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Richard Miskolci (Origens Históricas das Teoria Queer)

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m 
(J 
Cadernos da Diversidade 
Teoria Queer: 
um aprendizado 
pelas diferenças 
Richard Miskolcí 
c,a, --,•□------------- --
Capítulo 1 
Origens históricas 
da Teoria Oueer 
o que hoje chan1amos de queer, em termos tanto políti-
cos quanto teóricos, surgiu como um impulso crítico em rela-
ção à ordem sexual contemporânea, possivelmente associado à 
contracultura e às demandas daqueles que, na década de 1960, 
eran1 chamados de novos movimentos sociais. 
Os três principais "novos" movimentos sociais foram o 
movimento pelos direitos civis da população negra no Sul dos 
Estados Unidos, o movimento feminista da chamada segunda 
onda e o então chamado movimento homossexual. Eles são 
chamados de novos movimentos sociais porque teriam surgi-
do depois do conhecido movimento operário ou trabalhador, e 
porque troux:eram ao espaço público demandas que iam além 
das de redistribuição econômica. Na verdade, essa classifica-
ção foi feita a posteriori, tentando superar, com sucesso apenas 
parcial, uma perspectiva "economicista" que deixou de reco-
nhecer a importância do feminismo desde sua primeira onda, 
na qual se constitui como movimento social muito antes, já 
em sua luta pelo direito ao voto e à educação para as nutlhe-
res ainda no século XlX. A visão de que esses movimentos 
eram "novos" também trai um olhar "eurocêntrico", pois atri-
bui caráter de vanguarda apenas ao movimento operário das 
sociedades industriais do Ocidente, ignorando o movimento 
abolicionista que lutou pela libertação dos escravos um século 
antes, sobretudo em países como o Brasil e os Estados Unidos. 
O que havia de novo nos movin1entos sociais da década 
de 1960 era uma maior participação de camadas de classe mé-
dia e até populares em lutas já existentes, n1as que passaram a 
21 
aifolar um 1HW\' 1\'}'frh'lri,, dt· dc'lll<\1\\1,,s t'l\\ um cenário polítl -
\·,, c·m \lllc' ns institui(l't'S tra\\id,,1uüs (01no o Estado e os par-
tidf,,, rx-\s--'·'"ª"" .-\ wr qut·stionada sua rt'prt'sentatividade e/ou 
aut\,rid,\\k. l)f f,,nna gernl. esses movimentos afirmavam que 
\' priY,\d(, a,, polítko e que a desigualdade ia além do econô-
miú'- Alguns, nMis l,nsados e de forma vanguardista, também 
...-l,mt',-,mun ~, apont,,r que o corpo, o desejo e a sexualidade, 
tópicos antt·s ignorados, eram alvo e veículo pelo qual se ex-
pit'ssavam relações de poder. A luta feminista pela contracep-
,-ão sob o controle das próprias mulheres, dos negros contra 
º" saberes e práticas racializadores e dos homossexuais contra 
o aparato médico-legal que os classificava como perigo social 
e' psiquiátrico tinham em comum demandas que colocavam 
em xeque padrões morais. Assim, em termos políticos, o queer 
wmeça a surgir nesse espírito iconoclasta de alguns membros 
dos movimentos sociais expresso na luta por desvincular a se-
xualidade da reprodução, ressaltando a importância do prazer 
e a ampliação das possibilidades relacionais. 
Intelectualmente, esse impulso crítico inicial originou 
obras acadêmicas dispersas em vários países, como o Brasil, a 
França e os Estados Unidos. Dentre os precursores da Teoria 
Queer, é importante citar Guy Hocquenghem, pensador francês 
que, no início dos anos 1970, publicou Le désir homossexuel (O 
desejo homossexual), um livro sobre o papel do medo da ho-
mossexualidade na definição da ordem político-social do pre-
sente e alguns artigos da antropóloga feminista Gayle Rubin, em 
especial seu ensaio Thinking Sex (Pensando sobre Sexo, 1984).
8 
Apesar dessa origem dispersa, e ainda pouco explora-
da, a política e a Teoria Queer como a conhecemos hoje se 
cristaliza historicamente na segunda metade da década de 
1980 , nos Estados Unidos , quando o surgimento da epide-
mia de aids gerou um dos maiores pânicos sexuais de todos 
• lnfeli7.mente não L , · d d _ . d 1. d Hocquenghern, , · · 114 am a uma tra uçao para o portugucs o 1vro e 
e o artigo de R b' · 1 h - - . utorizadas u m c1rcu a á ao mrnos duas décadas em traduçoes nao a 
pela autora, de modo que apena!, a obra de Pcrlongher está disponível na Integra. 
22 
1,s tt'mpos , assod11do , 110 t.: aso 11orlt> americ,1110, a uma recu -
sa l'Statal cm rl'co11ht·ct·r a c111cr~t' 11da dl' saúde púhli ca. Ao 
contn\rlo do l\rnsil, t·m qul' o t' 11frent..1ml'nto Ja epidemia 
aproximou ~stado e movime11to -; oc ial cm ntl.'.io ao processo 
de rcdcmocrntizaçúo vivido depois de 20 anos tk gowrno 
militar. lá nos Estados Unidos houve um vcrd adt:iro choque 
entre as demandas sociai s l.'. a recusa do governo conservador 
de Ronald Rcagan em adotar quai squer medid as. 
A epidemia é tanto um falo biológico como uma constru -
ção social. A aids foi construída culturalmente e houve uma 
decisão de delimitá-la como DST. Uma epidemi a que surge 
a partir de um vírus, que poderia ter sido pensada como a 
hepatite B, ou seja, uma doença virai, acabou sendo compre-
endida como uma doença sexualmente transmissível, qua-
se como um castigo para aqueles que não seguiam a ordem 
sexual tradicional.>j Então, a aids foi um choque, e da forma 
como foi compreendida tornou-se uma resposta conservadora 
à Revolução Sexual, a qual, no Brasil, foi vivenciada pela então 
conhecida "geração do desbunde". No mundo todo, essa reação 
teve consequências políticas jamais superadas e também na 
forma _como as pessoas aprenderam sobre si próprias, sobre a 
s~xuahdade, e na maneira como vivenciam seus afetos e suas 
vidas sexuais até hoje. 
~as, nos Estados Unidos, o que se passou? A epidemia 
de aids mostrou que, na primeira oportunidade, os valores 
conservadores e os gru • • . . pos soC1a1s interessados em manter as 
trad1çõ~s se voltaram contra as vanguardas sociais. Daí parte 
~~ r:oVImento_ gay e _I~sbico ter se tornado muito mais radical 
q e o anterior, criticando os próprios fundamentos d 
luta políti A . d . e sua 
ca. a1 s, portanto, foi um catalizador biopolítico 
q_uel_ gerou formas de resistência mais astutas e radicais mate-
na izadas no ACT UP 1. - . ' , uma coa izao ltgaJa à questão da aids 
• Sobre esta questão 1 . . . . 
v - d d .' , consu t.11 illl'll Ml1~0 <" ln •~•.1111.•ri.i com L.1rissa Pdu· . "A 
ençao o esv10. 0 :1 · . · • d . CI O, pre-dcntes" . .· < 1spos1t1vo ,\ a1<ls <' ,1 r,T,H,,1,,!(i rn,·.io d.1s sexualidades .· 
(2009). d1sponl\'d o11/i11, tU\ n:\' ist , , ,. ,.,. 11,· 11,J S 1 1 S . dJs,i . 
• • • ' ' ' • 11 u, )' • on<'<iad. 
23 
,--
1 
;n .e::t,--.r: '-"' S"-~<'f""- e niv Qu~ i:\'atio~, _de o nde , ·em a pala,.·ra 
'--..~- J c.r,-ã-. ~ a oa-çao esqui.sita, a nação bicha 
\ ".i:...- ~y.::r ~e quttr e um ringamento, é um pala\ -
• ..1 ..: • _ d Tao 
e:: ~ 6-. Em ~,o~~s. Ui.! a unpressao e algo int.,; ...... _ 
... • ,_ ~-.u cuuen-
:.c :c~·~t -.,a , e mrportante compreender que realmente é 
== f"<L:.I'-~ o.m ~ento, uma injúria.. A ideia por trás do 
C_i,,.,il:!r .. ~--rw:~ a-a a ck que parte da nação foi rejeitada, foi hu-
, ãr- .1,.r . ., 1...u n..--idcr~ W]et.2. motivo de desprezo e nojo, medo 
& .:orrx-n ma,.7 0 .. E a...~im que surge o queer, como reação e re-
:lb-reTicía a um nrn.--o momento biopolitico instaurado pela aids. 
_..1:~~ atento percebe como a problemática queer não 
~ c:LlLilllcnte a da ho mossexualidade, mas a da abjeção. Esse 
cermo, "'abjeção~ se refere ao espaço a que a coletividade costu-
ma relegar aqueles e aquelas que considera uma ameaça ao seu 
bom funcionamen to, à ordem social e política. Segundo Julia 
K:risteva, o abjeto não é simplesmente o que ameaça a saúde 
colctíva ou a vi são de pureza que delineia o social, mas, antes, 
o que perturba a ídentidade, o sistema, a ordem (I 982, p. 4). 
A abjeção, em termos sociais, constitui a experiência de ser 
temido e recusado com repugnância, pois sua própria existên-
cia ameaça uma visão homogênea e estável do que é a comu-
nidade. O "aidético'~ identidade do doente de aids na década 
de 1980, encarnava esse fantasma ameaçador contra o qual a 
coletividade expunha seu código moral. 
Se o movimento gay e lésbico tradicional tinha como pre· 
ocupaçãomostrar que homossexuais eram pessoas normais e 
respeitáveis, o movimento queer vem para dizer: "olha, mesmo 
os gays e as lésbicas respeitáveis em certos momentos históri· 
C-05 serão atacados e novamente transformados em abjetos': 
A maior parte das pessoas, sobretudo as que estavam com 0 
HfV, não faziam parte desse grupo pelo qual o movimento 
homossexual forjado na década de J 960 lutava. Em sua maior 
~~ . J 
' 0 movimento homossexual emerge marcado por va ores 
de uma classe 'd· 1 d · - e , -me ia etra a e branca, ávida por ace1taçao 
ate mesmo inco · • sa rporaçao social. Algo muito diverso se pas 
24 
movimentos queer, se pautarão men~s pel_a 
d
quanandodas~:g::itaça· o ou incorporação coletiva e focar~o mula1s 
em 1 · vençoes c · , . as' e·x:t·gências sociais, aos va ores, as con 
na cnaca . 
. , r~c; autoritárias e preconce1tuosas. 
turais como 1orr-
E to 
o movimento homossexual apontava para 
nquan . . . 
h mossexuais às demandas sooa1s, para mcorpo-adaptar os O d afi d 
, 1 ·a1mente os queer preferiram enfrentar o es o e 
ra .. os soa • . · , J E 
. d de de forma que ela lhes seJa aceitave . n -
mudar a soae a . .d 
viroento mais antigo defendia a homossexuali a -
quanto o mo . . 
d ·tando os valores hegemônicos, os queer cnttcam esses e ace1 d · - · da 
valores, mostrando como eles engen ram as expenenc1as 
abjeção, da vergonha, do estigma. 
Em resumo, o antigo movimento homossexual denuncia-
va a heterossexualidade como sendo compulsória, o que podia 
ser também compreendido como uma defesa da homossexu-
alidade. O novo movimento queer voltava sua crítica à emer-
gente heteronormatividade, dentro da qual até gays e lésbicas 
normalizados são aceitos, enquanto a linha vermelha da re-
jeição social é pressionada contra outr@s, aquelas e aqueles 
considerados anormais ou estranhos por deslocarem o gênero 
ou não enquadrarem suas vidas amorosas e sexuais no modelo 
heterorreprodutivo. O queer, portanto, não é uma defesa da 
homossexualidade, é a recusa dos valores morais violentos que 
instituem e fazem valer a linha da abjeção, essa fronteira rígida 
entre os que são socialmente aceitos e os que são relegados à 
humilhação e ao desprezo coletivo. 
Em 1993, essa virada queer se torna perceptível, quando a 
Parada do Orgulho Gay de São Francisco, umas das principais 
nos Estados Unidos, adota o queer como tema.'º Percebe-se 0 
P~tencial desestabilizador do sentido político não só do mo-
;"Jmento L?BT, mas de todos os movimentos sociais constitu-
1dos a partu de identidades quer fossem os LGBT • , negros ou 
'º Este fato foi bem analisado pelo soc.lólogo )oshua G . . 
m t .d . amson em seu artigo ·os . 
en os I enttti rlos devem Sct' auto d,·strulr? Um estranho dilema". moV1 -
25 
feministas . Fica mais visível como o queer vai se contrapor às 
concepçôes que haviam marcado a ascensão dos novo~ movi-
mentos sociais da década de 1960. A começar pelo movimento 
homossexual e sua bandeira do "orgulho gay': uma palavra de 
ordem com origem em uma classe média branca letrada que, 
provavelmente de forma inconsciente, parecia tentar criar uma 
imagem limpa e aceitável da homossexualidade. 11 
O contexto norte-americano, percebe-se, era muito pior 
do que o nosso, e foi em reação à falta de ação coletiva em 
meio à crise da aids que emergiu a radicalidade política queer. 
Assim, vai se constituir cada vez mais ligada às problemá-
ticas da vergonha, do estigma e da descriminação, e menos 
com relação às demandas de assimilação identitária de gays 
e lésbicas. Muito da atração que o queer tem, inclusive na 
sociedade brasileira, deriva do fato de que não são apenas 
homossexuais que se sentem em contradição com as normas, 
afinal, há muito mais pessoas em desacordo com as conven-
ções culturais, com as obrigações que nos são impostas em 
termos de comportamento. 
O queer busca tornar visíveis as injustiças e violências 
implicadas na disseminação e na demanda do cumprimento 
das normas e das conversões culturais, violências e injustiças 
envolvidas tanto na criação dos "normais" quanto dos "anor-
mais': Quer alguém seja completamente ajustado e reconhe-
cido socialmente, quer seja alguém marcado, humilhado, as 
normas e convenções operaram sobre os dois e ambos são ca-
pazes de reconhecê-las. Claro que os humilhados e ofendidos, 
os rele~ados à vergonha e à abjeção, sofrem mais e são os que 
denommamos esquisitos, mas não é tão raro, em nossos dias, 
encontrar pessoas que mesmo dentro dos modelos socialmente 
, , O slogan gay do "orgulhon mal enc b , . 
uma gramática m 
1 
, . 0 re seu par necessano, a vergonha. Trata-se de 
ora coniormista em qu . • . . . _ 
são ignoradas mes . e as expenenc1as do estigma e da abJeçao 
' mo porque atingem os . b 
os que não constituem f íJ · . ma.is po res, os que deslocam os gêneros, 
am 1a. Assim as dem d 
to de classe alta e branca S b ' an as gays revelam seu enquadrarnen-
. o re estes aspectos, consultar Warner (1999) . 
26 
---
impostos reconheçam seu caráter compulsório, violento e in-
justo. De forma muito esquemática, mas, espero, esclarecedo-
ra, essa reflexão busca distinguir o espírito político queer da 
mera luta pró-homossexualidade: 
r··· --· -· ··- -······-·. 
i Homossexual 
.. R~gi~e d; ~;;dade i ... -siná;i~ h~tero-homo 
... . .... ... . .. .. .... . . ........ . .... ..... 1... ·-·- ·- · ·····--····· 
Luta política 
i 
l 
i 
i 
Defesa da 
homossexualidade 
1 Queer 
·· ··r 
i Normal-anormal 
1 Crítica aos 
: regimes de normalização 
Perspectiva , Diversidade I Diferença 
-~?~~-i~çi? .. di.P?.d~r. !_· __ ·_·-_-R_-e_-p_re_~ __ so_;a_--_· -__ ··· --D-is-ci-pl-in-a-r/c_:o:.__n_tr-ol_e __ 
······ ·• ··I···------
Segundo a filósofa norte-americana Judith Butler, o queer 
é uma nova política de gênero. Alguns tendem a ver essa re-
alidade nos movimentos na entrada progressiva de traves-
tis, transexuais, não brancos, todos os outros que antes não 
eram vistos como suficientemente dignos de participar da 
luta. No entanto, um olhar mais atento reconhecerá que a 
lógica identitária anterior é a que rege essa entrada e plu-
ralização dos sujeitos dos movimentos sociais, e não uma 
revisão de sua forma de atuação. A nova política de gênero 
- que também pode ser chamada de queer - se materializa 
no questionamento das demandas feitas a partir dos sujeitos; 
em outras palavras, chama a atenção para as normas que os 
criam. Essa mudança de eixo na luta política se fundamenta 
em duas concepções distintas com relação à dinâmica das 
relações de poder: uma que as compreende a partir da visão 
do poder como algo que opera pela repressão, e outra que o 
concebe como mecanismos sociais disciplinadores. Na pers-
pectiva do poder opressor, os sujeitos lutam contra o poder 
por liberdade, enquanto na do poder disciplinar, a luta é por 
desconstruir as normas e as convenções culturais que nos 
constituem como sujeitos. 
Michel Foucault é o responsável por essa mudança de eixo 
nas reflexões sobre o poder. Em Vigiar e punir, o filósofo explica 
27 
d1id.1d,,s,1nwnk '-·,,mo ., cntKt·pç,\o do podt·r como localizável 
t' rt·prt·ssor n.,,, dà 1..·onta da rcalidadt· histórica contcmporâ -
1\t',\. n.1 qual o poda l'sta t'lll toda parte e opera também por 
mt·i,, da indt .. 11;.io dos sujt·itos a agirt'lll de acordo com os in -
lc'ft'sscs hcgcmô nkos. Nessa paspectiva, o poder deixa de ser 
al~o fadlmenk' associado a alguém ou a uma instituição, o rei 
ou a prt·sidênda. por exe mplo, e passa a ser visto como uma 
sit11,h.;ào estratégica em urna dada sociedade em certa época. 
Passamos. portanto. de uma teoria do poder para o desafio de 
lidar com ek como relacional, histórico e culturalmente vari -
;ivd. ou st·ja . por meio de uma ana..lítica.12 
A maio r pa rte do movimento feminista e do movimento 
homossexual das décadas de 1960 e 1970 era liberacionista. 
ou seja, via mulheres e homossexuais como sujeitos oprimi -
dos qut' dt'vcriam lutar pela liberdade. Eram movimentos que 
concebiam o poder como repressivoe operando de cima para 
baixo. por exemplo. pelas elites dominantes contra o povo. A 
despeito das demandas inovadoras de reconhecimento das 
difaenças. opt·ravam com a inspiraç,io teórica marxista que 
marcara o antigo movimento operúrio. De forma muito sim -
plifi"·ada . cm como St' a luta de trabalhadores contra o capital 
es tivt'sse sn1do apt·nas adaptada a u.m contexto em que novos 
sujt'itus lutavam contra outras formas de opressão. A partir 
do final da década de 1980. com a disseminação do conceito 
de grm-ro t' a i1Korpora1.;ão das idc•ias de Foucault sobre uma 
.inalítica J o poda . a nova política dt' gtnero começa a modifi -
car t's.sa forma dt· concc•ba a luta política e a apontar como é a 
n iltura t' suas normas qut' nos criam como sujeitos. 
A mudanç,1 de: frKo d,>s :-ujt'itos para a cultura gerou rea -
ç<ks. ,\luitl)S diziam 4ut· o conct'ito dt' gh1c·ro despolitizaria os 
-\ -.leu de UHld <1.nJ.u l 1, .1 J,, p,•,kr da i,-:i d.- ,u ., ú \lnp~n;.iu ,·,Hu,) 1111u ,itu,1,·.iu 
• •'t.<!c~•,.1 , ·11 1 um.1 ,.-rt .J qx,..-.J .- ,,,_ ,nl.id.- :\ ssim. ,, po<l,· r n.io;: 101.-a.li zdvd .-m 
• 1 m-.111 u,, .1,, ,,u I" ''-'<' d.,. .1 ~ u,·1 11 . ,n1d,, .111k·~ r..,_·,)nh.-,.· ,vd nn ,u.J dinlmi,·., 
ICl:Ci'f .. , .. ,u,d c111 tn ni,,_., h 1-, 1<•rt""' ,·, uJtur.1J.s. :--,t,"' = tc-.i.n....Jon11.1,·1,, 11.1 f,,n1 1.1 
~ •ut ,"-. .l.·1 .o., 1, L,, 0..-,. ,.k l""!.-1 ,,,~ult.- tdl11t>cnt .:1 <'Xú•l.-11 tt' ,nrnxlu,·,h,, d ,-
itubn · '-I . tvJ , • · . 11J,, 11 , '" ,k F,,u,.1ul1 
113 
movimentos e que não ~c ri a pos~ lvel fazer po lítica sem partir 
dos sujeitos concrt:tos, no caso do movimento feminista , as 
mulheres. A história provo u o contrário . Na nova política de 
gênero, seja lá nos Estados Unidos, que r seja aqui no Brasil , 
ganharam espaço problemáticas trazidas po r trabalhadores do 
sexo, transexuais. travestis e mesmo por pessoas que às vezes 
estão dentro de relações com pessoas do sexo oposto, que po -
deriam ser vistas como pessoas modelares socialmente , mas 
que não acreditam nessas normas e acham que é uma violên -
cia que elas . as normas, sejam impostas . O s hetero-queer são 
muito numerosos, politicamente engajados com as pessoas 
que sofrem estigma e são relegadas à abjeç.ão. Em comum, essa 
nova onda dos movimentos sociais problematiza a cultura e 
a imposição social de normas e convenções culturais que. de 
forma astuciosa e frequentemente invisível, nos formam como 
sujeitos, ou melhor, nos assujeitam. 
Mas. afinal, o que aconteceu para que a n o,·a política de 
gênero originasse uma corrente teórica? Para compreender 
isso, é necessário recapitular a forma como as transformações 
políticas e culturais da d écada de 1960 repercutiram na pro-
dução do conhecimento. Esse cenário foi fundamental no qut' 
toca às reflexões sobre a sexualidade' como algo que e construi -
do socialme nte. e não algo meramente bio lógico . .\te por , ·0ltJ 
da década de 1960, tomava-se a sc>xualiJaJc> ü'mo um.t án't1 d.1 
vida humana que era explicada pda Biologia. P<'hi ~lt'Jil.'i na . 
na melhor d as hipó tesc·s pda Pskanili~c' . até qu<. t"m 1 'IM. h.i 
a publicação. na lnglatt'rra . do artigl) "Thc' Hvml°\.--sc.:rn.u Rl)k v 
(O papd ho mossexual) . c·scrih> pd.1 Slh:i1.,ll)~J. \ t.1.0· ~klrHü,,h. 
Ess t' é l> primeiro tc·x to qut· ,~.ii dizc-·r "-l,ir.unc>ntc' ~uc· .1 twmo-:--
sexualidadc· é algo socüu1nc·ntc· ti., rj,u.fo, 
Não por acaso. l' arti~w dt' \kl nt(l-.,h foi pu~h\.'1.hfo nü p..l · 
radigmút ko a 1w cbs transfr1rtn.\\'Út'S t'stuJ ... mtis 11d fnin,-.1. 1w 
Brnsil, 1w ~k.xirn. 1w ,, Fst,h.ll'-' l 'nidl'-'- J.1 n.11.k"--.iJ.1 de- l 1ru, 
h;, um fü,r1:.·sl."imc·ntl1 Jo., t'Studl)S ~..t~~ t' k:-hi""'' úHH \~ra~ Jc-
pt'squisnd,,n:·s 1.1s '--l' IHl' ,, ~' '"-i,,k,~\, ~. iütU'-"-' ktfn.· ,· \\·c>~--ks. 
29 
No Brasil, o primeiro estudo sociológico sobre homossexua-
lidade, orientado por Florestan Fernandes, surgiu no final da 
década de 1950 e foi publicado por José Fábio Barbosa da Silva 
como "Aspectos sociológicos no homossexualismo em São Pau -
lo" ( 1959), em uma revista da Escola de Sociologia e Política. In -
felizmente, a pesquisa não teve repercussão, e o autor se mudou 
para os Estados Unidos. Apenas na década de 1970, o tema re-
emerge em outra chave, em O estigma do passivo sexual ( 1979), 
de Michel Misse. A partir do início da década de 1980, surge 
uma nova onda de pesquisas, como as de Peter Fry, Edward 
MacRae, Luiz Mott, Carmen Dora Guimarães, entre outros. Se-
gundo Maria Filomena Gregori (2010, p. 22-23), o que passou a 
caracterizar a área de estudos de sexualidade em nosso país foi 
a documentação e a análise de um repertório de práticas socio-
culturais que contestam categorias como essência ou natureza 
humana, particuJarmente por meio da inserção da sexualidade 
e do desejo na esfera do cuJtural e do histórico. 
Nas décadas de 1970 e 1980, no Brasil e no exterior, a 
maioria dos estudos focaram em gays e lésbicas e tenderam, 
mesmo sem essa intenção, a corroborar a impressão de que 
a maioria das pessoas eram heterossexuais e que a homosse-
xualidade era algo restrito a uma minoria diferente que a so-
ciedade precisava aprender a conhecer e respeitar. Em outras 
palavras, os estudos sobre homossexualidade eram pesquisas 
sobre minorias sexuais, algo extremamente importante em 
uma época que ignorava ou desqualificava formas de vivência 
sexual não hegemônicas, mas que ainda questionavam apenas 
de forma parcial a hegemonia hétero como cultural e política. 
Os estudos queer vêm modificar isso. Já em meados da dé-
cada de 1980, nos Estados Unidos, Eve Kosofsky Sedgwick de-
senvolveu uma análise das interdependências entre a hetero e a 
homossexualidade em Between Men ( 1985), um livro que analisa 
os triângulos amorosos em romances do século XIX de forma a 
compreender como se criou historicamente tanto o que, décadas 
mais tarde, passaria a ser chamado de homossexualidade quanto 
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-
a própria hetcrosc;exualidadc. No lfrMíl, N~tor Pcdmv~cr Íiét 
algo similar em O negócío do míchi: a proJtituiçlw víríl em .~ 
Paulo ( J 986; 2008), obra em que a míchetagem lo,(."Tvc wrrnJ pon-
to de observação privilegiado para rc..-p<.-mar a ~ fera do dL~o t 
da sexualidade como um todo. Em O que é aíd.s ( 1987), o p~uí-
sador argentino-brasiJeiro foi ainda mai!, longe n<J diagnc,~ie<) 
de que a homossexualidade era um fan tasma a partir do qual a 
heterossexualidade havia sido naturalizada e imt ituída cultural-
mente, o que a epidemia de aids vinha reforçar. 
Apesar de lidarem com objetos muito distintos histórica e 
socialmente, os livros citados marcaram uma inflexão nos estu -
dos sobre sexualidade. No entanto, devido a especificidades his-
tóricas e de dinâmicas acadêmicas diferentes, a obra de Sedgwick 
teve mais impacto nos Estados Unidos do que a de Perlongher 
no Brasil. Além disso, a centralidade da produção académica 
americana, ou seja, seu poder de influência mundial gerou a ver-
são ainda corrente - mas altamente contestável - de que a Teoria 
Queer surgiu apenas lá e teve como data de nascimento 1990, 
ano em que foram lançados três de seus livros mais influentes: 
Problemas de gênero, de Judith Butler, One Hundred Years of 
Homosexuality (Cem anos de homossexualidade), de David M. 
Halperin, e, sobretudo, o grande livro fundador da Teoria Queer, 
A epistemologia do armário, de Eve Kosofsky Sedgwick. 
O que esses primeiros estudos queer já vão modificar? Pri -
meiro, o pressuposto de que a maioria é heterossexual é alta-
mente questionável porque se a homossexualidade é uma_c~n~-
trução social, a heterossexualidade também é. Então, o binano 
hetero-homo é uma construção histórica que a gente tem que 
repensar. Até mesmo dados empíricos, como os que surgiram ª 
partir de pesquisas sócio-antropológicas durante a epide~ia de 
· ntre d1feren-HIV /aids, mostravam que as pessoas transitavam e 
tes formas de amar. As pessoas nunca couberam apenas em um 
número limitado de orientações do desejo. 
, e e · ·stas que criaramO segundo aspecto e que 1oram 1emm1 
. . . Ih h ens Enquanto a a Teoria Queer, feministas mu eres e om · 
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wwwa :. 
rn.uoc parte dos c-<,tudos gays eram feitos por homens que não 
lwn ~ feminista~ a Teoria Queer é uma vertente do femini smo. 
\ ·<."rd.adc c,eja djta, é uma verte-nte que vem questionar se o su-
1e-1 to do fcmini':>mo é a mulher. Até hoje boa parte da produção 
femi nista é feita com o pressuposto de que género é mulher. A 
Teoria Queer lida com o género como algo cultural , as~im, o 
ma.!>culino e o feminino estão em homens e mulheres, nos dois. 
Cada um de nós - homem ou mulher - tem gestuai s, formas de 
fa2..er e pensar que a sociedade pode qualificar como masculinos 
ou femininos independentemente do nosso sexo biológko. No 
fu ndo, o género é relacionado a normas e convenções culturais 
que variam no tempo e de sociedade para sociedade. 
Em outras palavras, a Teoria Queer tem um duplo efei -
to: da vem enriquecer os estudos gays e lésbicos com sua 
perspectiva femini sta que lida com o conceito de género, e 
também sofistica o feminismo, ampliando seu alcance para 
além das rn ulhncs. Mas, como toda vertente teórica, ela reúne 
diferentes aurores/as e perspectivas sob um mesmo rótulo cria -
do a posteriori. Historicamente, o termo "Teoria Queer" foi 
cunhado por Teresa de Lauretis , em 1991, como um rótulo 
que bu scava encontrar o que há em comum em um conjunto 
muitas vezes disperso e relativamente diverso de pesquisas. 
Uma vez, em Ann Arbor, quando fazia pós-doutorado na 
Universidade de Michigan , vi um livro em uma loja cujo título 
jocoso ajuda a entender a di stinção entre os estudos gays e a 
Teoria Queer. Não se trata de um livr~ importante, é apenas de 
divulgação, mas seu título é ótimo, algo parecido com "Como 
º" estudos gays traíram o mariquinha' '. Os estudos gays, em 
~ua maior parte, eram estudos sobre homens que adotavam 
u_ma postura masculina , uma imagem de respeitabilidade so-
cial, a qual hoje em dia encontramos na mídia, especialmente 
na voltada para este pu· bl · h , . 1co, como um ornem de classe mc-
d 1a ,,u alta branco ' - 1 . · , masLU o e que, quando musculoso, termi -
na por '>l'r" <•ut em . b' t 1 · 
. . 1 , am 1en es rnetropo 1tanos como o paulis-
tano e n canoca cham 1 "b b' " ~ . , amos te ar 1c . Focando nesse perfil 
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de homo<,<,ex ualidade <JU criando t 11 tud,.>s '!,,(>b '> Ua per<,pectiva., 
os estudos gays deixaram de lado aquele<, que eram xingados e 
maltratados por romperem n<JTma<, de género. 
Como profissionais da educação UJ'>tumam tc'>temunhar, 
são meninos femininos e menina'> ma~ulí na<,, pew:,a<, andrógj -
nas ou que adotam um género di ':>tí nto do e'>perado socialmen-
te, que costumam sofrer injúrias e outra'> form~ de violéncí.a no 
ambiente escolar. Será mero acaso que homem e mulheres que 
constroem um perfil de género esperado e escondem c;eu de..ejo 
por pessoas do mesmo sexo sofram menos perseguição~ A <,,0-
ciedade incentiva essa forma "comportada", no fundo, reprimida 
e conformista, de lidar com o desejo, inclusive por meio da for-
ma como persegue e maltrata aqueles que são cotidianamente 
humilhados sendo xingados de afeminados, bichas, viados, ter-
mos que lembram o sentido original de qucer na língua inglesa. 
Um olhar queer sobre a cultura convida a uma perspec -
tiva crítica em relação às normas e convenções de gênero e 
sexualid ade que permitem - e até mesmo exigem - que mui -
tas pessoas sejam in sultadas cotidianamente como esquisitas, 
estranhas, anormais, bichas, sapatões, afeminados, travestis, 
boiolas, baitolas, e por aí vai. Pensem sobre essas pessoas e 
ficará um pouco mais claro, espero, por que queer não é ape-
nas sinônimo de gay ou de homossexual. Também espero que 
percebam que nada, ou muito pouco, adianta buscar passar 
da injúria para urna tabela de identidades, de forma que fosse 
possível dizer assim : "eu vou respeitar fulano, porque fulano 
é tal coisa". A ideia não é apenas descobrir a forma correta de 
chamar alguém, mas, antes questionar esse.' processo de clas -
si ficação que gera o xingamento: a primt.·ira t'xperiência com 
relação à sexualidadt' de todo mundo, seja daquele que foi 
rejeitado e aprendeu que n;io er,1 norm,11, seja de qut'm adotou 
as normas e se inseriu soc ialmente de uma forma mais fácil, 
digamos assim , é a cxperiénçi,1 da injúria. 
As pessoas aprt·ndcrn sobre st·xualidade ouvindo injúrias 
Cü fll rcLiçào ;1 si prúpri:1s nu com rd:i\·;io aos outros. Na escola, 
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~ "'~ ~~ ~ ri(··~,"-• qu-< ~'-ln'_. ,nju r i,l. e xi1~1.\dtl. ~ humi-
1~¼. ~u« ~ 'to:\~ 'l'n" ,'\\tW \.'ll , ~ ~ ucm sc.-r ,n.,hmh\d\, dc.·s..~1 
kVll\-â- <: tlô.""-,\ ~tu~-h, '-b \ '('~"'-mh x\ "l.U<-' 1.\c.•~~"\'-hn' \l qu<.' t a Sc.'-
)...\.~lM~hle- f: '---km, "lU<.', Jc.~-....1 fonn,t, i$.."' ~'<-' ln.ms.fi .. um,1 t.'m um 
tr~um~ .. t' tuJ,, ~ J'\t\.'\f pr.:1 'llk..'tn ~ hum i\h~\J(, <.' mttllmtih.l1.\. l\\ãs 
tam~n tl-àú -t tl..R1.l ~\gr-.\J,wd ,\lsulm que.· - tnc.'$t\\ü n:i'-' sendo 
, . .-,q~~J-0 _ ~"\'{\r(' -l_lk.' ~'l\ ...--x'\\t..~ ll c.-:-t;.\. scnJú humilh.1d(\ e.' m,tl -
t.T.a~ 1-xv .:.m$.;\ '-h~--'- t. ;t:--.,im 'lU<-' ;\S n,wm.1s se.• fazem v·ãkr. 
l)a.i ~r $.tOl.t-"h-st., n-:sumir c..-:-...,1s ,iolénô.ts 1'\) termo "ho-
n'h.,fr.-.hla •. à ,i ú~n.:ia Jiri.gi<l,1 ,\ h '-,m<.\ .. ~~müs,. pú is <.'S$.lS vio-
lêfu..-u:; se düi~l a tod\.'S t' h.xfas,. .1.pc·.'n ,1s em gr.ms dit~rentes... 
Essas violências são e.."q'res..~ o do hett'ro&.-e..xismo, da forma 
.:ü ffh.) S(.'n\OS S<x..i.ali!l.ados dentro de um regime de tarorismo 
cultural. US-O e$Sc tennú forte. "ta-rorismo (:ultur..1.1'' , p;i.rn res-
saltar que se trata de algo coletiv,unente imposto e e..,1)erien -
ciado; sobretudo, algo que Y1i além de atos isolados de violên-
cia.. Em W11a perspectiva sociológica, há uma lógica de impo-
sição de nonnas por trás de W11a fo rma de violência sempre 
à espreita, pois quando sabemos que ela pode acontecer, mas 
não quando nem de onde ela virá, aprendemos a nos compor-
tar de fonna "segura", ou seja, de uma fom1a que nos coloque 
ao abrigo de suas manifestações. O terrorismo cultural é um 
nome que busca ressaltar a maneira como opera socialmente 
o heterossex:ismo, faundo do medo da violência a forma mais 
eficiente de imposição da heterossexualidade compulsória. 
Na vida social, mas sobretudo na escola, aprendemos as 
formas coletivamente esperadas de ser por meio da persegui-
ção às maneiras de agir e ser rejeitadas socialmente. Na esfera 
do desejo e da sexualidade, a ameaça constante de retaliações e 
violências nos induz a adotar comportamentos heterossexuais. 
Por isso, o que a m ídia chama de homofobia atinge mais visi -
velmente quem é xingado, humilhado ou sofre violência física, 
mas também constitui um fenômeno que envolve a todos: a 
vítima, o algoz e as testemunhas. Em um episódio de violên-
cia há aquele que é atacado injustamente, 0 que ataca fazendo 
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n tk.r unrn nornrn social t' quem testemunha a cena. Frequente-
mente'. quem assiste mio consegue agi.retende a ver na v;olên -
d ,l Ulll ,tlert.t p,tm .h:eitar a norma. caso não queira se tornar 
,1 próxim.1 vítima . 
Atos isobdos de violêm::ia emergem quando formas an -
tt'ri<lrt.--S, invisíveis de violênda. se revelaram ineficientes na 
imp0,.,;i\-ão de norm,1s ou convenções culturais. Estes atos cha-
mam nHtis nossa aten ção. nrns nào podem nos iludir como 
sendo as únicas formas de violência que se passam no con-
vívio social. Na verdade, ironias, piadas, injúrias e ameaças 
LOstumam preceder tapas, socos ou surras. A recusa violenta 
de formas de ex pressão de gênero ou sexualidade em desacor-
do wm o padrão é antecedida e até apoiada por um proces-
so educativo heterosse..~sta, ou seja, por um currículo oculto 
comprometido com a imposição da heterossexualidade com-
pulsória.. Um comprometimento em construir uma experiên-
cia educacional que tenha uma perspectiva queer exige lidar 
com a experiência da abjeção como algo concernente a todos 
e que não deveria serparte da experiência educacional. 
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