno 2, p. 10. No Quadro 5, podemos ver as questões nº 133 e nº 22, que não solicitam do candidato um conteúdo explícito, específico de variação linguística. A questão nº 133 disserta sobre história da língua e sobre tabu linguístico. Vemos então, que essas duas temáticas podem ser trabalhadas através da sociolinguística, mas não se referem necessariamente a variação linguística, dessa forma, tratando da sociolinguística de forma tangencial, ou seja, não específica, pois compreende dois assuntos também trazidos pela variação da língua: a mudança diacrônica da língua e o tabu linguístico como motivo da mudança linguística. O comando da questão afirma ao candidato que “O texto descreve a mudança ocorrida na nomeação do inseto, por questões de tabu linguístico”. E para solicitar o conteúdo da língua, o comando solicita do candidato qual o motivo da mudança no nome do inseto devido ao tabu: “Esse tabu diz respeito a...”. Como gabarito da questão, encontramos o item “E”: “restrição ao uso de um vocábulo pouco aceito socialmente”. Essa questão apresenta um ponto do uso da língua que é o uso de palavras que representam temas censurados, por trazerem, muitas vezes, um sentido que gera ambiguidade com cunho sexual de forma jocosa que foi, no caso do item nº 133, o substantivo “caga-lume” antepassado de “vaga-lume”. Dessa maneira, a questão solicita um conteúdo não específico de variação linguística, mas que, de todo modo, perpassa as amplas dimensões de variação do PB. Passando à questão nº 22, do Quadro 5, encontramos no suporte da questão, um texto retirado e adaptado de um jornal, uma lista de pares de vocábulos semanticamente semelhantes e seus respectivos significados, segundo o autor do texto, como em “Euforia: alegria barulhenta. Felicidade: alegria silenciosa.”, como vemos nas palavras destacadas em itálico. O comando da questão já antecipa ao candidato que “O texto trata da diferença de sentido entre vocábulos muito próximos.”, dessa maneira, solicita do estudante que ele saiba o motivo pelo 27 qual o autor tratou essas palavras por pares: “Essa diferença é apresentada considerando-se a(s)...”. Como gabarito, a banca do exame confere o item “B”: “adequação às situações de uso.”. Esta questão, assim como as três anteriores estudadas, surge com abordagens de usos da língua portuguesa, como a adequação vocabular bastante discutida na sociolinguística, mas não traz, especificamente, a variação lexical, por exemplo, tratando, destarte, de forma não específica da variação linguística. Os exemplos apresentados, a partir das questões do Enem, servem para demonstrar o método que usamos para selecionar a amostra desta pesquisa, tratando as questões que apresentam em seu escopo o fenômeno variacionista, mesmo que a diretriz da questão trate de outros fenômenos linguísticos ou questões formais da língua e da comunicação, mas não propriamente a sociolinguística. Podemos perceber que a diferença entre o total de questões específicas e questões não específicas, sobre variação linguística no PB, não é significativa, pois, no geral, é de 5% a mais para as questões não específicas. De qualquer modo, isso demonstra que os organizadores do Enem têm a sensibilidade de ampliar o número de possibilidade de visualização da variação linguística ao longo de todas as edições do exame, e isso pode ser considerado como uma forma de atender às recomendações dos PCN e às matrizes do Enem. Considerações finais Essa pesquisa tornou possível trazermos considerações sobre o processo seletivo do Enem, no tocante à presença do fenômeno da variação e mudança linguística no PB, nos exames aplicados no interstício de 2013 a 2018. A partir dos resultados apresentados, podemos concluir que, no período analisado, as provas do Enem trouxeram em seus itens uma presença significativa sobre o fenômeno, com exatamente 16,7% das questões de Língua Portuguesa, sendo que, desse total, 47,5% buscam medir o conhecimento do aluno de forma específica e 52,5% abordam a variação linguística de forma não específica, ou seja, corrobora com a variação linguística quanto à presença da variação nos comandos, suporte e distratores das questões. Concluímos, dessa maneira, que a prova de LínguaPortuguesa no Enem tem contemplado e respeitado cada vez mais as recomendações dos PCN quanto à presença de discussões sobre a variação linguística, fato que se contrapõe aos resultados encontrados por outros pesquisadores – como os apresentados em nosso estado da arte –, em consequência, talvez, de termos considerado, além das questões específicas, as questões não específicas. Esta pesquisa não se encerra aqui, uma vez que o próprio objeto de estudo está sempre em processo de mudança, fato esperado, especialmente, com a atual conjuntura política do país, o que poderá instigar futuros pesquisadores a investigar se as mudanças anunciadas pelo atual governo se alinham ou não com as recomendações dos PCN e quais mudanças podemos visualizar adiante. REFERÊNCIAS ANDRADE, S. R. J. Competências linguísticas na prova do ENEM: uma 28 abordagem sociolinguística. 2015. 100 f. 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Nesse caráter de silenciamento, cujos dizeres apagam a noção de que não são os primeiros a serem ditos e, que também, o fazem quanto à ideia de que o dito poderia ser feito de outra forma (mas como não o é, tem-se a noção de transparência da linguagem), a mídia contribui para produções/caracterizações identitárias, onde várias formas são assumidas pelos sujeitos dos meios de comunicação, reverberando discursos inerentes às posições em que falam, de suas Formações Discursivas (FD) típicas. Além disso, de forma a autoafirmar o caráter de verdade do discurso midiático, em um conflitante jogo ideológico, muitas vezes, assumem-se outras posições-sujeito, recorrendo-se, assim, a outras formações ideológicas para consolidar um dizer. E é a partir das noções de “posição-sujeito”, “forma-sujeito” e de “lugar-discursivo” (esta última proposta por Grigoletto (2013)) que gostaríamos de trabalhar. Um discurso é polifônico. Essa definição, derivada de um preceito bakhtiniano, é utilizada ao se pensar que o mundo está repleto de “vozes” (BUBNOVA, 2011), e que a constituição do sujeito se dá na interação com o outro. Seja na visão bakhtiniana, ou na visão de autores da Análise do Discurso (AD), reconhece-se que o sujeito não é dono único e primeiro de seu dizer, e que este, apesar de ter a ideia de que seu discurso é completo (ter a sensação de completude, em discursos que parecem ter efeito de cessar em si, de ser próprio de uma individualidade marcada), sabe-se que esse efeito não passa de um primado de ilusões constituídas por apagamentos, por silenciamentos de processos interdiscursivos. Conforme aponta Grigoletto (2005), ao exemplificar a forma como se dá o entrecruzamento de discursos científicos, que são comuns ao trabalho de um jornalista científico, temos “um discurso constitutivamente heterogêneo, já que abriga, na sua materialidade, diferentes sujeitos e, consequentemente, diferentes vozes, diferentes ordens de saberes” (GRIGOLETTO, 2005, p. 1). É justamente a questão da heterogeneidade dos discursos que nos faz que pensar se o sujeito é um ser ideologicamente marcado historicamente, e essas ideologias o colocam em determinadas posições de sujeito na sociedade, definem seus dizeres, lhe “autorizam” a falar por estar inscrito em dada FD, que multiplicidade de vozes são essas? Como pensar, diante das formações ideológicas existentes, em como o discurso do outro se incorpora no que é dito por um dado 31 eu? Conforme aponta Kader (2012), Authier-Revuz traz considerações importantes, pensando na presença do discurso do Outro/outro1. Além disso, defende a questão da heterogeneidade de vozes que, tal como a ideologia, atravessa sujeitos ao enunciarem. Essas vozes heterogêneas podem ser tanto constitutivas do discurso, como apenas mostradas em dadas situações. No caso de uma heterogeneidade mostrada, esta pode estar devidamente marcada, onde reconhece-se explicitamente a presença do outro no discurso do eu ou podem não estar marcadas. Nesse último caso, apesar de haver rastros do discurso do “outro”, estes são indiretos, ou seja, não evidenciados (FERNANDES, 2008). A exterioridade é aspecto fundamental do discurso. A AD busca justamente compreender o que está por trás da língua, dessuperficializando a mesma, tentando entender para além do que está aparentemente transparente, o dito e o não-dito, pois o não dizer também significa. A linguagem não é fixa. Esta é dinâmica, instável, se (re)significa, reconstrói-se. E a formulação de sentidos se dá pelo apagamento do caráter material da ideologia, designando um imaginário sobre algo, onde se tem a noção de transparência. Dessa forma, FD's se tornam dominantes, em um processo onde ideologia e inconsciente atuam como “estruturas-funcionamentos” (ORLANDI, 2001), constituindo o sujeito, de forma que estes discursos dominantes, atrelados ao interdiscurso, não sejam claros na constituição do indivíduo. Cabe ao analista de discurso pensar em como essas ideologias constituem o sujeito e como ocorrem na dinamicidade da língua em funcionamento. Grigoletto (2005), baseando-se principalmente em preceitos pecheutianos, coloca em pauta tais questões, ao tratar dos termos “lugar social”, “lugar discursivo”, “posição-sujeito” e “forma-sujeito”. Estas noções mostram como o sujeito discursivo tem potencialidades para produzir movimentos de (des)identificação. A noção de forma-sujeito está interligada a inscrição do sujeito em uma determinada FD, na qual este vai se identificar, se constituindo. Esta forma se dá, então, por meio do interdiscurso, onde o sujeito se inscreve no imaginário de uma determinada posição social e assume seu discurso. É o que ocorre com a posição que assume enquanto profissional, onde incorpora uma identidade da imagem que lhe é atribuída socialmente daquela posição (médico, repórter, cientista, etc.), ou mesmo outros sujeitos que (co)participam de um mesmo espaço social, mas assumem posições diferentes, que o autorizam ou não o dizer dentro de uma relação de forças (relação aluno versus professor, leigo versus especialista, etc.), dentre outras formas. Porém, apesar de ter uma formação ideológica basal, um sujeito pode assumir diferentes posições dentro do discurso. Como aponta Grigoletto (2005, p. 02), ao citar a definição de Pêcheux, na “posição-sujeito”, há uma “relação de identificação entre o sujeito enunciador e o sujeito do saber (forma-sujeito)”. O sujeito, então, assume diferentes posições em uma FD, pois se identifica de forma particular com um saber, produzindo, assim, efeitos discursivos que vão se relacionar (COURTINE, 1982 apud GRIGOLETO, 2005). Nessa relação, é importante pensar que a posição que um sujeito assume em seu discurso não é algo universal. Esta se dá por uma construção histórica, por meio da qual ideologias levam a constituição de FD's características de determinado grupo social, ou seja, o indivíduo ocupa um lugar discursivo, porque ocupa um lugar 1 Cabe lembrar que o grifo “Outro”, marcado pela inicial da palavra maiúscula, se dá em relações de discursividade, enquanto que o termo “outro” refere-se ao sujeito com o qual se dá a relação de interlocutor. 32 social que é constitutivo de si. Exemplificando, quando falamos da posição de mãe, médico, cientista, professor, político, ou outra, assumem-se discursos, dado ao que as hierarquias sociais nos impelem a concebê-los como certos e dados. Há, no entanto, uma passagem desse lugar empírico, onde o sujeito está engendrado em sua FD, pertinente a sua “forma-sujeito”, para o espaço discursivo, dinâmico, onde o sujeito se inscreve em um determinado lugar discursivo, “o qual está determinado pelas relações de verdade e poder institucional que ele representa socialmente” (GRIGOLETTO, 2005, p. 01). O sujeito então interpreta, dentro de seu discurso heterogêneo e (re)ordena os saberes, de modo que coabitam diferentes vozes em seu discurso. Dado que nossas análises se pautam na ciência que se apresenta como “verdade absoluta”, nos rastros de uma concepção de ciência cartesiana e positivista que lança discursos dogmáticos e hierárquicos, interessa-nos a noção de verdade. Conforme Gregolin (2007), o discurso possui uma “espessura histórica”, e é função do analista de discursos a busca da compreensão de como tais verdades se produzem e se enunciam, de forma a propiciar conexões tanto materiais, quanto históricas dos enunciados. Assim, “em vez de sujeitos fundadores, continuidade, totalidade, buscam-se efeitos discursivos” (GREGOLIN, 2007, p. 15). Nessa perspectiva, Gregolin (2007) assinala que Foucault “propõe analisar as práticas discursivas, pois é o dizer que fabrica as noções, os conceitos, os temas de um momento histórico” (idem). Nessa perspectiva, para Foucault, esse tipo de análise permite identificar a relação do que é dito com a produção de uma “verdade”
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