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Genero_e_Sexualidade_na_Atualidade_UFBA(1)

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Gênero, Sexualidade e Educação
HACE50
Gênero e sexualidade na atualidade
Leandro Colling
Gênero e sexualidade na atualidade
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS
GÊNERO E SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO
Salvador, 2018
Gênero e sexualidade na atualidade
Leandro Colling
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Reitor: João Carlos Salles Pires da Silva
Vice-Reitor: Paulo César Miguez de Oliveira
Pró-Reitoria de Extensão Universitária
Pró-Reitora: Fabiana Dultra Britto
Instituto de Humanidades, Artes e Ciências
Diretor: Messias Bandeira 
Superintendência de Educação a
Distância -SEAD
Superintendente
Márcia Tereza Rebouças Rangel
Coordenação de Tecnologias Educacionais
CTE-SEAD
Haenz Gutierrez Quintana
 
Coordenação de Design Educacional
Lanara Souza
Coordenadora Adjunta UAB 
Andréa Leitão
Gênero e Sexualidade na Educação
Coordenador: Prof. Leandro Colling 
Produção de Material Didático
Coordenação de Tecnologias Educacionais
CTE-SEAD
Núcleo de Estudos de Linguagens &
Tecnologias - NELT/UFBA
Coordenação
Prof. Haenz Gutierrez Quintana
Projeto gráfico, diagramação e capa
Haenz Gutierrez Quintana
 
Equipe de Revisão: 
Edivalda Araujo
Julio Neves Pereira
Márcio Matos
Simone Bueno Borges
Equipe Design
Supervisão: Alessandro Faria
Editoração / Ilustração: 
Ana Paula Ferreira; Marcos do Nascimento; 
Moema dos Anjos; Sofia Casais; Ariana 
Santana; Camila Leite; Marcone Pereira
Gerente de AVA: Jose Renato Oliveira
Design de Interfaces: Raissa Bomtempo
Equipe Audiovisual
Direção: 
Haenz Gutierrez Quintana
Produção: 
Leticia Oliveira; Ana Paula Ramos
Câmera: Valdinei Matos
Edição: 
Deniere Silva; Flávia Braga; Irlan 
Nascimento; Jeferson Ferreira; Jorge 
Farias; Michaela Janson; Raquel Campos; 
Victor dos Santos
Animação e videografismos: 
Bianca Silva; Eduarda Gomes; Marcela de 
Almeida; Dominique Andrade; Roberval 
Lacerda; Milena Ferreira
Edição de Áudio: 
Cícero Batista Filho; Greice Silva; Pedro 
Henrique Barreto; Mateus Aragão
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de 
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - 
Código de Financiamento 001. Esta obra está sob licença Creative 
Commons CC BY-NC-SA 4.0: esta licença permite que outros remixem, 
adaptem e criem a partir do seu trabalho para fins não comerciais, desde que atribuam o devido 
crédito e que licenciem as novas criações sob termos idênticos.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFBA
C711 Colling, Leandro.
 Gênero e sexualidade na atualidade / Leandro Colling. - Salvador: 
UFBA, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências; Superintendência de 
Educação a Distância, 2018. 
 69 p. : il.
ISBN: 978-85-8292-181-4
 1. Identidade de gênero. 2. Homossexualidade. 3. Homofobia. 4. Ideologia 
de gênero. I. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Humanidades, Artes 
e Ciências. II. Universidade Federal da Bahia. Superintendência de Educação 
a Distância. III. Título 
 CDU 305
Esta obra é um Componente Curricular do Curso de Especialização em Gênero e 
Sexualidade na Educação na modalidade EaD da UFBA/SEAD/UAB
Apresentação .................................................................................... 07
Unidade 1 - Gênero ........................................................................... 09
1.1 O que é identidade cultural e como ela é produzida? ...........................09 
1.2 Breve histórico das primeiras vertentes dos movimentos feministas e 
LGBT ...............................................................................................................13
1.3 O que é e como foi construído o conceito de gênero? ........................22
1.4 O que são os estudos queer? ......................................................................25
1.5 O que é a teoria da performatividade de gênero? ................................28
1.6 O que é identidade de gênero? ..................................................................32
Unidade 2 -Sexualidade ................................................................... 41
2.1 O que é homofobia? .....................................................................................41 
2.2 O que é heterossexualidade compulsória e heteronormatividade? ..43
2.3. O que é homossexual, bicha, gay, lésbica, sapatão, bissexual, 
pansexual, assexual? ...................................................................................49
2.4 O que é intersexo ou intersexualidade? ..................................................50
Unidade 3 - Tensões e polêmicas atuais em gênero e sexualidade. 
 ........................................................................................................ 55
3.1. O que é ideologia de gênero? ....................................................................55
3.2 Equívocos recorrentes sobre gênero e sexualidade ..............................56
3.3 Genes determinam a homossexualidade? ..............................................60
Referências ........................................................................................ 65
Sumário
ApresentaçãoSobre o autor
Pessoas queridas.
Este livro didático foi pensado para apresentar, de uma forma panorâmica 
e inicial, alguns aspectos, conceitos e definições importantes para quem 
deseja estudar os temas relativos à diversidade sexual e de gênero na 
atualidade. A proposta é suscitar nas pessoas leitoras o desejo de ler mais 
sobre os temas, pois neste espaço jamais daríamos conta de desenvolver 
todos os assuntos e nuances desses temas ricos e complexos sobre 
sexualidade e gênero. Algumas reflexões adicionais serão acrescentadas e 
desenvolvidas nas videoaulas, que devem, preferencialmente, ser assistidas 
depois da leitura atenta de cada unidade deste livro. Ou seja, as videoaulas 
partirão do pressuposto que vocês já tenham lido e assimilado o conteúdo 
de cada unidade deste livro.
E não é por acaso que este componente é o primeiro de nosso curso 
de especialização em Gênero e sexualidade na educação. As reflexões 
iniciadas aqui serão depois aplicadas e aprofundadas especificamente nas 
suas interfaces com o campo da educação. Por isso, é muito importante 
entender bem os assuntos deste livro e módulo. Para que isso ocorra, não 
deixe de fazer as leituras complementares e atividades sugeridas no final de 
cada unidade.
De maneira resumida, este livro trata de alguns aspectos históricos do 
movimento feminista e LGBT e explica alguns dos conceitos centrais 
relativos à diversidade sexual e de gênero, a começar pela própria categoria 
gênero. Ao final, tratamos brevemente de alguns tensionamentos e desafios 
atuais envolvidos nessas discussões no Brasil da atualidade. Algumas das 
reflexões aqui contidas já foram realizadas por mim em outros textos, mas 
aqui ganharam uma nova versão e sistematização, além de uma série de 
novos acréscimos com o objetivo de tornar compreensível esses complexos 
temas para qualquer pessoa.
Bons estudos!
Leandro.
Leandro Colling - bolsista de produtividade em pesquisa 2 do CNPQ, 
graduado em Comunicação Social pela Universidade do Vale do Rio dos 
Sinos (1996), mestre (2000) e doutor (2006) em Comunicação e Cultura 
Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. Realizou o seu estágio 
de pós-doutoramento em 2013-2014 na Universidade de Coimbra, junto 
ao Centro de Estudos Sociais (CES). É professor associado I do Instituto de 
Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) Professor Milton Santos, professor 
permanente do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura 
e Sociedade e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação 
em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, da 
Universidade Federal da Bahia. 
É criador e coordenador do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, 
Gêneros e Sexualidades (NUCUS) e é autor de vários artigos e capítulos de 
livros sobre as temáticas LGBT e queer nos produtos culturais e nas artes 
e sobrepolíticas para o respeito à diversidade sexual e de gênero. É autor 
do livro Que os outros sejam o normal: tensões entre movimento LGBT e 
ativismo queer e organizador dos livros Stonewall 40 + o que no Brasil?, 
Estudos e políticas do CUS e Dissidências sexuais e de gênero, todos editados 
pela Editora da Universidade Federal da Bahia. 
9
1.1 O que é identidade cultural e como ela é produzida?
Antes de tratarmos especificamente sobre gênero e identidade de 
gênero, é preciso pensar sobre o que entendemos por identidade, ou 
melhor, identidades. Mesmo sem nos darmos conta, quase todos os dias 
nos deparamos, de alguma maneira ou outra, com as seguintes perguntas: 
quem é você? Onde nasceu? Onde mora? Onde estudou? Do que gosta? 
Essas perguntas, que parecem simples, fazem com que criemos um texto 
sobre quais são as nossas identidades, sobre como nos identificamos em 
relação a diversos aspectos e como nos explicamos para as demais pessoas. 
Ao responder essas questões uma determinada pessoa poderá dizer, por 
exemplo, que é uma mulher brasileira, alta, negra, residente da periferia de 
Salvador, que lutou muito para estudar, que torce pelo Bahia e que gosta de 
pagode. Esse breve texto descreve as identidades dessa pessoa (de ordem 
nacional, de gênero, territorial, escolaridade, esportiva e musical). Além 
disso, também nos dá pistas sobre como a cultura na qual ela vive interfere 
e interferiu profundamente nessas características com as quais ela passou 
a se identificar. É por essas e outras coisas que os estudos sobre as diversas 
identidades que existem em nossa sociedade tendem a defender que as 
nossas identidades são culturais, ou seja, elas não são completamente 
inatas, naturais ou determinadas por algum componente genético. 
No entanto, é evidente que a composição biológica dos nossos corpos, que 
é diferenciada, interfere na construção das nossas identidades. Por exemplo: 
uma pessoa com a pele clara não será identificada como negra e não sofrerá 
uma série de preconceitos de ordem racial que atingem as pessoas negras 
em uma sociedade racista como a nossa. Mas, ainda assim, isso não quer 
dizer que as identidades raciais sejam construídas de forma determinista 
por algum componente biológico e/ou genético. Se pensássemos assim, 
Unidade 1 – Gênero
Figura 1: Identidade. Ilustração Carlos Reis
10 11Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
estaríamos, no final das contas, pensando por uma perspectiva racista. 
O que os estudos das identidades questionam, dentro dessa perspectiva 
cultural, é: por que atribuímos valor positivo para determinados corpos e 
não para todas as pessoas? É a partir daí que começamos a perceber que, se 
formos responder aquelas perguntinhas iniciais de uma forma um pouco 
mais profunda, veremos que as respostas estarão carregadas de processos 
históricos, políticos e econômicos que forjaram as formas com as quais 
constituímos as nossas identidades.
São esses processos que explicam porque, até bem pouco tempo, aquela 
nossa mulher negra, citada acima, talvez se identificasse como mulata ou 
morena. Se estamos tratando da mesma pessoa, por que em determinado 
contexto e tempo histórico essa pessoa se identificaria como morena e 
em outro como negra? É nessas questões que os estudos das identidades 
culturais estão mais interessados.
Stuart Hall, um importante autor que pensou muito sobre a construção 
das nossas identidades, em especial as étnico-raciais, entendia o seguinte 
sobre as identidades:
Utilizo o termo identidade para significar o ponto de encontro, o ponto de sutura, 
entre, por um lado, os discursos e as práticas que tentam nos interpelar, nos falar 
ou nos convocar para que assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de 
discursos particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades, 
que nos constroem como sujeitos aos quais se pode falar. As identidades são, pois, 
pontos de apego temporário às posições-de-sujeito que as práticas discursivas 
constroem para nós (...) Isto é, as identidades são posições que o sujeito é 
obrigado a assumir, embora “sabendo” sempre que elas são representações, que 
a representação é sempre construída ao longo de uma “falta”, ao longo de uma 
divisão a partir do lugar do Outro e que, assim, elas não podem, nunca, ser 
ajustadas – idênticas – aos processos de sujeito que são nelas investidos (HALL, 
2007, p.111-112).
O que podemos extrair dessa citação complexa? Primeiro: ao contrário do 
que o senso comum pensa, nós somos interpelados a assumir determinadas 
posições identitárias. As perguntinhas e também as conhecidas injúrias nos 
interpelam a construir as nossas identidades, a pensar em como iremos 
nos identificar, quais palavras iremos escolher para formular o nosso texto 
identitário. E nós realizamos essa operação acionando os discursos, palavras 
e práticas que já estão à nossa disposição. Mas essas práticas discursivas 
mudam ao longo do tempo e, também por isso, as identidades não podem 
ser pensadas como fixas, eternas, mas como “pontos de apego temporário”, 
nas palavras de Hall. 
Na segunda parte da citação, Hall dialoga com os estudos das subjetividades 
para defender que só conseguimos elaborar o nosso texto identitário em 
função da existência do Outro, da alteridade, daquilo que difere de nós. 
Para eu me identificar como homem, preciso da existência da mulher. Para 
me identificar como heterossexual, preciso da existência do homossexual. 
Ou seja, esse Outro, que muitos rechaçam ou querem exterminar, exerce 
um papel importante para a construção do meu próprio texto identitário. 
É por essas e outras questões que Tomaz Tadeu da Silva define que a 
identidade
não é uma essência, não é um dado ou fato – seja, da natureza, seja da 
cultura. Não é fixa, estável, coerente, unificada, permanente. Tampouco é 
homogênea, definitiva, acabada, idêntica, transcendental. Podemos dizer que 
é uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato 
performativo. É instável, contraditória, fragmentada, inconsciente, inacabada. 
Está ligada a sistemas de representação, tem estreitas conexões com as relações 
de poder (TADEU DA SILVA, 2007, p.97)
Façamos novamente um esforço de pensar com o autor. Ou seja, a 
identidade é o resultado de um processo de construção que não realizamos 
de forma totalmente autônoma, sozinhos. Identidade sempre é relacional, 
depende do diferente, do Outro, da diferença, para que saibamos quem 
somos. As identidades só podem adquirir sentido através da linguagem. 
O interessante desse aspecto é que acionamos a linguagem para elaborar 
o nosso texto identitário, mas essa linguagem não foi criada por nós, ela 
precede a nossa existência, já existia quando chegamos neste mundo. 
Além disso, as identidades são marcadas por meio de símbolos e 
representações, que colaboram muito para valorizar determinadas 
identidades ou subjugar outras. Uma representação em uma telenovela, 
por exemplo, não apenas retrata uma realidade, ela também ajuda o 
processo de construir ou manter um certo estigma sobre determinados 
grupos e identidades. Cientes disso, ativistas do campo das identidades 
jamais consideram tolices as representações do seu grupo em um meio 
de comunicação de massa. Pelo contrário, disputar e lutar por essas 
representações se torna um dos principais focos das políticas de muitos 
movimentos sociais e ativistas.
Mas esses coletivos que agrupamos em certas identidades também 
não são homogêneos, unificados. Voltemos à nossa personagem mulher 
negra. Existe uma imensa diversidade entre as mulheres negras, nem todas 
concordam sobre o que é ser uma mulher negra, outras apontarão sobre 
o que é ser uma mulher negra “de verdade”, e aí entramos em um rico e 
polêmico debate sobre o campo das identidades. 
12 13
1.2 Breve histórico das primeiras vertentes dos 
movimentos feministas e LGBT
Nosso interesse neste componente curricular é o de discutir as identidades 
sexuais e de gênero. Em alguns momentos iremosseparar as identidades 
sexuais das identidades de gênero, mas veremos que, a rigor, esses dois 
campos são muito inter-relacionados. Quando trabalharmos em separado 
é muito mais por uma questão didática ou porque determinados saberes 
e movimentos sociais trabalharam com essas identidades dessa forma. 
Ao final, vocês perceberão como é difícil, hoje em dia, separar, de forma 
estanque, as questões da sexualidade das questões de gênero.
As discussões sobre identidades sexuais e de gênero são centrais para 
os movimentos feministas e LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e 
transexuais). A “história oficial”, que é controversa, divide o movimento 
feminista em várias “ondas” ou fases. Muitas feministas criticam a ideia 
de “onda”, considerada como um movimento efêmero, que passa. As 
contribuições desses diversos momentos do movimento feminista, 
entretanto, foram decisivos e permanecem na sociedade atual. A primeira 
fase seria a do chamado movimento sufragista, da virada do século XIX 
para o XX. Esse movimento estava inicialmente mais voltado para lutar 
pelo direito de voto das mulheres.
Figura 2: protesto feminino . Ilustração Carlos Reis
 
Para gravar 
O que vale a pensa guardar desse debate, que é muito mais complexo e longo 
do que consta essa breve síntese, é que as identidades que nós possuímos re-
sultam de um processo de identificação que sofre influências de inúmeros as-
pectos. Esses processos de identificação iniciam na medida em que crescemos, 
se intensificam em determinados momentos de nossas vidas, mas, a rigor, nun-
ca findam, mesmo quando já estamos na idade adulta. Basta se perguntar: você 
é hoje a mesma pessoa que foi no ano 2000? Com quais coisas você se identi-
ficava ontem e com quais coisas se identifica hoje? A nossa personagem inicial 
poderia dizer: “discordo, pois eu sou mulher desde que me entendo por gen-
te e sempre vou ser mulher”. Ok, mas você é hoje a mesmíssima mulher de 20 
anos atrás? Provavelmente algumas coisas mudaram, não é? Esse é um simples 
exercício para perceber que as identidades são flexíveis, mudam ao longo do 
tempo, ou seja, não podemos pensá-las como fixas, inatas ou completamente 
“naturais”. 
Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
14 15Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
As sufragetes, como ficaram conhecidas, promoveram grandes manifestações em 
Londres, foram presas várias vezes, fizeram greves de fome. Em 1913, na famosa 
corrida de cavalo em Derby, a feminista Emily Davison atirou-se à frente do 
cavalo do Rei, morrendo. O direito ao voto foi conquistado no Reino Unido em 
1918. (PINTO, 2010, p. 15)
No Brasil, por exemplo, as mulheres conquistaram esse direito apenas a 
partir de 1932.
A sufragetes brasileiras foram lideradas por Bertha Lutz, bióloga, cientista de 
importância, que estudou no exterior e voltou para o Brasil na década de 1910, 
iniciando a luta pelo voto. Foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo 
Progresso Feminino, organização que fez campanha pública pelo voto, tendo 
inclusive levado, em 1927, um abaixo-assinado ao Senado, pedindo a aprovação 
do Projeto de Lei, de autoria do Senador Juvenal Larmartine, que dava o direito 
de voto às mulheres. Este direito foi conquistado em 1932, quando foi promulgado 
o Novo Código Eleitoral brasileiro. (PINTO, 2010, p. 16).
Guacira Lopes Louro (2014) destaca que as sufragistas não estavam 
apenas interessadas em votar e aponta que aquele movimento inicial 
estava mais ligado às mulheres brancas, o que gerou, em vários países, um 
descontentamento das mulheres negras, que depois criaram o feminismo 
negro. Trataremos especificamente desse feminismo no componente 
curricular Interseccionalidades, pois foram as mulheres negras (a exemplo 
de Kimberlé Crenshaw), ou não brancas (como Gloria Anzaldúa), quem mais 
colaboraram para criar e problematizar o conceito de interseccionalidade, 
para chamar a atenção sobre como diversas opressões atravessam as 
suas vidas (não apenas as questões de gênero) e como as suas bandeiras 
principais, em função das suas vivências, se diferem das lutas prioritárias 
elencadas pelas mulheres brancas e heterossexuais. 
Com amplitude inusitada, alastrando-se por vários países ocidentais (ainda 
que força e resultados desiguais), o sufragismo passou a ser reconhecido, 
posteriormente, como a “primeira onda” do feminismo. Seus objetivos mais 
imediatos (eventualmente acrescidos de reivindicações ligadas à organização da 
família, oportunidades de estudo ou acesso a determinadas profissões) estavam, 
sem dúvida, ligados aos interesses das mulheres brancas de classe média, e o 
alcance dessas metas (embora circunscrito a alguns países) foi seguido de uma 
certa acomodação no movimento. (LOURO, 2014, p. 19) 
A chamada “segunda onda” do feminismo inicia no final da década de 
1960, quando as mulheres, além de reivindicar direitos iguais aos homens, 
também passaram a construir de forma mais sistemática as chamadas 
teorias feministas. Uma das teóricas mais conhecidas deste momento 
foi a francesa Simone de Beauvoir, com a clássica obra O segundo sexo, 
publicado inicialmente em 1949 mas que ganha, após os emblemáticos 
anos 60, uma grande repercussão. No entanto, uma série outras mulheres 
também escreveram obras fundamentais do feminismo dessa segunda 
onda em vários países, a exemplo de Mariarosa Dalla Costa (Itália), Valerie 
Solanas, Betty Friedan e Kate Millett (Estados Unidos).
A década de 1960 é particularmente importante para o mundo ocidental: os Es-
tados Unidos entravam com todo o seu poderio na Guerra do Vietnã, envolvendo 
um grande número de jovens. No mesmo país surgiu o movimento hippie, na Ca-
lifórnia, que propôs uma forma nova de vida, que contrariava os valores morais 
e de consumo norte-americanos, propagando seu famoso lema: “paz e amor”. 
Na Europa, aconteceu o “Maio de 68”, em Paris, quando estudantes ocuparam a 
Sorbonne, pondo em xeque a ordem acadêmica estabelecida há séculos; somou-
-se a isso, a própria desilusão com os partidos burocratizados da esquerda comu-
nista. O movimento alastrou-se pela França, onde os estudantes tentaram uma 
aliança com operários, o que teve reflexos em todo o mundo. Foi também nos 
primeiros anos da década que foi lançada a pílula anticoncepcional, primeiro nos 
Estados Unidos, e logo depois na Alemanha. A música vivia a revolução dos Be-
atles e Rolling Stones. Em meio a esta efervescência, Betty Friedan lança em 1963 
o livro que seria uma espécie de “bíblia” do novo feminismo: A mística femini-
na. Durante a década, na Europa e nos Estados Unidos, o movimento feminista 
surge com toda a força, e as mulheres pela primeira vez falam diretamente sobre 
a questão das relações de poder entre homens e mulheres. O feminismo aparece 
como um movimento libertário, que não quer só espaço para a mulher – no tra-
balho, na vida pública, na educação –, mas que luta, sim, por uma nova forma 
de relacionamento entre homens e mulheres, em que esta última tenha liberdade 
e autonomia para decidir sobre sua vida e seu corpo. (PINTO, 2010, p. 16)
Céli Regina Jardim Pinto (2010) destaca que, enquanto isso, o Brasil 
estava em grande efervescência cultural no início dos anos 60, mas logo em 
seguida tivemos o golpe cívico-militar no país, que, especialmente a partir 
de 1968, endureceu e reprimiu as liberdades individuais. Isso impediu o 
desenvolvimento de vários movimentos emancipatórios, a exemplo do 
feminismo.
(...) enquanto na Europa e nos Estados Unidos o cenário era muito propício para 
o surgimento de movimentos libertários, principalmente aqueles que lutavam por 
causas identitárias, no Brasil o que tínhamos era um momento de repressão total 
da luta política legal, obrigando os grupos de esquerda a irem para a clandesti-
nidade e partirem para a guerrilha. Foi no ambiente do regime militar e muito 
16 17Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
limitado pelas condições que o país vivia na época, que aconteceram as primeiras 
manifestaçõesfeministas no Brasil na década de 1970. O regime militar via com 
grande desconfiança qualquer manifestação de feministas, por entendê-las como 
política e moralmente perigosas (PINTO, 2010, p.16-17) 
A redemocratização no Brasil, a partir de 1980, criou condições para 
desenvolvimento do movimento feminista, que se ampliou rapidamente e 
passou a trabalhar em várias frentes, pelos direitos das mulheres e suas 
várias especificidades e diferenças de classe, raça/etnia, escolaridade etc. 
Nesse momento, conta Céli Pinto, existiam
(...) inúmeros grupos e coletivos em todas as regiões tratando de uma gama muito 
ampla de temas – violência, sexualidade, direito ao trabalho, igualdade no ca-
samento, direito à terra, direito à saúde materno-infantil, luta contra o racismo, 
opções sexuais. Estes grupos organizavam-se, algumas vezes, muito próximos dos 
movimentos populares de mulheres, que estavam nos bairros pobres e favelas, 
lutando por educação, saneamento, habitação e saúde, fortemente influenciados 
pelas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica. (PINTO, 2010, p. 17)
No Brasil, embora as mulheres negras já tivessem apresentado um 
manifesto no Congresso de Mulheres Brasileiras de 1975, Núbia Moreira 
considera que a relação das mulheres negras com o movimento feminista se 
estabelece a partir do III Encontro Feminista Latino-americano, realizado 
em Bertioga, em 1985. 
A partir de 1985 surgem os primeiros Coletivos de Mulheres Negras, época em que 
aconteceram alguns Encontros Estaduais e Nacionais de Mulheres Negras. A or-
ganização atual de mulheres negras com expressão coletiva emerge no sentido de 
adquirir visibilidade política no campo feminista, especificamente no III Encon-
tro Latino-Americano Feminista em Bertioga. O fato marcante tocado por todas 
entrevistadas é a cena que se estabelece uma tensão quando chega um ônibus do 
Rio de Janeiro lotado de mulheres negras que não estavam inscritas no Encontro 
e queriam dele participar. Do total de 850 participantes, 116 mulheres inscritas 
se declararam como negras e/ou mestiças. (MOREIRA, 2006, p.1).
As mulheres que integraram o posteriormente denominado feminismo 
negro estiveram, por muito tempo, ligadas ao movimento negro. A 
compreensão de que o movimento negro não contemplava questões 
específicas das demandas das mulheres, assim como o feminismo sufragista 
e da década de 1960 não contemplava questões relativas às populações 
negras, fez com que cada vez mais esse grupo se organizasse como grupo 
de maior visibilidade. Sueli Carneiro (2011) destaca que, enquanto as 
mulheres brancas lutavam pelo direito a ir à rua, por exemplo, as mulheres 
negras ali já estavam há muito tempo para trabalhar.
Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente 
a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos 
falando? Nós mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, 
provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, 
porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de 
mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas 
ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas... Mulheres que não entenderam 
nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e 
trabalhar (CARNEIRO, 2011).
Já a história do movimento LGBT é ainda mais recente, se comparada 
ao movimento feminista. A versão mais difundida entre pessoas militantes 
e pesquisadoras é a de que o movimento começa a se organizar após a 
conhecida Revolta de Stonewall, nos Estados Unidos. Alessandro Soares 
da Silva (2011) pondera que essa versão é parcialmente verdadeira porque 
já existiam coletivos organizados na Alemanha do século XIX. Em 28 de 
junho de 1968, as pessoas que frequentavam o bar Stonewall Inn, em Nova 
York, em sua maioria travestis, drags e gays precarizados, se revoltaram 
contra as insistentes batidas policiais no estabelecimento. O confronto 
durou dias e foi encerrado com uma marcha pelas ruas da cidade. Silva 
conta que as batidas policiais eram constantes nos locais de sociabilidade 
gay e serviam para que policiais corruptos arrecadassem dinheiro.
(...) o pagamento de suborno por parte de proprietários deste tipo de estabeleci-
mento à polícia já era um hábito institucional estabelecido desde os anos trinta, 
assim, havia uma espécie de data pré-estabelecida para efetuar os acertos. Na-
queles anos, muitos dos bares de ambiente eram controlados pela máfia policial 
– era o caso de Stonewall que, desde sua abertura em 1966, pagava regularmente 
dois mil dólares semanais, cobrados por policiais corruptos. Em troca desta exor-
bitante quantia em dinheiro à época, eram avisados de antemão quanto à data e 
horário das blitz policiais.
Em 28 de junho de 1969, isso não ocorreu. Não se sabe bem o motivo – se porque 
ainda não havia sido paga a quantia combinada naquela semana, ou porque 
essa seria uma maneira de forçar os donos do bar a pagar um valor ainda maior, 
ou, ainda, porque essa blitz originou-se de alguma ordem inesperada e, por isso, 
inevitável. Mas, ainda que não se saiba com certeza como se deram, em realida-
de, os fatos daquela noite, costuma-se aceitar a versão de que, após a entrada dos 
policiais no bar e realização de algumas detenções, uma lésbica fora agredida por 
um policial na cabeça e, ao ser contida pela polícia, teria incitado à rebelião os 
demais detidos que se encontravam na viatura policial (...). (SILVA, 2011, p. 140)
18 19
Figura 3: Rebelião no Stonewall. Ilustração Carlos Reis
Silva (2011) frisa que a rebelião não se reduziu a um evento isolado no 
bar. 
Em pouco tempo, centenas de pessoas cercaram a polícia, que dava continuidade 
à ação e, aos gritos, uma travesti dizia “Já lhes deram o dinheiro, mas aqui tem 
um pouco mais!”; enquanto a multidão acompanhava nos gritos e jogando moe-
das. Com isso, a situação de confronto se intensificou. Uma das viaturas policiais 
presentes no local logrou sair, levando em seu interior alguns detidos, enquanto 
os demais policiais se refugiaram no interior do bar. Neste momento, alguns dos 
presentes arrancaram um parquímetro para usá-lo como aríete contra a porta 
do bar, de forma a aceder aos policiais entrincheirados, que resistiram em um 
primeiro instante com uma mangueira de combate a incêndios e, na sequência, 
com suas armas.
Em sequência, chegou uma unidade antidistúrbios, frente à qual a multidão con-
tinuou rebelando-se e atacando furiosamente até quatro horas da madrugada, 
quando se produziu uma provisória e relativa calmaria – provisória pois, nas 
noites que se seguiriam até 02 de julho, cerca de 2.000 homens e mulheres se 
enfrentariam com outros cerca de 400 policiais. Nestes enfrentamentos que se 
seguiram ao dia 28 de junho, a multidão ateou fogo em contêineres de lixo e 
lançou mão de pedras, tijolos e barricadas como instrumentos de enfrentamento 
e resistência às forças policiais. (SILVA, 2011, p. 141)
O Brasil precisou de mais dez anos depois de Stonewall para assistir à 
criação de um grupo homossexual organizado. Trata-se do grupo Somos, 
que funcionou de 1978 a 1983. Em 1976, após viver alguns anos em São 
Francisco, o escritor João Silvério Trevisan tentou reunir algumas pessoas 
para formar um coletivo, mas foram realizados apenas alguns encontros. 
Segundo James Green, após a primeira edição do jornal Lampião da 
Esquina, em abril de 1978, também com a organização de Trevisan, é que 
“uma dúzia de gays em São Paulo organizou um grupo que evoluiria para 
a primeira organização duradoura e bem-sucedida de liberação dos gays” 
(GREEN, 2000, p.432). Inicialmente, o grupo se chamava Núcleo de Ação 
pelos Direitos dos Homossexuais. Em finais de 1978, após uma discussão 
acalorada, o coletivo chegou a um acordo e o rebatizou como Somos: Grupo 
de Afirmação Homossexual. 
Os nomes incluindo a palavra gay eram vigorosamente rejeitados, pois, diziam os 
participantes, isso seria uma imitação do movimentoamericano. Havia consen-
so de que um movimento brasileiro único precisava ser forjado. O empréstimo de 
termos estrangeiros, argumentava-se, poderia comprometer tal intenção. (GRE-
EN, 2000, p. 432)
O Grupo Gay da Bahia foi fundado em 1980 e é a mais antiga associação, 
em funcionamento, de defesa dos direitos humanos dos homossexuais no 
Brasil. O GGB foi registrado como sociedade civil sem fins lucrativos em 
1983. A partir dos anos 90, segundo vários estudiosos do tema, a exemplo de 
Regina Facchini (2005), o então Movimento Homossexual Brasileiro (MHB) 
começa a se diversificar, com a criação de coletivos de lésbicas e travestis. 
As lésbicas já participavam do Somos, mas não se sentiam contempladas 
com as pautas da maioria homossexual masculina e rapidamente criaram 
grupos só delas. Marisa Fernandes conta que
Elas (as lésbicas) começaram a fazer parte do Grupo Somos/SP, pioneiro no movi-
mento LGBT, em fevereiro de 1979. Passados apenas três meses de atividades com 
os gays, perceberam atitudes machistas e discriminatórias desses companheiros 
de militância. Influenciadas pelo feminismo, elas sabiam que suas especificidades 
como mulheres – e não apenas como homossexuais femininas – geravam dupla 
discriminação. Como lésbicas feministas, decidiram então atuar como um sub-
grupo dentro do Somos, o Grupo de Ação Lésbico-Feminista ou apenas LF, com 
posicionamento político de independência frente à centralização do poder mas-
culino. (FERNANDES, 2018)
As travestis passaram a ter um grupo próprio apenas em 1992, com a 
fundação da Associação de Travestis e Liberados – ASTRAL, no Rio de 
Janeiro. 
No dia 2 de maio de 1992, no Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER), 
um grupo de travestis que se prostituía na Praça Mauá, região portuária da ci-
dade do Rio de Janeiro, reuniu-se para formar a primeira organização política 
Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
20 21Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
de travestis da América Latina e a segunda do mundo, de acordo com Jovanna 
Baby. A Associação das Travestis e Liberados do Rio de Janeiro (ASTRAL) (CAR-
VALHO e CARRARA, 2013, p. 326)
Um ano depois, em 1993, também na cidade do Rio de Janeiro, já era 
realizado o primeiro Encontro Nacional de Travestis e Liberados, que viria 
a se chamar ENTLAIDS, com 95 participantes de cinco estados. Segundo 
Carvalho e Carrara (2013, p. 328), depois disso surgiram outras organizações, 
como o Grupo Esperança, em 1994, em Curitiba; a Associação das Travestis 
de Salvador (ATRAS), em 1995; o grupo Filadélfia, também em 1995, em 
Santos; o grupo Igualdade, em Porto Alegre; e a Associação das Travestis na 
Luta pela Cidadania, (Unidas), de Aracajú, ambos em 1999.
Até o início dos anos 1990, travestis e transexuais não estavam formalmente in-
cluídas no ainda chamado MHB (Movimento Homossexual Brasileiro). Foi a 
partir daí, quando este movimento começou a se apresentar mais claramente 
como uma ação coletiva cuja autoria se remetia a uma espécie de “federação” 
de diferentes categorias sociais, que elas puderam encontrar algum espaço de re-
presentação política. Foi em 1995 que, pela primeira vez, organizações de tra-
vestis participaram formalmente de um espaço do movimento, no VIII Encontro 
Brasileiro de Gays e Lésbicas. Em seu âmbito criava-se a Associação Brasileira 
de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT). O termo “travesti” passou então a fazer 
parte oficialmente da sigla, e também do nome dos encontros nacionais, como o 
que aconteceu em 1997, chamado de EBGLT (Encontro Brasileiro de Gays, Lés-
bicas e Travestis)
Nesse momento, a letra “T” acrescida à sigla do movimento dizia respeito apenas 
a “travestis”. A entrada formal da categoria “transexual” é mais tardia, só pas-
sando a ter maior presença no cenário político nacional em meados da década 
de 2000. Porém, segundo algumas entrevistadas, ainda em 1995 teria sido criado 
o Grupo Brasileiro de Transexuais (GBT) (CARVALHO e CARRARA, 2013, p. 
331)
Em meados dos anos 2000, começam a surgir organizações políticas 
específicas de pessoas transexuais. Em 24 de janeiro de 2005, em Curitiba, 
durante o I Congresso da ABGLT foi fundada a UBT – União Brasileira 
de Transexuais. A organização existiu por poucos meses (CARVALHO 
e CARRARA, 2013, p. 331). Em 2012, foi criada a Associação Brasileira 
de Homens Trans (ABHT), que funcionou até 2014, quando foi fundado 
o Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (IBRAT), em atividade até 
hoje. E assim a sigla que, inicialmente, era MHB passou a ser GLBT e 
depois LGBT. A inversão das letras foi deliberada na primeira Conferência 
Nacional LGBT, realizada em Brasília, em 2008. A mudança objetivou dar 
mais visibilidade às lésbicas. 
Nos últimos dez anos, com a emergência das identidades transexuais, 
diversos outros grupos e associações dirigidas a essas pessoas também foram 
criadas e o T da sigla, no Brasil, passou a significar travestis e transexuais. 
Tudo indica que a sigla oficial do movimento irá em breve receber a letra I, 
de intersexuais. Existente em vários países, em 2018 começou a se constituir 
no Brasil uma movimentação para a criação de um coletivo de pessoas 
intersexo. Mais adiante explicaremos o que são as pessoas intersexo.
Por enquanto, a sigla oficial que o movimento social brasileiro usa é 
LGBT. Em outros países, a exemplo do Canadá, o movimento usa uma sigla 
bem mais extensa, como pode ser vista nessa foto tirada em uma atividade 
da parada da cidade de Montreal, em 2018. Mais adiante, trataremos de 
explicar cada uma dessas e outras categorias identitárias.
Figura 4: Sigla Canadense. Foto: Leandro Colling
1.3 O que é e como foi construído o conceito de gênero?
Como vimos, é a partir da segunda onda que o feminismo começou a 
construir teorias e conceitos feministas. Um desses conceitos é o de gênero. 
Mas a categoria gênero, ao contrário do que muita gente pensa, não foi 
criada pelo feminismo. 
Longe de ser uma criação da agenda feminista dos anos 60, a categoria gênero 
pertence ao discurso biotecnológico do final dos anos 40 (...). Para a rigidez do 
sexo do século XIX, John Money, o psicólogo infantil encarregado do tratamento 
de bebês intersexuais, vai opor a plasticidade tecnológica do gênero. Utiliza (ele) 
pela primeira vez a noção de gênero em 1947 e a desenvolve clinicamente mais 
tarde com Anke Ehrhardt e Joan e John Hampson para falar da possibilidade 
de modificar hormonal e cirurgicamente o sexo dos bebês nascidos com órgãos 
genitais e/ou cromossomos que a medicina, com seus critérios visuais e discursivos, 
não podem classificar só como feminismos ou masculinos (PRECIADO, 2008, p. 
81).
No entanto, é no interior do feminismo que a categoria gênero passou 
a ser pensada de outra forma, como instrumento de análise para apontar 
as diferenças e hierarquias entre homens e mulheres e também para 
desnaturalizar os próprios gêneros das pessoas. Quando Simone de Beauvoir 
diz, em O segundo sexo, que “não de nasce mulher, torna-se mulher”, ela já 
22 23
Figura 5: Simone de Beauvoir. Foto: Wikimedia Commons
estava colaborando com a discussão sobre a desnaturalização do gênero 
feminino. Isso porque, inicialmente, se pensou o sexo (aqui pensado na 
genitália da pessoa) enquanto um dado da natureza e o gênero como um 
dado da cultura. Como veremos a seguir, hoje essa própria distinção entre 
sexo e gênero tem sido muito problematizada por uma série de feministas, 
assim como a relação entre natureza e cultura, a partir dos estudos de 
Charles Darwin, e as leis do uso e do desuso, via Jean Baptiste Lamarck. Ou 
seja, inclusive esses dois naturalistas também já pensavam sobre questões 
ditas “biológicas” e “naturais” que também são influenciadas pela cultura.
 Mas o conceito de gênero não ingressou no feminismo sem um imenso 
debate e controvérsias que, a rigor, continuam até hoje. Determinadas 
feministas alegavam ou alegam que a categoria gênero invisibiliza a 
categoria mulher, por exemplo. De qualquer maneira, gêneronão é nunca 
sinônimo de mulher, pois tanto homens quanto mulheres possuem gênero. 
De alguma forma, a categoria gênero também abriu espaço para pensar as 
masculinidades, estejam elas presentes em corpos lidos como femininos ou 
masculinos.
 Segundo Guacira Lopes Louro (2014), é através das feministas 
anglo-saxãs que gênero passou a ser distinto de sexo, com o objetivo de 
rejeitar o determinismo biológico implícito no uso da categoria sexo. Uma 
dessas feministas, que ficou muito conhecida, é Joan Scott, com o seu texto 
Gênero: uma categoria útil de análise histórica, publicado originalmente em 
1988.
Figura 6: Foto: Pixabay
Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
O conceito serve, assim, como uma ferramenta analítica que é, ao mesmo tempo, 
uma ferramenta política. Ao dirigir o foco para o caráter “fundamentalmente 
social”, não há contudo, a pretensão de negar que o gênero se constitui com ou 
sobre corpos sexuados, ou seja, não é negada a biologia, mas enfatizada, delibe-
radamente, a construção social e histórica produzida sobre essas características 
biológicas. (...) As justificativas para as desigualdades precisariam ser buscadas 
não nas diferenças biológicas (se é que essas podem ser compreendidas fora de 
sua constituição social), mas sim nos arranjos sociais, na história, nas condi-
ções de acesso aos recursos da sociedade, nas formas de representação. (LOURO, 
2014, p. 26) 
 Vejam como essas explicações são primorosas para atacar aquilo 
que alguns setores religiosos hoje em dia estão chamando de “ideologia 
de gênero”, sobre a qual trataremos em mais detalhes na terceira unidade 
deste livro. Gênero, para o feminismo, não é ideologia, mas uma categoria 
de análise útil para identificar e denunciar as relações e assimetrias entre os 
gêneros, entre homens e mulheres, em nossa sociedade. 
O modo como cada corrente do feminismo pensa a categoria gênero varia 
conforme as suas perspectivas epistemológicas e políticas. Não faremos 
aqui uma revisão de todas essas perspectivas e visões diferenciadas dos 
feminismos e dos usos da categoria gênero. No entanto, trataremos a seguir 
como o sistema sexo-gênero passou a ser problematizado pelo feminismo 
queer, ou pelos estudos queer, em especial pela obra da feminista Judith 
Butler. 
24 25
1.4 O que são os estudos queer?
Antes de tratar sobre as colaborações de Judith Butler ao sistema sexo-
gênero, situemos o seu pensamento dentro dos chamados estudos queer, que 
começaram a ser desenvolvidos a partir do final dos anos 80 por uma série 
de pessoas pesquisadoras e ativistas bastante diversificadas, especialmente 
nos Estados Unidos. 
Um dos primeiros problemas é como traduzir o termo queer para a 
Língua Portuguesa. “Queer pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo, 
excêntrico, raro, extraordinário”, diz Louro (2004, p. 38). A ideia foi a de 
positivar essa conhecida forma pejorativa de insultar os homossexuais nos 
Estados Unidos. Segundo Butler, apontada como uma das precursoras 
dos estudos queer, o termo tem operado uma prática linguística com o 
propósito de degradar os sujeitos aos quais se refere. “Queer adquire todo o 
seu poder precisamente através da invocação reiterada que o relaciona com 
acusações, patologias e insultos” (BUTLER, 2002, p. 58). 
Além de dar um novo significado ao termo, os ativismos e estudos passam 
a entender queer como uma prática de vida que se coloca contra as normas 
socialmente aceitas. Nesse sentido, um dos maiores esforços reside na 
crítica ao que se convencionou chamar de heteronormatividade, defendida 
por aqueles que vêem o modelo heterossexual como o único correto, 
saudável e possível (mais adiante explicaremos com mais detalhes o que 
Figura 7: Preconceito. Ilustração: Carlos Reis
Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
26 27Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
é heteronormatividade). Por isso, os primeiros trabalhos queer apontam 
que este modelo foi construído para normatizar as relações sexuais. Assim, 
pretendem desconstruir o argumento de que sexualidade segue um curso 
natural. 
Ao contrário do que muita gente pensa no Brasil, os estudos queer 
não foram criados apenas a partir das universidades. Na verdade, antes 
da existência do que hoje chamamos de estudos queer, existiram alguns 
coletivos do movimento social que começaram a reivindicar a palavra queer 
e a relacioná-la propostas políticas diferenciadas daquelas mais usadas por 
determinados setores do movimento gay americano. Um desses grupos, em 
existência até hoje, foi o ACT UP (Aids coalition to unleash power), criado 
em 1987 para reivindicar políticas para combater a epidemia do HIV-Aids 
nos Estados Unidos. Outro grupo foi o Queer Nation, que fez sua primeira 
aparição na parada LGBT de Nova York de 1990. Esses grupos colaboraram 
para criticar a aderência das pessoas gays ao modelo heterossexual de vida 
(evidenciado na pauta prioritária do casamento civil entre pessoas do 
mesmo sexo) e da mercantilização da “cultura gay”. 
Ao mesmo tempo em que surgiam esses grupos, ocorria uma forte crise no 
feminismo dos EUA, iniciada na década de 1980, pois uma série de mulheres 
lésbicas, chicanas, não brancas e negras não se sentiam contempladas no 
feminismo branco de então. Esses novos ativismos e produções intelectuais 
que começavam a ser publicadas nas universidades foram chamadas, em 
1990, por “teoria queer” pela feminista Teresa de Lauretis.
Os estudos queer são bastante diversos entre si, mas alguns aspectos os 
unem: 
1. As críticas às normas de gênero e sexualidade e explicações sobre como elas 
foram construídas e naturalizadas ao longo do tempo; 
2. As evidências de como as múltiplas identidades de gênero e orientações 
sexuais existem, resistem e se proliferam, por não serem entidades estáveis 
e autênticas;
3. As críticas às perspectivas patologizantes em relação a essas identificações e 
às compreensões e saberes que tentam explicar as sexualidades e os gêneros 
a partir de perspectivas genéticas, biologizantes e morais; 
4. A rejeição a qualquer ideia de normalização e a problematização das 
categorias que estão em zona de conforto, como a heterossexualidade, por 
exemplo, que se constitui não apenas como uma expressão da sexualidade, 
mas a norma política que todos deveriam seguir dentro de um modelo 
bastante rígido;
5. E as críticas em relação a clássica separação entre os estudos da sexualidade 
e os estudos de gênero. 
Já a história sobre o surgimento dos estudos queer no Brasil é controversa. 
Richard Miskolci (2012) defende que um dos primeiros textos em língua 
portuguesa sobre o queer foi publicado em 2001 no Brasil, de autoria 
da pesquisadora Guacira Lopes Louro, uma das principais difusoras do 
pensamento de Judith Butler em nosso país, em especial no campo da 
educação. O texto, intitulado Teoria queer: uma política pós-identitária para 
e educação, foi publicado na Revista Estudos Feministas. 
Fábio Feltrin de Souza e Fernando José Benetti (2016), no entanto, 
apresentam uma versão um pouco diferente. Segundo eles, antes do texto de 
Louro, pesquisadoras como Karla Bessa, em 1995, e Tânia Navarro Swain, 
em 1999, e os pesquisadores Mário César Lugarinho, em 1999, e Denilson 
Lopes, em 1997, já haviam publicado textos sobre teoria queer no Brasil. 
Independente disso, para pensar as perspectivas queer no Brasil, 
poderíamos nos perguntar: se as características dos estudos queer apontadas 
acima parecem corretas, por que não podemos pensar que já tínhamos no 
Brasil uma produção de conhecimento e também um ativismo político 
sintonizado com essas questões muito antes daquilo que se convencionou 
chamar de teoria ou estudos queer? Colling (2015a) argumentou que, no 
Brasil, podemos encontrar várias dessas características nos livros de pessoas 
como Nestor Perlonguer (1987), Suely Rolnik (1989) e Edward MacRae 
(1990). Esse último, estudioso do emergente movimento homossexual do 
Brasil, já apontava como alguns militantes sedigladiavam entre a proposta 
de construir uma imagem respeitável do homossexual perante à sociedade 
ou a de questionar padrões e valorizar as chamadas “bichas loucas” 
(MACRAE, 1982).
 
Para pensar 
Até aqui podemos perceber que as categorias e conceitos possuem uma histó-
ria e estão relacionados com os movimentos sociais e ao próprio modo como 
cada perspectiva pensa o campo das identidades sexuais e de gênero. Isso fica-
rá ainda mais nítido a seguir. 
Por enquanto, poderíamos formular as seguintes perguntas para pensar sobre o 
que foi exposto acima: por que historicamente gênero e sexualidade foram tra-
balhados de forma separada tanto pelos movimentos sociais quanto por muitas 
organizações do movimento social? Para que as mulheres e/ou pessoas LGBT 
sejam respeitadas e tenham direitos elas precisam aderir ao que a sociedade 
historicamente definiu como normalidade? 
1.5 O que é a teoria da performatividade de gênero?
A partir da sua obra Problemas de gênero, Judith Butler fez uma série de 
reflexões sobre o sistema sexo-gênero e criou o que ficou conhecida como 
teoria da performatividade de gênero. Uma das reflexões diz respeito a 
separação estanque entre sexo (natural) e gênero (cultural). No entanto, 
diversas outras feministas, antes de Butler, já tinham problematizado o 
sistema sexo-gênero. Uma das mais conhecidas foi Gayle Rubin. Ela chamava 
atenção de que pensar o sexo e a sexualidade como uma continuidade do 
gênero é algo típico de um pensamento heterossexual. Para Rubin, são as 
homossexualidades que irão tornar essa visão mais complexa, ou melhor, 
irão provocar um curto circuito nesse sistema, um estranhamento.
Butler, por exemplo, retomou a clássica frase de Simone de Beauvoir 
(“não se nasce mulher, torna-se mulher”) para dizer que se, por um lado, 
a feminista francesa contribuiu para desnaturalizar o que hoje chamamos 
de gênero, por outro lado nos deu a entender que em algum momento o 
corpo da mulher esteve isento das normas de gênero. Em outras palavras: 
se alguém se torna mulher, em algum momento aquele corpo estava sem 
gênero, era uma página em branco, a cultura ainda não teria incidido sobre 
aquele ser. 
Butler defende que essa é uma ideia errônea porque nós nunca estivemos 
livres das normas culturais (sejam elas de gênero ou não) sobre os nossos 
corpos. Pelo contrário, nós só passamos a existir enquanto sujeitos no 
momento em que ou outros determinam que somos homens ou mulheres. 
Hoje em dia, quando a gestante realiza a ultrassonografia e a profissional de 
saúde identifica o sexo do bebê, a partir daquele momento, sem nenhuma 
liberdade, o bebê passa a ter um gênero e todas as normas de gênero passam 
a incidir sobre aquele ser que sequer nasceu. 
Esse tipo de reflexão abriu o caminho para Butler questionar a divisão 
estanque entre sexo e gênero. Ou seja, o sexo, uma vez identificado, será 
sempre generificado e o gênero, pelas normas da nossa sociedade, é desde 
sempre sexualizado. A sociedade determina o gênero das pessoas pelo sexo. 
No entanto, questiona Butler, ninguém nos garante que aquela mulher seja, 
necessariamente, alguém que possui um sexo lido como feminino. Através 
do pensamento de Butler, podemos concluir que pensar o gênero como algo 
determinado pelo sexo é uma operação que exclui, de forma violenta, uma 
série de outras identidades de gênero, em especial as travestis, transexuais 
e outras identidades trans.
Mas Butler não para por aí. Além de problematizar o sistema sexo-
gênero, ela também faz interessantes reflexões sobre desejo e prática sexual. 
Na verdade, ela reflete sobre como a sociedade exige que todas as pessoas 
sigam uma linha reta e “coerente” entre sexo-gênero-desejo e prática 
sexual. Se eu tenho um determinado sexo, preciso ter determinado gênero 
e, além disso, desejar um sexo/gênero oposto ao meu e praticar sexo com 
ele/ela. No entanto, questiona Butler, muitas pessoas não desejam o sexo/
gênero oposto ao seu. Outras desejam mas não praticam esse desejo. Outras 
praticam e não desejam. Ou seja, a sociedade impõe o que considera uma 
linha coerente entre essas dimensões, mas na prática muitas pessoas não 
seguem essa linha. São essas pessoas as que mais sofrem com os preconceitos 
causados pela falta de respeito à diversidade sexual e de gênero. 
Para Butler, ao exigir que todas as pessoas sigam essa linha, a sociedade 
está trabalhando para manutenção da heterossexualidade compulsória e 
da heteronormatividade. Outras autoras, como Monique Wittig e Adriane 
Rich, antes de Butler, já tinham refletido sobre como a heterossexualidade 
não é uma entre várias possíveis identidades ou orientações sexuais que 
uma pessoa pode ter e escolher, ela é a única que ela deve ter. Butler se 
abastece dessas reflexões e as incrementa, produzindo uma série de outros 
questionamentos em diálogo com os estudos das subjetividades, em especial 
da psicanálise e suas reflexões sobre o desejo. 
Em determinado, Butler pergunta mais ou menos assim: a sociedade tenta 
controlar os nossos desejos, mas isso é bastante difícil. Ela, a sociedade, 
obtém muito mais sucesso no controle do sexo, do gênero e das práticas 
SEXO
GÊNERO
DESEJO
PRÁTICA
SEXUAL
28 29
Figura 8: Sistema sexo-gênero. Ilustração: Carlos Reis
Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
30 31Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
sexuais, pois o desejo escapa mais, ele pode residir apenas nos pensamentos 
e fantasias das pessoas e nunca ser efetivamente praticado. Se isso é verdade, 
quem nos garante que a prática sexual tida como heterossexual seja mesmo, 
no plano do desejo, heterossexual? Esse tipo de questionamento serve para 
borrar a tal coerência entre desejo e prática sexual e demonstrar que não 
são apenas as pessoas que se identificam como LGBT que fissuram essa 
linha.
Depois de fazer uma rigorosa reflexão teórica sobre vários estudos 
feministas, da psicanálise, da antropologia e da filosofia, Butler chega ao 
capítulo final de Problemas de gênero para defender a tese de que o gênero 
é performativo. Mas o que afinal ela quer dizer com isso? De John Austin, 
Butler usa a conhecida tese dos atos performativos. O linguista defendeu 
que as palavras não apenas descrevem algo, mas que elas também têm o 
poder de criar aquilo que enunciam. Por exemplo: quando um juiz ou 
sacerdote diz “eu vos declaro marido e mulher”, a partir daquele momento 
essas pessoas envolvidas passam, efetivamente, a ser aquilo que o enunciado 
determinou.
A mesma associação Butler fez para a frase “é menino ou é menina” 
proferida, atualmente, antes mesmo do parto, no momento da 
ultrassonografia realizada nas gestantes. A partir desse momento, aquele 
pequeno feto já passa a ter um gênero e sobre ele incidem as normas de 
gênero construídas e impostas pela sociedade. Antes de chegar nesse 
momento, Butler já havia esmiuçado o mecanismo de funcionamento 
da heterossexualidade compulsória e da heteronormatividade, revelando 
como ambas se sustentam através da exigência da linha coerente entre 
sexo-gênero-desejo e prática sexual. 
Assim, Butler defende que, além de obrigar que todos sejamos 
heterossexuais (heterossexualidade compulsória) ou que, mesmo que não 
sejamos heterossexuais, pelo menos estejamos enquadrados dentro das 
normas tidas como heterossexuais (heteronormatividade), a sociedade 
também nos obriga a ter um gênero tido como compatível com a 
materialidade dos nossos corpos. 
Butler argumenta que essas exigências, realizadas através de discursos, 
atos, gestos e atuações, são performativas, ou seja, criam os sujeitos 
que enunciam. Para que essas ações tenham êxito é necessário que elas 
sejam constantemente repetidas e vigiadas. De um modo mais simples, 
poderíamos dizer que nós, na medida em que crescemos e desenvolvemos 
as nossas identidades, repetimos formas identitárias que já existiam antes 
de nascermos e essas formas é que irão nos constituir enquanto sujeitos. O 
que nós fazemos, via de regra, e entrar na roda dasrepetições das normas 
de gênero e sexualidade.
Mas, com a influência das reflexões de poder de Michel Foucault (onde 
existe poder, existe resistência/contrapoder), e dos trabalhos de Eve 
Kosofsky Sedgwick, Butler destaca que nem todas as pessoas se sujeitam 
as essas normas e que esses mesmos “gêneros distintos são parte do que 
‘humaniza’ os indivíduos na sociedade contemporânea”. E continua: “de 
fato habitualmente punimos os que não desempenham corretamente o seu 
gênero. Os vários atos de gênero criam a ideia de gênero, e sem esses atos 
não haveria gênero algum” (BUTLER, 2003, p. 199). 
No final de Problemas de gênero, Butler analisa a performances artísticas 
de drags queen, pois enxerga nelas pelo menos três dimensões que são 
distintas entre si: sexo anatômico, identidade de gênero e performance 
de gênero. Essas performances (e notem que aqui a performance, no 
sentido artístico, para ela, não é sinônimo de performatividade) foram 
fundamentais para Butler ter a percepção da performatividade de gênero. 
“Ao imitar o gênero, a drag revela implicitamente a estrutura imitativa do 
próprio gênero – assim como sua contingência” (BUTLER, 2003, p. 196).
 
Para gravar e pensar 
De uma forma resumida, podemos dizer que a teoria da performatividade tenta 
entender como a repetição das normas, muitas vezes feita de forma ritualizada 
(casamentos, batismos, chá de fraldas etc), cria sujeitos que são o resultado des-
sas repetições. Assim, quem ousa se comportar fora destas normas que, quase 
sempre, encarnam determinados ideais de masculinidade e feminilidade liga-
dos com uma união heterossexual, acaba sofrendo sérias consequências. Quais 
são elas? Falta de direitos, desrespeito, violências físicas e simbólicas e, no limi-
te, atentados contra a própria vida. 
Para pensar: o que fazemos com as crianças que não se comportam de acor-
do com o que a sociedade convencionou como coisas de meninos ou de meni-
nas? Por que inclusive determinados brinquedos e até cores possuem gênero? A 
drag queen “se monta” (gíria para evidenciar o trabalho de maquiagem, vestuá-
rio chamativo etc) e nós não fazemos o mesmo, em outra escala, diariamente?
1.6 O que é identidade de gênero? – cisgênero, 
transexual, travesti, pessoa não binária, gênero fluído, 
transgênero
Ao falarmos de diversidade de gênero evidenciamos que existem mais 
do que dois gêneros (homem e mulher, masculinidade e feminilidade). 
Como vimos, a sociedade, via de regra, trabalha para que todas as pessoas 
tenham apenas uma identidade de gênero, determinada pelo sexo, e que 
essa seja pura e tida como normal e natural. Mas, apesar disso, muitas 
pessoas quebram esse binarismo de gênero. Ou seja, essa dicotomia não 
contempla uma série de pessoas, inclusive pessoas que se identificam como 
heterossexuais. Por exemplo, um homem heterossexual mais afeminado 
muito provavelmente irá sofrer algum tipo de preconceito porque ele não 
está sendo um “homem de verdade”. Para isso, ele precisa ser másculo ou 
até bruto ou violento. No entanto, muitas pessoas borram a dicotomia de 
gênero, mas algumas delas fazem isso com mais intensidade. 
Quem está mais conformado dentro de um binarismo de gênero e que, 
ao mesmo tempo, se identifica com o gênero que foi designado em seu 
nascimento, tem sido chamado, nos últimos anos, de cisgênero ou cisgênera. 
O conceito, criado por ativistas e pesquisadoras trans, é usado para 
evidenciar que todas as pessoas possuem identidades de gênero. As reflexões 
também produziram o conceito de cisgeneridade ou cisnormatividade 
(VERGUEIRO, 2015), que designa como as normas exigem que todas as 
pessoas sejam cisgêneras em nossa sociedade.
Beatriz Pagliarini Bagagli conceitua cisgênero da seguinte forma: “[...] 
uma explicação simples é que se você se identifica como o gênero que lhe 
foi designado em seu nascimento, você é cis”. (BAGAGLI, 2014) Hailey 
Kaas, outra importante ativista transfeminista brasileira, diz: 
O alinhamento cis envolve um sentimento interno de congruência entre seu corpo 
(morfologia) e seu gênero, dentro de uma lógica onde o conjunto de performances 
é percebido como coerente. Em suma, é a pessoa que foi designada ‘homem’ ou 
‘mulher’, se sente bem com isso e é percebida e tratada socialmente (medicamente, 
juridicamente, politicamente) como tal. (KAAS, 2012).
Jaqueline Gomes de Jesus diz que “[...] cisgênero é um conceito que abarca 
as pessoas que se identificam como o gênero que lhes foi determinado 
socialmente, ou seja, as pessoas não-transgênero [...]”. (JESUS, 2014) 
No texto O cisgênero existe, publicado no site Transliteração, é possível 
encontrar definições parecidas: “(...) cisgênero literalmente significa: 
estar do mesmo lado das características comportamentais, culturais ou 
psicológicas associadas a um sexo. Simplificando, significa que a identidade 
e apresentação de alguém é compatível com sua morfologia física” 
(DUMARESQ, 2014). 
32 33
Figura 9: Identidade de gênero. Ilustração: Carlos Reis
Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
34 35Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
Viviane Vergueiro (apud DUMARESQ, 2014) define cisgeneridade 
(...) como um conceito analítico que eu posso utilizar assim como se usa 
heterossexualidade para as orientações sexuais, ou como branquitude para 
questões raciais. Penso a cisgeneridade como um posicionamento, uma 
perspectiva subjetiva que é tida como natural, como essencial, como padrão. A 
nomeação desse padrão, desses gêneros vistos como naturais, cisgêneros, pode 
significar uma virada descolonial no pensamento sobre identidades de gênero, ou 
seja, nomear cisgeneridade ou nomear homens-cis, mulheres-cis em oposição a 
outros termos usados anteriormente como mulher biológica, homem de verdade, 
homem normal, homem nascido homem, mulher nascida mulher, etc. Ou seja, 
esse uso do termo cisgeneridade, cis, pode permitir que a gente olhe de outra forma, 
que a gente desloque essa posição naturalizada da sua hierarquia superiorizada, 
hierarquia posta nesse patamar superior em relação com as identidades trans, 
por exemplo. 
Muitas pessoas transgridem de uma forma mais intensa as normas 
de gênero, a exemplo das travestis, transexuais, transgêneras, pessoas 
não binárias, com gênero fluido etc. Existem uma série de expressões, 
constantemente criadas e recriadas, com as quais as pessoas preferem ser 
identificadas em relação aos seus gêneros. No Brasil, em geral, quando se fala 
em travestis imediatamente as pessoas pensam em pessoas que “nasceram 
homens e se vestem de mulher” e fazem algumas intervenções no corpo, 
como uso de silicone (em especial nos seios e nas nádegas). Mas qualificar as 
travestis como “homens que se vestem de mulher” é algo transfóbico porque 
desrespeita essas pessoas em sua identidade. As travestis são pessoas que 
tiveram um corpo lido como masculino e que se identificaram fortemente 
com o universo feminino e, por isso, realizam variadas mudanças corporais 
e comportamentais. A identidade dessas pessoas é feminina e o indicado 
é que todos/as respeitam essa identidade e, por isso, o correto é dizer “as” 
travestis, e não “os” travestis. Além disso, é preciso dizer que a palavra 
travesti, em outros contextos e países, pode ter outros significados. Mas 
repetimos que considerar como travesti uma pessoa que nasceu homem 
e se veste de mulher é algo, no fundo, transfóbico, pois estamos tratando 
de uma identidade com a qual determinadas pessoas se identificam. E essa 
identidade, como vimos anteriormente, possui uma longa história e luta 
política. 
 Todas as distinções que quisermos fazer entre travestis, transexuais e 
pessoas trans em geral são muito precárias e arriscadas porque existe uma 
variedade de modos de ser entre essas pessoas. Em relação às travestis, 
por exemplo, também existe uma grande diferença entre a chamada “nova 
geração”, composta por jovens que “se montam” às vezes e não fazem uso 
do silicone. Muitas dessas pessoas também se identificam como travestis,para espanto de algumas travestis mais velhas, que muitas vezes chamam 
as mais jovens de “as gays”, que não seriam “travestis de verdade”. Um 
ótimo estudo sobre o tema foi feito pelo pesquisador Tiago Duque (2011), 
publicado no livro Montagens e desmontagens: desejo, estigma e vergonha 
entre travestis adolescentes.
Já as pessoas que se identificam como transexuais, diferente das travestis, 
em geral são caracterizadas pela sociedade como aquelas que desejam fazer 
a chamada “cirurgia de mudança de sexo”. No entanto, essa explicação está 
errada porque vários estudos acadêmicos realizados no Brasil, a exemplo 
dos produzidos por Berenice Bento (2006) (leia, por exemplo, o livro A 
reinvenção do corpo), apontam que existem muitas pessoas que reivindicam 
a identidade transexual, mas que não desejam fazer a completa intervenção 
cirúrgica de “mudança de sexo”. Muitas vezes, essas pessoas se contentam 
em realizar parte do processo transexualizador, a exemplo de implantar ou 
retirar os seios, tomar hormônios para que cresçam ou desapareçam pelos 
no corpo etc. 
Aí algumas pessoas perguntam: mas então muitas transexuais na verdade 
são travestis? Não. Por que não? Porque nós estamos falando de identidades 
e cada identidade é composta por um grande leque de características que 
nunca deixam de ser criadas e recriadas. Não podemos criar categorias tão 
rígidas do que é ser, por exemplo, uma ou um “transexual de verdade”, como 
faz boa parte do discurso médico em relação ao tema. Por isso, sempre que 
estamos falando de identidades, o fundamental é respeitar o modo como 
as pessoas desejam ser identificadas. Ou seja, as pessoas que se identificam 
como transexuais possuem diferenças em relação às travestis. E essas 
diferenças não podem ser reduzidas a ter ou querer ter determinado órgão 
sexual. Existem modos de ser travesti e modos de ser transexual que irão 
fazer com que as pessoas se identifiquem ou não com essas identidades.
No Brasil, até bem pouco tempo, praticamente só conhecíamos as 
transexuais, mas nos últimos dois anos cresceu a visibilidade dos homens 
transexuais, que inclusive fundaram uma associação nacional própria, 
como vimos no início deste módulo. Quem quiser conhecer a história 
daquele que é considerado o primeiro transexual que passou por cirurgias 
no Brasil, pode ler o livro de João W. Nery, intitulado Viagem solitária.
Um dos grandes problemas é que a transexualidade ainda não foi 
retirada completamente do Código Internacional de Doenças (CID). A 
OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a transexualidade da lista de 
doenças mentais na nova versão da Classificação Internacional de Doenças, 
a CID-11, divulgada no dia 18 de junho de 2018. A transexualidade, 
porém, continua no CID, como “incongruência de gênero”, dentro da 
categoria de condições relativas à saúde sexual. Ou seja, para que uma 
pessoa tenha acesso ao Sistema Único de Saúde e tenha o direito de realizar 
o chamado processo transexualizador, ela precisa passar por um longo 
acompanhamento médico e ser considerada uma pessoa portadora de uma 
“incongruência de gênero”. 
Definir o que são pessoas transgêneras também é um desafio. Algumas 
pessoas pesquisadoras e ativistas usam o termo como um guarda-
chuva para se referir a todas as pessoas que, de alguma forma, transitam 
entre os gêneros mais conhecidos (ou seja, o masculino e o feminino). 
Indianare Sophia, importante ativista no Rio de Janeiro, utiliza o conceito 
de “transvestigênere”. As pessoas transgêneras, que também podem se 
identificar como não-binárias, gênero fluido ou outras expressões, lidam 
de outra forma com a ideia de transitar entre os gêneros. Em determinados 
dias, elas podem estar a fim de sair de casa com alguns elementos marcados 
como do universo feminino (algumas peças de roupa, maquiagem, joias, 
adereços etc.) e em outros dias estão mais identificadas com o que é 
considerado como universo masculino e assim se vestem e comportam. 
Isso não tem nada a ver com performances artísticas, estamos falando da 
vida cotidiana. 
Além disso, pessoas transgêneras não aspiram o gênero que é tido pela 
sociedade como oposto ao seu, desejo que é bastante comum nas (mas não 
em todas) travestis e transexuais. Elas (as transgêneras) não se identificam 
nem como homens e nem como mulheres porque não se identificam com 
o que a sociedade construiu como dicotômicas identidades masculinas e 
femininas. Essas pessoas se sentem bem no trânsito e, com isso, estão sempre 
construindo novas combinações de gênero. Todos nós cotidianamente 
construímos o nosso gênero, nos “montamos”, para usar uma expressão 
usual do universo drag. A diferença é que as pessoas transgêneras fazem 
isso de forma mais explícita e, algumas vezes, até como uma política do 
cotidiano.
 Outro problema é que muitas pessoas consideram todas as pessoas 
trans como homossexuais. Esse é outro dos grandes equívocos cometidos 
nessa área. As identidades trans, e acima refletimos apenas sobre algumas 
delas (em outras culturas existem outras expressões, como dois espíritos, 
na América do Norte, ou muxes, no México), se constituem em identidades 
de gênero. Pessoas trans podem se identificar como homossexuais, mas 
também podem se identificar como heterossexuais, bissexuais, pansexuais, 
assexuais etc. Sobre essas e outras orientações sexuais trataremos na 
próxima unidade deste módulo. 
 
Síntese da unidade 
Gênero é uma categoria de análise e as identidades de gênero podem ser 
variadas e misturadas. Pensar que só existem duas identidades de gênero é uma 
operação que exclui outras formas com as quais muitas pessoas se identificam 
na atualidade. Todas as pessoas possuem um gênero ou uma mistura entre 
os dois gêneros mais conhecidos. Assim como as nossas identidades culturais 
outras, nós também não construímos de forma autônoma a nossa identidade 
de gênero. Aliás, temos muito pouca autonomia para definir qual será a nossa 
identidade de gênero porque ela já foi determinada antes mesmo antes do 
nosso nascimento.
 
Atividade! 
Assista os documentários Homens trans, de Alexandre Mattos (disponível 
em https://www.youtube.com/watch?v=p7dbHcMg3fo) e Atrás dos Olhos 
(disponível em https://www.youtube.com/watch?v=tqrNunx-hVA) e relacione 
com as reflexões realizadas até aqui. 
36 37
Figura 10: Símbolos de gênero. Por Caaloba
Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
38 39Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero
Figura 11: Imagem de Rawpixel
 
Dicas de leituras 
Para saber mais sobre a história do movimento feminista:
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu 
Abramo, 2003.
Para saber mais sobre a história do movimento LGBT no Brasil:
SIMÕES, Júlio Assis; FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-íris: o movimento homossexual ao 
LGBT. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009
Para saber sobre movimentos LGBT e queer de outros países:
COLLING, Leandro. Que os outros sejam o normal – tensões entre movimento LGBT e ativismo 
queer. Salvador: EDUFBA, 2015 – Disponível em https://repositorio.ufba.br/ri/handle/
ri/21766
Para saber mais sobre os estudos queer
COLLING, Leandro e THÜRLER, Djalma (org.). Estudos e políticas do CUS. Grupo de Pesquisa 
Cultura e Sexualidade. Salvador: EDUFBA, 2015. Disponível em https://repositorio.ufba.br/ri/
handle/ri/13177
LOURO, Guacira Lopes. O corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e a teoria Queer. Belo 
Horizonte: Autêntica, 2008.
SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
Para saber mais sobre questões trans
ÁVILA, Simone. Transmasculinidades – a emergência de novas identidades políticas e sociais. 
Rio de Janeiro: Multifoco, 2014.
BENTO, Berenice. Transviad@s – gênero, sexualidade e direitos humanos. Salvador: EDUFBA, 
2017.
BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. 
Salvador: Devires, 2017.
BORBA, Rodrigo.O des-aprendizado de si: transexualidades, interação e cuidado em saúde. Rio 
de Janeiro: Fiocruz, 2016.
DUQUE, Tiago. Gêneros incríveis – um estudo sócio-antropológico sobre as experiências de 
(não) passar por homem e/ou mulher. Campo Grande: Ed. UFMS, 2017.
FERREIRA, Guilherme Gomes. Vidas lixadas: crime e castigo nas narrativas de travestis e 
transexuais brasileiras. Salvador: Editora Devires, 2018.
LANZ, Leticia. O corpo da roupa: a pessoa transgênera entre a conformidade e a transgressão 
das normas de gênero. Uma introdução aos estudos transgêneros. Curitiba: Transgente, 2015.
PERES, Wiliam Siqueira. Travestis brasileiras: dos estigmas à cidadania. Curitiba: Juruá, 2015
41
Já vimos que a separação entre gênero e sexualidade só faz sentido para 
explicar, de modo didático, essas duas dimensões de nossas identidades. Nas 
nossas vidas concretas, nossos gêneros são sexualizados e nossos sexos são 
generificados. Mas isso não quer dizer, ao mesmo tempo, que gênero e sexo 
ou sexualidade são sinônimos, que é tudo a mesma coisa. A sexualidade diz 
mais respeito às práticas sexuais das pessoas e a como essas pessoas se iden-
tificam em relação a essas suas práticas sexuais. Vamos, a partir de agora, 
então refletir um pouco mais sobre esses aspectos.
2.1. O que é homofobia?
Homofobia é um conceito criado para pensar a repulsa geral às pessoas 
homossexuais, ou fobia aos homossexuais. Segundo Daniel Borrillo 
(2001, p.21), o termo parece pertencer a K. T. Smith, quem, em um artigo 
publicado em 1971, tentou analisar as características de uma personalidade 
homofóbica. Um ano depois, G. Weinberg definiu a homofobia como “o 
temor de estar com um homossexual em um espaço fechado e, no que 
concerne aos homossexuais, o ódio até a si mesmos”. Byrne Fone (2008, p. 
20) suspeita que o termo tenha sido cunhado na década de 1960 e também 
informa que um dos primeiros textos sobre o assunto foi o de Smith e 
que, em 1972, George Weinberg publicou o livro Society and the healthy 
homosexual, no qual definiu a homofobia como “o temor de estar perto de 
homossexuais”.
Em geral, usamos o conceito de homofobia para descrever qualquer 
atitude e/ou comportamento de repulsa, medo ou preconceito contra os 
homossexuais. A homofobia não se restringe apenas às violências físicas. 
Unidade 2 – Sexualidade
Figura 12: Identidade. Ilustração Carlos Reis
Existe também a violência verbal, via insultos e xingamentos; a violência 
psicológica, como as atitudes que causam danos emocionais e à autoestima, 
tais como constrangimentos, humilhações, insultos; a violência simbólica, 
que se baseia na produção de representações de normalidade e anormalidade 
e faz com que os sujeitos se reconheçam nessas representações, isto é, se 
vejam a partir das construções do discurso do Outro. 
Borrillo diferencia vários tipos de homofobia (irracional, cognitiva, geral 
e específica) e depois sintetiza: 
A homofobia pode ser definida como a hostilidade geral, psicológica e social, a 
respeito daqueles e daquelas de quem se supõe que desejam indivíduos de seu 
próprio sexo o tenham práticas sexuais com eles. Forma específica de sexismo, a 
homofobia rechaça também a todos os que não se conformam com o papel pre-
determinado para seu sexo biológico. Construção ideológica consistente na pro-
moção de uma forma de sexualidade (hétero) entre detrimento de outra (homo), 
a homofobia organiza uma hierarquização das sexualidades e extrai dela conse-
quências políticas (BORRILLO, 2001, p. 36). 
Ou seja, a homofobia, nesse sentido, não seria apenas um problema 
para os homossexuais, mas também poderia atingir os heterossexuais que, 
porventura, pareçam, aos olhos homofóbicos, como homossexuais.
 O conceito de homofobia é controverso e, ainda que muitas pessoas 
defendam o seu uso, em função dele já ter sido incorporado por boa parte da 
sociedade, ou que o ampliem para além de aspectos de ordem psicológica, 
como faz Junqueira (2007), a ideia de fobia está, queiramos ou não, dentro 
do campo das patologias. Enquanto isso, sabemos que aprendemos no dia-
a-dia quem deve ser respeitado e quem pode ser injuriado, portanto, não 
estamos falando de uma patologia em sentido estrito/inato, mas de um 
problema social/cultural e, se for o caso, de uma patologia produzida pelas 
normas hegemônicas em torno das sexualidades e dos gêneros.
Outro problema tem a ver como o prefixo homo é decodificado no Brasil. 
Os criadores do conceito de homofobia agruparam dois radicais gregos 
para formar a palavra: homo (semelhante) e fobia (medo). No entanto, 
para nós, homo significa homossexual e, por isso, o conceito de homofobia 
fica reduzido a uma identidade, via de regra aos homossexuais masculinos, 
e invisibiliza a multiplicidade de outros sujeitos e suas identidades. Isso 
fez surgir novos conceitos, tais como lesbofobia, bifobia, travestifobia, 
transfobia.
2.2 O que heterossexualidade compulsória e é 
heteronormatividade?
Uma pessoa é heterossexual quando pratica sexo com uma pessoa 
do sexo/gênero oposto ao seu e se identifica socialmente enquanto 
heterossexual. No entanto, algumas pessoas praticam sexo com pessoas do 
sexo/gênero igual ao seu e continuam se identificando como heterossexuais. 
Gilmaro Nogueira, por exemplo, em uma pesquisa de mestrado, analisou 
homens que praticam sexo com outros homens e que se identificam como 
“heterossexuais passivos” e “heterossexuais versáteis” (2017). 
São homens que se identificam com a heterossexualidade (evidente), mantém 
relações afetivo-sexuais com mulheres (essas relações podem ser através de 
vínculos matrimoniais ou casuais, com ou sem vínculo afetivo), rejeitam qualquer 
traço de feminilidade em si ou nos parceiros, sentem prazer ao penetrar mulheres 
mas, nas relações com homens, querem ser penetrados. Os heterossexuais 
passivos não penetram homens, são sempre penetrados. Os que mantém relações 
sexuais penetrando e sendo penetrados por outros homens se denominam de 
heterossexuais versáteis, que é uma categoria bem mais comum. (NOGUEIRA, 
2017, p. 31)
 Nogueira explica que alguns estudos mais antigos, realizados por 
antropólogos, a exemplo de Peter Fry (1982), já apontavam algo similar 
ao destacarem que, para muitos homens brasileiros, o ato de um homem 
penetrar um outro homem não necessariamente coloca a heterossexualidade 
42 43Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 2: Sexualidade
Figura 13: Heterossexualidade compulsória. Ilustração: Carlos Reis
44 45Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 1: Gênero44 45Gênero e sexualidade na atualidade Unidade 2: Sexualidade
do primeiro em questão. “O macho era o que penetrava outros homens e 
as bichas eram penetradas. O homem que penetrava não perdia o status 
de macho, inclusive em algumas situações tal fato era uma prova de sua 
virilidade” (NOGUEIRA, 2017, p. 30). 
As outras orientações mais conhecidas são a homossexualidade e a 
bissexualidade, que veremos logo em seguida. Como já anunciamos acima, 
os estudos queer não entendem a heterossexualidade apenas como mais 
uma entre as várias orientações sexuais que dispomos em nossas vidas. Pelo 
fato de a sociedade exigir, na base de muita violência, que todos sejamos 
heterossexuais, os estudos queer argumentam que a heterossexualidade 
é compulsória, ela é obrigatória sobre todas as pessoas, exceto em 
pouquíssimos casos. 
 Ao evidenciar que a heterossexualidade é obrigatória/compulsória, 
os estudos queer desnaturalizam a heterossexualidade. Ou seja, ela deixa 
de ser vista como algo natural ou normal, no sentido de que é um curso 
normal para a vida de qualquer pessoa.
Quando dizemos que a sexualidade de alguém não é natural ou “normal” 
não queremos dizer, com isso, que as pessoas são doentes. Apenas 
queremos dizer que a sexualidade de cada pessoa não é intrínseca ou o 
resultado de ações exclusivas de cada um de nós. Ou melhor, que as nossas 
sexualidades sofrem fortes influências do meio em que vivemos. Por isso, 
provocamos ao dizer que, na verdade, todas as sexualidades

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