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1 Curso GESTÃO EM SAÚDE Disciplina EPIDEMIOLOGIA E ESTATÍSTICA VITAL Curso GESTÃO EM SAÚDE Disciplina EPIDEMIOLOGIA E ESTATÍSTICA VITAL Alzira FALCÃO Jorge PINHO Silvia FARIA www.avm.edu.br S o b re o s a u to re s SILVIA MARIA DE FREITAS FARIA: graduada em Estatística pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1983, fez os créditos do mestrado em Estatística do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1987. Foi professora de Estatística de Saúde no Curso Técnico de Registros em Saúde da escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, FIOCRUZ, de 1993 a 2000, com especializações em Gestão Estratégica e Políticas de Saúde no Instituto de Medicina Social da UERJ, 2005, Promoção de Espaços Saudáveis e Sustentáveis no Departamento de Saneamento e Saúde da ENSP-FIOCRUZ, 2009, e Gestão Pública no Instituto A Vez do Mestre, 2010. Estatística do Ministério da Saúde desde 1987. JORGE LUIZI PINHO: Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (1987) e mestrado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (2000). Atualmente, é professor adjunto da Universidade Severino Sombra, especialista em Regulação de Saúde Suplementar da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, com ênfase em Saúde Pública e Coletiva. ALZIRA FALCÃO: Possui licenciatura em Matemática pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1992) e Especialização em Matemática pela Universidade Federal Fluminense (1993). É também especialista em Políticas Públicas e Gestão Estratégica em Saúde pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em parceria com o Ministério da Saúde (2005) e Especialização em Gestão Pública pela AVM Faculdade Integrada (2010). É líder do Projeto CNES - Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde / Divisão de Manutenção de Sistemas de Saúde/DMSS, da Coordenação de Desenvolvimento dos Sistemas de Saúde/CDESS (Ministério da Saúde - SE/DATASUS). 5 S u m á r io 07 Apresentação 09 Aula 1 Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 47 Aula 2 Bases epidemiológicas para atuação na área de saúde 71 Aula 3 Estatísticas vitais e a medida da saúde 97 Aula 4 Introdução ao conceito de vigilância em saúde - desigualdades em saúde 133 Aula 5 Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 175 AV1 Estudo dirigido da disciplina 178 AV2 Trabalho acadêmico de aprofundamento 179 Referências bibliográficas Epidemiologia e Estatística Vital C A D E R N O D E E S T U D O S A p re s e n ta ç ã o Nesta disciplina, a Epidemiologia será apresentada a partir de muitos conceitos que acompanharam sua evolução até os dias de hoje, fazendo com que ela passe a ser mais que uma disciplina da área das ciências da saúde. A epidemiologia se presta ao estudo das condições de saúde das populações, a análise adequada da saúde de populações passa necessariamente pelo conhecimento básico do conceito de saúde e sobre o processo de doença e suas causas. É importante frisar que, nas últimas décadas, a epidemiologia tem aperfeiçoado de forma significativa seu arsenal metodológico. Tal fato deve-se, de um lado, à melhor compreensão do processo saúde-doença, que nos permitiu uma visão mais clara dos múltiplos fatores que interagem na sua determinação e, de outro, ao desenvolvimento de novas técnicas estatísticas aplicadas à epidemiologia e, também, à utilização, cada vez mais ampla, dos computadores pessoais e à criação de novos programas (softwares), tornando acessíveis a um número cada vez maior de pesquisadores a aplicação de análises estatísticas de dados obtidos em investigações epidemiológicas. É neste sentido que entendemos a utilização da epidemiologia para além do estudo da situação de saúde de populações e indivíduos, tornando-a um subsídio indispensável na tomada de decisão na Gestão em Saúde. O b je ti v o s g e ra is Este caderno de estudos tem como objetivos: Apresentar a disciplina Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho; Apresentar quais são as bases epidemiológicas para atuação na área de saúde; Compreender o que são Estatísticas Vitais e Medidas da Saúde; Conhecer Vigilância em saúde; Aprender sobre Desigualdades em Saúde e a relação com a Epidemiologia; Compreender o uso da Epidemiologia no planejamento das ações em saúde. Epidemiologia: seu Campo de Estudo e Trabalho Jorge Pinho A U L A 1 A p re s e n ta ç ã o Definir um tema que se queira abordar é o primeiro passo para seu entendimento. Assim, nesta aula, a Epidemiologia será apresentada a partir de seus muitos conceitos que acompanharam sua evolução até os dias de hoje, fazendo com que a epidemiologia passe a ser mais que uma disciplina da área das ciências da saúde. Hoje, estendemos sua utilização para além do estudo da situação de saúde de populações e indivíduos, tornando-a um subsídio indispensável na tomada de decisão na gestão em saúde. O b je ti v o s Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Apresentar um panorama geral da Epidemiologia por meio de um contexto histórico, ao demonstrar sua evolução até os dias atuais quando se tornou disciplina da área da saúde de grande relevância e incorporou métodos e instrumentos de estudo de enorme complexidade; Mostrar ao aluno uma abordagem reflexiva a respeito dos aspectos conceituais da Epidemiologia e sua utilização; Sintetizar sua abrangência e importância como suporte na prática do profissional de saúde, tanto aquele que lida diretamente com a clientela de saúde quanto aquele que tem a responsabilidade da gestão da saúde. Aula 1|Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 10 Introdução Na Antiguidade, as doenças eram explicadas de forma sobrenatural; simplesmente consideradas um castigo dos deuses ou demônios. Porém, nesse período, Hipócrates já argumentava que as doenças resultavam da relação entre os indivíduos e o meio ambiente. Com esse pensamento, esse médico grego, considerado pai da Medicina, influenciou o raciocínio médico de sua época e das eras seguintes. É considerado por muitos, também, o precursor da epidemiologia, por ter estudado as doenças epidêmicas e considerar, em suas orientações na avaliação da saúde dos indivíduos, a influência do tempo, o modo de vida e os hábitos higieno-dietéticos. Seus ensinamentos se mantiveram preservados ao longo dos séculos, porém, não de forma disseminada pelo mundo ocidental, apenas pelo mundo árabe, e retomados no Ocidente, a partir do Renascimento. Quem foi Hipócrates? Hipócrates (em grego, Ἱπποκράτης) — (Cós, 460 –Tessália, 377 a.C.) é considerado por muitos uma das figuras mais importantes da história da saúde, frequentemente considerado "pai da medicina", sendo referido como uma das grandes figuras entre Sócrates e Aristóteles durante o florescimento intelectual ateniense. Hipócrates era um asclepíade, isto é, membro de uma família que durante várias gerações praticara os cuidados em saúde. Nas obras hipocráticas há uma série de descrições clínicas pelas quais se podem diagnosticar doenças como a malária, papeira, pneumonia e tuberculose. Para o estudioso grego, muitas epidemias relacionavam-se com fatores climáticos, raciais, dietéticos e do meio onde as pessoas viviam. Muitos de seus comentários nos Aforismos são ainda hoje válidos. Seus escritos sobre anatomia contêm descrições claras tanto sobre instrumentos de dissecação quanto sobre procedimentos práticos. Foi o líder incontestável da chamada "Escola de Cós". O que resta das suas obras testemunha a rejeição da superstiçãoe das práticas mágicas da "saúde" primitiva, direcionando os conhecimentos em Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 11 Na Idade Média, na Europa, durante o Feudalismo, regime em que predominava a produção rural dos feudos, durante o Obscurantismo, o senso comum e a maioria dos práticos da medicina admitiam que as causas das doenças vinham de castigos de Deus e emanações no ar, do solo, com seus compostos e dejetos em decomposição, a teoria dos miasmas, ou maus ares, dominou o pensamento médico até meados do século XIX. A malária, importante doença endêmico-epidêmica nessa parte do mundo, nesse período, teve o seu nome inspirado nessa concepção predominante. Indivíduos suscetíveis entrariam em contato com miasmas, que por sua vez eram transmitidos a outros indivíduos; dessa forma, as epidemias eram explicadas. Mais tarde, a Idade Moderna vem com a decadência do Feudalismo e o surgimento do Mercantilismo na Europa, com as grandes navegações, em busca de mercados e seus produtos no Oriente e o início do crescimento desenfreado das cidades, ou Burgos, em função desse processo, num cenário que prevalecia a promiscuidade, recrudescem as epidemias. Esse modo de disseminação das principais doenças transmissíveis assolava a Europa de forma cíclica havia saúde no caminho científico. Sua ética resume-se no famoso Juramento de Hipócrates. Porém, certos autores afirmam que o juramento teria sido elaborado numa época bastante posterior. Fonte: Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hip%C3%B3crates Definindo: Endemia Difere da epidemia por seu caráter mais contínuo e restrito a uma determinada área. Pode evoluir para uma epidemia (doença endemo- epidêmica). Epidemia Incidência, em um curto período de tempo, de um grande número de casos de uma doença. Pandemia Epidemia de doença infecto-contagiosa que se espalha entre a população localizada em uma grande região geográfica. Quer saber mais? Antiguidade (Idade Antiga) – Período que se estende desde a invenção da escrita (4000 a.C. a 3500 a.C.) até a queda do Império Romano no Ocidente (476 d.C). Idade Média – Século V (mais especificamente 476 d.C) ao século XV (entre 1453 d.C., com a queda de Constantinopla e 1493 d.C., com a descoberta da América) Renascimento – Fins do século XIII até meados do século XVII. Idade Moderna – A partir do século XVII. Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 12 séculos, porém, encontrou na estrutura de organização social da época o mecanismo de disseminação brutal, provocando aniquilação de grande contingente populacional. A cólera, o tifo, a peste e a tuberculose obrigam, com suas dinâmicas devastadoras, aos primeiros levantamentos epidemiológicos, na tentativa de determinar as causas de sua disseminação. É por volta do século XVII que um homem chamado John Grant começa a tabular os primeiros registros de óbitos, estudando assim os dados de mortalidade de Londres. A Revolução Industrial, iniciada em meados do século XVIII, consolidou o êxodo rural para as cidades europeias, que começaram a se formar em Burgos, no período do Mercantilismo. A mão de obra para alimentar as fábricas, em proliferação, inchava as cidades, que sem infraestrutura para abrigá-la, consolidava um cenário propício para o recrudescimento das grandes epidemias, além da jornada de trabalho, extremamente pesada, que se impunha nesse período, interferindo de forma importante com a resistência das pessoas. As epidemias assolavam as grandes cidades; sua dinâmica obrigou a movimentos das autoridades para o desenvolvimento de medidas de higiene e o fortalecimento das legislações sanitárias. Nesse cenário, o desenvolvimento da bacteriologia passa a dividir as opiniões dos profissionais de medicina com a teoria dos germes, em contraposição à dos miasmas. Entre o final do século XVIII e meados do século XIX, na Europa, importantes movimentos são observados: introduz-se o método estatístico em Antes de prosseguir, vamos pesquisar? O que é a Teoria dos Miasmas? E como a Teoria dos Miasmas se diferencia da Teoria dos Germes? Dica de filme Um filme muito interessante para entender o desenvolvimento das epidemias nos séculos XVIII e XIX chama-se O Cavaleiro do telhado e a dama das sombras, dirigido por Jean-Paul Rappeneau, em 1995. Dica de leitura Outra referência é o livro de Maria Stella Bresciani, chamado Londres e Paris no século XIX, o espetáculo da pobreza (SP: Editora Brasiliense, 1982). Este livro nos mostra a precária urbanização durante o processo de industrialização na França e Grã- Bretanha e como isso afeta o desenvolvimento e a saúde dos habitantes destes dois países. Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 13 pesquisa clínica e nasce a Medicina Social, apresentando a corrente que defendia a influência de determinantes sociais na origem das doenças, ou seja, a relação das condições socioeconômicas na determinação dos problemas de saúde. Apesar desse pensamento, a Teoria dos Germes, reforçada, a princípio, pela demonstração dos micro-organismos como causadores das principais doenças da época, passa a orientar a medicina clínica através da concepção de única causa, os microrganismos, e único efeito, doenças infecciosas, predominantes nesse período. Ao mesmo tempo, devido à influência das descobertas da microbiologia, os caminhos da Saúde Pública, com suas ações preventivas, se direcionam para as medidas nutricionais, de saneamento ambiental, e pesquisas na busca de agentes imunizantes, as vacinas, já no início do século XX. Na entrada do século XX, a evolução dos conhecimentos sobre a transmissão das doenças infecciosas diminui a força da teoria dos germes ao introduzir o meio ambiente e seus fatores como um dos pilares da relação de transmissão entre agente etiológico e hospedeiro. Nesse momento, a Saúde passa a ser entendida, por alguns estudiosos, como a adaptação do indivíduo, ao longo de sua vida, ao meio ambiente, do qual faz parte, através de complexa interação com seus inúmeros fatores. Por sua vez, a doença é o resultado de um desequilíbrio em algum momento desse processo adaptativo; ou devido ao envelhecimento, ou pelo aumento da carga de fatores, ou ambos. Como afirma Dubos: “Os estados de saúde e doença são a expressão do sucesso ou do fracasso experimentado pelo organismo em seus esforços para responder adaptativamente a desafios ambientais”.1 1 Dubos S. Man adapting. New Haven: Yale University Press, 1965. In: http://www.psiquiatradeportoalegre.com.br/saudexdoenca4.html Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 14 Após a segunda Guerra Mundial, a epidemiologia sofre um desenvolvimento marcante. A consolidação do processo de industrialização de países que iniciaram a Revolução Industrial do século anterior, que não foram dizimados na Guerra, o início do processo de industrialização dos países subdesenvolvidos, o acesso a melhores condições de vida, no aspecto nutricional e ambiental, leva à diminuição significativa na incidência, casos de doenças transmissíveis, até então as mais prevalentes, bem como na sua mortalidade. Paralelamente, o aumento da expectativa de vida, e longevidade das pessoas, permite o aumento progressivo das doenças crônicas não transmissíveis. Nesse período, as pesquisas em saúde se multiplicam tendo como ferramenta os estudos epidemiológicos. A epidemiologia tem como foco de pesquisa a investigação das condições de saúde das populações, a busca da determinação da etiologia das doenças e Fatores de Risco e a proposição de intervenções seguras para a diminuição da incidênciae evolução de doenças. A epidemiologia, por conta da complexidade da multicausalidade e da influência dos inúmeros fatores ambientais na determinação das doenças e manutenção da saúde das populações, se desenvolveu e foi transformada em disciplina na formação de profissionais de saúde, e com isso incorporou métodos e instrumentos de estudo de igual complexidade. É importante ressaltar que, praticamente todos os problemas de saúde, em todas as áreas da saúde, foram, bem ou mal, ou estão sendo estudados, e o são através da epidemiologia e seus métodos de investigação. Atualmente, a Epidemiologia encontra-se de tal forma desenvolvida, que deixou de estar vinculada Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 15 exclusivamente à saúde pública ou coletiva, debruçando-se quase que totalmente em aspectos biológicos, fisiológicos, ou mesmo físicos. A disciplina encontra interface na clínica e na sociologia, fazendo parte da grade curricular de qualquer curso da área da saúde e que aborda assuntos de muitas outras áreas. Mesmo assim, podem ser identificados, como alerta Pereira, três eixos básicos em sua composição mais moderna, todas as áreas das ciências biológicas; as ciências sociais, repercutidas, de forma complexa, nas relações entre fatores biológicos e ambientais; e a estatística apresentando seus recursos para a coleta de dados, nas investigações epidemiológicas e suas análises, para o diagnóstico da situação, bem como na busca de estratégias seguras de intervenção. Conceito e Relevância Antes de qualquer coisa, para o seu entendimento, é necessário buscar um conceito de Epidemiologia. Diversas definições podem ser encontradas na literatura, dependendo de cada autor e do período em que foi elaborada. Foram levantadas por um epidemiologista, de 1927 até 1976, vinte e três definições de Epidemiologia na literatura mundial. As mais antigas enfocam exclusivamente as doenças transmissíveis, que predominavam até o início do século passado. Já as mais recentes incluem as doenças não transmissíveis, bem como os diversos fatores determinantes dos problemas de saúde (Pereira, 2002). Os autores lembram a sua origem etimológica grega: epi, que significa sobre; demo se refere à população ou povo e logia, o sufixo grego relacionado a estudo (Jekel, 2002). Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 16 Assim, partindo da simplificação da origem da palavra, Jekel define epidemiologia como o “estudo dos fatores que determinam a ocorrência e a distribuição da doença na população”. Da mesma forma que Macmahon: “A Epidemiologia é o estudo da distribuição e dos determinantes da frequência de doenças no homem” (Pereira, 2002). Na verdade, esses autores partem do argumento de que a epidemiologia é uma das formas pelas quais a doença pode ser estudada, considerando os níveis: molecular (biologia celular, bioquímica e imunologia); dos tecidos e órgãos (anatomia patológica); do indivíduo (clínica) e das populações, a epidemiologia. O conceito de Maxcy que se refere à Epidemiologia como “o campo da ciência médica preocupado com o inter-relacionamento de vários fatores e condições que determinam a frequência e distribuição de um processo infeccioso, uma doença ou um estado fisiológico em uma comunidade humana”, apesar de abordar doenças, fala em “estado fisiológico”, de maneira genérica, sim, porém considera um aspecto, que não somente a concepção negativa da doença, como campo de abordagem; além de admitir a existência de uma relação entre diversos fatores e condições na determinação desse estado. Dessa forma, é importante considerar que a Epidemiologia é uma ferramenta fundamental, não só para o estudo dos determinantes da doença, mas também, consequentemente, para os determinantes da saúde de populações. Afinal, as condições de saúde de uma população, ou mesmo de um indivíduo, estão diretamente ligadas à forma como “organizam” seu modo de viver e também respondem às influências que o meio lhes apresentam. Como entendem Susser, quando diz, de forma mais sucinta, que a epidemiologia Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 17 “é o estudo da distribuição e dos determinantes da saúde em populações humanas”, e Leavell, mais abrangente, que refere a epidemiologia como “um campo da ciência que trata dos vários fatores e condições que determinam a ocorrência e a distribuição de saúde, doença, defeito, incapacidade e morte entre os grupos de indivíduos”. Essa definição é interessante, ao abordar a “distribuição da saúde” dando a ela uma característica dinâmica de processo e não estática como “estado de saúde”, utilizado, se não em todos, mas na grande maioria das definições, quando a abordam. A saúde, como um processo e não um estado, será tema de discussão a ser abordado oportunamente (Pereira, 2002). Forattini contribui para o maior entendimento da Epidemiologia, em sua definição, ao colocar elementos ecológicos em seu conceito. Para ele, a Epidemiologia é o “estudo do estado de saúde na comunidade antrópica, ou seja, tudo que pode ser atribuído à atividade humana, em seus aspectos causais e de distribuição com a finalidade de aplicá-los para a solução dos problemas a ele relacionados” (Forattini, 1992). Nessa definição aparece a preocupação em mostrar a epidemiologia como, além de uma ciência, uma ferramenta, não apenas de pesquisa, apresentada assim por diversos autores, mas também como um instrumento de Gestão em saúde, quando considera todos os aspectos relacionados à atividade humana como determinantes (causais e de distribuição) para seu estado de saúde, e a finalidade de aplicá-los na transformação ou solução dos problemas. Paul explicita a questão da atividade humana em sua definição: “A Epidemiologia ocupa-se das circunstâncias em que as doenças ocorrem e nas quais elas tendem ou não a florescer. Essas circunstâncias podem ser microbiológicas ou toxicológicas; podem estar baseadas em fatores genéticos, sociais ou ambientais. Mesmo os Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 18 fatores religiosos ou políticos devem ser considerados, desde que se note que têm alguma influência sobre a prevalência da doença. É uma técnica para explorar a ecologia da doença humana”; e Morris de forma um pouco diferente chega à mesma conclusão quando diz que “A Epidemiologia é uma maneira de aprender a fazer perguntas e a colher respostas que levam a novas perguntas... empregada no estudo da saúde e doença das populações. É a ciência básica da medicina preventiva e comunitária, sendo aplicada a uma variedade de problemas, tanto de serviços de saúde como de saúde” (Pereira, 2002). Os conceitos buscam dar uma definição abrangente à ciência da área da saúde que, ao longo do tempo, por estudar os aspectos que interferem na saúde ao longo do processo de vida, aspectos estes, sociais, culturais, econômicos, ambientais e organizativos, ainda mais das populações, tornou-se extremamente complexa. No entanto, a simplificação do conceito talvez seja a forma mais adequada de explicar e de se entender a dimensão do que se está tentando definir. A partir dos conceitos apresentados, percebe-se que elementos comuns podem ser apreendidos de todos eles, e dessa forma, como conseqüência, chegar a uma definição simples a ponto de entender a epidemiologia como um amplo espectro de possibilidades de utilização dentro da área da saúde para a resolução de seus problemas. A definição, apresentada por Pereira (2002), faz isso ao considerar a Epidemiologia como um “Ramo das ciências da saúde que estuda, na população, a ocorrência, a distribuição e os fatores determinantes dos eventos relacionados à saúde”. Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudoe trabalho 19 Portanto, a Epidemiologia, partindo do que foi apresentado, do mais simples ao mais complexo, pode ser definida e podemos entendê–la como o “Ramo das ciências médicas empregado no estudo e intervenção dos aspectos relacionados à saúde no âmbito de populações”. Assim, considerando essa definição, a epidemiologia pode ser entendida, não de uma forma restrita, fragmentada ou simples, mas pelo contrário, como uma ciência que estuda todos os diversos aspectos que determinam ou não a saúde, podendo ser aplicada, até como ferramenta, em qualquer que seja o nível de abordagem dentro das ciências da saúde, principalmente na gestão em saúde, ao considerar as populações o seu objeto de estudo. A epidemiologia observa, a partir de populações, como se desenvolve o processo de saúde, quando levanta suas características de vida e a influência que essas exercem nesse processo. Resta, então, no que ficou concluído, a partir de sua definição, apresentar os conceitos do que é saúde e população. População e Território Para a epidemiologia, população, genericamente falando, é um conjunto de indivíduos, mais de um constituindo-se assim como o contrário de indivíduo. Os estudos, a observação, a sensibilidade da epidemiologia partem de problemas, de soluções, ou mesmo da manutenção da saúde, a princípio, de grupos de indivíduos, qualquer número maior que uma pessoa (Medronho, 2008). Porém, não basta definir população do ponto de vista numérico. Um estudo ou levantamento epidemiológico trabalha com a noção de território, o espaço não somente delimitado, ou cercado, mas também, todos os aspectos socioeconômicos, culturais, ambientais que influenciam Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 20 e que são produzidos pelos indivíduos que o habitam, e que compõem ou influenciam os diversos determinantes no processo de saúde e adoecimento, ou seja, na qualidade de vida de seus integrantes. A epidemiologia não leva em conta apenas os indivíduos de uma favela, mas sim como essa população se caracteriza, ou seja, sua organização, socialização, sua cultura (hábitos e ritos) e sua realidade econômica, e como essa mesma organização interfere na produção de sua saúde, o que dá a essa população um perfil genérico definido. Concluindo, para a epidemiologia, a concepção de população considera os indivíduos sob todos os aspectos de seu modo de vida, utilizando o conceito de “território” para delimitar uma população, ou seja, grupos de indivíduos com características sociais semelhantes, além de biológicas. Portanto, podemos falar em população quando estamos considerando um casal, uma família pequena ou numerosa, idosos de um asilo, moradores de um bairro, crianças de uma creche, habitantes de uma cidade, municípios, a população de um estado, de um país ou de mais de um. Cada exemplo desse pode ser considerado uma população, caracterizada por seus diversos aspectos que lhe conferem semelhança. Conceito de Saúde Para a continuidade da reflexão e conhecimento sobre a importância da Epidemiologia, não só como disciplina na área da saúde, mas também como instrumento na gestão, é fundamental a discussão sobre o que é saúde. Muitos profissionais da área atuam sem esse entendimento. Como consequência, geralmente empreendem esforços mal direcionados, Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 21 pouco efetivos, superestimando suas competências e responsabilidades, o que acaba gerando pouco impacto no resultado das ações, além de frustração profissional. A epidemiologia, pelo que se concluiu, estuda os aspectos relacionados à saúde e as associações entre os diversos fatores que compõem a interface entre saúde e doença, para propor a intervenção sobre eles, quando necessário. Mas então, quais são esses aspectos? Como identificá-los e conhecê-los? Para isso, parece óbvio que seja necessário estabelecer um conceito do que seja saúde e seus determinantes. Definir satisfatoriamente o que é saúde permite um maior entendimento sobre sua dinâmica, como preservá-la, como buscá-la, e como se organizar para interferir nos aspectos que exercem influência sobre ela. Dessa forma, tal conceito deve ser, como diz Dever, “amplo, abrangente e administrável do ponto de vista estratégico”. Interessante essa concepção “do ponto de vista estratégico”; significa dizer que o conceito deve direcionar ao ponto de partida adequado, na intervenção em saúde (Diagnóstico, planejamento e execução de ações, monitoramento e avaliação dos resultados alcançados). Certos equívocos na concepção sobre o que deva ser encarado como saúde têm levado o setor a fracassos estratégicos, quanto ao combate dos principais problemas que afligem a população mundial (Dever, 1988). A definição de saúde, além de considerar essas características, tem de ser simples, para que possa ser entendida, não só por profissionais de saúde, uma vez que saúde se busca e se conquista através da mobilização de esforços integrados de toda a sociedade, assim como não apenas pela responsabilidade técnica profissional unisetorial, o que será demonstrado, a seguir, com a apresentação da sua mais moderna concepção. Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 22 O conceito de saúde deve, ainda, incorporar os modelos epidemiológicos que admitem como fatores determinantes das doenças, múltiplas causas e múltiplos efeitos, além das associações dos fatores de risco como faz o conceito de população na concepção de território. Saúde como campo A saúde é de difícil definição, sem dúvida. Durante muito tempo, desde a criação da “Medicina Interna”, início da Clínica, em meados do século XVIII, período em que predominavam as doenças infecciosas e carências, se restringia à ausência de doenças. Concepção essa reforçada pela teoria dos germes e do desenvolvimento da bacteriologia, até meados do século XIX, comprovando a existência de agentes microbianos que, uma vez interagindo com o organismo, internamente, desenvolviam lesões e sintomas, as doenças, ou seja, uma única causa (o agente microbiano, ou mesmo a deficiência nutricional) com um único efeito (a doença). Ficou sob a responsabilidade dos médicos tratá-las e, sob essa racionalidade, os serviços de saúde foram rigorosamente constituídos (Pereira, 2002). Esse conceito foi se perpetuando, na prática, apesar da diminuição da incidência e mortalidade de doenças transmissíveis mais prevalentes, mais pela melhoria das condições de vida das populações, por maior acesso à alimentação e soluções sanitárias, do que propriamente à intervenção médica. Paralelamente, esse contexto reforçava as teorias dos adeptos da Medicina Social sobre a multicausalidade das doenças, em que os fatores ambientais, extrínsecos influenciam a exposição ao agente etiológico. Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 23 Surge, assim, o modelo epidemiológico tradicional. Essa concepção sustenta que a doença tem três pilares, o hospedeiro, o agente e, entre eles, o ambiente. Os agentes representados por micro- organismos físicos, químicos ou mesmo as deficiências alimentares. Nessa relação pode ser considerado qualquer aspecto que promova a suscetibilidade do hospedeiro, associada à influência que o meio ambiente tem nessa interação entre os três (Rouquayrol, 2003). É claro que, mais tarde, a alteração nos padrões das doenças; a Transição Epidemiológica, em que as doenças transmissíveis foram cedendo espaço às doenças crônicas não transmissíveis; a interferência do processo de industrialização de alguns países no perfil de suas populações, a transição demográfica; a diminuição da mortalidade das mais importantes doenças infecciosas, em especial a tuberculose, levando ao aumentoda expectativa de vida: obrigaram à proposição de outros modelos, incrementando o modelo tradicional, diminuindo a importância dos agentes e aumentando a importância dos fatores ambientais e do hospedeiro, bem como a relação entre eles no processo saúde/doença (Medronho, 2008). Mesmo assim, essa evolução não interferiu na estrutura inicial concebida sob a hipótese do modelo simples da causa única e efeito único, o que motivou a Organização Mundial da Saúde, só em 1948, quando todos os países desenvolvidos já haviam consolidado seu processo de industrialização, divulgar sua definição. O conceito sustenta que a saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social” e ainda completa, “e não apenas a ausência de doenças”, mostrando a sua preocupação em relação à concepção primária, que prevalecia entre aqueles responsáveis pela administração dos serviços de saúde disponibilizados às populações. Observa-se ainda hoje Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 24 essa racionalidade, não só entre alguns profissionais da área, mas também no senso comum, o que só prejudica a organização dos sistemas de saúde e a resolução de seus problemas. Esse conceito, apesar de muito divulgado, sofreu diversas críticas pelo seu idealismo exagerado e sua limitadíssima aplicabilidade. Interessa alertar quanto ao fato de que saúde não é apenas ausência de doenças, mas como alcançar um completo bem-estar físico mental e social diante da complexidade das relações e características de agentes, indivíduos e ambiente? Como sistemas ou serviços de saúde, partindo desse conceito, podem efetivamente promover a saúde que essa definição sustenta? Além disso, não é possível admitir a saúde como um estado, mas sim um processo que varia ao longo da vida, com ganhos e perdas que as relações biológicas, sociais, culturais, cognitivas, econômicas e ambientais promovem. Fica claro que, diante da multiplicidade de fatores e da complexidade entre diversas causas e efeitos, é não só mais simples como mais apropriado adotar uma definição ampla, abrangente e que se adapte à complexidade dos modelos epidemiológicos atualmente propostos. Um conceito que permita a quem administra serviços de saúde a adoção da epidemiologia como forma de direcionar estrategicamente as ações, bem como dimensionar as competências e responsabilidades de cada setor na resolução dos problemas que se apresentam, permitindo maior efetividade das estratégias desenvolvidas. Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 25 O conceito de Campo de Saúde foi proposto, com esse propósito, em um documento, a “Carta de Ottawa”, em 1986, pelo então Ministro da Saúde do Canadá, e se tornou a base da política de saúde desse país. Essa definição propõe que a saúde é determinada por fatores agrupados em quatro campos: o da biologia humana; o do estilo de vida; o do ambiente e o da estrutura dos serviços de saúde. O campo da biologia humana contém tudo o que se refere à esse aspecto, a questão genética, a suscetibilidade, a fisiologia, aspectos que fogem do controle do indivíduo. No campo estilo de vida são considerados todos os aspectos que o indivíduo ou indivíduos adotam como hábito de vida, como por exemplo, o fumo, o consumo de álcool, o sedentarismo, a atividade física, dizem respeito à sua vontade. Da mesma forma, aspectos relacionados ao meio ambiente que tem implicação em questões de saúde são considerados no campo ambiente, aqui são considerados, inclusive, os diversos agentes do modelo epidemiológico tradicional. E por último, é importante ter em conta que, a estrutura dos serviços de saúde concebida em sua forma mais ampla, oferta, organização, processo de trabalho, relações humanas e profissionais, tem a sua parcela de contribuição na gênese, resolução dos problemas e manutenção da saúde (Dever, 1988). Dessa forma, qualquer problema que se apresente pode ser enquadrado em pelo menos um desses campos e, a partir daí, é possível dimensionar o peso que cada campo tem no desenvolvimento do problema que se apresenta, e qual a competência e responsabilidade que cada setor tem na sua solução. Isso é, grosso modo, gestão de saúde. A partir desse modelo de conceito, é possível observar que a causa de problemas de saúde muitas vezes é multisetorial e, consequentemente, as abordagens para sua resolução são intersetoriais. Não Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 26 se pode exigir que profissionais de saúde assumam o peso e a responsabilidade de solucionar todos os problemas de saúde. Grande parte das soluções depende da mobilização de outros setores da sociedade. Como é argumentado no Relatório Lalonde (1974), não se podem diminuir as mortes no trânsito construindo mais e mais hospitais de trauma e contratando mais e mais médicos neurocirurgiões. É necessário também, e principalmente, que se eduquem os motoristas e pedestres, se mantenham as vias adequadas para o tráfego, veículos mais seguros sejam disponibilizados à população, e isso foge à competência dos profissionais e gestores de saúde. O grande desafio que se apresenta atualmente é disseminar esse conceito, não só na área da saúde, mas nos diversos setores da sociedade e desenvolver uma articulação intersetorial na resolução dos problemas. Relatório Lalonde (1974) O relatório Lalonde foi um relatório produzido em 1974, no Canadá, sob o nome de A new perspective on the health of Canadians (Uma nova perspectiva da saúde de canadenses). É considerado o "primeiro relatório governamental moderno no mundo ocidental a reconhecer que a ênfase em assistência médica sob um ponto de vista biomédico é errado, e que é necessário olhar além do sistema tradicional de saúde (tratamento dos doentes) se o objetivo é melhorar a saúde do público." O nome do relatório provém de Marc Lalonde, que era o Ministro da Saúde do país à época. Lalonde propôs um novo conceito de saúde. Ele notou que a "visão tradicional da saúde é que a arte da medicina é a fonte onde o qual todas as melhorias na saúde surgiram, e que a crença popular iguala saúde com a qualidade da medicina." Lalonde propôs que a saúde poderia ser classificada em quatro elementos gerais: biologia, ambiente, estilo de vida, e organização da assistência sanitária; isto é, determinantes da saúde fora do sistema de assistência sanitária. O relatório enfatizou a responsabilidade de cada indivíduo em mudar seus comportamentos para melhorar sua saúde. Outra inovação do relatório é que "propôs que intervenções da saúde pública deveriam dar ênfase em segmentos da população de Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 27 A Relevância e Usos de Epidemiologia Assim, após esmiuçar conceitualmente a epidemiologia, é possível perceber que o seu objetivo geral, se não o primordial, é o de reduzir os problemas de saúde na população. A Epidemiologia passou a ser abordada como disciplina científica em meados do século XX, embora seja utilizada desde os primórdios da Clínica Médica como instrumento de investigação etiológica das doenças transmissíveis. Através da epidemiologia, ficou comprovado, antes desse período, que muitas doenças tidas como infecciosas eram na verdade causadas por deficiências nutricionais. Nessa época, a epidemiologia se desenvolveu de forma marcante, e acabou por se tornar muito abrangente, a partir de então, a ponto de apresentar uma série de subdivisões, de acordo com a área de investigação e também de acordo com as prioridades que foram surgindo devido à evolução e a conformação dos problemas de saúde apresentados (Pereira, 2002). Muitas atribuições são dadas à epidemiologia, cada uma com suaforma de abordar aspectos peculiares. A Epidemiologia Experimental, quando o estudo epidemiológico observa o comportamento de populações submetidas à influência de determinados fatores; Epidemiologia Genética em que o objeto de estudo se foca na etiologia, ocorrência e controle de doenças de origem genética; Epidemiologia das doenças infecciosas e não infecciosas e muitas outras são alguns exemplos. No entanto, são formas particulares de abordagem da mesma ciência (Jekel, 2002). maior risco." O relatório também foi fundamental na identificação de desigualdades sanitárias. Fonte: Relatório Lalonde, In.: http://pt.wikipedia.org/wiki /Relat%C3%B3rio_Lalonde Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 28 A epidemiologia pode ser classificada como Clássica e Clínica. Segundo Jeckel, a epidemiologia clássica estuda os problemas de saúde a partir da comunidade no intuito de encontrar fatores de risco e estabelecer formas de controle na população como forma de prevenir ou retardar a morte, tal como a sua definição, digamos clássica, porém enfocando doença (2002). A epidemiologia clínica estuda os pacientes (doentes) em locais em que são submetidos a ações de saúde, buscando aprimorar diagnóstico, tratamento e prognóstico de doenças. Além de problemas metodológicos que podem aparecer nesses estudos, a limitação dessa classificação está relacionada à impossibilidade de diferenciar na essência uma da outra. Ambas estudam aspectos relacionados à saúde, sejam fatores de riscos ou doenças. As duas abordam populações, uma na comunidade, a outra em estabelecimentos de saúde, e finalmente, a intenção é a intervenção. Portanto, não há diferença conceitual entre as duas (Jekel, 2002). A epidemiologia clínica utiliza, ou mesmo investiga, aspectos da epidemiologia clássica (fatores de risco, mudança de hábitos do indivíduo doente); na epidemiologia clássica, ao estudar pessoas que estão doentes, o objeto de estudo, mesmo que doentes, é uma população e utiliza as conclusões para prevenir ou retardar a morte. Portanto, essa classificação separa a mesma Epidemiologia como ferramenta na intervenção sobre a saúde de populações em momentos distintos na história natural da doença (Pereira, 2002). Epidemiologia Descritiva e Analítica A classificação da Epidemiologia que divide essa ferramenta por conta da abordagem que se dá aos Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 29 problemas de saúde, e que são claramente distintas do ponto de vista prático define a Epidemiologia como Descritiva e Analítica de acordo com sua característica investigativa. . A Epidemiologia Descritiva tem o objetivo de informar, apresentar a “simples” distribuição, ocorrência e progressão dos problemas, eventos em uma população, de tal forma que é possível estabelecer um balanço entre a carga de problemas de saúde e a qualidade da saúde dessa população. O conhecimento da distribuição dos eventos, ou a determinação do diagnóstico epidemiológico tem, pelo menos, dois grandes objetivos. O primeiro é estabelecer para quem, onde e quando deverão ser direcionadas as ações de intervenção e o segundo a proposição de hipóteses que determinem as causas dos problemas (Pereira, 2002). A Epidemiologia Analítica tem a função de identificação da etiologia dos eventos levantados, caso seja necessária, através de estudos epidemiológicos de investigação. Os estudos analíticos são diferentes dos estudos descritivos. É considerado a fase posterior à obtenção do conhecimento sobre os eventos. Ligados a questões formuladas anteriormente, as hipóteses de causa e efeito, ou seja, o estabelecimento da relação de fatores de exposição e a doença (Pereira, 2002). Diagnóstico epidemiológico Traçar o perfil epidemiológico, ou estabelecer o diagnóstico epidemiológico, significa tomar conhecimento da distribuição dos problemas de saúde da população (Fatores de risco, doenças e agravos). Esse objetivo consiste no levantamento das freqüências, o estudo da distribuição desses eventos na população, ou seja, identificando os segmentos mais afetados. Essa situação encontrada pode estar limitada Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 30 a uma condição, que pode estar relacionada a um problema, um fator de risco, acesso ou cobertura de serviços, ou mesmo uma característica específica e de interesse da população estudada. Normalmente, quando se trata de uma população de grande porte, são detectados mais de um problema e ou fatores de risco. Desse diagnóstico faz parte a busca da magnitude desses principais problemas de saúde que incidem na população estudada (Medronho, 2008). É importante observar que, para se estabelecer um diagnóstico epidemiológico, dois aspectos são absolutamente fundamentais. O primeiro é a dimensão da população, que se preocupa com a representatividade do conjunto de indivíduos para se estudar e buscar a relevância do problema. Em segundo lugar, é necessária a determinação ou construção de indicadores que retratem adequadamente a situação. Os indicadores mais utilizados para esse propósito são os de morbidade e mortalidade, e serão abordados em capítulo específico desse curso (RIPSA, 2008). A organização dos dados relacionados à população estudada é um passo fundamental para a determinação do diagnóstico epidemiológico de uma dada população. A frequência de eventos, ou seja, sua incidência, ou casos novos, e a prevalência de todos os casos, bem como seus óbitos, devem ser distribuídos por subgrupos dessa população. Isso quer dizer que os eventos devem ser agrupados por local de ocorrência, por sexo, por faixas etárias, por exemplo, para serem comparados, na mesma população. Esse procedimento permite, também, que essa população seja comparável com outras populações, no estudo epidemiológico isso pode ser necessário. É importante lembrar que determinados problemas ocorrem mais ou menos em determinados grupos em locais determinados e em períodos determinados (Rouquayrol, 2003). Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 31 O diagnóstico epidemiológico consiste no conhecimento de como os problemas se distribuem na população e qual a sua relevância, ou seja, qual a sua importância epidemiológica, e em relação aos outros problemas identificados. Pode-se dizer que deve ser o primeiro passo para a determinação da qualidade de saúde de uma população, ou seja, a identificação e distribuição dos problemas de saúde, doenças, agravos, situações e fatores de risco, e onde as estratégias e ações de intervenção devem ser aplicadas. Isso quer dizer, que esse é o panorama que deve ser apresentado para a tomada de decisão quanto à implantação e implementação de medidas de impacto, que para a Epidemiologia significa a mudança de uma situação atual para uma situação desejada (Pereira, 2002). Tabela 1 Coeficientes de incidência de tuberculose e AIDS, segundo região, Brasil, 2004. tuberculoseAIDS Região Norte 47,559,48 Região Nordeste 48,678,62 Região Sudeste 45,2519,06 Região Sul 32,6218,8 Região Centro-Oeste 25,8214,55 Brasil 43,7815,05 Região Taxa de incidência Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) e IBGE A tabela 1 mostra os coeficientes de incidência de tuberculose e AIDS, por região, do Brasil, no ano de 2004. De acordo com os dados apresentados na tabela, ao comparar os coeficientes das duas patologias, em qualquer das regiões, observa-se que, o risco de se contrair a tuberculose é maior na população em relação à AIDS, e chega a ser seis vezes maior na Região Nordeste. Dessa forma, esse indicador pode determinar que tipo de patologia deve ser priorizada em políticas de intervenção, inclusive, em qual população ou região. É claro que, nesseexemplo, a comparação é feita de Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 32 forma a apresentar, didaticamente, a importância das informações epidemiológicas de problemas de saúde para determinar o perfil de morbidade e o direcionamento de prioridades. No que diz respeito a essas duas patologias, ambas são de grande relevância epidemiológica, alvos de política governamental de controle, não cabe priorizar uma em detrimento da outra. Investigação Etiológica A seguir, diante desse diagnóstico, a epidemiologia permite a investigação através de metodologia científica dos fatores que determinam essa distribuição. A epidemiologia, inclusive, se presta ao estudo e à proposição de possíveis intervenções que possam causar impacto sobre os problemas levantados, o que significa determinar a eficiência (conceito, que juntamente com eficácia e efetividade, será abordado em outra parte desse caderno) e a segurança das ações, para estratégias e programas de serviços de saúde (Pereira, 2002). Isso quer dizer que a distribuição, ou seja, o peso, a dinâmica de eventos na população é um reflexo, ou consequência de fatores anteriormente apresentados, por vezes desconhecidos, e que necessitam ser determinados, sem os quais as medidas de intervenção para a mudança da situação perdem seu efeito, sua efetividade. Grande parte dos problemas que se apresentam, tanto individualmente quanto coletivamente já tem a sua etiologia determinada, principalmente os de maior incidência, prevalência e mortalidade, e estão determinadas as múltiplas causas de cada um, ou fatores determinantes, o que falta é coordenação intersetorial, para que esses problemas tenham suas taxas, seus indicadores diminuídos. Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 33 Porém, por vezes, o diagnóstico epidemiológico não é suficiente para o desencadeamento do processo de Planejamento e da tomada de decisão para as ações de intervenção. Alguns eventos podem incidir em uma população, em seus diferentes estratos, em diferentes lugares e épocas e o seu estudo pode exigir investigações mais elaboradas para se determinar sua etiologia, a partir da apresentação de hipóteses de causas (exposição, fator de risco, fator determinante) que possam levar ao efeito (doença), ou à ocorrência e à magnitude desses problemas de saúde (Pereira, 2002). Um exemplo recente foi o aparecimento da gripe causada pelo vírus H1N1, inicialmente desconhecido, antes de promover uma pandemia de proporções sem precedentes, se apresentou através de uma série de sintomas que, bem no início de sua disseminação, não permitia a diferenciação da origem, bacteriana ou viral. Estudos epidemiológicos foram fundamentais para a determinação de sua origem nos chiqueiros da Cidade do México, antes mesmo de ser identificado. A investigação etiológica, através de estudos epidemiológicos de investigação lançados pela Epidemiologia Analítica, é a solução de desafios da área da saúde para a elucidação das causas da distribuição de determinados problemas na população estudada; de acordo com o exemplo, o diagnóstico epidemiológico, ou seja, a caracterização do problema como epidêmico, a distribuição dos casos, não foram suficientes para o prosseguimento e determinação de medidas de impacto sobre a incidência e letalidade da doença. Nesse caso são necessárias técnicas de planos de pesquisa e análise de informações, que fazem parte do arsenal da Epidemiologia, desenvolvidas e trazidas para a epidemiologia para responder às questões mais adequadamente quanto às causas da distribuição de problemas de saúde (Rouquayrol, 2003). Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 34 A Relação Causa/Efeito A síntese estratégica da investigação etiológica em epidemiologia é a relação de causa e efeito que existe entre os eventos em saúde, aliás em qualquer área do conhecimento humano, na explicação dos fenômenos. Na área da saúde, embora a relação entre os fenômenos, ou eventos, se dê de forma extremamente complexa, como já foi comentado, e a abordagem multicausal seja mais apropriada no raciocínio epidemiológico, o enfoque da única causa pode ser, na prática, a solução, e muitas vezes o é. É como “empacotar” as múltiplas causas de um problema com uma única solução, que pode na conjuntura diminuí-lo, ou mesmo solucioná-lo, individual ou coletivamente. As doenças infecciosas passíveis de imunização são os maiores exemplos dessa abordagem. Essas medidas preventivas, as grandes campanhas e a organização dos serviços de atenção primária para a vacinação em massa, partem do enfoque dos agentes (a causa), os micro-organismos, que ao serrem eliminados do meio, pelas vacinas, eliminam as doenças (o efeito) (Dever, 1988). Porém, atualmente, apenas os menos esclarecidos não admitem a influência de múltiplos fatores na determinação das causas e também que uma única causa pode resultar em múltiplos eventos, como as doenças crônicas não infecciosas de maior relevância. A maioria delas não tem estabelecida, ainda, a sua etiologia básica, ou a sua etiopatogenia, porém, os diversos fatores que as determinam o são. Muitas dessas doenças estão associadas à obesidade, dieta, sedentarismo, estresse, o hábito de fumar, por exemplo. Em contrapartida, um desses fatores podem levar a uma associação de doenças. Ambas as situações podem ser combatidas e prevenidas, com estratégias que induzam a mudança de comportamento Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 35 em vários aspectos, seja através de várias abordagens, seja individual, seja coletiva, na família, na comunidade, ou nos diversos setores da sociedade; a Diabetes Mellitus e suas principais complicações, as doenças cardiovasculares, são importantes exemplos, quer de uma, quer da outra situação. Por conclusão, nota-se que a intervenção sobre um único fator determinante da doença não garante o seu controle, ainda que diminua o número de casos. A maioria das doenças crônicas não infecciosas tem essa característica. Risco É fundamental, atualmente, o papel da epidemiologia nas investigações científicas em busca, sobretudo, da etiologia das principais doenças, sem causa conhecida, principalmente as crônicas não infecciosas. Além disso, as investigações etiológicas geram resultados que determinam os riscos a que um ou mais indivíduos estão sujeitos ou expostos. Isso significa dizer que essas informações vão estabelecer a dimensão da associação entre um fator, dito de exposição e o efeito ou doença que surge. A determinação desse risco é um parâmetro, o argumento técnico, que se tem para a tomada de medidas que eliminem ou melhorem esse risco, ou ainda como fonte de monitoramento de uma ou mais situações de saúde que se deseja manter, como estratégia de vigilância em saúde, como um check-up (Pereira, 2002). O risco nada mais é que a probabilidade de um evento ocorrer, e essa probabilidade pode ser diferente entre os indivíduos, dependendo de como, ou quanto (quantidade e combinação com outras exposições) se expõe. Porém de um modo geral, o risco pode expressar, de maneira aproximada, a probabilidade de Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 36 uma população sofrer determinado dano. O risco é maior quando a exposição é maior, mas o risco pode existir mesmo sem exposição. Assim, podemos estabelecer três formas de risco, seus significados específicos, com seus métodos de cálculo (Medronho, 2008). RISCO ABSOLUTO O risco absoluto é o resultado da compilação de casos novos (casos que acontecem, considerando um dado período) em uma população. Seu método de cálculo representa a taxa ou coeficiente de incidência (taxa dos casos novos) e representa, por exemplo, número de casosde câncer do pulmão no ano, divididos pelo número de fumantes dessa população ( 16/1.000), ou ainda, o mesmo número de casos pelo número de pessoas que não fumam (2/1.000); por fim, o número de casos de câncer do pulmão dividido pela população total, todos no mesmo período (18/2.000 o que representa 9 casos para cada 1.000 indivíduos da população total estudada. Essa taxa pode ser melhor representada por 9/1.000). Dessa maneira se obtém o risco de câncer nos que fumam (16), nos que não fumam (2) e na população geral (18), respectivamente. É a forma de estabelecer o risco de determinado evento na população de forma simples e segura (Pereira, 2002). RISCO RELATIVO O risco relativo, mostra quanto o risco de ocorrência de um evento é maior em uma população em relação à outra, face a exposição de um fator determinante, ou associado. Pode ser, a comparação de uma população exposta ao fator e outra não exposta ao fator de risco. Costuma-se dizer que o risco relativo é a razão entre as duas incidências. Razão em Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 37 epidemiologia não é uma simples divisão. Esse assunto será apresentado em um capítulo apropriado. Dessa forma, o risco relativo, no exemplo acima descrito, explica que, após aplicar a razão entre as duas incidências (16/2 = 8), o risco de indivíduos fumantes adquirirem câncer de pulmão é oito vezes maior do que aqueles que não fumam (Pereira, 2002). RISCO ATRIBUÍVEL O risco atribuível está relacionado a o quanto, efetivamente, da exposição pode ser atribuída como causa do evento que se apresenta, ou seja, a diferença entre as duas incidências resulta no número de casos atribuídos à exposição. No exemplo, a incidência de câncer de pulmão em expostos ao fumo (16 pessoas), subtraída pela incidência dos doentes que não se expuseram (2 pessoas), resulta no risco atribuível de 14, que são realmente os casos da doença atribuídos à exposição ao fator de risco (Rouquayrol, 2003). É importante ressaltar que essas estratégias apresentadas permitiram e vêm permitindo, ainda hoje, por isso tudo, a obtenção dos vários parâmetros fisiológicos para diagnósticos, bem como estratégias e condutas de tratamento e regimes higienodietéticos aplicados na abordagem individual em saúde. Isso quer dizer que a utilidade da epidemiologia em desenvolver estudos populacionais permite que seus resultados sejam aplicados, não somente para a tomada de decisões em nível coletivo por gestores de saúde, mas também no acompanhamento da saúde em nível individual por profissionais de saúde que lidam diretamente com pacientes (Medronho, 2008). Os parâmetros citados correspondem às unidades de medida da epidemiologia, resultantes de Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 38 seus estudos, amplamente utilizados e difundidos em qualquer setor da área da saúde. São os indicadores epidemiológicos de saúde, primordiais na determinação do diagnóstico do estado de saúde, no planejamento e na proposição de estratégias de intervenção, na tomada de decisão, na definição do prognóstico e na avaliação dos resultados das ações implantadas, bem como na definição das ações de implementação. Estudos Epidemiológicos Analíticos Considerados a segunda fase dos estudos epidemiológicos, os estudos analíticos, são diferentes dos estudos descritivos. A forma pela qual determinam as informações epidemiológicas a que se propõem estabelece a primeira diferença, experimental, portanto são denominados estudos experimentais, em oposição aos estudos de observação da Epidemiologia Descritiva, ditos observacionais. Outra diferença consiste na solução de uma ou mais hipóteses, que geralmente são formuladas pela epidemiologia descritiva, associando uma causa, a associação, ao efeito, ou evento identificado. Para isso, os estudos epidemiológicos analíticos utilizam metodologia científica, que consiste na utilização de grupo controle, para a comparação dos resultados obtidos a partir do grupo de estudo. A forma de como esses grupos são formados é como se diferenciam os tipos de estudos epidemiológicos analíticos (Pereira, 2002). Como esses estudos têm o objetivo de estabelecer a associação entre uma dada exposição, conhecida com suposta causa, a um efeito que ocorre, ou seja, a doença, é comum classificar a forma de investigação entre exposição e doença de acordo com o ponto de partida da observação do estudo. Isso quer dizer que, a direção de observação determina a modalidade de estudo (Rouquayrol, 2003). Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 39 A possibilidade de iniciar o estudo, considerando a causa (exposição) para determinar o aparecimento do seu suposto efeito (doença), estabelece duas formas de estudo. O fato de a direção ser inversa, ou seja, o início do estudo parte da investigação do efeito (doença) até a sua suposta causa (exposição), permite a determinação de outra forma de estudo. Outra possibilidade de que ambas, exposição e doença, sejam observadas simultaneamente (Rouquayrol, 2002). Dessa forma, há três modos de se iniciar um estudo analítico, no entanto, são quatro os tipos de estudos sob esses critérios. Assim, é possível estabelecer uma subdivisão. São eles: Ensaio Clínico Randomizado, Estudo de Coorte, Estudo de Caso Controle e Estudo Transversal. Ensaio Clínico Randomizado Esse tipo de estudo parte inicialmente da observação de uma exposição (causa). Sua especificidade reside no fato de que os grupos, de estudo e de controle, são selecionados aleatoriamente, com o intuito de dar aos dois grupos a maior chance possível de serem semelhantes. Outra característica desse tipo de estudo é a intervenção. Sua finalidade é aplicar uma determinada intervenção sobre um dos grupos, o de estudo, para avaliar os seus resultados com o outro grupo isento de intervenção, o de controle. Esse tipo de estudo é muito comum no teste de medicamentos, em que, durante um período, os indivíduos dos dois grupos são submetidos à dois tipos de exposição, um com medicamento, o de estudo, e o outro com placebo, o de controle. No fim desse período de observação, são comparados os resultados dos dois grupos, no que se refere à ação do medicamento e sua capacidade de agir sobre determinada doença (Medronho, 2008). Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 40 Supondo que um grupo de doentes de determinada doença aceite ser submetido a um tratamento experimental com um medicamento inédito; inicialmente, esse grupo é separado aleatoriamente em dois grupos, um deles receberá a medicação, no outro será administrado placebo. No final do período de estudo, os resultados do efeito da medicação serão comparados em função do número de indivíduos que permaneceram doentes nos dois grupos. ESTUDO DE COORTE Esse tipo de estudo, à semelhança do Ensaio Clínico Randomizado, se orienta a partir da causa (exposição) em direção ao seu efeito (doença), porém, no estudo de coorte, os grupos são formados de acordo com a exposição que se deseja estudar, duas coortes “opostas”, obesos e não obesos, sedentários e não sedentários, fumantes e não fumantes (Pereira, 2002). Supondo que se deseja estabelecer a associação entre sedentarismo e doença coronariana, dois grupos são formados a partir de um questionário aplicado em que se investiga o grau de atividade física de operários de uma fábrica. Um grupo de sedentários e outro de indivíduos que costumam se exercitar. No final de um longo período de observação, ao se comparar esses dois grupos, constata-se que aqueles que se exercitam têm um risco muito menor de contrair doença coronariana em relação ao grupo de indivíduos sedentários. ESTUDO DE CASO CONTROLE Nesse tipo de estudo, o pontode partida da observação se refere ao efeito (doença) e não à causa (exposição). Assim, o estudo de caso controle, exige a criação dos grupos de estudo e controle a partir de Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 41 doentes, após o efeito ocorrer. Como exemplo, pode ser citado o estudo da associação do hábito de fumar com a ocorrência de câncer de pulmão, a partir do levantamento desses casos que são comparados com um grupo escolhido, como controle, de indivíduos com características semelhantes, porém sem a doença. Então, são compiladas todas as informações relevantes, incluindo a do hábito de fumar. Os resultados mostram que há uma associação entre o consumo de tabaco e a ocorrência de câncer de pulmão, ou seja, o hábito de fumar é muito mais frequente entre os doentes, grupo de estudo, do que entre os não doentes, grupo de controle (Pereira, 2002). ESTUDO TRANSVERSAL Nesse formato de estudo, exposição (causa) e doença (efeito) são observadas de maneira simultânea, daí o nome do estudo, em oposição às outras modalidades de estudo, em que a lógica de observação é longitudinal, qualquer que seja sua direção. Por isso, os estudos podem ser classificados, de maneira simples, de longitudinais e transversais. No caso, o estudo transversal é um corte (análise) de determinada situação que permite a identificação de expostos (doentes) e não expostos (não doentes) (Pereira, 2002). Em um grupo de 1.000 portadores de hipertensão arterial, foi observado que 700 deles são da raça negra. Nesse caso, por hipótese, há uma associação entre a doença e a raça. É importante observar que, nos tipos de investigação apresentados, a unidade de observação é o indivíduo e a relação entre os dois grupos, de estudo e de controle; a associação é expressa em Risco Relativo, ou seja, a razão entre as incidências. Estudos de análise podem considerar um grupo de indivíduos como unidade de observação, e se assim for são Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 42 denominados de Estudos Ecológicos. Os Estudos ecológicos, inicialmente, se utilizavam de populações delimitadas por áreas geográficas, generalizaram-se posteriormente, utilizando grupos como a unidade de análise, os resultados apresentam-se de forma agregada, por exemplo, o percentual de indivíduos com vida sedentária de uma população. Conclusão A epidemiologia observa, a partir de populações, como se desenvolve o processo de saúde. Diante do que foi exposto, a respeito de suas bases conceituais, relevância por seus usos e atribuições, a epidemiologia possui três grandes objetivos, formando o tripé de suas ações. O primeiro objetivo consiste no estudo da ocorrência, distribuição e progressão dos eventos que interferem na saúde das populações, descrevendo o seu nível, como base para o planejamento de ações, na correção ou manutenção desse nível, avaliação e incorporação de estratégias de promoção de saúde e administração dos serviços oferecidos à população. O segundo objetivo primordial é fornecer informação oportuna, de qualidade, que permita a compreensão da etiologia de fatores causais. O terceiro objetivo diz respeito à promoção da utilização e divulgação dos conceitos epidemiológicos para aqueles que administram os serviços e sistemas de saúde. A tomada de decisões em saúde, seja do profissional que lida diretamente com o indivíduo, na ponta do sistema de saúde, seja o seu gestor, deve se basear, sempre em informações resultantes da utilização adequada da epidemiologia; a organização do raciocínio clínico, na abordagem individual; a organização dos serviços, no planejamento de estratégias e programas de saúde. Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 43 EXERCÍCIO 1 O papel da epidemiologia nas investigações científicas é a busca da etiologia dos principais problemas de saúde. Além disso, as investigações etiológicas geram resultados que determinam os riscos a que um ou mais indivíduos estão expostos. Assim, sobre o risco, pode– se afirmar: ( A ) O risco em epidemiologia não é a probabilidade de um evento ocorrer; ( B ) Que estabelece a dimensão da associação entre um fator de exposição e o efeito ou doença que surge; ( C ) O Risco Relativo representa a taxa ou coeficiente de incidência (taxa dos casos novos); ( D ) O risco é maior quando a exposição é maior, e não é admissível existir sem exposição. EXERCÍCIO 2 O ensaio clínico randomizado se diferencia dos outros delineamentos de estudo porque: ( A ) Parte da causa (exposição), enquanto os outros partem do efeito (doença); ( B ) Trata-se de um estudo de coorte; ( C ) Os grupos de estudo e de controle devem ser sempre determinados de forma aleatória; ( D ) Da mesma forma que o estudo de coorte, ele é um tipo de estudo de caso controle devido ao seu aspecto longitudinal de raciocínio. Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 44 EXERCÍCIO 3 A partir da sua leitura e do que apreendeu a respeito da epidemiologia dê a ela uma definição. ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ EXERCÍCIO 4 Descreva Epidemiologia Descritiva e Analítica com suas principais diferenças. ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ RESUMO Vimos até agora: A Epidemiologia passou a ser abordada como disciplina científica em meados do século XX, embora utilizada desde os primórdios da Clínica Médica como instrumento de investigação etiológica. Seu destino foi se tornar muito abrangente, a ponto de apresentar uma série de subdivisões, de acordo com a área de investigação e também de acordo com as prioridades que foram surgindo devido à evolução e a conformação dos problemas de saúde; Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 45 Como disciplina que se presta ao estudo do processo saúde/doença e considera as suas complexas relações e os múltiplos fatores que determinam uma e outra, a definição mais apropriada, a qual se aproxima de sua real dimensão e importância, é o “Ramo das ciências médicas empregado no estudo e intervenção dos aspectos relacionados à saúde no âmbito de populações”; considerando saúde sob o conceito de campos de saúde e população concebida como parte integrante de um território; Assim, a epidemiologia pode ser entendida como a ciência que estuda todos os diversos aspectos que determinam ou não a saúde, podendo ser aplicada, até como ferramenta, em qualquer que seja o nível de abordagem dentro das ciências da saúde, principalmente na gestão, ao direcionar às populações o seu objeto de estudo. Dessa forma, o seu principal objetivo é reduzir os problemas de saúde na população; Para isso, a Epidemiologia Descritiva e a Epidemiologia Analítica, como subdivisões estratégicas da disciplina, se prestam: A primeira com o objetivo de apresentar a distribuição dos eventos em uma população (o diagnóstico epidemiológico), identificando os segmentos mais afetados e qual a sua relevância. A Epidemiologia Descritiva primeiramente, ao estabelecer o diagnóstico situacional, determina para quem, onde e quando deverão ser direcionadas as ações de intervenção. Posteriormente, formula possíveis hipóteses causais dos eventos identificados, além de propor soluções seguras de intervenção sobre a situação Aula 1 | Epidemiologia: seu campo de estudo e trabalho 46 diagnosticada. A Epidemiologia Analíticatem a função de identificar a etiologia dos eventos levantados, caso haja necessidade, através de estudos epidemiológicos de investigação, porque, às vezes, o diagnóstico epidemiológico não é suficiente para o desencadeamento do processo de Planejamento e da tomada de decisão para ações de intervenção. A síntese estratégica da Investigação etiológica em epidemiologia é a relação de causa e efeito que existe entre os eventos em saúde. Isso significa determinar a associação entre um fator, dito de exposição, e o efeito ou doença que surge. A determinação desse risco é um parâmetro, o argumento técnico, que se tem para tomada de medidas que eliminem ou melhorem esse risco, ou ainda como fonte de monitoramento de uma ou mais situações de saúde que se deseja manter; A tomada de decisões em saúde deve sempre se basear em informações resultantes da utilização adequada da epidemiologia, tanto na organização do raciocínio clínico, na abordagem individual, quanto na organização dos serviços, no planejamento de estratégias e programas e na sua gestão em saúde. Bases Epidemiológicas para Atuação na Área de Saúde Jorge Pinho A U L A 2 A p re s e n ta ç ã o A epidemiologia se presta ao estudo das condições de saúde das populações, a partir do seu conceito já se conclui isso. Sua relevância foi apontada na aula anterior na determinação dos aspectos relacionados aos problemas de saúde e muito de sua atribuição. A análise adequada da saúde de populações passa necessariamente pelo conhecimento básico do conceito de saúde e sobre o processo de doença e suas causas. O conceito de saúde foi apresentado, no capítulo anterior, e a partir de agora será abordado o processo de adoecimento, na representação do modelo da história natural da doença, os tipos de intervenções em suas diferentes fases, além de modelos de representação de fatores de riscos. O b je ti v o s Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Apresentar conhecimentos básicos a respeito do processo saúde/doença, suas interfaces; Apresentar os componentes desse binômio e como se relacionam ao longo da vida dos indivíduos, sob interferência dos diversos fatores que dinamizam essa relação; Apresentar as concepções sobre história Natural das doenças e as estratégias de intervenção sobre cada uma de suas fases. Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 48 Introdução Tendo em mente o conceito de saúde sob o enfoque de campos de saúde, a biologia humana, o estilo de vida, o meio ambiente e a estrutura do sistema de saúde, observa-se que essa concepção permite planejar de forma pragmática e determinar a situação de saúde de uma população, em função dos problemas que se apresentam, bem como estabelecer prioridades e abordagens apropriadas sobre eles, como exige a prática epidemiológica. Dessa forma, a saúde não é determinada, de forma simplista, pela ausência de doenças, tampouco a ausência de doenças não é garantia de saúde. Observa- se, entre esses dois aspectos da vida humana, uma interface que, ao longo do processo fisiológico, estabelece gradientes que, dependendo da intensidade, aproxima o indivíduo de um deles, afastando-o do outro. Isso quer dizer que, entre a saúde e a doença, há uma série de fatores que vão determinar a maior ou menor quantidade de saúde e risco, e a existência ou não da doença, que vão pender como pratos de uma balança. A saúde tem uma carga, pode-se dizer, máxima ao nascimento e vai, naturalmente se dissipando, além dos ganhos e perdas, dependentes, ao longo desse processo, das respostas adaptativas às interferências de fatores de risco mais ou menos presentes até a morte; a doença se apresenta em algum momento dependendo dessa resposta adaptativa. A razão de observar saúde e doença como um processo, além da complexidade de fatores que interferem nessa relação, a ponto de aproximá-las em um binômio saúde/doença, é de capital importância, pois faz com que se entenda sob quais aspectos se Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 49 deve intervir para a melhoria da qualidade de saúde do indivíduo, das populações e que setores mobilizar ou responsabilizar. Busca, ainda, sob um enfoque mais realista, a qualidade de vida, independente, do estado de saúde, com ações direcionadas de forma mais racional e efetiva. A aplicação sobre os quatro componentes do conceito de campos de saúde e das etapas da vida na concepção da história natural das doenças permite uma abordagem de promoção da saúde, prevenção de riscos, doenças e complicações, bem como a reabilitação. Determinação de agravos em saúde A história natural da doença não se refere ao aparecimento de doenças, em algum momento, a partir do nascimento até a morte. Essa abordagem considera que saúde e doença são faces de um mesmo processo em que ocorre um número incontável de situações, as quais exigem do organismo respostas compensatórias que o favorecem ou não. Caso as respostas adaptativas, a resistência biológica, a mudança de hábitos, o acesso a serviços de saúde, ou a transformação favorável do meio ambiente, não consigam suportar o equilíbrio do processo, a doença fatalmente se instala. Quantos anos são necessários de exposição ao fumo para um indivíduo contrair o câncer de pulmão? Dependerá, além da quantidade de exposição, da sua resistência biológica, sua predisposição genética, outros determinantes ambientais, a influência da sociedade e do sistema de saúde para a diminuição ou eliminação da exposição direta (Rouquayrol, 2003). Trabalhos comprovam que grandes exposições a fatores de risco, e prolongadas, levam ao Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 50 desencadeamento de doenças; porém, se o indivíduo vai ou não desenvolver um evento ou agravo que comprometa seu estado de saúde, em algum momento de sua vida, vai depender, além disso, dos fatores relacionados aos outros campos de saúde. As pessoas, de um modo geral, são vítimas de doenças e agravos porque não conhecem o bastante sobre as suas causas. A Sociedade atual é capaz de intervir sobre a maioria dos fatores desencadeantes de doenças, qualquer que seja a fase da vida em que se instalam, porém isso não ocorre devido a falta de articulação entre os seus setores, para a ação integrada em todos os campos da saúde nos quais estão inseridos esses fatores (Dever, 1988). Seriam necessárias estratégias de promoção e proteção à saúde e prevenção de riscos e doenças, além de ações assistenciais voltadas à cura, prevenção de complicações e reabilitação de doenças instaladas, e obviamente direcionadas à populações de risco. Essas estratégias têm a oportunidade de serem executadas em fases específicas da trajetória natural da doença, mesmo em populações. A determinação do calendário de vacinação é um exemplo de articulação entre o comportamento das doenças passíveis de imunização; a estrutura do sistema de saúde, cuja organização permite altas taxas de cobertura, e as condições imunológicas, que são estudas para se concluir a melhor época da vida para a imunização. FASES DE DOENÇA Da mesma maneira que não ocorrem de forma uniforme, as doenças não se distribuem uniformemente na população. O seu curso no organismo tampouco é uniforme, porque dependem dos fatores relacionados anteriormente. Porém as doenças apresentam um padrão de progressão mais ou menos estabelecido e, por conseguinte pode ser classificado. Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 51 A fase aguda da doença pode apresentar uma evolução clínica fulminante, levando à morte rapidamente, como a meningite meningocócica, porexemplo; ou então sintomas clínicos de rápida resolução, com manifestação clínica autolimitada, muitas doenças infecciosas virais e bacterianas, como os resfriados e a amidalite infecciosa, são exemplo desse tipo de evolução. Outra fase que se observa diz respeito àquela que ocorre, porém sem apresentar quadro clínico, só descoberta através de exames laboratoriais casuais. As hepatites virais são um exemplo desse padrão de evolução. Tais doenças podem tanto alcançar sua remissão quanto se estabelecerem de forma crônica, definitiva ou não. Por fim, a fase crônica pode se apresentar através de manifestação clínica progressiva. A hipertensão arterial é um bom exemplo ou, então, por períodos de remissão e exacerbação, a sífilis, ao se manifestar, além de sua fase primária, se enquadra nesse perfil, em sua fase secundária (Pereira, 2002). A HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA A história natural da doença diz respeito à identificação das características gerais do curso de uma doença e sua evolução, e pode estar relacionada a estímulos que surgem no ambiente ou no organismo humano mesmo antes de se manifestarem, para que medidas tanto preventivas quanto curativas e reabilitadoras, dependendo da fase que ocorrem, sejam empregadas. Isso quer dizer que as doenças possuem uma fase anterior ao seu aparecimento ou à sua manifestação clínica, ao contrário, representam a exteriorização de um processo que teve início anteriormente. Entendida dessa forma, a história Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 52 natural da doença representa a dinâmica a que se refere o processo saúde/doença (Roquayrol, 2003). O processo saúde/doença pode ser estudado a partir de estratos feitos e classificados de acordo com a fase do processo de adoecimento, ou seja, a história natural da doença. É importante observar que a divisão do processo saúde/doença nas fases que serão apresentadas representa uma forma transversal e esquemática do que se sabe ser algo dinâmico com o tempo, longitudinal com influências que aproximam o indivíduo, como discutido anteriormente, ora da doença, ora da saúde de forma igualmente transversal, enquanto progride a vida. Período pré-patogênico e período patogênico Esse processo pode primeiramente ser dividido em dois períodos bem definidos. O período subclínico, fase em que não há manifestação clínica, antes do adoecimento, chamado de período pré-patogênico, e o período em que as manifestações clínicas ocorrem, a manifestação da doença, é chamado de período patogênico. O período pré-patogênico corresponde à fase inicial da doença, também conhecida como a fase de suscetibilidade, não há a apresentação de sintomas clínicos evidentes, porém existem condições para a sua instalação. É importante considerar que, a generalização desse conceito tem como objetivo o diagnóstico epidemiológico. Isso significa que conceber esse modelo sob bases populacionais serve como referência para algumas estratégias de proteção a grupos suscetíveis definidos, como gestantes, crianças menores de um ano, por exemplo. Como já foi discutido, a própria epidemiologia demonstra que os Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 53 indivíduos nascem com gradientes de saúde variáveis e vivem de forma diferente, sofrendo influência de fatores protetores e de risco de forma desigual, que dificultam ou favorecem o aparecimento das doenças (Pereira, 2002). FASE PATOLÓGICA PRÉ-CLÍNICA A fase patológica pré-clínica encontra-se dentro do período patogênico e corresponde a uma fase em que ocorrem alterações fisiopatológicas, mas não são suficientes para desencadear manifestações clínicas. Pode seguir um curso em direção à cura ou progredir. Muitos problemas de saúde podem ser detectados nessa fase; em tese, a identificação de uma patologia nesse período permite uma maior probabilidade de sucesso de intervenção. Essa fase justifica as intervenções de rastreamento ou screening em grupos sob risco de determinadas doenças, ou seja, a realização de exames para a procura de casos em fase muito precoce e oportuna para o tratamento em indivíduos com maior probabilidade de contrair doenças. A proposta desse tipo de estratégia parte do conhecimento da associação entre os fatores biológicos e fatores ambientais, que podem resultar determinados processos patológicos. Essa associação, entre outras, é objeto de estudo e elucidação da investigação epidemiológica (Dever, 1988). FASE CLÍNICA A fase clínica, como se refere o nome, diz respeito ao período que sucede a fase patológica pré- clínica, em que se evidenciam os sinais clínicos, corresponde à doença propriamente dita. É importante observar que tal manifestação varia de acordo com a gravidade, podendo ser aguda ou crônica, e o limite entre a ausência de sintomas e a manifestação clínica, Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 54 denominado de limiar clínico, possui uma variabilidade segundo o tipo de doença, as características dos indivíduos, o acesso a procedimentos sensíveis à percepção. Nessa fase, a intervenção pode ser curativa ou pode se restringir a medidas de prevenção de outras ocorrências ou mesmo de complicações. FASE RESIDUAL A fase residual da doença é a última do período patogênico, corresponde à convalescença, caso a doença não tenha progredido para a cura total ou para a morte, e significa uma estabilização das alterações anatômicas e fisiológicas, quer por capacidade do organismo em se adaptar, quer devido ao emprego da técnica terapêutica ou mesmo ambos. Nesse período se apresentam as sequelas, e nele são aplicadas as medidas reabilitadoras que têm a finalidade de desenvolver as potencialidades residuais para proporcionar ao indivíduo qualidade de vida (Pereira, 2002). A utilidade do modelo A utilidade desse modelo de processo saúde/doença proposto por Leavell e Clark é importante para o seu entendimento; para distribuir os indivíduos em categorias, de acordo com os riscos à saúde a que são submetidos; além de definir o tipo de estratégia a ser empregada, preventiva, curativa ou reabilitadora. Tal raciocínio pode ser aplicado tanto no nível individual, na busca do diagnóstico e prognóstico em função da história de vida do indivíduo em função da sua exposição a fatores de risco, condições clínicas e faixa etária, quanto coletivo, ao utilizar esse esquema como ferramenta no auxílio do estabelecimento do diagnóstico epidemiológico, ou seja, o grau de saúde de uma população, ao distribuir seus componentes nas fases apresentadas. Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 55 Fase patológica pré- clínica Fase residual morte invalidez seqüelas cronicidade cura limiar alterações precoces clínico PERÍODO PRÉ-PATOGÊNICO PERÍODO PATOGÊNICO Anterior ao adoecimento Curso da doença no organismo Fase de suscetibilidade Fase clínica convalecença doença precoce discernível doença avançada Figura 1 Esquema da história natural da Doença de Leavell e Clark Níveis de Prevenção de Riscos, Doenças e Agravos A divisão da história natural da doença em fases tem como uma das finalidades estabelecer a estratégia de intervenção mais adequada, a partir da identificação do indivíduo ou da distribuição de grupos de indivíduos nos segmentos correspondentes. Além disso, a doença é um fenômeno dinâmico e sua abordagem deve considerar essa dinâmica que, como foi visto anteriormente, estabelece características diferentes dependendo do seu estágio, e por consequência exige estratégias diferentes de investigação e intervenção. Sem contar que as relações do indivíduo com o meio, qualquer que seja o tipo de doença, ou a forma de exposição, vai determinar aintensidade com que os eventos se manifestam, o tipo de manifestação, quando e quanto tempo vai corresponder a cada fase dentro da linha da história natural da doença (Dever, 1988). Feita a identificação do estágio onde se encontra o indivíduo ou a população, faz-se necessário determinar o tipo de intervenção que deverá ser empregado. O tipo de intervenção corresponde à fase em que se encontra o problema identificado (risco ou Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 56 doença). Essas intervenções costumam ser denominadas de níveis de prevenção. Isso significa que dizem respeito, não somente a medidas de prevenção de doenças, ou seja, implantadas com o intuito de preveni-las, mas também medidas que previnem a evolução das patologias instaladas, suas complicações e sequelas. O que será prevenido estará no estágio de doença ou saúde em um indivíduo ou grupo de pessoas recebendo esse cuidado. Considerando essa concepção, todas as atividades de profissionais de saúde estão inseridas em algum nível de prevenção. Assim, existem três níveis de prevenção, a Prevenção Primária, a Secundária e a Terciária. PREVENÇÃO PRIMÁRIA E PRÉ-DOENÇA Correspondem às medidas aplicadas em fase anterior à manifestação da doença. O objetivo dessas medidas é atenuar ou mesmo eliminar as influências dos fatores de risco, no sentido de evitar a ocorrência da patologia. As medidas propostas para a mudança do estilo de vida estão entre os exemplos mais importantes desse nível de prevenção como a prática de atividade física e o abandono ao fumo. A Promoção da Saúde diz respeito à aplicação de atividades que evitam uma série simultânea de doenças, ou seja, mais de uma. Correspondem a medidas que visam mudanças do estilo de vida, alterações dietéticas e transformações ambientais. O papel do profissional de saúde aqui é limitado, com exceção do nutricionista, que faz da reorientação dietética a sua principal função, porém a reeducação ou educação nutricional adequada da população exige uma mobilização maior, não só do especialista da nutrição, mas também do setor de vigilância sanitária, da educação, de produção, abastecimento, distribuição e comércio de alimentos integrados e organizados para Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 57 dar acesso à população toda, uma alimentação adequada. As mudanças do estilo de vida se restringem ao aconselhamento e às transformações ambientais sanitárias mais complexas, pelo menos do setor da Engenharia Sanitária. As medidas de promoção da saúde exigem muitas vezes mobilização de outros setores da sociedade. Essa mobilização é fundamental para tornar possíveis as mudanças necessárias. Geralmente a cargo do Estado, essas medidas necessitam cobertura abrangente, bem como execução de obras na área de construção civil e paisagismo. Essas mudanças dizem respeito, também, a aspectos culturais, cognitivos, além de estruturais ambientais. Tais medidas correspondem não só à educação, informação e sensibilização, mas também dar acesso à população ambientes saudáveis e seguros. Mudanças de Promoção da Saúde podem não ser suficientes ou então mal empregadas. Dessa forma, as medidas que anteriormente tinham a característica abrangente, passam a ter a função, ainda dentro da estratégia de prevenção primária, direta sobre um aspecto, evento ou doença. Essa forma de prevenção é conhecida como proteção específica. As vacinações são um exemplo tradicional. O uso obrigatório do capacete por motociclistas e caronas é um exemplo de proteção específica de Promoção da Saúde aplicada pela sociedade organizada, através do setor legislativo, cujo apelo veio da epidemiologia, ao apresentar alta mortalidade dessa população em acidentes, devido à falta dessa proteção e da área assistencial da saúde, com demandas crescentes de indivíduos com traumatismo crânio-encefálico dando entrada nos serviços (Pereira, 2002). Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 58 PREVENÇÃO SECUNDÁRIA E DOENÇA LATENTE Essas medidas são aplicadas em indivíduos distribuídos no período patogênico, ou seja, com doença instalada e detectada de alguma forma, ainda que os sintomas estejam ausentes, a chamada fase subclínica. Os exames de rastreamento podem ser citados como estratégias de prevenção secundária, pois, ao serem utilizados sistematicamente e em massa, permitem o diagnóstico “precoce” em pessoas consideradas como grupo de risco. Tem o objetivo de estabelecer o diagnóstico em fase que o tratamento é oportuno para a prevenção da evolução do evento e suas sequelas. Por isso é denominada prevenção secundária, por se tratar de medida preventiva, que ataca a doença estabelecida, de alguma forma detectada, ainda que sem sintomas, em grupos de risco. PREVENÇÃO TERCIÁRIA Uma vez estabelecida, a doença necessita de intervenção. Por óbvio que possa parecer, nessa fase, como nas outras, a patologia necessita ser identificada. O sistema de saúde, através de sua sensibilidade, pode captar esses casos, a forma ideal, ou absorvê-los, quando se apresentam à porta dos serviços. Nessa fase, a abordagem, positivamente, se refere à prevenção terciária. O seu objetivo principal é intervir sobre a evolução do problema instalado, limitando a incapacidade e as sequelas, nos que apresentam manifestações precoces, ou promovendo a reabilitação nas pessoas com sintomas tardios da doença. Limitar a incapacidade e seqüelas como prevenção significa intervir sobre a doença atenuando o seu dano. Por sua vez, reabilitação, como forma de prevenção, quer dizer diminuir os efeitos da doença, prevenir incapacidades, tanto funcionais quanto sociais, que interferem na vida de relação dos indivíduos. Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 59 Os modelos e classificações apresentados mostram limitações; esse tipo de abordagem corre sempre esse risco, apesar de organizar de forma didática o que se pretende estudar. É característica da ciência se utilizar desse recurso. Nesse caso, um dos problemas desse modelo é utilizar como base problemas da biologia humana e seus aspectos da doença, ainda que aborde fatores do estilo de vida, de risco à saúde, deixa de lado a influência de condições sociais e estruturais da sociedade que vão determinar outros riscos, aqueles relacionados ao meio ambiente. Outro problema se refere à questão prática no que diz respeito à aplicação das medidas preventivas, muitas vezes o limite entre as fases é de difícil caracterização, exatamente as mesmas, em relação ao diferencial, entre saúde e doença, ou melhor, não doença de doença (Medronho, 2008). Outra classificação de prevenção utilizada é aquela que considera prevenção como atuação sobre as situações em que a doença não está presente ou não é detectada ou não percebida, definida em função da população ou do grupo de indivíduos que necessitam de intervenção. Assim, existem três formas de prevenção, as medidas universais, aplicadas ou recomendadas à população em geral, como o exercício físico e dieta pobre em gorduras ou rica em fibras. As medidas seletivas fazem parte da outra forma de prevenção, e são aquelas voltadas a grupos de população, mais “frágeis”, por isso, em exposição a um risco. Esses grupos podem estar relacionados à faixa etária, situações específicas, ou mesmo ao sexo. Como exemplo desse tipo de prevenção, pode ser citada a vacinação em crianças menores de cinco anos. Finalmente, as medidas individuais, específicas, conforme a necessidade de um caso que se apresenta, Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 60 aplicada ao indivíduo exposto a um risco que pode levá- lo ao adoecimento. Um exemplo marcante é o da quimioprofilaxia de tuberculoseou mesmo da leptospirose. Formas de Representação de Fatores Etiológicos Outros modelos podem servir de exemplo para se tentar estabelecer associação entre problemas de saúde e seus determinantes, e dessa forma direcionar estratégias e ações de intervenção. Pereira propõe alguns exemplos, os mais frequentes, estudados em epidemiologia. A partir daqui serão abordados de forma sucinta alguns deles. CADEIA DE EVENTOS Essa abordagem simples se baseia na identificação dos eventos mais importantes dentro do processo (cadeia), ou seja, os eventos entre a não doença e seu marco inicial, até a doença manifesta. Nesse tipo de esquema, o enfoque parte do agente etiológico em suas diversas representações, seja biológico, vírus ou bactéria, seja não biológico, físico, químico, genético, psíquico ou psicossocial, e sua influência e dinâmica na cadeia de eventos do adoecimento. Muito utilizada, importante por representar a etiopatogenia das doenças transmissíveis. Figura 2 Cadeia de Eventos, Modelo Linear Assim, pode-se observar que a característica do agente e sua capacidade de desencadear alterações no organismo (virulência, no caso dos agentes biológicos) é um fator a considerar nesse tipo de representação. Agente Hospedeiro Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 61 Outro aspecto relevante diz respeito à intensidade de exposição (infectividade), pois o modelo considera o indivíduo suscetível. É bastante útil ao permitir o conhecimento das relações entre o agente e o hospedeiro (indivíduo), além de apresentar a oportunidade de interrupção dessa cadeia de eventos como forma de intervenção. Esse tipo de raciocínio foi muito utilizado, aplicado largamente nos livros da área médica, principalmente na descrição das cadeias de transmissão desse tipo de doença, embora utilizado também nas doenças não transmissíveis. Porém, essa representação e seus esquemas se fecham em si mesmos e não consideram, muitas vezes, os outros fatores extrínsecos à relação agente/hospedeiro, fundamentais na cadeia de elos da doença. As características do meio ambiente, o estilo de vida ou mesmo as diferenças de gênero e faixas etárias influenciam de forma marcante o aparecimento de doenças e não são contemplados nesse tipo de modelo. É de conhecimento de todos que trabalham na área da saúde, principalmente na atenção básica e em gestão de saúde, a influência que fatores sociais, de estilo de vida e o acesso e cobertura de serviços de saúde têm, não só na transmissão como também, na incidência, prevalência e até na mortalidade da tuberculose, por exemplo (Pereira, 2002). Modelos Ecológicos TRÍADE ECOLÓGICA Para resolver essa limitação, modelos mais complexos foram sendo criados. Com a evolução dos estudos epidemiológicos, principalmente na segunda metade do século XX, modelos chamados ecológicos Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 62 passaram a ser empregados para explicar a etiologia de eventos e suas intrincadas e amplas relações com os aspectos determinantes, multicausais em saúde. O termo ecológico se refere à utilização do meio ambiente, em sua amplitude, no raciocínio do modelo linear da cadeia de eventos, separando os fatores etiológicos em três grupos e não somente em dois. Figura 3 Tríade Ecológica Essa representação triangular procura mostrar as relações de reciprocidade entre os três grupos considerados. O modelo é interessante, pois, seja qual for o ponto de partida do raciocínio, hospedeiro, agente ou meio ambiente, o estudo do evento apresentado deve levar em conta, necessariamente, os outros aspectos e seus fatores potencialmente determinantes. Mesmo assim, tal esquema é fácil observar, interessa quando se estuda um processo onde haja a atuação de um único agente etiológico. Porém, não resolve quando se considera uma doença crônica não transmissível, por exemplo, que não tem conhecido um agente etiológico específico ainda, e sim uma série de fatores associados, nenhum, isoladamente, responsável. Portanto, partindo desse raciocínio, o estudo da etiologia de hipertensão arterial, por exemplo, a partir desse modelo ficaria impossível, pois até onde se sabe, os fatores etiológicos da doença dizem respeito a características biológicas intrínsecas dos indivíduos (familiares, genéticas), fortemente associadas à influências do meio ambiente (condições de vida) e estilo de vida ( sedentarismo, Agente Meio Ambiente Hospedeiro Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 63 dieta, fumo) em suas fisiologias e anatomias, digamos suscetíveis. Nesse raciocínio não cabe o aspecto agente (Rouquayrol, 2003). DUPLA ECOLÓGICA Assim, modelos mais apropriados foram criados para esses casos excluindo agente, ou sua importância, considerando o indivíduo como hospedeiro, e o meio ambiente como um binômio ecológico. A melhor forma de representação dessa relação passa a ser um círculo com o indivíduo ocupando o seu centro sofrendo a influência do meio, seja biológico (intrínseco ao indivíduo), seja físico, ambiental e social (extrínseco ao indivíduo). Cada qual com o seu grau de intensidade em relação ao evento abordado. Figura 4 Modelo Circular de representação dos fatores determinantes do processo saúde/doença O modelo circular, considerando a dupla ecológica, além da análise racional do processo de adoecimento em busca da etiologia, ou dos diversos Anatomia Fisiologia Meio Social Meio Biológico Meio Físico Indivíduo Herança Genética Estilo de vida Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 64 fatores determinantes de qualquer tipo de evento, seja doença transmissível, ou crônica não transmissível, permite a observação exata de onde devem ser dirigidas as ações de intervenção sobre hábitos do indivíduo ou populações, intervenções terapêuticas, ou mesmo medidas direcionadas à transformação ou controle do meio ambiente, além de estratégias de controle de doenças (Dever, 1988). REDE DE CAUSAS O modelo de rede de causas pode ser utilizado para representar a natureza multicausal das doenças e agravos em saúde. Cada uma das doenças é o resultado de vários fatores ou exposições que se encadeiam e formam um emaranhado de fenômenos que podem ser representados graficamente como uma rede. Cada causa tem sua representação em um retângulo dessa trama, formando a rede de fatores causais de um evento, como um organograma. Dessa forma, os eventos causais se dispõem conforme a sua importância como fator determinante da patologia (efeito). Para cada evento, doença, existe uma ou mais causas, mais perto ou mais longe dela. A eliminação ou controle de uma dessas causas, certamente, vai contribuir com a diminuição dos casos, ou seja, a sua incidência. Um exemplo que pode ser bem representado nesse modelo é o da doença coronariana. O sedentarismo, a obesidade, o estresse, a predisposição hereditária genética, a hipertensão arterial, a diabetes mellitus, a dieta inadequada, altos níveis de colesterol, o sexo, a idade, a ocupação, a classe social, a arteriosclerose e o ambiente urbano são exemplos de causas no desencadeamento da insuficiência coronariana, e podem ser dispostos nesse modelo (Dever, 1988). Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 65 MÚLTIPLAS CAUSAS/MÚLTIPLOS EFEITOS É importante observar que podem existir situações em que uma causa leva a mais de um evento. A idade avançada é um bom exemplo, associada a muitos efeitos. É comum um idoso apresentar mais de um problema de saúde em função de sua longevidade. O hábito de fumar também é um exemplo de exposição que está relacionada avárias doenças. Na vida prática, são bastante frequentes as múltiplas causas levarem a múltiplos eventos, daí a importância desse tipo de representação de variação da rede de causas. Abordagem Sistêmica de Saúde Outra forma de proposição de modelo apresenta os efeitos e suas causas como um ou mais sistemas que, segundo esse conceito, apresenta esses eventos como um conjunto de aspectos com algum grau de organização, disposição e relação entre si que dá ao modelo esse status de sistema (Pereira, 2002). Conclusão A discussão sobre saúde e doença leva à noção da complexidade desse processo. O texto apresentado não esgota as possibilidades de abordagem sobre o tema, mas procura apresentar ao aluno, de maneira resumida, as diversas formas de representação e modelos de estudo de fatores etiológicos. Essas formas de representação do processo de adoecimento, mesmo que teóricas, são tentativas de expressar o mundo real, e não perdem a sua importância prática, constituindo metodologias na busca da identificação, na compreensão dos aspectos que interferem no processo saúde/doença. A apresentação desses modelos de representação do processo saúde/doença permite Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 66 verificar a influência de múltiplas causas, em inter- relação complexa, no seu resultado. Esses fatores transitam pelos campos biológico e não biológico, ou seja, cultural, social e ambiental. Dessa forma, fica comprovado que as investigações apresentam o processo do adoecimento como um evento biopsicossocial. EXERCÍCIO 1 Em relação aos níveis de prevenção de riscos, doenças e agravos, é correto afirmar: ( A ) Dizem respeito a medidas de intervenção sobre fatores de risco, antes de desencadearem o seu efeito (doença); ( B ) A Promoção da Saúde diz respeito à aplicação de atividades que evitam uma determinada doença em uma dada população; ( C ) Existem três níveis de prevenção, primária, secundária e terciária, e correspondem às medidas universais, às medidas seletivas e às medidas individuais, respectivamente; ( D ) O tipo de intervenção corresponde à fase em que se encontra o problema identificado (risco ou doença). Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 67 EXERCÍCIO 2 Sobre os exemplos de modelos que tentam estabelecer associação entre problemas de saúde e seus determinantes, os comentários abaixo são corretos, exceto: ( A ) A cadeia de eventos se baseia na identificação dos eventos mais importantes dentro do processo (cadeia). Nesse tipo de esquema, o enfoque parte do agente etiológico em suas diversas representações. Muito utilizada, importante por representar a etiopatogenia das doenças transmissíveis; ( B ) A cadeia de eventos é muito utilizada, e importante por representar a etiopatogenia das doenças transmissíveis; ( C ) O termo ecológico se refere à utilização do meio ambiente, em sua amplitude, no raciocínio do modelo; ( D ) Dupla ecológica é uma outra forma de denominar a trade ecológica em que agente e hospedeiro, a dupla, sofrem influências do meio para o desencadeamento de problemas de saúde. EXERCÍCIO 3 A que se refere o modelo de história natural da doença? ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 68 EXERCÍCIO 4 Descreva a utilidade desse modelo de história natural da doença. ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ RESUMO Vimos até agora: A história natural da doença diz respeito à identificação das características gerais do curso de uma doença e sua evolução, e pode estar relacionada a estímulos que surgem no ambiente ou no organismo humano mesmo antes de se manifestar, para que medidas tanto preventivas quanto curativas, dependendo da fase em que ocorrem, sejam idealizadas, propostas e empregadas; A divisão da história natural da doença em fases tem como uma das finalidades estabelecer a estratégia de intervenção mais adequada, a partir da identificação do indivíduo, ou a distribuição de grupos de indivíduos nos segmentos correspondentes; O tipo de intervenção corresponde à fase em que se encontra o problema identificado (risco ou doença). Essas intervenções costumam ser denominadas de níveis de prevenção. E existem três níveis de prevenção, a prevenção primária, a secundária e a terciária; Aula 2 | Bases Epidemiológicas para atuação na área de saúde 69 Cadeia de eventos se baseia na identificação dos eventos mais importantes dentro do processo, ou seja, os eventos entre a não doença e seu marco inicial, até a doença manifesta. Nesse tipo de esquema, o enfoque parte do agente etiológico; Modelos ecológicos passaram a ser empregados para explicar a etiologia de eventos e suas intrincadas e amplas relações com os aspectos determinantes, multicausais em saúde; O modelo de rede de causas pode ser utilizado para representar a natureza multicausal das doenças e agravos em saúde. Cada uma das doenças é o resultado de vários fatores ou exposições que se encadeiam e formam um emaranhado de fenômenos que podem ser representados graficamente como uma rede; Múltiplas Causas/Múltiplos Efeitos representam situações em que uma causa leva a mais de um evento. Na vida prática, são frequentes as múltiplas causas levarem a múltiplos eventos, daí a importância desse tipo de representação de variação da rede de causas; Abordagem Sistêmica de Saúde, outra forma de proposição de modelo, apresenta os efeitos e suas causas como um ou mais sistemas que, segundo esse conceito, apresenta esses eventos como um conjunto de aspectos com algum grau de organização, disposição e relação entre si que dá ao modelo esse status de sistema. Estatísticas Vitais e a Medida da Saúde Silvia Faria A U L A 3 A p re s e n ta ç ã o Nas últimas décadas, a epidemiologia tem aperfeiçoado de forma significativa seu arsenal metodológico. Tal fato deve-se, de um lado, à melhor compreensão do processo saúde-doença, que nos permitiu uma visão mais clara dos múltiplos fatores que interagem na sua determinação e, de outro, ao desenvolvimento de novas técnicas estatísticas aplicadas à epidemiologia e também à utilização, cada vez mais ampla, dos computadores pessoais e à criação de novos programas (softwares), tornando acessíveis a um número cada vez maior de pesquisadores a aplicação de análises estatísticas de dados obtidos em investigações epidemiológicas. A epidemiologia descritiva constitui a primeira etapa da aplicação do método epidemiológico com o objetivo de compreender o comportamento de um agravo à saúde numa população. Nessa fase é possível responder a questões como quem? quando? onde?, ou, em outros termos, descrever os caracteres epidemiológicos das doenças relativos à pessoa, ao tempo e ao lugar. Nos estudos descritivos, os dados são reunidos, organizados e apresentados na forma de gráficos, tabelas com taxas, médias e distribuição segundo atributos da pessoa, do tempo e do espaço, sem o objetivo de se estabelecer associações ou inferências causais. Esse tipo de estudo geralmente visa descrever populações alvo que apresentem certos atributos de interesse. O b je ti v o s Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Calcular e interpretaros indicadores utilizados para descrever populações e “medir” a saúde destas, distinguindo entre: indicadores demográficos; indicadores de morbidade; indicadores de mortalidade. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 72 Indicadores de Saúde Para que a saúde seja quantificada e para permitir comparações na população, utilizam-se os indicadores de saúde. Estes devem refletir, com fidedignidade, o panorama da saúde populacional. É interessante observar que, apesar de esses indicadores serem chamados, indicadores de saúde, muitos deles medem doenças, mortes, gravidade de doenças, o que denota ser mais fácil, às vezes, medir doença do que medir saúde. Esses indicadores podem ser expressos em termos de frequência absoluta ou como frequência relativa, onde se incluem os coeficientes e índices. Os valores absolutos são os dados mais prontamente disponíveis e, frequentemente, usados na monitoração da ocorrência de doenças infecciosas; especialmente em situações de epidemia, quando as populações envolvidas estão restritas ao tempo e a um determinado local, pode assumir-se que a estrutura populacional é estável e, assim, usar valores absolutos. Entretanto, para comparar a frequência de uma doença entre diferentes grupos, deve-se ter em conta o tamanho das populações a serem comparadas com sua estrutura de idade e sexo, expressando os dados em forma de taxas ou coeficientes. Assim, abordaremos noções de demografia para então conhecermos os indicadores mais utilizados. Dinâmica Populacional Definimos demografia como: o “estudo do tamanho, da distribuição territorial e da composição da população, das mudanças e dos componentes de tais mudanças; estes últimos podem ser identificados como natalidade, mortalidade, movimentos territoriais Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 73 (migrações) e mobilidade social (mudança de status, como de solteiro para casado e também mudanças através da natalidade, mortalidade e fecundidade)”. A composição populacional envolve não apenas as variáveis demográficas – idade, sexo e estado conjugal – mas também variáveis que aproximam da ideia de “qualidade” de vida, como saúde, capacidade mental e nível de qualificação”. Portanto, a demografia estuda a dinâmica populacional, que, por sua vez, analisa três componentes: mortalidade, fecundidade e migração. Por meio dessas componentes é que uma população se define. Observa-se que: ENTRADAS - nascimentos e imigração; SAÍDAS - óbitos e emigração. A Equação Demográfica de uma população em um determinado período no tempo é: Exemplo: P(2010) = P(2009) + nascimentos(2009) – óbitos(2009) + imigração(2009) –emigração(2009) Generalizando: P(t)= P(0) + N(0, t) –O(0, t) + I(0, t) –E(0,t) P=POPULAÇÃO Transição Demográfica É a passagem (transição) de um estágio de equilíbrio de uma população, em função de altas taxas de mortalidade e fecundidade, para um estágio de Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 74 taxas de mortalidade e fecundidade baixas. Portanto, refere-se aos padrões de mortalidade e fecundidade de uma população fechada. Países desenvolvidos: transformações econômicas (expansão do capitalismo e Revolução Industrial) e políticas (Revolução Francesa - ascensão da burguesia); Países em desenvolvimento: coincidiu com os processos de industrialização e urbanização. Nesses países, a transição está acontecendo de forma mais rápida; No entanto, a transição foi rápida se a análise for temporal. Ela deve ser contextualizada levando em consideração os avanços tecnológicos e descobertas que os países desenvolvidos já haviam experimentado. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 75 A transição demográfica inicia-se com a redução da mortalidade e, posteriormente, a da fecundidade, provocando dessa forma um crescimento da população. Essa passagem também está influenciada pelos aspectos econômicos e sociais de cada sociedade, portanto ocorreu em períodos diferentes em todo mundo. Na América Latina, por exemplo, iniciou na década de 1940 com a queda da mortalidade e na década de 1960, a queda da fecundidade. Pirâmides etárias para a França: 1775-Alta natalidade; - Alta mortalidade; 1851-Mortalidade e fecundidade em queda; - Envelhecimento da população; 1901-Mortalidade e fecundidade continuam em queda; - Envelhecimento da população; 1946-População envelheceu bastante; - Perdeu regularidade; - Reentrância nas idades de 25 a 30 anos: redução em certas gerações masculinas e redução do número de nascimentos devido a I Guerra Mundial; 1959-População rejuvenescendo – aumento da natalidade; - Reentrância nas idades de 40 a 45 anos devido à I Guerra Mundial; - Reentrância nas idades de 15 a 20 anos devido à queda da fecundidade antes de 1940 e as separações provocadas pela guerra; - Forte e duradoura recuperação da natalidade. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 76 Brasil – 1º período Século passado até aproximadamente os anos de 1930: População: taxas de natalidade e de mortalidade relativamente altas e, consequentemente, taxas moderadas de crescimento vegetativo. Entre 1870 e 1930: incremento populacional favorecido pela imigração internacional. Brasil – 2º período A partir de 1940 até o final da década de 1970: Os níveis de mortalidade começaram a declinar e os movimentos populacionais de origem internacional perderam importância no contexto da população nacional. A mortalidade experimentou um declínio rápido e sustentável em todos os grupos etários. Passou a ser responsável pela variação no ritmo de crescimento da população brasileira até 1970 quando, nas décadas de 1950 e 1960, registrou suas maiores taxas. Isso ocorreu devido, também, aos altos níveis de natalidade prevalecentes. Quer saber mais? IBGE e veja uma série de dados sobre educação, trabalho, famílias, domicílios e rendimentos da população brasileira. Acesse: http://www.ibge.gov .br/home/estatistica /populacao/trabalho erendimento/ pnad2008/default.sh tm Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 77 Estendeu-se até o final da década de 1970: os níveis de fecundidade começaram a declinar e, apesar da queda da mortalidade, a taxa de crescimento da população brasileira continuou a aumentar. Brasil – 3º período A partir do final dos anos 1970: No final dos anos 60: queda acelerada da fecundidade caracterizada por uma redução rápida da taxa de crescimento populacional. Dados do Brasil Taxa Bruta de Mortalidade (por 1.000 hab.) 1872/1890 = 30,2 2005/2010 = 6,3 Taxa Bruta de Natalidade 1872/1890 = 46,5 2005/2010 = 19,2 A taxa de fecundidade total (TFT) passou de 5,5 filhos entre as mulheres nascidas em 1900-1925, para 2,0 entre as mulheres nascidas em 1975-1980. As mulheres nascidas a partir dos anos 70 já apresentam taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição (2,1). A PNAD de 2007 registrou uma TFT de 1,83. Implicações da Transição Demográfica Mudanças na estrutura etária e por sexo: Alargamento do topo da pirâmide (envelhecimento pelo topo) provocado pela queda da mortalidade; estreitamento da base pirâmide (envelhecimento pela base) provocado pela queda da fecundidade. Proporção da população de 0 a 4 anos era de 16% em 1940 e passou para 6% em 2000; Proporção da população de 0 a 14 anos era de 43% em 1940 e passou para 20% em 2000; Proporção da população de 60 anos e mais era de 4% em 1940 e passou para 9% em 2000. Você sabia? Fecundidade cai para 2 filhos por mulher, em média, em 2006. A tendência é de queda. Aula 3 | Estatísticasvitais e a medida da saúde 78 Proporção maior de idosos e mulheres: a razão de sexos em 1940 era de 100 e passou para 97 em 2000. Entre os idosos a diferença é ainda maior, passou de 88 para 82 no mesmo período. O que significa que para cada 100 mulheres, em 2000, havia 82 homens. Entre os mais idosos, (80 anos e mais) essa razão se intensifica, mas não se alterou ao longo dos anos, mantendo-se em torno de 65. Esperança de vida: o aumento da esperança de vida foi um dos avanços alcançados pela sociedade, associado às melhorias das condições de vida. Passou de 43,7 anos em 1940 para 72,4 anos em 2005/2010, sendo mais elevada entre as mulheres. A diferença entre os sexos ficou mais acentuada. Em 1940 – homens: 41,5 e mulheres: 46,0 Em 2005/2010 – homens: 68,8 e mulheres: 76,1 Há diferenciais por sexo, raça, região geográfica, condições socioeconômicas. A medida da saúde: A mensuração do estado de saúde de uma população se faz negativamente, através da frequência de eventos que expressam a “não saúde”: Números absolutos O número absoluto de pessoas que morrem e adoecem são medidas cujo significado está restrito ao tempo e à população considerada. Não se prestam à comparação de medidas de morbidade e mortalidade de diferentes populações (ou da mesma população em diferentes momentos). MORTE INDICADORES DE MORTALIDADE DOENÇA INDICADORES DE MORBIDADE Quer saber mais? A População envelhece: 1981 – 6 idosos para cada 12 crianças até 5 anos; 2004 – 6 idosos para 5 crianças até 5 anos. Quer saber mais? Aumenta a expectativa de vida aos 60 anos: A expectativa de vida em 1980 era de 60 anos para homens e 66 anos para mulheres. Em 2003 passa para 68 anos para homens e 75 anos para mulheres. As mulheres vivem mais que os homens. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 79 OBS: Os valores absolutos têm importância para o planejamento e a gerência dos serviços. Números relativos Os indicadores de saúde são medidas relativas (ponderadas) de mortalidade e de morbidade, estão sempre referidos a uma população específica e a um intervalo de tempo determinado. Correspondem a quocientes (frações) que assumem três formatos genéricos: razões, coeficientes e proporções. Quocientes Observe a natureza do numerador em relação à do denominador nos quocientes abaixo. Há diferença de significado (interpretação) entre eles? Coeficientes São as medidas básicas da ocorrência das doenças em uma determinada população e período. Para o cálculo dos coeficientes, considera-se que o número de casos está relacionado ao tamanho da população que lhes deu origem. O numerador refere-se ao número de casos detectados que se quer estudar (por exemplo: mortes, doenças, fatores de risco), e o denominador refere-se a toda população capaz de sofrer aquele evento, é a chamada população em risco. O denominador, portanto, reflete o número de casos acrescido do número de pessoas que poderiam tornar- se casos naquele período de tempo. Às vezes, Total de óbitos ocorridos População local Total de óbitos em Idosos Total de óbitos ocorridos Total de internações Número de leitos Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 80 dependendo do evento estudado, é preciso excluir algumas pessoas do denominador. Por exemplo, ao calcular-se o coeficiente de mortalidade por câncer de próstata, as mulheres devem ser excluídas do denominador, pois não estão expostas ao risco de adquirir câncer de próstata. Para uma melhor utilização desses coeficientes, é preciso o esclarecimento de alguns pontos: Escolha da constante (denominador); Intervalo de tempo; Estabilidade dos coeficientes; População em risco. 1. Escolha da constante: a escolha de uma constante serve para evitar que o resultado seja expresso por um número decimal de difícil leitura (por exemplo: 0,0003); portanto, faz-se a multiplicação da fração por uma constante (100, 1.000, 10.000, 100.000). A decisão sobre qual constante deve ser utilizada é arbitrária, pois depende da grandeza dos números decimais; entretanto, para muitos dos indicadores, essa constante já está uniformizada. Por exemplo, para os coeficientes de mortalidade infantil utiliza-se sempre a constante de 1.000 nascidos vivos. 2. Intervalo de tempo: é preciso especificar o tempo a que se referem os coeficientes estudados. Nas estatísticas vitais, esse tempo é geralmente de um ano. Para a vigilância epidemiológica (verificação contínua dos fatores que determinam a ocorrência e a distribuição da doença e condições de saúde), pode decidir-se por um período bem mais curto, dependendo do objetivo do estudo. 3. Estabilidade dos coeficientes: quando se calcula um coeficiente para tempos curtos ou para populações reduzidas, os coeficientes podem tornar-se Importante Grupos de indicadores de saúde (OMS) 1. Traduzem diretamente a situação de saúde (ou sua falta) em um grupo populacional Ex: mortalidade e morbidade 2. Referem às condições ambientais que influenciam a área de saúde Ex: abastecimento de água, rede de esgotos 3. Medem os recursos materiais e humanos relacionados às atividades de saúde Ex: nº de profissionais de saúde, nº de leitos hospitalares em relação à população Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 81 imprecisos e não ser tão fidedignos. Para contornar esse problema, é possível aumentar o período de observação (por exemplo, em vez de observar o evento por um ano, observá-lo por dois ou três anos), aumentar o tamanho da amostra (observar uma população maior) ou utilizar números absolutos no lugar de coeficientes. 4. População em risco: refere-se ao denominador da fração para o cálculo do coeficiente. Nem sempre é fácil saber o número exato desse denominador e muitas vezes recorre-se a estimativas no lugar de números exatos. Como analisar os indicadores de saúde? À luz da teoria, não existe análise de dados sem reflexão teórica. Em série histórica (análise temporal). Em comparação espacial (análise territorial). Coeficientes e proporções COEFICIENTES número absoluto de eventos ocorridos __________________________________ total de eventos (da mesma natureza)teoricamente possíveis PROPORÇÕES parcela dos eventos ocorridos que possui um certo atributo ________________________________________ total de eventos (da mesma natureza) ocorridos Os coeficientes costumam ser números pequenos (o denominador costuma ser muito maior do que o numerador). É praxe multiplicá-los por uma potência de 10 (10n), a fim de apresentá-los em um formato mais “assimilável” (em geral um número > 1). Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 82 As proporções são usualmente apresentadas na forma de percentagens (x 100). OBS.: Os termos “taxa”, “proporção”, “índice”, “coeficiente”, ”razão” costumam ser empregados indistintamente, segundo diferentes autores ou circunstâncias, para designar um ou outro formato de quociente. MORBIDADE A morbidade é um dos importantes indicadores de saúde. Muitas doenças causam importante morbidade, mas baixa mortalidade, como a asma. Morbidade é um termo genérico usado para designar o conjunto de casos de uma dada afecção ou a soma de agravos à saúde que atingem um grupo de indivíduos. Medir morbidade nem sempre é uma tarefa fácil, pois são muitas as limitações que contribuem para essa dificuldade. Medidas da morbidade Para que se possa acompanhar a morbidade na população e traçar paralelos entre a morbidade de um local em relação a outros, é preciso que se tenha medida-padrão de morbidade. As medidas de morbidade mais utilizadas são as que se seguem: Medida da prevalência: a prevalência (P) mede o número total de casos, episódios ou eventos existentes em um determinado ponto no tempo. O coeficiente de prevalência, portanto, é a relação entre o número de casos existentes de uma determinada doença e o número de pessoas na população, em um determinado período. Você sabia? META DO MILÊNIO 1990 – 2015 ONU Combater o HIV/aids, a malária e outras doenças Metas • Até 2015, ter detido a propagação do HIV/aids e começado a inverter a tendência atual. • Até 2015, ter detido a incidência da malária e de outras doenças importantes e começado a inverter a tendência atual. Você sabia? A prevalência de fumantes na população acima de 18 anos diminuiu de 34,8% em 1989 para 22,4% em 2003. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 83 O termo prevalência refere-se à prevalência pontual ou instantânea. Isso quer dizer que, naquele particular ponto do tempo (dia, semana, mês ou ano da coleta, por exemplo), a freqüência da doença medida foi de 10%, por exemplo. Na interpretação da medida da prevalência, deve ser lembrado que a mesma depende do número de pessoas que desenvolveram a doença no passado e continuam doentes no presente. Assim, o denominador é a população em risco. COEFICIENTE DE PREVALÊNCIA Total de casos da doença “D” existentes na população em certo momento __________________________________ x10n População total no momento considerado Medida da incidência: a incidência mede o número de casos novos de uma doença, episódios ou eventos na população dentro de um período definido de tempo (dia, semana, mês, ano); é um dos melhores indicadores para avaliar se uma condição está diminuindo, aumentando ou permanecendo estável, pois indica o número de pessoas da população que passou de um estado de não- doente para doente. O coeficiente de incidência é a razão entre o número de casos novos de uma doença que ocorre em uma comunidade, em um intervalo de tempo determinado, e a população exposta ao risco de adquirir essa doença no mesmo período. PREVALÊNCIA: Quantidade de casos existentes de uma doença, em uma determinada população, em certo momento. Quer saber mais? . A EPIDEMIA DE CESARIANAS A cesariana é maior entre as mulheres com maior renda e escolaridade. Em Brasília, por exemplo, no setor hospitalar privado, 80% dos partos são cesarianas. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 84 A incidência é útil para medir a frequência de doenças com uma duração média curta como, por exemplo, a pneumonia ou doença de duração longa. A incidência pode ser cumulativa (acumulada) ou densidade de incidência. Incidência Cumulativa (IC). Refere-se à população fixa, onde não há entrada de novos casos naquele determinando período. No denominador do cálculo da incidência cumulativa, estão incluídos aqueles que, no início do período, não tinham a doença. A incidência cumulativa é uma proporção, podendo ser expressa como percentual ou por 1.000, 10.000 (o numerador está incluído no denominador). A IC é a melhor medida para fazer prognósticos em nível individual, pois indica a probabilidade de desenvolver uma doença dentro de um determinado período. Densidade de Incidência (DI). A densidade de incidência é uma medida de velocidade (ou densidade). Seu denominador é expresso em população-tempo em risco. O denominador diminui à medida que as pessoas, inicialmente em risco, morrem ou adoecem (o que não acontece com a incidência cumulativa). Exemplo do cálculo da incidência: Durante o ano de 2006 foram identificados 300 casos novos de hanseníase no município X, dos quais 20 receberam alta no mesmo ano. Em 31 de dezembro de 2006, estavam registrados 450 pacientes no programa de controle dessa doença, 170 dos quais haviam sido identificados no ano anterior e até o final de 2006 não haviam recebido alta. Tais informações não acrescentam muito ao conhecimento sobre a hanseníase no município X, pois não sabemos o tamanho de sua população e, portanto, a dimensão da população exposta ao risco de adoecer. Quer saber mais? 1.173 municípios brasileiros estão inseridos nas dez áreas de maior detecção de casos de hanseníase. Entre os anos de 2005 e 2007 eles representaram 53,5% dos casos novos. Você sabia? A obesidade tem aumentado no Brasil e é maior entre as mulheres. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 85 Por esse motivo, as medidas de frequência devem estar relacionadas a uma população de referência. Digamos que a população do município X esteja estimada para 1º de julho de 2006 em 354.250 habitantes. Infelizmente, a menos que sejam desenvolvidos estudos especiais, não podemos identificar e excluir os componentes da população que não são suscetíveis. Devido a essa dificuldade, na prática utilizamos como denominador a população residente levantada pelo recenseamento ou estimada para o meio do período, quando se tratar de ano intercensitário. No exemplo, os 354.250 habitantes seriam os componentes da população estimados para 1º de julho de 2006. Quando a população é conhecida com precisão, utilizamos o número exato de expostos ao risco no denominador. Como exemplo, citaríamos: um surto de hepatite investigado numa escola; um surto de gastroenterite entre convidados de um jantar, em que a lista completa dos convidados é conhecida. COEFICIENTE DE INCIDÊNCIA: Total de casos novos da doença “D” na população em certo período ________________________________ 10n População exposta à doença “D” durante o período INCIDÊNCIA: Quantidade de casos novos de um doença, ocorridos em uma população, durante um certo período. Você sabia? O consumo excessivo de bebidas alcoólicas é muito maior entre os homens. E é alto na maioria das capitais. Quer saber mais? A freqüência de adultos que referem diagnóstico médico de hipertensão arterial variou de 15,1% em Palmas- TO a 24,9% no Recife-PE, sendo significativamente maior entre as mulheres. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 86 Relação entre incidência e prevalência A prevalência de uma doença depende da incidência da mesma (quanto maior for a ocorrência de casos novos, maior será o número de casos existentes), como também da duração da doença. A mudança da prevalência pode ser afetada tanto pela velocidade da incidência como pela modificação da duração da doença. Esta, por sua vez, depende do tempo de cura da doença ou da sobrevivência. A relação entre incidência e prevalência segue a seguinte fórmula (Vaughan, 1992): PREVALÊNCIA = INCIDÊNCIA X DURAÇÃO MÉDIA DA DOENÇA MORTALIDADE A informação e os indicadores de mortalidade representam importantes subsídios para a saúde pública, permitem o planejamento local, regional e nacional, bem como a identificação de grupos de maior risco. Devido ao envelhecimento demográfico e à transição epidemiológica, têm surgido novas propostas metodológicas para considerar não só a mortalidade, mas os anos de vida vividos com saúde. Conhecer a estrutura de mortalidade que afeta a população idosa pode ajudar as estratégias de ações de saúde pública. Principais usos: descrição das condições de saúde de uma população; investigação epidemiológica; avaliação de intervenções saneadoras. Quer saber mais? METAS DO MILÊNIO 1990 – 2015 ONU Reduzir a mortalidade na infância. Meta: • Reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a mortalidade de crianças menores de 5 anos. Melhorar a saúde materna. • Reduzir em três quartos, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade materna. Aula 3 | Estatísticasvitais e a medida da saúde 87 Limitações do uso da mortalidade como indicador: exprimem gravidade/refletem um história incompleta da doença; danos que raramente levam ao óbito não são representados; óbitos são eventos que incidem em pequena parcela da população; as mudanças nas taxas de mortalidade são lentas. Serão abordados o coeficiente de mortalidade geral, os coeficientes específicos (pessoas, causas) e mortalidade proporcional. Coeficiente Geral de Mortalidade Obtido pela divisão do número total de óbitos por todas as causas em um ano pelo número da população naquele ano, multiplicado por 1.000. Exemplo: em um estado, em 2007, houve 63.961 óbitos e a população estimada era de 9.762.110; portanto, o coeficiente de mortalidade geral para o estado, no ano de 2007, foi de 6,55. Total de óbitos ocorridos na população durante o período ___________________________________ x10n População total no meio do período A partir do detalhamento dos óbitos ocorridos por pessoas (gênero, idade) ou por causas obtemos o coeficiente específico de mortalidade. Coeficiente Específico (pessoas) Nº de óbitos de pessoas com o atributo “a” na população e no período ___________________________________ x10n Total de pessoas com o atributo “a” na população no meio do período Para refletir No Brasil, os acidentes e violências ocupam a terceira causa de mortes na população geral e primeira causa entre os adolescentes e jovens. Você sabia? Os homens apresentam maior risco de morte por causas externas. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 88 O coeficiente de mortalidade infantil refere-se ao óbito de crianças menores de um ano e é um dos mais importantes indicadores de saúde. O coeficiente de mortalidade perinatal compreende os óbitos fetais (a partir de 28 semanas de gestação) mais os neonatais precoces (óbitos de crianças de até seis dias de vida). Coeficiente de Mortalidade Infantil: Óbitos de menores de 1 ano na população durante o período ________________________________ x103 Total de nascidos vivos na população durante o período Coeficiente de Mortalidade Infantil: Um dos indicadores mais empregados para medir níveis de saúde e de desenvolvimento social de uma região); A mortalidade infantil mede o risco de um nascido vivo morrer no seu primeiro ano de vida; Alta correlação como as condições sociais, o que a posiciona como um bom indicador indireto das condições sanitárias; Coeficiente < 20/1000 é considerado baixo; ≥ 50 / 1000 nascidos vivos é considerada elevada. Outro importante indicador de saúde que vem sendo bastante utilizado, nos últimos anos, é o coeficiente de mortalidade materna, que diz respeito aos óbitos por causas gestacionais. MORTALIDADE MATERNA Total de óbitos devidos a causas ligadas à gestação, parto ou puerpério na população durante o período ___________________________________ x10n Total de nascidos vivos durante o período Você sabia? A taxa de mortalidade infantil tem caído principalmente pela redução da mortalidade pós- neonatal, reflexo da melhoria da atenção básica à criança e dos fatores associados ao meio ambiente, sobretudo à qualidade da água e ao saneamento Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 89 É possível obterem-se os coeficientes específicos por determinada causa como, por exemplo, o coeficiente por causas externas, por doenças infecciosas, por neoplasias, por AIDS, por tuberculose, entre outros. Da mesma forma, podem-se calcular os coeficientes conforme a idade e o sexo. Estes coeficientes podem fornecer importantes dados sobre a saúde de um país e, ao mesmo, tempo fornecer subsídios para políticas de saúde. Exemplo: o coeficiente de mortalidade por tuberculose no RS para o ano de 2.000 foi de 51,5 por 100.000 habitantes. COEFICIENTE ESPECÍFICO (causa) Total de óbitos devidos à causa “C” na população durante o período __________________________________ x10n População sob risco de morrer devido a “C” no meio do período MORTALIDADE PROPORCIONAL MORTALIDADE PROPORCIONAL (pessoas) Nº de óbitos de pessoas com o atributo “a” na população durante o período __________________________________ x100 Total de óbitos na população durante o período CURVAS DE MORTALIDADE PROPORCIONAL MORTALIDADE PROPORCIONAL (causa) Nº de óbitos devidos à causa “C” na população durante o período ________________________________ x100 Total de óbitos na população durante o período Você sabia? Em 2005, morreram 63.504 mulheres de 10 a 49 anos de idade no Brasil. Destas, 1.619 por problemas relacionados a gravidez, parto, puerpério e aborto. São mortes que podem ser evitadas, em sua quase totalidade. Os problemas relacionados com pressão alta foram os maiores responsáveis por mortes maternas. E as mulheres negras, suas maiores vítimas. Em 2007, 13,1% dos óbitos maternos ocorreram entre mulheres de 15 a 19 anos e 19% ocorreram na faixa etária de 20 a 24 anos. Quer saber mais? Em 2005, foram mais de 36 mil óbitos por diabetes no Brasil, observando-se um intenso aumento da mortalidade nas últimas décadas. % % % % 0 <1 1-4 5-19 20-49 50+ 0 <1 1-4 5-19 20-49 50+ 0 <1 1-4 5-19 20-49 50+ 0 <1 1-4 5-19 20-49 50+ Muito Baixo Baixo Regular Elevado Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 90 MORTALIDADE PROPORCIONAL por DOENÇAS INFECCIOSAS: Nº de óbitos por doenças infecciosas na população durante o período _________________________________ x100 Total de óbitos na população durante o período Letalidade A letalidade refere-se à incidência de mortes entre portadores de uma determinada doença, em certo período de tempo, dividida pela população de doentes. É importante lembrar que, na letalidade, o denominador é o número de doentes. Total de óbitos devidos à doença “D” na população em um período _________________________________ x100 Total de casos da doença “D” na população durante o período Padronização dos coeficientes Como, na maioria das vezes, a incidência ou prevalência de uma doença varia com o sexo e o grupo etário, a comparação das taxas brutas de duas ou mais populações só faz sentido se a distribuição por sexo e idade das mesmas for bastante próxima. Sendo essa uma situação absolutamente excepcional, o pesquisador frequentemente vê-se obrigado a recorrer a uma padronização (ou ajustamento), a fim de eliminar os efeitos da estrutura etária ou do sexo sobre as taxas a serem analisadas. Para um melhor entendimento, examinemos, por exemplo, os índices (1980) de mortalidade da França e do México. Caso a análise limite-se à comparação das taxas brutas. 368 e 95 por 100.000 habitantes/ano, respectivamente, pode parecer que há Aprofundamento Argumenta Haenszel: "Há muito se reconhece que o número de óbitos, apenas, não fornece uma descrição completa da mortalidade, e têm sido cogitadas medidas que dêem alguma contribuição à idéia intuitiva, amplamente admitida, de que a morte aos 70 anos, por exemplo, não representa perda tão grande para a sociedade quanto a morte aos 35 anos". Para pensar EPIDEMIA DE AIDS Entre os jovens, 74% usaram preservativo na última relação com parceiro eventual. Na faixa dos 40 aos 54 anos, 60% não fazem uso de preservativo com parceiro eventual; é entre eles e elas que a epidemia mais cresce. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 91 uma grande diferença entre os padrões de mortalidade dos dois países. Entretanto, ao considerar-se a grande diferença na distribuição etária dos mesmos, com o predomínio no México de grupos com menoridade, torna-se imprescindível a padronização. Uma vez efetuada a padronização por idade, o contraste entre os dois países desaparece, resultando taxas de 164 e 163 por 100.000 habitantes/ano, respectivamente. Esses índices ajustados são na verdade fictícios, prestando-se somente para fins de comparação. Há duas maneiras de realizar-se a padronização. 1. Método direto: este método exige uma população padrão que poderá ser a soma de duas populações a serem comparadas (A e B) ou uma população padrão. É obtido multiplicando-se a distribuição da população padrão conforme a idade pelos coeficientes de mortalidade (por exemplo) de cada uma das populações a serem estudadas (A e B). 2. Método indireto: utiliza-se o método indireto quando os coeficientes específicos por idade da população que se quer estudar não são conhecidos, embora se saiba o número total de óbitos. Empregando-se uma segunda população (padrão), semelhante à população que se quer estudar, cujos coeficientes sejam conhecidos, multiplica-se o coeficiente por idades da população padrão pelo número de óbitos de cada categoria de idade, chegando, assim, ao número de mortes que seria esperado na população que está sendo estudada. O número total de mortes esperado dessa população é confrontado com o número de mortes efetivamente ocorridas nessa população, resultando no que se Você sabia? A mortalidade por acidente com motocicleta continua crescendo em todo o país. Em 2006, nas regiões Centro- Oeste e Nordeste, o óbito por acidente com motocicleta, pela primeira vez, supera o óbito por acidente de automóvel. Importante As causas externas foram responsáveis por 127.633 óbitos em 2005 (12,7% do total de óbitos). Seus principais componentes são os acidentes de trânsito e os homicídios. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 92 convencionou chamar de razão padronizada de mortalidade (RPM). RPM = ÓBITOS OBSERVADOS/ÓBITOS ESPERADOS A RPM maior ou menor do que um indica que ocorreram mais ou menos mortes do que o esperado, respectivamente. PRINCIPAIS FONTES DE DADOS SOBRE MORTALIDADE Estatísticas constantes de anuários, relatórios e outras publicações: Internacionais: ONU, OMS, OPS, Unicef, Banco Mundial. Nacionais: anuários do Ministério da Saúde e do IBGE. Atestados de óbitos: nas Secretárias Estaduais de Saúde ou de Planejamento e nos Cartórios de Registros Civil (arquivos ou livros próprios para registro). Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM); Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC). Ambos do Ministério da Saúde / DATASUS. Registros e livros de autópsias: nos hospitais e Institutos de Medicina Legal. Prontuários e estatísticas hospitalares. Registros especiais de doenças: especialmente tuberculose e câncer. Inquéritos. Recenseamentos demográficos. Aprofundamento Leia: Painel de Indicadores do SUS – uma publicação do Departamento de Monitoramento e Avaliação da Gestão do SUS Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa Ministério da Saúde Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 93 Registros diversos: repartições de polícia e departamentos de trânsito. Resumindo, as taxas brutas são facilmente calculadas e rapidamente disponíveis; entretanto, são medidas difíceis de interpretar e de serem comparadas com outras populações, pois dependem das variações na composição da população. Taxas ajustadas minimizam essas limitações, entretanto são fictícias e sua magnitude depende da população selecionada. CGM: Pop A x Pop B Idade Pop A % Óbitos Coef M A Pop B % Óbitos Coef M B 0 a 4 17.243 11,25 102 5,9 19.727 7,58 38 1,9 5 a 19 51.641 33,70 31 0,6 55.227 21,21 23 0,4 20 a 44 57.000 37,20 149 2,6 101.339 38,93 178 1,8 45 a 64 19.967 13,03 205 10,3 50.888 19,55 375 7,4 65 e + 7.367 4,81 388 52,7 33.158 12,74 1.662 50,1 Total 153.218 875 5,7 260.339 2.276 8,7 EXERCÍCIO 1 Analise os dados apresentados acima, duas populações A e B distribuídas por faixa etária, nº absoluto de óbitos ocorridos e mortalidade proporcional por idade. Compare a mortalidade nas duas populações e responda qual população apresenta maior mortalidade. ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 94 EXERCÍCIO 2 Qual indicador estima o risco de morrer a que está sujeita uma pessoa de uma determinada área, num determinado ano e seu valor é afetado pela composição etária da população. ( A ) Coeficiente de Incidência; ( B ) Coeficiente de Letalidade; ( C ) Coeficiente de Mortalidade Geral; ( D ) Mortalidade Proporcional por Idade. EXERCÍCIO 3 Podemos dizer sobre os Coeficientes Específicos de Mortalidade por causas: ( A ) Expressam gravidade; ( B ) Não abrangem todo o espectro de eventos que acometem a população (alta incidência com baixa letalidade); ( C ) Podem substituir indicadores de morbidade quando estes não estão disponíveis; ( D ) Alta taxa de letalidade da morbidade da população (ex.: CA de pâncreas, raiva); ( E ) Todas as anteriores. Aula 3 | Estatísticas vitais e a medida da saúde 95 EXERCÍCIO 4 Podemos dizer sobre o Coeficiente de Mortalidade Infantil: ( A ) Estima o risco de um nascido vivo morrer antes de completar um ano de vida; ( B ) Ótimo indicador de saúde, de condições de vida e de desenvolvimento social de uma região; ( C ) Interpretação: ≥ 50: alta 20 – 49: Média; < 20: baixa; ( D ) Todas as anteriores. EXERCÍCIO 5 Diferencie prevalência de incidência e traga exemplos para ilustrar estas definições. ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ Introdução ao Conceito de Vigilância em Saúde – Desigualdades em Saúde Alzira Falcão Silvia Faria A U L A 4 A p re s e n ta ç ã o As ações de investigação epidemiológica e as medidas de prevenção e controle das doenças transmissíveis são fundamentais para melhorar a condição de saúde de nossa população pela eliminação e/ou atenuação dos riscos associados à rápida disseminação ou persistência com grande impacto sobre a morbimortalidade que as mesmas apresentam. A Vigilância Epidemiológica tem se constituído em importante instrumento de controle de doenças transmissíveis capaz de responder aos desafios postos pelo complexo perfil epidemiológico da atualidade, através de monitoramento contínuo do perfil (tendência) de uma doença/agravo na população, gerando informação para a ação. O b je ti v o s Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Entender o Conceito; Compreender os Objetivos; Sintetizar as Características Gerais do Sistema de Vigilância; Entender os Aspectos Operacionais; Conhecer as Limitações dos Sistemas de Notificações de Doenças. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 98 desigualdades em saúde A Vigilância como Instrumento de Saúde Pública CONCEITO DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE PÚBLICA Langmuir apresentou, em 1963, o seguinte conceito: Vigilância é a observação contínua da distribuição e tendências da incidência de doenças mediante a coleta sistemática, consolidação e avaliação de informes de morbidade e mortalidade, assim como de outros dados relevantes, e a regular disseminação dessas informações a todos os que necessitam conhecê-la.Esse autor foi cuidadoso ao distinguir a vigilância tanto da responsabilidade das ações diretas de controle, que deveriam ficar afetas às autoridades locais de saúde, quanto da epidemiologia no sentido amplo de método ou de ciência, embora reconhecesse a importância da interface entre as três atividades. Langmuir era favorável ao conceito de vigilância como uma aplicação da epidemiologia em saúde pública, que denominava inteligência epidemiológica. O profissional que trabalha na vigilância deveria assumir o papel dos "olhos e ouvidos da autoridade sanitária", devendo assessorá-la quanto à necessidade de medidas de controle; porém, a decisão e a operacionalização dessas medidas devem ficar sob a responsabilidade da autoridade sanitária. A vigilância adquirirá o qualificativo epidemiológica em 1964, em artigo sobre o tema publicado por Raska, designação que será internacionalmente consagrada com a criação, no ano seguinte, da Unidade de Vigilância Epidemiológica da Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 99 desigualdades em saúde Divisão de Doenças Transmissíveis da Organização Mundial da Saúde. Raska afirmava que a vigilância deveria ser conduzida respeitando as características particulares de cada doença, com o objetivo de oferecer as bases científicas para as ações de controle. Afirmava, ainda, que sua complexidade técnica está condicionada aos recursos disponíveis de cada país. Em 1968, a 21ª Assembléia Mundial de Saúde promove ampla discussão a respeito da aplicação da vigilância no campo da saúde pública, resultando dessas discussões uma visão mais abrangente desse instrumento, com recomendações para a sua utilização não só em doenças transmissíveis, mas também em outros eventos adversos à saúde. A partir da década de 70, a vigilância passa a ser aplicada também ao acompanhamento de malformações congênitas, envenenamentos na infância, leucemia, abortos, acidentes, doenças profissionais, outros eventos adversos à saúde relacionados a riscos ambientais, como poluição por substâncias radioativas, metais pesados, utilização de aditivos em alimentos e emprego de tecnologias médicas, tais como medicamentos, equipamentos, procedimentos cirúrgicos e hemoterápicos. Thacker & Berkelman, em extenso trabalho publicado em 1988, discutem, entre outros pontos, os limites da prática da vigilância e analisam a apropriação do termo epidemiológica para qualificar vigilância na forma em que ela era aplicada até então em saúde pública. Afirmam esses autores que as informações obtidas como resultado da vigilância podem ser usadas Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 100 desigualdades em saúde para identificar questões a serem pesquisadas, como é o caso de testar uma hipótese elaborada a partir de dados obtidos numa investigação de um surto, relativa a uma possível associação entre uma exposição (fator de risco) e um efeito (doença), ou avaliadas quanto à necessidade de definir determinada estratégia de controle de uma doença. Porém, enfatizam que a vigilância não abrange a pesquisa nem as ações de controle; essas três práticas de saúde pública são relacionadas, mas independentes. As atividades desenvolvidas pela vigilância situam-se num momento anterior à implementação de pesquisas e à elaboração de programas voltados ao controle de eventos adversos à saúde. Nesse contexto, afirmam Thacker & Berkelman, o uso do termo epidemiológica para qualificar vigilância é equivocado, uma vez que epidemiologia é uma disciplina abrangente, que incorpora a pesquisa e cuja aplicação nos serviços de saúde vai além do "instrumento de saúde pública que denominamos vigilância". A utilização desse qualificativo tem induzido frequentemente a confusões, reduzindo a aplicação da epidemiologia nos serviços ao acompanhamento de eventos adversos à saúde, atividade que constitui somente parte das aplicações da epidemiologia nesse campo. Devido a essa discussão, Thacker & Berkelman propõem a adoção da denominação vigilância em saúde pública como forma de evitar confusões a respeito da precisa delimitação dessa prática. Essa denominação, vigilância em saúde pública, desde então consagrou-se internacionalmente, substituindo o termo vigilância epidemiológica e Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 101 desigualdades em saúde passando a ser utilizada em todas as publicações sobre o assunto desde o início dos anos 90. A vigilância nas formas propostas por Langmuir e Raska desenvolveu-se e consolidou-se na segunda metade deste século, apresentando variações em sua abrangência em países com diferentes sistemas políticos, sociais e econômicos e com distintas estruturas de serviços de saúde. Um dos principais fatores que propiciaram a disseminação em todo o mundo desse instrumento foi a Campanha de Erradicação da Varíola, nas décadas de 60 e 70. Utilizando o enfoque sistêmico e sintetizando os diversos conceitos de vigilância, sem discutir o mérito de cada um deles para um particular sistema de saúde, podemos dizer que a vigilância de um específico evento adverso à saúde é composta, ao menos, por dois subsistemas: 1. Subsistema de informações para a agilização das ações de controle - situa-se nos sistemas locais de saúde e tem por objetivo agilizar o processo de identificação e controle de eventos adversos à saúde. A equipe que faz parte desse subsistema deve estar perfeitamente articulada com a de planejamento e avaliação dos programas, responsável, portanto, pela elaboração das normas utilizadas no nível local dos serviços de saúde. 2. Subsistema de inteligência epidemiológica - é especializado e tem por objetivo elaborar as bases técnicas dos programas de controle de específicos eventos adversos à saúde. Salientamos que norma deve ser entendida no sentido utilizado em planejamento, ou seja, como um instrumento para planejamento e avaliação de Importante 1. Alexander Langmuir, epidemiologista norte-americano, é considerado um dos principais mentores do desenvolvimento da vigilância como instrumento de saúde pública. 2. Karel Raska, epidemiologista tcheco, é considerado, juntamente com Alexander Langmuir, um dos principais responsáveis pela ampla difusão da vigilância como instrumento de saúde pública. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 102 desigualdades em saúde programas de saúde; portanto, deve ser adequada à realidade local. Ao falarmos em bases técnicas de um programa, estamos nos referindo à fundamentação técnica de um programa, que apresenta um caráter mais universal. Por exemplo, as bases técnicas para um programa de controle de difteria em Santa Catarina, na Bahia ou, talvez, na Polônia são muito semelhantes; o que irá diferir é a norma, que deve estar vinculada às características locais do comportamento da doença na comunidade, devendo também levar em consideração os recursos humanos, materiais e a tecnologia disponíveis para o desenvolvimento dos programas de controle. Outro objetivo do subsistema de inteligência epidemiológica é identificar lacunas no conhecimento científico e tecnológico, uma vez que, à medida que for acompanhando o comportamento de específicos eventos adversos à saúde na comunidade, poderá, eventualmente, detectar mudanças desse comportamento não explicadas pelo conhecimento científico disponível. Identificada essa lacuna no conhecimento disponível, é papel da inteligência epidemiológica induzir a pesquisa. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 103 desigualdades em saúde Esse subsistema tem por função também incorporar aos serviços de saúde o novo conhecimento produzido pela pesquisa, com o objetivo de aprimorar asmedidas de controle. Isso pode ser feito introduzindo esse novo conhecimento nas bases técnicas que são encaminhadas aos serviços de saúde na forma de recomendações disseminadas por boletins epidemiológicos. Esse subsistema constitui a ponte entre o subsistema de serviços de saúde e o subsistema de pesquisa do Sistema Nacional de Saúde. OBJETIVOS DOS SISTEMAS DE VIGILÂNCIA Entre os principais objetivos da vigilância, podemos citar: Identificar novos problemas de saúde pública. Detectar epidemias; Documentar a disseminação de doenças; Estimar a magnitude da morbidade e mortalidade causadas por determinados agravos; Identificar fatores de risco que envolvem a ocorrência de doenças; Recomendar, com bases objetivas e científicas, as medidas necessárias para prevenir ou controlar a ocorrência de específicos agravos à saúde; Avaliar o impacto de medidas de intervenção por meio de coleta e análise sistemática de informações relativas ao específico agravo, objeto dessas medidas; Avaliar a adequação de táticas e estratégias de medidas de intervenção, com base não só em dados epidemiológicos, mas também nos referentes à sua operacionalização; Revisar práticas antigas e atuais de sistemas de vigilância com o objetivo de discutir priorida Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 104 desigualdades em saúde des em saúde pública e propor novos instrumentos metodológicos. Não podemos entender como objetivo da vigilância a mera coleta e análise das informações, mas a responsabilidade de elaborar, com fundamento científico, as bases técnicas que guiarão os serviços de saúde na elaboração e implementação dos programas de saúde com a preocupação de uma contínua atualização e aprimoramento. CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS SISTEMAS DE VIGILÂNCIA Devido às peculiaridades de cada sistema nacional de saúde, temos diferentes conceitos de vigilância; porém, existem algumas características que são internacionalmente aceitas, entre elas: 1. Os sistemas de vigilância devem ser simples e contínuos. 2. Os sistemas de vigilância apresentarão, obrigatoriamente, três componentes: coleta de dados; análise; ampla distribuição das informações analisadas a todos aqueles que as geraram e que delas necessitam tomar conhecimento. O instrumento de divulgação das informações analisadas será o Boletim Epidemiológico. 3. A vigilância como instrumento de saúde pública deve ser entendida como um pré-requisito para a elaboração de programas de saúde e um instrumento para avaliação do seu impacto. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 105 desigualdades em saúde 4. Devem ser úteis também para a identificação dos fatores de risco e das populações vulneráveis à exposição ao risco, de forma a tornar mais efetivas as medidas de controle. 5. Devem submeter-se a avaliações frequentes, de forma que eles possam se adequar às características dos sistemas nacionais de saúde, em cada momento. 6. Cada sistema de vigilância será responsável pelo acompanhamento contínuo de específicos eventos adversos à saúde, com o objetivo de estabelecer as bases técnicas, assim como as normas para a elaboração e implementação dos respectivos programas de controle. 7. Cada sistema de vigilância, de acordo com seus objetivos e peculiaridades, apresentará características específicas. 8. Os sistemas de vigilância de específicos eventos adversos à saúde são pré-requisitos para a elaboração e instrumento para a avaliação e reformulação periódica de programas de controle de agravos à saúde. 9. Os sistemas de vigilância de específicos eventos adversos à saúde incluem o acompanhamento dos respectivos programas de controle com o objetivo de avaliar o impacto deles decorrente. 10. Os sistemas de vigilância devem ser adequados, periodicamente, às condições da estrutura e grau de desenvolvimento e complexidade tecnológica do Sistema Nacional de Saúde (SNS). Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 106 desigualdades em saúde 11. Os sistemas de vigilância constituem o elo entre o subsistema de serviços de saúde e o de pesquisa do SNS. 12. Os sistemas de vigilância abrangerão quaisquer eventos adversos à saúde, poderão ser desenvolvidos nas formas ativa ou passiva e utilizarão todas as fontes de informações necessárias e disponíveis. 13. Os sistemas de vigilância podem ser entendidos também como a inteligência do SNS voltada ao estabelecimento das bases técnicas para as ações de controle de específicos eventos adversos à saúde. 14. O SNS deverá desenvolver tantos sistemas de vigilância para específicos eventos adversos à saúde quantos sejam os problemas prioritários de saúde para os quais haja possibilidade de desenvolver programas nacionais, estaduais, regionais ou locais de controle. Por sua vez, os sistemas locais de saúde poderão ou não aderir a cada um desses sistemas, conforme suas prioridades e recursos disponíveis para desenvolver os programas de controle dos agravos correspondentes. Constituem exceções as doenças de notificação compulsória. 15. Os sistemas de vigilância pressupõem a existência de programas continuados de formação e treinamento de recursos humanos, especialmente de epidemiologistas. ASPECTOS OPERACIONAIS DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE PÚBLICA Definidos os aspectos conceituais da vigilância em saúde pública, vamos apresentar e discutir a sua operacionalização. Ao planejarmos desenvolver Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 107 desigualdades em saúde sistemas de vigilância para específicos agravos à saúde, é importante considerar dois pontos: a vigilância pode variar em metodologia, abrangência e objetivos; a vigilância necessita ser adequada ao nível de complexidade e grau de desenvolvimento tecnológico dos sistemas de saúde em que será implantada. Identificação de prioridades O primeiro passo é estabelecer os critérios de prioridade a serem observados na identificação de agravos à saúde que deverão ser contemplados com sistemas específicos de vigilância. Os critérios frequentemente recomendados são os seguintes: incidência e prevalência de casos; letalidade; índices de produtividade perdida como, por exemplo, dias de incapacidade no leito, dias de trabalho perdidos; taxa de mortalidade; existência de fatores de risco ou fatores de prognóstico suscetíveis a medidas de intervenção; impacto potencial das medidas de intervenção sobre os fatores de risco (risco atribuível); possibilidade de compatibilizar as diversas intervenções em programas de controle polivalentes; anos de vida potencialmente perdidos; custo e factibilidade da intervenção versus eficácia; Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 108 desigualdades em saúde existência de medidas eficazes de profilaxia e controle (vulnerabilidade do dano às intervenções profiláticas e terapêuticas); identificação de subgrupos da população que estarão sujeitos a um risco elevado de serem atingidos pelo dano. ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS DE VIGILÂNCIA Quando decidimos implementar um sistema de vigilância, cumpre seguir as seguintes etapas: 1ª etapa - definição dos objetivos do sistema de vigilância proposto Entre os objetivos frequentemente utilizados, temos: descrição da história natural de uma doença; identificação e investigação de surtos de determinado agravo; acompanhamento de tendências; identificação de contatos de doentes para a administração de drogas de ação profilática; identificação de casos num estudo de caso- controle; geração de hipóteses sobre a etiologia. 2ª etapa - definiçãode caso A definição precisa do que se considera "caso" para o específico agravo à saúde contemplado pelo sistema de vigilância é uma questão técnica importante para o aprimoramento da qualidade da informação, permitindo a comparabilidade dos dados. Como exemplo, as definições de caso de poliomielite em diferentes momentos do Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 109 desigualdades em saúde desenvolvimento do programa em nosso país. Quando o objetivo era estabelecer um sistema de vigilância voltado a um programa de controle dessa doença, a definição de caso poderia ser a seguinte: Doença infecciosa aguda, com paralisia flácida assimétrica não reversível seis meses após o quadro agudo, sem alteração da sensibilidade; Num outro momento, quando a vigilância visava oferecer subsídios para um programa de eliminação do poliovírus selvagem, a definição de caso poderia ser: doença infecciosa aguda, com paralisia flácida assimétrica não reversível seis meses após o quadro agudo, sem alteração da sensibilidade, com isolamento de poliovírus caracterizado por técnicas moleculares como selvagem e conversão sorológica para o poliovírus isolado; A característica da primeira definição que nos chama a atenção é a elevada sensibilidade, fator que deve repercutir positivamente na capacidade do sistema de vigilância de identificar um maior número de casos. No entanto, deve também elevar o número de casos falsamente positivos. A segunda definição, por sua vez, é bem mais específica: diminui provavelmente o número de casos falsamente positivos, mas deve reduzir também a capacidade do sistema de identificar casos. Em determinadas situações, como é o caso de sistemas de vigilância para planos de eliminação de doenças, podemos utilizar duas definições: uma definição de caso suspeito e outra de caso confirmado; a primeira, mais sensível, e a segunda, mais específica. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 110 desigualdades em saúde Utilizando essa estratégia, obteremos resultados semelhantes àqueles proporcionados pela aplicação de testes de laboratório em série, como, por exemplo, a aplicação da técnica de ELISA e em seguida a de Westernblot no diagnóstico da AIDS. 3ª etapa - identificação dos componentes do sistema de vigilância Estabelecidos os objetivos e a definição de caso, devemos passar a identificar os componentes do sistema, que são os seguintes: Qual a população alvo desse sistema de vigilância? Qual a periodicidade da coleta de informações? Quais informações serão coletadas? Qual é a fonte dessas informações? Quem provê a informação para o programa? Como a informação será coletada? Como é transferida a informação? Quem analisa as informações? Como são analisadas as informações? Com que frequência são analisadas as informações? Com que frequência são difundidos os relatórios? 4ª etapa - elaboração do fluxograma para cada sistema de vigilância Nesta etapa, apresentam-se numa forma gráfica os principais passos a serem seguidos por um sistema de vigilância; quanto maior e mais complexo esse esquema, mais dispendioso será o sistema. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 111 desigualdades em saúde Tipos de sistemas de vigilância Dependendo das características do agravo, dos objetivos do sistema, dos recursos disponíveis, da fonte ou das fontes de informação a serem utilizadas, podemos optar por sistemas ativos ou passivos de vigilância. Para tomarmos a decisão a esse respeito, devemos analisar as vantagens, desvantagens e limitações de cada uma dessas duas opções. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 112 desigualdades em saúde SISTEMAS PASSIVOS Os sistemas de vigilância passiva caracterizam- se por terem como fonte de informação a notificação espontânea, constituindo o método mais antigo e frequentemente utilizado na análise sistemática de eventos adversos à saúde, e, além disso, são aqueles que apresentam menor custo e maior simplicidade. Porém, esse tipo de vigilância tem a desvantagem de ser menos sensível, ou seja, é mais vulnerável à subnotificação, portanto menos representativo, apresentando maior dificuldade para a padronização da definição de caso. Alguns estudos têm demonstrado que, mesmo para doenças comuns, em países que contam com serviços de saúde mais organizados, a proporção de casos notificados pode variar de 10% a 63% dos casos realmente ocorridos na comunidade. Além disso, para determinadas doenças infecciosas, cujo agente etiológico apresenta baixa patogenicidade como, por exemplo, a hepatite A, a infecção frequentemente não é diagnosticada. Apesar de as notificações obtidas passivamente não oferecerem uma visão completa da ocorrência da doença, nem sempre é essencial dispormos do número total de casos para estabelecer medidas efetivas de controle. Mudanças na distribuição etária e cronológica dos casos de uma doença, mesmo dispondo de dados subestimados, podem ser analisadas para detectar epidemias e avaliar medidas de intervenção. A subnotificação de doenças pode determinar a diminuição da eficiência das ações de controle de doenças à medida que: Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 113 desigualdades em saúde induzir distorções na tendência observada em sua incidência ou na estimativa do risco atribuível para se contrair uma enfermidade; interferir na exatidão da avaliação do impacto de medidas de intervenção. SISTEMAS ATIVOS Outro tipo de vigilância são os sistemas ativos de coleta de informações. Essa forma de obtenção de dados é, geralmente, aplicada a doenças que ocorrem raramente ou em sistemas de vigilância epidemiológica voltados aos programas de erradicação de doenças. Os sistemas ativos de vigilância caracterizam-se pelo estabelecimento de um contato direto, a intervalos regulares, entre a equipe da vigilância e as fontes de informação, geralmente constituídas por clínicas públicas e privadas, laboratórios e hospitais. Os sistemas ativos de coleta de informação permitem um melhor conhecimento do comportamento dos agravos à saúde na comunidade, tanto em seus aspectos quantitativos quanto qualitativos. No entanto, são geralmente mais dispendiosos, pois necessitam de uma melhor infra-estrutura dos serviços de saúde. FONTES DE DADOS PARA SISTEMAS DE VIGILÂNCIA O desenvolvimento de sistemas de vigilância implica o acesso à elevada gama de informações, especialmente as relativas à morbidade, mortalidade, estrutura demográfica, estado imunitário e nutricional da população, situação sócio-econômica, saneamento ambiental, entre outras. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 114 desigualdades em saúde Com referência às fontes de dados que se oferecem para a implementação de sistemas de vigilância de agravos específicos, podemos citar seis como as mais importantes: 1. Vigilância com base em sistemas de notificações de doenças Essa fonte, quando na sua forma típica, tem por base leis e regulamentos que obrigam o médico e outros profissionais de saúde a notificar doenças da maneira mais ágil possível às autoridades locais e estaduais da saúde. Nesse caso, o tipo de vigilância é o passivo. É a fonte de informação para sistemas de vigilância mais utilizada na maioria dos países. Vale salientar que atualmente existe uma tendência, principalmente em países desenvolvidos, a usar, com maior frequência, mesmo para doenças infecciosas, sistemas de vigilância que têm por fonte de informação hospitais e laboratórios em vez da notificação compulsória.2. Vigilância com base em sistemas articulados de laboratórios Os sistemas de vigilância que utilizam essa fonte de dados desenvolvem-se a partir do isolamento de cepas de microrganismos ou de parasitas em laboratórios, públicos ou privados, responsáveis pelo apoio diagnóstico oferecido aos serviços locais de saúde. Essas cepas são posteriormente enviadas ao laboratório de saúde pública de referência para a caracterização taxonômica (classificação do gênero e espécie) e a identificação de marcadores Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 115 desigualdades em saúde epidemiológicos relacionados a determinado tipo de comportamento de interesse para a vigilância. 3. Vigilância com base em dados hospitalares O hospital é uma fonte importante de informação para os sistemas de vigilância, especialmente de doenças nas quais o tratamento hospitalar é praticamente obrigatório. No caso dessas enfermidades, o desenvolvimento de sistemas ativos de vigilância, utilizando os diagnósticos de altas hospitalares, permite o aumento significativo de sua representatividade. No entanto, quando isso não for possível, o levantamento periódico desses dados nos oferece avaliação do nível de subnotificação. Sistemas de vigilância de infecções hospitalares podem ser implementados por meio do acompanhamento contínuo de dados obtidos de uma amostra representativa das unidades hospitalares de uma região. Nesse caso, é indispensável a integração com sistemas articulados de vigilância de base laboratorial voltados, principalmente, para bactérias de maior importância associadas a infecções ocorridas em ambiente hospitalar. Unidades hospitalares constituem também fontes importantes de informações para sistemas de vigilância de eventos adversos à saúde decorrentes da aplicação de tecnologias médicas. Um exemplo é o acompanhamento sistemático de informações relativas à evolução e efeitos colaterais verificados em pacientes submetidos, por distintas indicações clínicas ou clínico- cirúrgicas, a diferentes esquemas de radioterapia. Outro é o desenvolvimento de sistemas de vigilância Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 116 desigualdades em saúde integrados de bases hospitalar e laboratorial para septicemias causadas por bactérias Gram-negativas decorrentes de infecção hospitalar. A notificação de doenças a partir do diagnóstico de altas hospitalares, especificando a época do início da doença e os locais de residência e de trabalho dos pacientes, pode permitir a identificação da ocorrência de agregados de casos de eventos adversos à saúde. É possível desenvolver também sistemas de vigilância com base em informações obtidas em hospitais a partir de pacientes não internados, mas que frequentam ambulatórios hospitalares. Alguns países aplicam essa estratégia para a vigilância da gripe. 4. Vigilância com base em "eventos sentinelas" Esse tipo de fonte de informação pode ser utilizado em sistemas de vigilância de agravos que sejam identificados indiretamente por meio do que tem sido denominado eventos sentinelas de saúde. O termo "evento sentinela" tem sido aplicado para eventos que podem servir de alerta a profissionais da saúde a respeito da possível ocorrência de agravos preveníveis, incapacidades ou de óbitos possivelmente associados à má qualidade de intervenções de caráter preventivo ou terapêutico, que devem ser aprimorados. Essa metodologia permite, ainda que com ressalvas, avaliar a importância de determinadas doenças profissionais ou associadas à ocupação como causa de óbito. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 117 desigualdades em saúde 5. Vigilância com base em informações obtidas de "médicos sentinelas" Uma fonte de informação para sistemas de vigilância muito utilizada em alguns países como Reino Unido, Holanda e Bélgica é a denominada "rede de médicos sentinelas". Essa metodologia é utilizada com o objetivo de obter informações relativas à incidência e aspectos mais importantes do comportamento de determinados eventos adversos à saúde. Esse tipo de fonte de informação apresenta alguns problemas operacionais, principalmente relativos à garantia do grupo de médicos sentinelas como amostra representativa. 6. Vigilância com base em informações obtidas em unidade de assistência primária à saúde Essa fonte de informação é das mais utilizadas na maioria dos países para sistemas de vigilância. No entanto, tanto os médicos como os demais profissionais da saúde não se engajam com a intensidade necessária, e a subnotificação e o preenchimento incompleto das informações diminuem o desempenho desses sistemas. Um dos problemas é a questão da falta de homogeneidade de critérios utilizados pelos médicos no estabelecimento do diagnóstico. Uma das maneiras de padronizar os dados necessários às estatísticas de saúde é a aplicação da Classificação Internacional de Doenças (CID). Essas seis fontes de informação podem ser consideradas como as mais importantes para o desenvolvimento de sistemas de vigilância, ao passo que as formas ativas e passivas para a obtenção de Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 118 desigualdades em saúde dados podem ser utilizadas isoladamente ou de maneira combinada. AVALIAÇÃO DE SISTEMAS DE VIGILÂNCIA O desenvolvimento de sistemas de vigilância requer revisões e modificações periódicas, baseadas em critérios explícitos de utilidade, custo e qualidade. Isso pode ser efetuado por meio de métodos adequados e específicos de avaliação. No processo de avaliação, deve-se levar em consideração que os sistemas de vigilância variam em metodologia, abrangência e objetivos, não obedecendo a uma única versão aplicável em todos os casos e para todas as situações nacionais e regionais. Devem variar de sociedade para sociedade, adequando-se às características dos serviços de saúde existentes, ou seja, aos recursos humanos e financeiros, assim como ao grau de complexidade das tecnologias disponíveis. Outro aspecto importante da avaliação de sistemas de vigilância epidemiológica é aquele relativo ao custo-benefício. No entanto, a metodologia aplicável à análise econômica, abrangendo custos diretos e indiretos de sistemas de vigilância epidemiológica, apresenta-se ainda de aplicação difícil em nosso meio. LIMITAÇÕES DE SISTEMAS DE NOTIFICAÇÕES DE DOENÇAS Embora os sistemas de vigilância não precisem ser perfeitos para serem úteis, muitas vezes certas limitações impedem que esse instrumento tenha a utilidade necessária que justifique sua implementação. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 119 desigualdades em saúde Os fatores que frequentemente levam a limitações do desempenho de sistemas de vigilância são: subnotificação; baixa representatividade; baixo grau de oportunidade; inconsistência da definição de caso. A subnotificação geralmente decorre do fato de a maioria dos sistemas de vigilância serem passivos. É frequente nesses casos a subnotificação atingir níveis superiores a 50% ou 70% dos casos, determinando o retardo ou mesmo a ausência de ações de controle. A subnotificação está frequentemente relacionada a: falta de conhecimento, por parte dos profissionais da saúde, da importância e dos procedimentos necessários para a notificação; desconhecimento da lista de doenças submetidas à vigilância; ausência de adesão à notificação, pelo tempo consumido no preenchimento da ficha e pela ausência do retorno da informação analisada com as recomendações técnicas pertinentes; preocupação dos profissionais da saúde com referência à quebra da confidencialidade das informações; falta de percepção, pelosprofissionais, da relevância em saúde pública das doenças submetidas à vigilância. A baixa representatividade de um sistema de vigilância pode resultar da falta de homogeneidade da subnotificação, dificultando a identificação de tendências, grupos e fatores de risco. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 120 desigualdades em saúde Os dois erros sistemáticos mais observados são: tendência a notificar mais os casos de maior gravidade e os hospitalizados do que os de características benignas, ainda que estes últimos possam constituir as principais fontes de infecção; notifica-se com maior intensidade doenças que estão sendo focalizadas pelos meios de comunicação. A falta de oportunidade de um sistema de vigilância pode ocorrer em diferentes momentos por diversos motivos, entre eles: dificuldade, em alguns casos, de se obter o diagnóstico antes da confirmação laboratorial; ineficiência dos serviços no procedimento de notificação; demora na análise - um problema frequente quando o sistema de vigilância é uma atividade mais burocrática do que técnica, voltada ao apoio dos serviços de saúde; o retardo em qualquer fase do sistema leva a uma demora na disseminação da informação analisada, impedindo que a população e os profissionais da saúde tenham as informações indispensáveis para uma ação oportuna e eficiente. A inconsistência da definição de caso leva a vigilância a confirmar os casos aceitando o diagnóstico dos clínicos, independentemente da forma como eles foram efetuados. Como exemplo da necessidade de uma padronização dessa definição, podemos citar os critérios de confirmação das meningites assépticas, que podem variar de local para local e de um médico para outro. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 121 desigualdades em saúde MEDIDAS DIRIGIDAS AO APRIMORAMENTO DE SISTEMAS DE VIGILÂNCIA A participação dos médicos e demais profissionais da saúde é um ponto crítico da qualidade da coleta de dados; portanto, o esclarecimento dessas equipes, salientando a importância da notificação de doenças para o aprimoramento dos serviços de assistência à saúde, deve ser prioritário nos programas de treinamento e formação de recursos humanos para esse campo de atividade. Porém, cabe salientar que a adesão dos médicos e dos profissionais da saúde à notificação sistemática de casos está, em boa parte, condicionada à resposta da vigilância, ou seja, à frequência e agilidade com que ela devolve a esses profissionais as informações devidamente analisadas, acrescidas de recomendações técnicas úteis ao aprimoramento dos serviços de assistência à saúde. DESIGUALDADE EM SAÚDE E DIFERENÇAS ENTRE GRUPOS SOCIAIS: O QUE DEVEMOS MEDIR? Quando se mede a saúde da população, com o uso dos mais variados indicadores, devem ser considerados tanto as desigualdades em saúde como as diferenças de saúde entre grupos sociais. Ainda que a magnitude dessas diferenças seja um fato bastante reconhecido em muitos países, dos mais diferentes níveis de ingressos, existem controvérsias a respeito tanto do significado como da medição das desigualdades em saúde, assim como as diferenças de saúde entre grupos sociais e as situações de iniquidade. A falta de definições, de estratégias de medição e de indicadores padronizados vêm limitando, e continuará limitando, as comparações das desigualdades em saúde e, mais importante, as análises comparativas das determinantes destas desigualdades. Essa limitação diz Você sabia? A taxa de mortalidade infantil de crianças cujas mães têm educação secundária ou superior no Brasil é em média três vezes menor do que a de crianças cujas mães têm menos de três anos de estudos. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 122 desigualdades em saúde respeito à comparação entre países, bem como para um mesmo país, ao longo do tempo. Chama-se a atenção quanto à importância desses estudos comparativos, essenciais para formular políticas eficazes que possibilitem aos governos reduzir essas desigualdades Os especialistas em saúde pública reiteradamente demonstram, porém, que a assistência médica é apenas um entre vários fatores determinantes da saúde da população - e nem sempre o mais importante. Fatores socioeconômicos, como renda, educação, qualidade de moradia e ambiente de trabalho, os chamados determinantes sociais da saúde, são tão ou mais importantes que a assistência médica, como confirma o importante relatório da Organização Mundial da Saúde: "Closing the Gap in a Generation: Health Equity through Action on the Social Determinant of Health". As enormes desigualdades no acesso à saúde ameaçam a estabilidade social e a segurança, destacando que a expectativa de vida nos países ricos pode ser até 40 anos maior do que nas nações pobres. O Relatório Mundial de Saúde 2008, dedicado a avaliar o atendimento primário de saúde, chega a conclusões muito críticas sobre a forma como aumentaram os desequilíbrios da saúde entre os países e entre grupos de população dentro de um mesmo Estado. Assim, o gasto público em saúde varia de US$ 20 por pessoa por ano em certos países até US$ 6 mil em outros. Em países de renda média ou baixa, 5,6 milhões de pessoas precisam pagar metade de todas as suas despesas médicas, o que, somado aos custos cada Para refletir Uma menina nascida no Lesoto, na África, viverá em média 42 anos amenos que uma nascida no Japão. Na Suécia, as chances de uma mulher morrer durante a gravidez ou parto é de 1 em 17.400; no Afeganistão, de 1 em 8. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 123 desigualdades em saúde vez mais elevados do atendimento médico, leva a cada ano mais de 100 milhões de pessoas para baixo da linha da pobreza. As diferenças em matéria de acesso também são chocantes, segundo a OMS, que cita o caso de Nairóbi, onde o índice de mortalidade entre crianças menores de 5 anos é de 15 entre cada mil nas zonas mais ricas da cidade, enquanto nas áreas pobres é de 254. "Os dados indicam uma situação na qual muitos sistemas de saúde perderam sua orientação em um acesso justo ao atendimento, sua capacidade de investir os recursos inteligentemente e de cobrir as necessidades das pessoas, principalmente dos pobres". O relatório da Comissão sobre os Determinantes Sociais da Saúde confirma e esclarece, com riqueza de dados, várias conexões intuitivas entre determinantes sociais e saúde, mas também refuta relações de causalidade que antes pareciam evidentes. Não surpreende, por exemplo, que a pobreza e as privações que ela implica, em termos de nutrição, educação, moradia e falta de cuidados médicos, tenha um impacto direto e significativo na saúde das pessoas. O que talvez surpreenda muitos é que, a partir de um determinado nível (por volta de US$ 5.000 per capita), a renda em si deixa de ter impacto significativo na saúde da população. É isso o que explica, por exemplo, o fato de o país mais rico do mundo, os EUA, ocupar apenas a 44ª posição no ranking mundial de expectativa de vida e de outros países relativamente mais pobres, como a Costa Rica, apresentarem expectativa de vida similar a dos países mais ricos. Acima daquele patamar de renda, são as desigualdades sociais que têm impacto relevante. Em países mais igualitários, com políticas de proteção Você sabia? O Relatório Mundial de Saúde 2008 (OMS) destaca que Brasil é exemplo na atenção básica à saúde. Para refletir Classes sociais e a desigualdade na saúde: Os padrões de doença, longevidade e os estilos de vida relacionados com a saúde, variam de acordo com as classes sociais, gênero e escolaridade. Os indivíduos quese inserem nas classes sociais que concentram maiores recursos econômicos e culturais apresentam em média, uma longevidade superior e tendem a adotar estilos de vida mais saudáveis. Pelo contrário, do conjunto dos indivíduos inseridos nas classes assalariadas de base, são sobretudo os Operários do sexo masculino que apresentam em média as longevidades mais baixas. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 124 desigualdades em saúde social mais amplas e universalistas, a saúde da população é melhor e vice-versa. Essas conexões, que se repetem em todos os países, importam por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, porque revelam que as enormes desigualdades em saúde existentes entre (e dentro de) países é fruto de injustiça social. Como posto de uma maneira chocante, porém verdadeira, pelos autores do relatório, "a injustiça social está matando em grande escala". Em segundo lugar, porque indicam o caminho a ser seguido no combate a essa inaceitável situação. São necessárias políticas públicas que enfrentem os determinantes sociais da saúde como um todo, isto é, que vão além da assistência médica, na qual geralmente se coloca ênfase desproporcional nos países em desenvolvimento. Nesse ponto, o Brasil apresenta um histórico ambíguo. Ao mesmo tempo em que estamos implementando medidas como o Programa de Saúde da Família, citado no relatório da OMS como exemplo positivo de política pública que enfrenta os determinantes sociais da saúde, apresentamos um déficit de investimento em saneamento básico incompatível com nosso nível de desenvolvimento econômico (quase 30% da população brasileira não tem acesso a serviço de esgoto). Uma das explicações desta situação é que, em muitos casos, o atendimento se baseia em um modelo centrado nas doenças, na alta tecnologia e no cuidado especializado, esquecendo praticamente as possibilidades de prevenção. Segundo cálculos da OMS, Você sabia? Como o esgoto é um dos determinantes sociais importantes da saúde em geral e, particularmente, da mortalidade infantil, não surpreende que nossa taxa (19 por 1.000 nascidos vivos) seja muito superior à verificada na Argentina (14/1.000) e na Costa Rica (11/1.000), países com PIB per capita similares ao nosso, mas cujo acesso da população à rede de esgoto é quase universal. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 125 desigualdades em saúde "um melhor uso das medidas preventivas existentes poderia reduzir a carga global de doenças em até 70%". Por outro lado, o relatório critica os casos em que "especialistas realizam tarefas que são melhor efetuadas por clínicos gerais, médicos de família ou enfermeiras", o que contribui para o encarecimento do serviço e, portanto, para que menos pessoas tenham acesso a ele. Destaca que o atendimento primário de saúde oferece a oportunidade de enfrentar três males do século XXI: os estilos de vida que fazem mal à saúde, a urbanização rápida e sem planejamento e o envelhecimento da sociedade. Lavar as mãos. Um fato tão simples como lavar as mãos com sabão antes de comer ou após ir ao banheiro reduziria à metade o número de mortes de crianças por diarreia, afirma o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Lavar as mãos com sabão também pode reduzir a incidência de infecções respiratórias em 23% dos casos, entre elas a pneumonia, a primeira causa de morte de crianças com menos de cinco anos e que mata a cada ano 1,8 milhões pequeninos. Considera-se que lavar as mãos com sabão é "a intervenção mais efetiva e de menor custo" para evitar estas doenças. O Brasil é um país de desigualdades, muitas delas aceitáveis e valorizadas, e que fazem dele o país diverso e belo que admiramos. Mas é também o país desigual e iníquo que gostaríamos de mudar, com ações diretas ou com reprodução ou produção de conhecimento. Esse é o grande desafio que nos é posto desde sempre, reduzir as desigualdades injustas: a aviltante concentração de renda, as situações de miséria e fome, a dificuldade de acesso a bens e serviços básicos, a exploração do trabalho adulto e infantil, as condições desumanas de moradia, entre inúmeras outras mazelas nacionais. Para refletir Segundo o Unicef, 5.000 crianças com menos de cinco anos morrem a cada dia - 1,7 milhão por ano - por causa de doenças diarréicas perfeitamente evitáveis. A metade destas mortes poderia ser evitada com o simples procedimento de lavar as mãos com sabão nos momentos chaves. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 126 desigualdades em saúde Um dos retratos possíveis da desigualdade no Brasil é representado pelo Índice de Desenvolvimento Humano, indicador composto que congrega renda, escolaridade e expectativa de vida. A apresentação cartográfica do Brasil, segundo o IDH dos municípios, mostra os muitos brasis que ele comporta, salientando- se num extremo o Brasil gaúcho e catarinense, e no outro, o Brasil amazônico e nordestino. Com maiores e menores variações, a desagregação desse indicador no interior dos municípios, principalmente os metropolitanos e de maior porte, vai mostrar outras micros-situações de desigualdade e iniquidade, não detectadas quando o município é a unidade de análise. Uma publicação da Secretaria de Vigilância em Saúde/MS (Brasil 2004) apresenta, no nível macro (regiões geográficas ou estados como unidades de análise), uma série de indicadores que permitem evidenciar as desigualdades em saúde ou nos determinantes e condicionantes do processo saúde- doença, ainda que externos ao setor saúde. A publicação salienta as desigualdades na estrutura demográfica, no saneamento básico, na disponibilidade de serviços de saúde e de recursos humanos, nos riscos de adoecer e morrer. Um extenso conjunto de indicadores que dá uma pequena amostra das desigualdades existentes entre as regiões brasileiras, cujos determinantes, na maioria das vezes, são indesejáveis, injustos e muitas vezes evitáveis, caracterizando tais desigualdades como iniquidades. Análises das distribuições de renda segundo as medidas de saúde avaliam o acesso a seguro saúde, as necessidades de cuidados médicos e consumo dos serviços de saúde no Brasil, segundo o rendimento do chefe de família. Verifica-se que os indivíduos mais Importante Desigualdade na Saúde: Um pior rendimento gera uma saúde mais precária, e uma pior saúde, um menor rendimento. É nesse sentido que políticas de provisão de saúde pública são políticas de combate à pobreza e à desigualdade. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 127 desigualdades em saúde pobres têm pior acesso a seguro, necessitam de maiores cuidados com a saúde, mas consomem menos os serviços, o que acaba por aprofundar o quadro de desigualdade dos rendimentos. As desigualdades em saúde no Brasil A desigualdade em saúde no Brasil está polarizada nos níveis nacional e intrarregional. A região Sul apresenta, em geral, indicadores mais favoráveis que as demais regiões. Essa, também, é a que apresenta resultados com alto grau de homogeneidade. As demais regiões mostram estruturas polarizadas, com o Norte e Nordeste apresentando indicadores predominantemente desfavoráveis e o Sudeste e Centro-oeste apresentando indicadores predominantemente favoráveis. Contudo, devido a limitações nas bases de dados, a polarização observada, principalmente no interior das regiões Norte e Nordeste, pode estar superestimada. Devido à magnitude das diferenças dos indicadores observados entre as regiões, o padrão que emerge pode ser definido como marcadamente assimétrico. Essa característica parece atravessar os vários eixos analisados do padrão da desigualdade em saúde noBrasil, tanto o relacionado à morbimortalidade, quanto o ligado à organização dos serviços de saúde, aí inclusos os sistemas de informação em saúde. Além disso, com exceção da região Sul, essa assimetria se expressa também no nível intrarregional. As deficiências quanto à qualidade da informação de saúde disponível apontam algumas limitações para as análises de desigualdade em saúde: Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 128 desigualdades em saúde uma parcela importante dos problemas de saúde da população pode estar invisível para os órgãos gestores da saúde; espera-se que sistemas de saúde de menor grau de organização sejam mais expostos aos erros de registro de informação, distorcendo os diferenciais encontrados; algumas variáveis essenciais para o estudo de desigualdades em saúde – ocupação, raça, dieta, tabagismo, consumo de álcool, entre outras – são negligenciadas em seu preenchimento ou estão ausentes das bases de dados em saúde. A pobreza remete às dificuldades inerentes à obtenção dos meios individuais ou societários de saúde, i.e., obtenção dos bens e serviços ligados direta ou indiretamente à saúde. Os serviços de saúde podem, per si, aumentar ou promover as desigualdades em saúde. Nesse aspecto, duas variáveis devem ser destacadas: acesso e qualidade dos serviços de saúde. Esse conjunto de variáveis é particularmente relevante, pois refere-se à esfera de intervenção imediata dos órgãos de saúde. O padrão epidemiológico coloca o Estado brasileiro frente a um grande desafio: combater simultaneamente a exposição aos fatores de risco das doenças do “atraso” e do “desenvolvimento”. Implica a intervenção, tanto por meio de políticas de ampliação de infraestrutura, redistribuição de riqueza e ampliação do acesso aos serviços públicos, quanto maior eficiência na regulação da composição dos produtos de consumo doméstico (alimentos, bebidas e fumo, higiene) e de uso na produção (agrotóxicos, solventes, exposição aos metais) e nas políticas de combate à violência e detecção precoce e tratamento das doenças crônico- degenerativas. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 129 desigualdades em saúde Algumas intervenções de médio e longo alcance em termos de políticas de saúde para combater as desigualdades em saúde: disseminar o uso de dados secundários sobre desigualdade em saúde, nos níveis nacional e infranacional, ao mesmo tempo em que se promova a melhoria de sua qualidade; desenvolver um guia prático para subsidiar a realização desse tipo de estudo pelas Secretarias de Estado de Saúde e Secretarias Municipais de Saúde; identificar e sugerir novas bases de dados para estudos de desigualdade em saúde que possam complementar as bases de dados existentes – para o monitoramento das desigualdades em saúde; identificar ou desenvolver indicadores de desigualdade em saúde aplicáveis aos contextos nacional e regionais; aprimorar metodologias para análise sobre desigualdades em saúde atribuíveis à organização dos serviços de saúde; definir uma política articulada do setor saúde para a redução das desigualdades em saúde; subsidiar a elaboração do Livro Verde sobre as desigualdades em saúde no Brasil. EXERCÍCIO 1 Qual das seguintes alternativas não está relacionada com a vigilância de doenças? ( A ) É um processo contínuo; ( B ) Analisa a distribuição de específicas doenças; ( C ) Abrange exclusivamente doenças de notificação compulsória; ( D ) Inclui a análise do potencial de transmissão de específicas doenças. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 130 desigualdades em saúde EXERCÍCIO 2 Vigilância de doenças é um processo sistemático de: ( A ) Notificação de doenças, consolidação dos dados, análise das informações e implementação de medidas de controle; ( B ) Notificação de morbidade, preparação de tabelas, gráficos, diagramas e distribuição das informações coletadas; ( C ) Investigação de casos, cálculo de taxas de incidência e prevalência, análise dos dados e distribuição da informação; ( D ) Coleta de dados, consolidação e análise dos dados, distribuição da informação, devidamente analisada, acrescida de recomendações técnicas visando medidas de controle de doenças específicas. EXERCÍCIO 3 A(s) principal(ais) razão(ões) para um departamento de saúde desenvolver sistemas de vigilância de doenças para as quais não existam medidas de controle é(são): ( A ) Identificar epidemias, quando elas ocorrem; ( B ) Identificar atividades prioritárias em programas, quando medidas de controle forem disponíveis; ( C ) Permitir a avaliação do impacto de medidas de controle, quando elas estiverem disponíveis; ( D ) As alternativas "b" e "c" estão corretas. Aula 4| Introdução ao conceito de vigilância em saúde - 131 desigualdades em saúde EXERCÍCIO 4 A consolidação das informações obtidas em sistemas de vigilância deve ser efetuada em: ( A ) Níveis local e estadual; ( B ) Nível nacional; ( C ) Nível internacional; ( D ) Todos os níveis citados. EXERCÍCIO 5 Relacione cinco atributos a serem considerados quando avaliamos um sistema de vigilância. ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ EXERCÍCIO 6 Quais são os três componentes obrigatórios de um sistema de vigilância? ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ Uso da Epidemiologia no planejamento das ações em saúde Alzira Falcão Silvia Faria A U L A 5 A p re s e n ta ç ã o A vigilância epidemiológica deve fornecer orientação técnica permanente para os profissionais de saúde que têm a responsabilidade de decidir sobre a execução de ações de controle de doenças e agravos, tornando disponíveis, para esse fim, informações atualizadas sobre a ocorrência dessas doenças e agravos, bem como dos fatores que a condicionam, numa área geográfica ou população definida. A vigilância epidemiológica constitui-se importante instrumento para o planejamento, organização e operacionalização dos serviços de saúde, bem como a normatização das atividades técnicas correlatas. Nessa perspectiva, nos propomos a discutir os limites e as possibilidades de desenvolvimento do enfoque epidemiológico no processo de reorientação da gestão e da organização social das práticas de saúde, bem como analisar a contribuição da epidemiologia ao desenvolvimento teórico-metodológico do planejamento de saúde. O b je ti v o s Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Ter a capacidade para monitorar continuamente a tendência de uma doença/agravo na população, estabelecendo medidas de prevenção e controle; Conhecer o fluxo das informações no Sistema de Vigilância Epidemiológica (SVE); Conhecer o papel e a responsabilidade dos diversos níveis no SVE; Notificar e realizar a investigação epidemiológica de um caso suspeito. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 134 Introdução A articulação entre a epidemiologia e o planejamento de saúde é um dos temas que mais tem mobilizado a atenção de pesquisadores, docentes e profissionais dos serviços, no contexto recente da Reforma Sanitária Brasileira. Isto tem ocorrido tanto a partir de um ponto de vista estritamente teórico quanto a partir de demandas e necessidades geradaspelo processo de implementação de estratégias para a construção de um novo sistema de saúde no país. Os aspectos abordados referem-se ao papel da epidemiologia na definição do objeto do planejamento de saúde, em vários níveis de gestão do sistema. Ao longo da evolução histórica do planejamento de saúde, a epidemiologia comparece como uma disciplina subsidiária, basicamente instrumental. Era utilizada na elaboração dos diagnósticos de saúde ao lado de outras disciplinas como a economia, a administração e as ciências políticas, bem como na formulação dos objetivos e metas, expressos em forma de redução de taxas e coeficientes de morbimortalidade, na programação de ações e nas propostas de acompanhamento e avaliação. Coloca-se a possibilidade de construção de uma nova prática sanitária entendida como uma forma de organização e operacionalização do sistema que enfatize as ações intersetoriais de promoção da saúde e as ações e serviços de prevenção de riscos e agravos junto a grupos populacionais priorizados. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 135 Vários avanços metodológicos e instrumentais vêm sendo propostos e aperfeiçoados, notadamente no que se refere aos Sistemas de Informação em Saúde, aos processos de análise da situação, ao planejamento de ações da chamada vigilância da saúde, às metodologias de capacitação gerencial e de avaliação de sistemas locais de saúde. Considera-se que a reorientação da gestão, do financiamento, da organização e, em última análise, do “modelo assistencial” do sistema são processos que não podem prescindir da epidemiologia, enquanto saber científico e prática instrumental que confere especificidade aos objetos de conhecimento e de intervenção no âmbito da saúde em sua dimensão populacional, isto é coletiva. Se este pressuposto é válido para países que já atravessaram a chamada “transição epidemiológica” e enfrentam uma situação de saúde em que prevalecem problemas derivados das modernas condições de vida típicas das sociedades urbano-industriais, é ainda mais pertinente em países como o Brasil, em que a situação de saúde reflete as extremas desigualdades sociais diante das condições de vida, definindo padrões heterogêneos no adoecer e no morrer. A contribuição da epidemiologia ao planejamento, gestão e organização do sistema de saúde A planificação, programação e operacionalização de ações e serviços voltados à melhoria das condições de vida e saúde, com redução das desigualdades sociais, exige, em primeiro lugar, um grande investimento na difusão do enfoque epidemiológico, paralelamente ao processo de descentralização da gestão do sistema para os estados e municípios. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 136 Isto exige um movimento interno de aperfeiçoamento dos sistemas de informação, incluindo o desenho de novos indicadores de saúde, indicadores socioeconômicos, políticos e culturais, numa releitura crítica dos dados existentes. Com a adoção de mecanismos de financiamento que privilegiam a lógica do mercado transformando o próprio setor público em prestador de serviços, torna o exercício de planejamento um mero instrumento de captação de recursos e induz o processo de gestão a concentrar-se em aspectos administrativos, distanciando-se do reconhecimento dos problemas e necessidades de saúde da população e da gestão de processos de mudança na organização da produção de serviços em função desses problemas. Com a reprodução de um estilo de gestão e de um modelo assistencial que privilegiam a gerência contábil e o atendimento à demanda por serviços médico-ambulatoriais e hospitalares em detrimento das ações promocionais e de prevenção de agravos e danos à saúde coletiva, reforça-se a iniquidade no acesso aos serviços e a desigualdade das condições de vida e saúde da população. A epidemiologia é um campo de saber e práticas necessário ao processo de formulação de políticas, definição de prioridades, organização de serviços e avaliação de ações, tanto ao nível de “macro-sistemas” quanto e principalmente, ao nível “micro”, nos sistemas locais, especialmente no que diz respeito à redefinição dos “modelos assistenciais” e reorganização dos processos de trabalho em saúde. Ao nível “macro”, o grande desafio, sem dúvida, é a formulação e implementação de políticas de financiamento e gestão que tenham como propósito a Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 137 promoção da equidade, isto é, a redução das desigualdades sociais expressas em termos de indicadores epidemiológicos e sócio-sanitários. Ações Prioritárias de Vigilância em Saúde A programação anual do Estado é representada pelas Ações Prioritárias de Vigilância em Saúde, que corresponde a um consolidado estadual, ou seja, uma sistematização do resultado de todo processo de elaboração de programação, envolvendo a composição orçamentária, o modelo de gestão, o modelo de atenção e os recursos estratégicos. No que tange especificamente ao modelo de atenção, contém o resultado da programação acordada entre municípios quanto à assistência, à vigilância sanitária, à vigilância, à prevenção e controle de doenças. As Ações Prioritárias de Vigilância em Saúde estabelecem um conjunto de atividades e metas, discutidas e acordadas entre a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), Secretarias Estaduais de Saúde (SES) e Secretarias Municipais de Saúde (SMS), relativo à área de vigilância, prevenção e controle de doenças e ações básicas de vigilância sanitária. Essas ações estão agrupadas nos seguintes módulos: Notificação de doenças e agravos; Investigação epidemiológica; Diagnóstico laboratorial de agravos de saúde pública; Vigilância ambiental; Vigilância de doenças transmitidas por vetores e antropozoonoses; Controle de doenças; Imunizações; Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 138 Monitorização de agravos de relevância epidemiológica; Divulgação de informações epidemiológicas; Elaboração de estudos e pesquisas em epidemiologia; Alimentação e manutenção de sistemas de informação; Acompanhamento das atividades programadas; Ações básicas de vigilância sanitária. A União, por intermédio da Secretaria de Vigilância em Saúde, estabelece anualmente as metas e ações a serem desenvolvidas por estado e município, respeitadas as especificidades estaduais, tendo como base fundamental a análise da situação epidemiológica de cada agravo. As Ações Prioritárias de Vigilância em Saúde propõem atividades e metas que visam fortalecer o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e Ambiental em Saúde, tendo como premissa básica o aumento da capacidade dos estados e municípios assumirem as atividades de notificação, investigação e confirmação laboratorial, imunização, sistemas de informação e vigilância ambiental em saúde. A Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis Constitui-se como importante instrumento para o planejamento, organização e operacionalização dos serviços de saúde, bem como a normatização das atividades técnicas correlatas. Sua operacionalização compreende uma série de funções específicas, permitindo conhecer o comportamento da doença ou agravo selecionado como alvo das ações, de forma que as medidas de intervenção pertinentes possam ser desencadeadas com oportunidade e eficácia. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 139 São funções da vigilância epidemiológica: Coleta de dado; Processamento dos dados coletados; análise e interpretação dos dados processados; Recomendação das medidas de controle apropriadas; Promoção das ações de controle indicadas; Avaliação da eficácia e efetividade das medidas adotadas; Divulgação de informações pertinentes. As mudanças no perfil epidemiológico das populações, no qual se observa declínio das taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias e crescente aumento das mortes por causas externas e doenças crônico-degenerativas, têm propiciado a incorporação das doenças e agravos não transmissíveis às atividades da vigilância epidemiológica. As competências de cada esfera do sistema de saúde (municipal, estadual e federal) abarcam todo o espectro das funções de vigilância epidemiológica, porém com graus de especificidade variáveis. As ações executivas são mais inerentes à esfera municipal e seu exercício exige conhecimento analítico da situação de saúde local. Quanto mais capacitada e eficiente for a instância local, mais oportunamente podem ser executadas as medidas de controle. Os dados e informações aí produzidos serão mais consistentes, possibilitando melhor compreensão do quadro sanitário estadual e nacional e, consequentemente, o planejamento adequado da ação governamental. A informação para a vigilância epidemiológica destina-se à tomada de decisões – informação para a Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 140 ação. Este princípio deve reger as relações entre os responsáveis pela vigilância e as diversas fontes que podem ser utilizadas para o fornecimento de dados. Entre essas, a principal é a notificação, ou seja, a comunicação da ocorrência de determinada doença ou agravo à saúde feita à autoridade sanitária por profissionais de saúde ou qualquer cidadão, para fins de adoção de medidas de intervenção pertinentes. Historicamente, a notificação compulsória tem sido a principal fonte da vigilância epidemiológica, a partir da qual, na maioria das vezes, se desencadeia o processo informação-decisão-ação. O caráter compulsório da notificação implica responsabilidades formais para todo cidadão, e uma obrigação inerente ao exercício da medicina, bem como de outras profissões na área da saúde. Aspectos que devem ser considerados na notificação: Notificar a simples suspeita da doença, sem aguardar a confirmação do caso, pois isto pode significar perda da oportunidade de intervir eficazmente; A notificação tem de ser sigilosa, só podendo ser divulgada fora do âmbito médico-sanitário em caso de risco para a comunidade, respeitando-se o direito de anonimato dos cidadãos; O envio dos instrumentos de coleta de notificação deve ser feito mesmo na ausência de casos, configurando-se o que se denomina notificação negativa que funciona como um indicador de eficiência do sistema de informações. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 141 As doenças de notificação compulsória constituem risco à saúde da população e, para que sejam desencadeadas ações de controle, é primordial o conhecimento oportuno da ocorrência das mesmas. Doenças de Notificação Compulsória Nacional (Portaria GM/MS Nº 104, DE 25 DE JANEIRO DE 2011) Lista de Notificação Compulsória – LNC 1. Acidentes por animais peçonhentos; 2. Atendimento antirrábico; 3. Botulismo; 4. Carbúnculo ou Antraz; 5. Cólera; 6. Coqueluche; 7. Dengue; 8. Difteria; 9. Doença de Creutzfeldt - Jacob; 10. Doença Meningocócica e outras Meningites; 11. Doenças de Chagas Aguda; 12. Esquistossomose; 13. Eventos Adversos Pós-Vacinação; 14. Febre Amarela; 15. Febre do Nilo Ocidental; 16. Febre Maculosa; 17. Febre Tifoide; 18. Hanseníase; 19. Hantavirose; 20. Hepatites Virais; 21. Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana – HIV em gestantes e crianças expostas ao risco de transmissão vertical; 22. Influenza humana por novo subtipo; http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/novo/Documentos/Portaria_GM-MS_n_104_de_25-01-2011_-_Pag_37_e_38.pdf http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/novo/Documentos/Portaria_GM-MS_n_104_de_25-01-2011_-_Pag_37_e_38.pdf Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 142 23. Intoxicações Exógenas (por substâncias químicas, incluindo agrotóxicos, gases tóxicos e metais pesados); 24. Leishmaniose Tegumentar Americana; 25. Leishmaniose Visceral; 26. Leptospirose; 27. Malária; 28. Paralisia Flácida Aguda; 29. Peste; 30. Poliomielite; 31. Raiva Humana; 32. Rubéola; 33. Sarampo; 34. Sífilis Adquirida; 35. Sífilis Congênita; 36. Sífilis em Gestante; 37. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS; 38. Síndrome da Rubéola Congênita; 39. Síndrome do Corrimento Uretral Masculino; 40. Síndrome Respiratória Aguda Grave associada ao Coronavírus (SARS-CoV); 41. Tétano; 42. Tuberculose; 43. Tularemia; 44. Varíola; 45. Violência doméstica, sexual e/ou outras violências. Mesmo diante do cenário de transição epidemiológica, onde os agravos e doenças não transmissíveis assumem importância cada vez maior na carga de morbidade e mortalidade no país, o cenário do aparecimento de novas doenças, emergentes e reemergentes, como a dengue e a hantavirose, assim como a manutenção de altas incidências de doenças como a tuberculose e a malária na região amazônica, demonstra que ainda se faz necessária a execução das Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 143 ações de prevenção e controle de forma continuada, além do seu monitoramento por meio dos sistemas de notificação, com vistas a acompanhar suas tendências, direcionando/redirecionando e priorizando as medidas de controle. Nesse sentido, é muito importante que as Secretarias Estaduais de Saúde possuam equipes capacitadas e estruturadas compatíveis, para assessoria e supervisão aos municípios, assim como resposta ágil para situações de emergência epidemiológicas e/ou a ocorrência de agravos inusitados. Caso a situação extrapole a capacidade das Secretarias Estaduais de Saúde, a Secretaria de Vigilância em Saúde poderá prestar apoio, por intermédio do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs). Outro aspecto importante é a manutenção dos sistemas de informação relacionados às doenças de notificação compulsória. O país por sua dimensão territorial continental, sua heterogeneidade climática e marcadas desigualdades econômicas e sociais deve ter um sistema de vigilância articulado em suas três esferas que contemple a vigilância dos agravos transmissíveis e não transmissíveis, com planejamento e definição de prioridades, sem prejuízo à população. A vigilância das doenças crônicas não- transmissíveis (DCNT) e seus fatores protetores e de risco A vigilância de doenças crônicas não- transmissíveis (DCNT) exige estratégias especificas, Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 144 integradas e complementares entre si, poucas vezes coincidentes com as estratégias tradicionalmente usadas na vigilância de doenças infecciosas. Isso por- que, em geral, no campo das DCNT, a morbidade e a mortalidade refletem risco acumulado durante toda a vida, e tendem a mudar lentamente, a partir de intervenções específicas, pois os eventos abordados são doenças que apresentam longos períodos de indução e latência. Ou seja, a morbidade e a mortalidade, em um dado ano, refletem sempre a exposição a um ou mais fatores de risco no passado. Por outro lado, a exposição atual a estes fatores de risco indicam uma maior ou menor probabilidade de desenvolver uma doença crônica no futuro. Entre aqueles já doentes, o perfil de exposição a estes mesmos fatores de risco no presente influencia o prognóstico destas doenças. Portanto, a modificação do perfil de risco, com a adoção de modos de vida saudável é a estratégia mais importante tanto para prevenir novos casos de doenças crônicas, e deter o crescimentodas mesmas, quanto para melhorar o prognóstico daqueles que já estão doentes. Nesse contexto, um sistema baseado apenas na vigilância de casos (novos e/ou prevalentes) e óbitos, resulta, geralmente, em um sistema de baixa sensibilidade e especificidade, apresentando grande dificuldade em identificar resultados positivos ou negativos decorrentes de mudanças contemporâneas nos padrões de exposição das populações. Para as DCNT, a vigilância da morbi-mortalidade deve ser realizada, mas não como mecanismo exclusivo de acompanhamento do perfil de risco das populações. A vigilância da prevalência e características de adesão a fatores protetores e de risco já conhecidos, tem se apresentado como o principal instrumento nessa tarefa, permitindo aferir as exposições atuais e as tendências futuras, possibilitando a análise e construção de Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 145 cenários de riscos prospectivos. Além disso, alguns dos fatores de risco conhecidos são potencialmente modificáveis, o que os tornam alvos importantes de políticas públicas com certo potencial de sucesso. Outra vantagem dessa abordagem situa-se no fato de que é uma prática, geralmente, com boa relação custo- efetividade, uma vez que um conjunto limitado de fatores protetores e de risco está associado a uma grande gama de desfechos indesejáveis em saúde. Por exemplo, a prevenção do tabagismo pode auxiliar na redução da ocorrência de vários desfechos desfavoráveis em saúde, como cânceres e doenças cardiovasculares, entre outros. São características desejáveis de um sistema de vigilância de DCNT: a coleta e análise sistemática (contínua e/ou periódica) de dados e informações, preferencialmente de base populacional, que permita estimar a magnitude do problema que está sendo abordado, prevalência de seus fatores de risco, magnitude de sua morbimortalidade, aferir suas tendências no tempo, produzir evidências úteis para a tomada de decisão e interferir ativamente na formulação de políticas e programas de promoção e atenção à saúde. Esse processo deve, ainda, incluir ações de avaliação e monitoramento do impacto das intervenções implementadas. Para um conjunto expressivo de determinantes e condicionantes, existem evidências científicas sólidas sobre seu impacto na saúde de indivíduos e populações. Baseado nesse fato e na urgente demanda imposta pela ascensão das DCNT, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um conjunto de recomendações aos países, denominado Estratégia Global para prevenção e controle das DCNT (EG/OMS) e visa à abordagem dos principais fatores de risco modificáveis, em especial a alimentação e a atividade física. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 146 Ademais da alimentação e da atividade física, merecem destaque outros importantes fatores de risco comportamentais associados às DCNT, em especial, o tabagismo e o consumo abusivo de bebidas alcoólicas. A abordagem desses fatores de forma integrada tem sido recomendada, uma vez que potencializa o impacto para a minimização da carga das DCNT. Modelo de vigilância dos acidentes e violências A ascensão dos homicídios, a magnitude persistente da violência no trânsito e a oculta face da violência doméstica contra a mulher, o idoso, a criança e o adolescente são diferentes manifestações do contexto social, político e econômico experimentado historicamente pelo país, mediado pelas desigualdades sociais, o desemprego, a concentração de renda e a persistência de um grande contingente de excluídos sociais. Fenômeno de natureza tão complexa exige intervenções articuladas, interdisciplinares e intersetoriais para o seu enfrentamento. Assim sendo, deve ser assumido como prioridade de políticas públicas de vários setores - educação, transporte, segurança, saúde, entre outros -, bem como envolver e mobilizar toda a sociedade. Além disso, constata-se o fato de esses serem eventos em sua grande maioria evitáveis. Apenas como exemplo desta evitabilidade, no ano de 1998 o Brasil experimentou uma redução imediata de mais de cinco mil mortes por acidentes de transporte terrestre, coincidindo com a implantação do novo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Infelizmente, essa tendência de queda não foi completamente sustentável, e em anos mais recentes, já se observa uma reversão nesse quadro, com retomada da ascensão das mortes no trânsito. Quer saber mais? No ano de 2004, as causas externas foram responsáveis por 127.470 mortes no Brasil, com especial destaque aos homicídios e acidentes de transporte terrestre. Além disso, elas foram causas de 755.826 hospitalizações, destacando, nesse caso, as quedas. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 147 Fontes de dados e indicadores Semelhante à Vigilância das DCNT também para a Vigilância de Acidentes e Violências, é desejável dispor de fontes de dados nos três eixos: fatores protetores e de risco, morbidade e mortalidade. Quanto à morbidade e mortalidade, assim como para as DCNT, os sistemas de informação de hospitalizações, atendimentos ambulatoriais e mortalidade são particularmente úteis, e permitem a construção de uma série de indicadores importantes para o monitoramento desses eventos. No que se refere à morbi mortalidade por acidentes de trânsito, é importante destacar que os sistemas de informação do setor saúde carecem de informações importantes para a descrição e levantamento de hipóteses acerca dos fatores de risco envolvidos nesses eventos como, por exemplo, local do acidente. Assim, tem sido fomentada a prática do uso de dados dos boletins de ocorrência e dos sistemas de informação dos departamentos de segurança pública e viária. A abordagem da violência, em especial a violência doméstica, mesmo em sua expressão extrema quando produz o óbito da vítima, não é um evento facilmente identificado por meio de dados secundários, pois existe grande omissão de informações relevantes para a classificação do caso, seja por parte da vítima e seus familiares, seja por parte dos profissionais de saúde. Vigilância em Saúde Ambiental A partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, em Estocolmo, as preocupações com os problemas Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 148 ambientais tornaram-se um dos assuntos mais importantes no âmbito internacional. Um dos resultados mais importantes foi a Declaração de Estocolmo que refletia o conjunto das preocupações e concepções ambientais e o Plano de Ação de Estocolmo, com recomendações que visavam estabelecer as bases para as tomadas de medidas designadas ao aumento do conhecimento do meio ambiente, a melhoria da sua qualidade e a sua preservação. A vigilância ambiental busca a identificação de situações de risco ou perigos no ambiente que possam causar doenças, incapacidades e mortes com o objetivo de se adotar ou recomendar medidas para a remoção ou redução da exposição a essas situações de risco. São áreas prioritárias de atuação da Vigilância em Saúde Ambiental (VSA): o controle da qualidade da água para consumo humano; qualidade do ar; solo contaminado; substâncias químicas; desastres naturais; acidentes com produtos perigosos; fatores físicos (radiações ionizantes e não ionizantes); e ambiente de trabalho. Esses elementos da VSA são abordados sob a óptica da promoção da saúde e da prevenção dos riscos de agravos às populações humanas. A seguir, são detalhadas essas prioridades, buscando identificar o papel de cada uma das esferas de governo. Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua) A Vigilância em Saúde Ambiental relacionada à Qualidade da água para ConsumoHumano consiste no conjunto de ações adotadas continuamente pelas autoridades de saúde pública para garantir que a água consumida pela população atenda ao padrão e às normas estabelecidas na legislação vigente e para Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 149 avaliar os riscos que a água consumida representa para a saúde humana. Merecem destaque as seguintes atribuições do Vigiagua e que devem ser executadas e/ou coordenadas pelas Secretarias Estaduais de Saúde (SES) no âmbito estadual: Estruturar a área de vigilância em saúde ambiental, bem como estabelecer as referências laboratoriais municipais para atender às ações de vigilância da qualidade da água para consumo humano; Acompanhar o cadastramento, pelos municípios, dos sistemas de abastecimento de água, soluções alternativas coletivas e soluções alternativas individuais; Acompanhar e supervisionar o monitoramento da qualidade da água para consumo humano pela vigilância ambiental em saúde, realizado pelos municípios, por meio de análises físico- químicas (cloro residual, turbidez, fluoreto), bacteriológicas, mercúrio e agrotóxico; Receber e analisar os relatórios de controle da qualidade da água para sistemas de abastecimento de água e soluções alternativas coletivas, enviadas pelos prestadores de serviços de abastecimento de água; Alimentar o Sistema de Informação da Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), com dados de cadastro, controle e vigilância; Avaliar os sistemas de abastecimento de água, soluções alternativas coletivas e soluções alternativas individuais, a partir das informações que constam no Sisagua, além de outras fontes de informação pertinentes, sob a perspectiva do risco à saúde; Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 150 Acompanhar surtos de doenças de transmissão hídrica em articulação com as demais áreas envolvidas, sendo imprescindível para isso a articulação da área de Vigilância das SES e Secretarias Municipais de Saúde (SMS). Para coletar e disponibilizar informações sobre os sistemas e soluções alternativas coletivas e individuais de abastecimento de água, para tomada de decisão nas três esferas de gestão do SUS, em 2000, foi desenvolvido o sistema de informação (Sisagua). Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Solo Contaminado (Vigisolo) Compete à Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Solo Contaminado (Vigisolo) recomendar e adotar medidas de promoção da saúde ambiental, prevenção e controle dos fatores de risco relacionados às doenças e outros agravos à saúde decorrentes da contaminação por substâncias químicas no solo. Entre os objetivos específicos do Vigisolo, cabe às Secretarias Estaduais de Saúde as seguintes atividades: Identificar e priorizar áreas com populações expostas a solo contaminado; Coordenar e estimular ações intrassetoriais entre as áreas de vigilância ambiental, epidemiológica, sanitária, saúde do trabalhador, atenção básica e laboratórios públicos, entre outras; Realizar articulação com os órgãos ambientais, entre outros, no controle e fiscalização de atividades ou empreendimentos causadores ou potencialmente causadores de degradação ambiental, com vistas à prevenção e controle da contaminação de solos; Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 151 Implementar metodologia de avaliação de risco à saúde humana; Alimentar sistema de informação de vigilância em saúde de populações expostas a áreas com solo contaminado. Esse sistema de informação é disponibilizado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde; Informar a sociedade sobre os riscos decorrentes da exposição humana a solo contaminado. Entre as ações básicas e estratégicas do Vigisolo, destaca-se a identificação de populações expostas ou sob risco de exposição a solo contaminado. Iniciado no ano de 2004, o trabalho de identificação de áreas com populações expostas, ou sob risco de exposição a solo contaminado, conta com 703 áreas identificadas. Este resultado não representa um censo das áreas de risco existentes no país, mas um primeiro esforço para capacitar técnicos dos estados para a necessidade de uma ação intersetorial e contínua, tanto em relação à identificação das populações quanto na complementação e qualificação das informações levantadas. O conjunto de informações levantadas, continuamente e armazenado no Sistema de Informação da Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Solo Contaminado (Sissolo), subsidiará a construção de indicadores de saúde e ambiente, favorecendo o planejamento e o fortalecimento de ações prioritárias e interventoras por parte do setor saúde. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 152 Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada à Qualidade do Ar (Vigiar) A Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada à Qualidade do Ar tem por objetivo promover a saúde da população exposta aos fatores ambientais relacionados aos poluentes atmosféricos (proveniente de fontes fixas, de fontes móveis, de atividades relativas à extração mineral, da queima de biomassa ou de incêndios florestais), contemplando estratégias de ações intersetoriais. Os objetivos específicos consistem em: Identificar os efeitos agudos e crônicos decorrentes da contaminação do ar; Avaliar os efeitos da poluição atmosférica sobre a saúde das populações expostas; Vigiar as tendências dos indicadores de qualidade do ar e saúde; Avaliar o risco à saúde decorrente da poluição atmosférica; Desenvolver (subsidiar/demandar) ações de controle em conjunto com os demais setores envolvidos; Fornecer elementos para orientar as políticas nacionais e locais de proteção da saúde da população frente aos riscos decorrentes da poluição atmosférica. Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada às Substâncias Químicas (Vigiquim) A Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada às Substâncias Químicas tem como objetivo central a identificação, a caracterização e o monitoramento das populações expostas às substâncias químicas, de Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 153 interesse à saúde pública. Foram selecionadas cinco substâncias, classificadas como prioritárias, devido aos riscos à população. São elas: asbesto/amianto, benzeno, agrotóxicos, mercúrio e chumbo. Entre os grupos de risco prioritários, expostos a estes contaminantes, destacam-se os trabalhadores e as comunidades que residem no entorno de áreas industriais. A forma de atuação da Vigilância em Saúde Ambiental relacionada às substâncias químicas está centrada em três eixos: A vigilância do risco, com a caracterização das substâncias químicas perigosas e o monitoramento de sua presença no ar, no solo nas águas e na cadeia alimentar; A vigilância da população exposta, através de monitoramento epidemiológico e avaliação da intensidade e duração da exposição humana às substâncias químicas perigosas; A vigilância dos efeitos, através da investigação da ocorrência de agravos sobre a saúde humana e do acompanhamento da população exposta a curto e a longo prazo. Ainda no escopo do Vigiquim, está inserida a vigilância ambiental em saúde relacionada aos acidentes com produtos perigosos, que envolvem desde a identificação das potenciais fontes de riscos até o monitoramento das populações expostas, bem como o acompanhamento das ações de prevenção, preparação, resposta, mitigação e controle desenvolvidos pelas diferentes instituições públicas envolvidas com os acidentes com produtos perigosos. Nessa área específica, cabe às Secretarias Estaduais de Saúde uma extensa articulação com os órgãos ambientais,de defesa civil e companhias de abastecimento de água, para a preparação de planos integrados de ação. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 154 Para a vigilância epidemiológica das intoxicações por agrotóxicos foi implantada no Sinan a ficha de notificação compulsória denominada Ficha de Intoxicações Exógenas. A partir das notificações realizadas, serão extraídas as informações necessárias ao desencadeamento das ações de vigilância relacionadas ao agrotóxico. A vigilância em saúde ambiental Relacionada ao amianto vem sendo desenvolvida por meio do Sistema de Monitoramento de Populações Expostas a Agentes Químicos (Simpeaq), que integra dados da saúde e meio ambiente relacionado às populações expostas aos referidos agentes químicos. Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada a Fatores Físicos (Vigifis) A Vigilância em Saúde Ambiental relacionada a Fatores Físicos cobre ampla faixa de agentes ambientais possivelmente capazes de causar danos à saúde humana. No entanto, tem desenvolvido ações na parcela desses agentes correspondente a radiações eletromagnéticas tanto ionizantes quanto não ionizantes. Dessas ações as que resultaram numa proposta concreta foram as relacionadas a campos eletromagnéticos, nas frequências compreendidas entre 0 e 300 MHz, que cobrem as emissões de linhas de transmissão e distribuição de eletricidade e as estações de rádio base e terminais móveis para telefonia sem fio, entre outras. Desde 2001, são desenvolvidos esforços para proteção de saúde humana relacionada a campos eletromagnéticos compreendendo desenvolvimento de políticas públicas, pesquisa científica e regulamentação legal. O Programa de Vigilância em Saúde Ambiental Relacionado a Fatores Físicos (Vigifis) priorizou sua Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 155 atuação em exposições humanas a radiações eletromagnéticas não ionizantes-RNI e ionizantes-RI. Para as radiações não ionizantes, está sendo proposto um modelo de vigilância baseado no conceito de mapa de exposição, que registra a intensidade da exposição sobreposta à dinâmica populacional e estruturas urbanas. Com o objetivo de avaliar e recomendar aspectos normativos relacionados à exposição humana a campos eletromagnéticos – CEM – no espectro de 0Hz a 300GHz e identificar e conciliar a legislação referente aos limites de exposição humana a campos eletromagnéticos no espectro de 9KHz a 300GHz. No que se refere às radiações ionizantes, o Ministério da Saúde, como integrante do Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro, propôs a Política de Uso do Iodeto de Potássio em Emergências Nucleares, medicamento utilizado na prevenção dos efeitos à saúde humana provocados pela exposição à radioatividade. Atualmente, essa política encontra-se em discussão por outros ministérios que integram o referido sistema. Vigilância em Saúde Ambiental dos Riscos Decorrentes dos Desastres Naturais (Vigidesastres) A Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada aos Desastres Naturais tem como objetivo desenvolver um conjunto de ações continuadas para reduzir a exposição da população aos riscos de desastres com ênfase nos desastres naturais, inundações, deslizamentos, secas e incêndios florestais, assim como a redução das doenças e agravos decorrentes dos mesmos. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 156 As principais atividades desenvolvidas pelo Vigidesastres destinam-se ao atendimento às demandas das Unidades Federadas atingidas por desastres naturais. Quando a gravidade dos desastres se configura em situações de emergência ou estado de calamidade pública, a atuação do Vigidesastres dar-se- á em parceria com a Secretaria Nacional de Defesa Civil. Vigilância em Saúde do Trabalhador - Visat A Vigilância em Saúde do Trabalhador não deve ser vista de forma restrita como, por exemplo, apenas ações de monitoramento de doenças detectadas pela clinica médica e nem de acompanhamento de populações expostas por meio de indicadores biológicos de exposição e de efeitos subclínicos. Deve ser compreendida de uma forma mais ampla e estritamente ligada à Saúde Pública, compondo um conjunto de práticas sanitárias, articuladas supras- setorialmente, cuja especificidade está centrada na relação da saúde com o ambiente e os processos de trabalho e nesta com a assistência, calcado nos princípios da vigilância em saúde, para a melhoria das condições de vida e saúde da população. Outro aspecto importante é que a Visat deve ser compreendida como parte da Vigilância em Saúde. Neste sentido, pretende acrescentar ao conjunto de ações da vigilância em saúde estratégias de produção de conhecimentos e mecanismos de intervenção sobre os processos de produção, aproximando os diversos objetos comuns das práticas sanitárias àqueles oriundos da relação entre o trabalho e a saúde. Investir na Vigilância em Saúde do Trabalhador é aprofundar o conhecimento sobre o processo de Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 157 sofrimento, adoecimento e morte dos trabalhadores brasileiros, de forma específica, e da população em geral. Traz a possibilidade de identificar e controlar os fatores de risco, diagnosticar precocemente, tratar, salvar vidas, reabilitar e especialmente promover saúde. No que diz respeito ao planejamento das ações de Visat, questões como território, ramos produtivos, perfil epidemiológico e a participação dos trabalhadores e das comunidades devem ser considerados, definindo a Visat como uma atuação contínua e sistemática, ao longo do tempo, no sentido de detectar, conhecer, pesquisar e analisar os fatores determinantes e condicionantes dos agravos à saúde relacionados aos processos e ambientes de trabalho, em seus aspectos tecnológico, social, organizacional e epidemiológico, com a finalidade de planejar, executar e avaliar intervenções sobre esses aspectos, de forma a eliminá- los ou controlá-los. São objetivos da Visat: a) conhecer a realidade de saúde da população trabalhadora, independentemente da forma de inserção no mercado de trabalho e do vínculo trabalhista estabelecido, considerando: a caracterização de sua forma de adoecer e morrer em função da sua relação com o processo de trabalho; o levantamento histórico dos perfis de morbidade e mortalidade em função da sua relação com o processo de trabalho; a avaliação do processo, do ambiente e das condições em que o trabalho se realiza, identificando os riscos e cargas de trabalho a que está sujeita, nos seus aspectos tecnológicos, ergonômicos e organizacionais Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 158 já conhecidos; a pesquisa e a análise de novas e ainda desconhecidas formas de adoecer e morrer em decorrência do trabalho; b) intervir nos fatores determinantes de agravos à saúde da população trabalhadora, visando eliminá-los ou, na sua impossibilidade, atenuá-los e controlá-los, considerando: a fiscalização do processo, do ambiente e das condições em que o trabalho se realiza, fazendo cumprir, com rigor, as normas e legislações existentes, nacionais ou mesmo internacionais, quando relacionadas à promoção da saúde do trabalhador; a negociação coletiva em saúde do trabalhador, além dos preceitos legais estabelecidos, quando se impuser a transformação do processo, do ambiente e das condições em que o trabalho se realiza não previsto normativamente; c) avaliar o impacto das medidas adotadas para a eliminação, atenuação e controle dos fatores determinantes de agravos à saúde, considerando: a possibilidade de transformar os perfis de morbidade e mortalidade; o aprimoramento contínuo da qualidade de vidano trabalho; d) subsidiar a tomada de decisões dos órgãos competentes, nas três esferas de governo, considerando: o estabelecimento de políticas públicas, contemplando a relação entre o trabalho e a saúde no campo de abrangência da vigilância Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 159 em saúde; a interveniência, junto às instâncias do Estado e da sociedade, para o aprimoramento das normas legais existentes e para a criação de novas normas legais em defesa da saúde dos trabalhadores; o planejamento das ações e o estabelecimento de suas estratégias; a participação na estruturação de serviços de atenção à saúde dos trabalhadores; a participação na formação, capacitação e treinamento de recursos humanos com interesse na área; e) estabelecer sistemas de informação em saúde do trabalhador, junto às estruturas existentes no setor saúde, considerando: a criação de bases de dados comportando todas as informações oriundas do processo de vigilância e incorporando as informações tradicionais já existentes; a divulgação sistemática das informações analisadas e consolidadas. SISTEMAS DE INFORMAÇÕES DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE Uma das ferramentas de trabalho mais importantes para a vigilância em saúde é a informação. A tríade “informação-decisão-ação” sintetiza a dinâmica das atividades da vigilância epidemiológica. A informação em saúde é a base para a gestão dos serviços, pois orienta a implantação, acompanhamento e avaliação dos modelos de atenção à saúde e das ações de prevenção e controle de doenças. Para tanto é fundamental que essas informações/dados disponíveis tenham qualidade e retratem de forma fidedigna a Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 160 situação de saúde nos diversos estados e municípios brasileiros. Oportunidade, atualidade, disponibilidade e cobertura são características que determinam a qualidade da informação. Há diversos conceitos sobre sistemas de informação. Um sistema de informação deve disponibilizar o suporte necessário para que o planejamento, as decisões e as ações dos gestores, em determinado nível decisório (municipal, estadual e federal), não se baseiem em dados subjetivos, conhecimentos ultrapassados ou conjecturas. O Sistema de Informação em Saúde (SIS) integra as estruturas organizacionais dos sistemas de saúde. É constituído por vários subsistemas e tem como propósito geral facilitar a formulação e avaliação das políticas, planos e programas de saúde, subsidiando o processo de tomada de decisões. Para tanto, deve contar com os requisitos técnicos e profissionais necessários ao planejamento, coordenação e supervisão das atividades relativas à coleta, registro, processamento, análise, apresentação e difusão de dados e geração de informações. Um de seus objetivos básicos é possibilitar a análise da situação de saúde em nível local tomando como referência microrregiões homogêneas e considerando, necessariamente, as condições de vida da população na determinação do processo saúde- doença. A esfera local tem, então, responsabilidade não apenas com a alimentação do sistema de informação em saúde, mas também com sua organização e gestão. A concepção do sistema de informação deve ser hierarquizada e que o fluxo ascendente dos dados ocorra de modo inversamente proporcional à agregação geográfica, ou seja, em nível local faz-se necessário dispor, para as análises epidemiológicas, de maior Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 161 número de variáveis. Os atuais recursos do processamento eletrônico estão sendo amplamente utilizados pelos sistemas de informação em saúde, aumentando sua eficiência na medida em que possibilitam a obtenção e processamento de um volume de dados cada vez maior, além de permitirem a articulação entre diferentes subsistemas. Entre os sistemas nacionais de informação em saúde existentes, alguns se destacam em razão de sua maior relevância para a vigilância epidemiológica. Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) Criado em 1975, tem como instrumento padronizado de coleta de dados é a Declaração de Óbito (DO), impressa em três vias coloridas, cuja emissão e distribuição para os estados, em séries pré-numeradas, são de competência exclusiva do Ministério da Saúde. A distribuição das DOs aos municípios fica a cargo das secretarias estaduais de saúde. O controle e distribuição entre os profissionais médicos e instituições que a utilizem, bem como pelo recolhimento das primeiras vias em hospitais e cartórios são de responsabilidade das secretarias municipais. O preenchimento da DO deve ser realizado exclusivamente por médicos, exceto em locais onde não exista, situação na qual poderá ser preenchida por oficiais de Cartórios de Registro Civil, assinada por duas testemunhas. A obrigatoriedade de seu preenchimento, para todo óbito ocorrido, é determinada pela Lei Federal n° 6.015/73. Em tese, nenhum sepultamento deveria ocorrer sem prévia emissão da DO. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 162 O registro do óbito deve ser feito no local de ocorrência do evento, embora o local de residência seja a informação comumente mais utilizada. A análise dos dados por local de ocorrência é importante para o planejamento de algumas medidas de controle como, por exemplo, no caso dos acidentes de trânsito e doenças infecciosas que exijam a adoção de medidas de controle no local de sua ocorrência. As informações obtidas pela DO permitem também delinear o perfil de morbidade de uma área para as doenças mais letais e doenças crônicas que não são de notificação compulsórias. Para as doenças de notificação compulsória, a utilização eficiente desta fonte de dados depende da verificação rotineira da presença desses agravos no banco de dados do SIM. Deve-se, também, checar se as mesmas constam no Sinan, bem como a evolução do caso para óbito. Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) O Sinasc é o sistema responsável pelo registro de nascidos vivos. Tem como instrumento padronizado de coleta de dados a Declaração de Nascido Vivo (DN), cuja emissão, a exemplo da DO, é de competência exclusiva do Ministério da Saúde. Tanto a emissão da DN como o seu registro em cartório serão realizados no município de ocorrência do nascimento. Deve ser preenchida nos hospitais e outras instituições de saúde que realizam partos, e nos Cartórios de Registro Civil, na presença de duas testemunhas, quando o nascimento ocorre em domicílio sem assistência de profissional de saúde. O número de nascidos vivos é o denominador que possibilita a constituição de indicadores voltados para a avaliação de riscos à saúde do segmento Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 163 materno-infantil, a exemplo dos coeficientes de mortalidade infantil e materna, que constitui relevante informação para o campo da saúde pública. Antes da implantação do Sinasc, em 1990, esta informação só era conhecida no Brasil por estimativas realizadas a partir da informação censitária. Atualmente, são disponibilizados, no endereço eletrônico www.datasus.gov.br, dados do Sinasc a partir do ano de 1994. O uso do Sinasc como denominador para o cálculo de alguns indicadores só é possível em regiões onde sua cobertura é ampla, substituindo deste modo as estimativas censitárias. A obrigatoriedade do registro da Declaração de Nascidos Vivos é dada pela Lei n° 6.015/73. A DN deve ser preenchida para todos os nascidos vivos no país, segundo conceito definido pela OMS. No caso de gravidez múltipla, deve ser preenchida uma DN para cada criança nascida viva. Igualmente à DO, os formulários de Declaraçãode Nascido Vivo são pré-numerados, impressos em três vias coloridas e distribuídos às SES pela SVS/MS. É preconizado que as SMS devem assumir a distribuição aos estabelecimentos de saúde e cartórios. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) é alimentado, principalmente, pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos que constam da lista nacional de doenças de notificação compulsória (Portaria GM/MS n. 05 de 21 de fevereiro de 2006), mas é facultado a estados e Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 164 municípios que utilizam o Sinasc para cálculo direto para o coeficiente da mortalidade infantil incluir outros problemas de saúde regionalmente importantes. Tem por objetivo coletar, transmitir e disseminar dados gerados rotineiramente pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica das três esferas de governo, por intermédio de uma rede informatizada, para apoiar o processo de investigação e dar subsídios à análise das informações de vigilância epidemiológica das doenças de notificação compulsória. No Sinan, a entrada de dados ocorre pela utilização de alguns formulários padronizados: Ficha Individual de Notificação (FIN) que é preenchida pelas unidades assistenciais para cada paciente quando da suspeita da ocorrência de problema de saúde de notificação compulsória ou de interesse nacional, estadual ou municipal. Este instrumento deve ser encaminhado aos serviços responsáveis pela informação e/ou vigilância epidemiológica das Secretarias Municipais, que devem repassar semanalmente os arquivos em meio magnético para as Secretarias Estaduais de Saúde (SES). A comunicação das SES com a SVS deverá ocorrer quinzenalmente, de acordo com o cronograma definido pela SVS no início de cada ano. Caso não ocorra nenhuma suspeita de doença, as unidades precisam preencher o formulário de notificação negativa, que tem os mesmos prazos de entrega. Esta é uma estratégia criada para demonstrar que os profissionais e o sistema de vigilância da área estão alerta para a ocorrência de tais eventos e evitar a subnotificação. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 165 Ficha Individual de Investigação (FII) − na maioria das vezes configura-se como roteiro de investigação, distinto para cada tipo de agravo, devendo ser utilizado, preferencialmente, pelos serviços municipais de vigilância ou unidades de saúde capacitadas para a realização da investigação epidemiológica. Permite a obtenção de dados que possibilitam a identificação da fonte de infecção e mecanismos de transmissão da doença. Os dados, gerados nas áreas de abrangência dos respectivos estados e municípios, devem ser consolidados e analisados considerando aspectos relativos à organização, sensibilidade e cobertura do próprio sistema de notificação, bem como os das atividades de vigilância epidemiológica. Além dessas fichas, o sistema também possui planilha e boletim de acompanhamento de surtos, reproduzidos pelos municípios, e os boletins de acompanhamento de hanseníase e tuberculose, emitidos pelo próprio sistema. A impressão, distribuição e numeração desses formulários são de responsabilidade do estado ou município. Caso os municípios não alimentem o banco de dados do Sinan, por dois meses consecutivos, são suspensos os recursos do Piso de Atenção Básica (PAB), conforme prevê a Política Nacional de Atenção Básica. Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI) Implantado em todos os municípios brasileiros, fornece dados relativos à cobertura vacinal de rotina e, em campanhas, taxa de abandono e controle do envio de Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 166 boletins de imunização. Além do módulo de avaliação do PNI, este sistema dispõe de um subsistema de estoque e distribuição de imunobiológicos para fins gerenciais. O objetivo fundamental do SI-PNI é possibilitar aos gestores envolvidos no programa uma avaliação dinâmica do risco quanto à ocorrência de surtos ou epidemias, a partir do registro dos imunos aplicados e do quantitativo populacional vacinado, que são agregados por faixa etária, em determinado período de tempo, em uma área geográfica. Por outro lado, possibilita também o controle do estoque de imunos necessário aos administradores que têm a incumbência de programar sua aquisição e distribuição. O SI-PNI é formado por um conjunto de sistemas: Avaliação do Programa de Imunizações (API). Registra, por faixa etária, as doses de imunobiológicos aplicadas e calcula a cobertura vacinal, por unidade básica, município, regional da Secretaria Estadual de Saúde, estado e país. Fornece informações sobre rotina e campanhas, taxa de abandono e envio de boletins de imunização. Pode ser utilizado nos âmbitos federal, estadual, regional e municipal; Estoque e Distribuição de Imunobiológicos (EDI). Gerencia o estoque e a distribuição dos imunobiológicos. Contempla o âmbito federal, estadual, regional e municipal; Eventos Adversos Pós-vacinação (EAPV). Permite o acompanhamento de casos de reações adversas ocorridas pós-vacinação e a rápida identificação e localização de lotes de vacinas. Para a gestão federal, estadual, regional e municipal; Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 167 Programa de Avaliação do Instrumento de Supervisão (Pais). Sistema utilizado pelos supervisores e assessores técnicos do PNI para padronização do perfil de avaliação, capaz de dar agilidade a tabulação de resultados. Desenvolvido para a supervisão dos estados; Programa de Avaliação do Instrumento de Supervisão em Sala de Vacinação (PAISSV). Sistema utilizado pelos coordenadores estaduais de imunizações para padronização do perfil de avaliação, capaz de dar agilidade à tabulação de resultados. Desenvolvido para a supervisão das salas de vacina; Apuração dos Imunobiológicos Utilizados (AIU). Permite realizar o gerenciamento das doses utilizadas e das perdas físicas para calcular as perdas técnicas a partir das doses aplicadas. Desenvolvido para a gestão federal, estadual, regional e municipal; Sistema de Informações dos Centros de Referência em Imunobiológicos Especiais - Sicrie. Registra os atendimentos nos Cries e informa a utilização dos imunobiológicos especiais e eventos adversos. Análise de situação de saúde A prática constante de análise de dados secundários é um fator fundamental para o contínuo processo de aperfeiçoamento, gerência e controle da qualidade dos dados, aprimoramento das fontes de informações e a construção de propostas de análise de situação de saúde, estimulando uma prática de gestão da saúde pública baseada em evidências. Um dos grandes problemas para a análise de informações é a confiabilidade dos indicadores gerados Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 168 pelos dados obtidos por meio dos sistemas de informações. A análise da qualidade dos dados deve ser realizada por todas as esferas de gestão, a partir da análise periódica dos indicadores de produção e de qualidade de base de dados. Para o bom gerenciamento dos sistemas e garantia de sua qualidade, os gestores devem estimular a prática das análises de completude e consistência e que os relatórios gerados dessas análises sejam trabalhados pelas unidades notificadoras para a correção de falhas e aperfeiçoamento dos dados produzidos. A análise da situação de saúde deve ocorrer nos seus diversos níveis, de forma sistemática, com periodicidade previamente definida, de modo a permitir a utilização das informações quando da tomada de decisão e nas atividades de planejamento,definição de prioridades, alocação de recursos e avaliação dos programas desenvolvidos. Adicionalmente, a divulgação das informações geradas pelos sistemas assume valor inestimável como instrumento de suporte ao controle social, prática que deve ser estimulada e apoiada em todos os níveis e que deve definir os instrumentos de informação, tanto para os profissionais de saúde como para a comunidade. EXERCÍCIO 1 Assinale quais das afirmativas abaixo são corretas: I - O objetivo fundamental do SI-PNI é possibilitar aos gestores envolvidos no programa uma avaliação dinâmica do risco quanto à ocorrência de surtos ou epidemias, a partir do registro dos imunos aplicados e do quantitativo populacional vacinado, que são agregados por faixa etária, em determinado período de Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 169 tempo, em uma área geográfica. Por outro lado, possibilita também o controle do estoque de imunos necessário aos administradores que têm a incumbência de programar sua aquisição e distribuição; II - O Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan - é alimentado, principalmente, pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos que constam da lista nacional de doenças de notificação compulsória, mas é facultado a estados e municípios incluir outros problemas de saúde importantes em sua região, como varicela no estado de Minas Gerais ou difilobotríase no município de São Paulo; III - O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) foi criado pelo Ministério da Saúde, em 1975, para a obtenção regular de dados sobre mortalidade no país. A partir da criação do SIM, foi possível a captação de dados sobre mortalidade, de forma abrangente e confiável, para subsidiar as diversas esferas de gestão na saúde pública. Com base nessas informações, é possível realizar análises de situação, planejamento e avaliação das ações e programas na área. O SIM proporciona a produção de estatísticas de mortalidade e a construção dos principais indicadores de saúde. A análise dessas informações permite estudos não apenas do ponto de vista estatístico e epidemiológico, mas também sociodemográfico. ( A ) I e II estão corretas, III incorreta; ( B ) I e III estão corretas, II incorreta; ( C ) II e III estão corretas, I incorreta; ( D ) Apenas I está correta; ( E ) Todas as alternativas estão corretas. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 170 EXERCÍCIO 2 Com relação à Vigilância em Saúde Ambiental, podemos afirmar: I - Todos os desastres são únicos e com efeitos diferentes, pois cada área afetada tem condições sociais, econômicas, políticas, climáticas, geográficas e sanitárias peculiares. Entretanto, os efeitos sobre a saúde são similares e o seu reconhecimento prévio pode permitir que as comunidades possam se preparar para evitar, minimizar ou enfrentar esses riscos, e ainda facilitar o uso racional de recursos do setor saúde. Os desastres de origem natural estão relacionados com distúrbios do clima como os ciclones, tornados, enchentes, furacões e ondas de calor ou frio ou com a geologia como os terremotos, os maremotos e os vulcões; II - Do ponto de vista dos prestadores de saúde, um desastre deve ser definido com base nas suas consequências sobre a saúde e os serviços de saúde; III - A saúde ambiental em situações de desastre de origem natural compreende a prestação de serviços essenciais para a proteção e garantia do bem-estar da população afetada, especialmente a garantia do fornecimento de água potável e eliminação de águas residuais, disposição de excrementos humanos e de resíduos sólidos, segurança alimentar, controle de vetores, saneamento básico, higiene doméstica e enterro dos mortos; IV – A Vigilância em Saúde Ambiental dos Riscos decorrentes dos Desastres Naturais é realizada pelo Vigidesastres. ( A ) Somente a alternativa I está correta; ( B ) Estão corretas as alternativas I e III; ( C ) Estão corretas as alternativas II e IV; ( D ) Estão corretas as alternativas I, III e IV; ( E ) Todas as alternativas estão corretas. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 171 EXERCÍCIO 3 TUBERCULOSE: Mito ou Verdade? Marque V para verdadeiro e F para falso: (oba) “Tecnologias sociais comunitárias na prevenção da tuberculose” são experiências criativas sobre tuberculose, realizadas por organizações comunitárias das regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Salvador, Belém e Porto Alegre, e que podem ser adaptadas e reproduzidas na Atenção Primária brasileira; (oba) O Brasil permanece na lista de 22 países que concentram 80% dos casos de tuberculose do mundo. Anualmente, são notificados aproximadamente 72 mil casos novos e 4,7 mil mortes em decorrência da doença. Estima-se ainda que 57 milhões de pessoas estejam infectadas pelo bacilo da tuberculose (Mycobacterium tuberculosis) em todo o país. O Rio de Janeiro é o estado de maior incidência da doença; (oba) Apesar de ser uma doença antiga, considerada emergência global pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a falta de informação é ainda um dos principais desafios enfrentados para o seu controle; (oba) O objetivo de difundir hábitos saudáveis para a população persiste por ser uma doença que só afeta aos pobres. Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 172 EXERCÍCIO 4 Quais as doenças que devem ser notificadas em 24h (Notificação Imediata)? ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ EXERCÍCIO 5 O que são e como se configuram as Ações prioritárias de vigilância em saúde? ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ ____________________________________________ RESUMO Nesta aula vimos: A capacidade para monitorar continuamente a tendência de uma doença/agravo na população, estabelecendo medidas de prevenção e controle; O fluxo das informações no Sistema de Vigilância Epidemiológica (SVE); O papel e a responsabilidade dos diversos níveis no SVE; Aula 5| Uso da epidemiologia no planejamento das ações em saúde 173 A notificação e realização de uma investigação epidemiológica de um caso suspeito. GABARITO DAS QUESTÕES OBJETIVAS: AULA 1 – 1A; 2A. AULA 2 – 1C; 2D. AULA 3 – 1B; 2C. AULA 4 – 1C; 2E. AULA 5 – 1E; 2E; 3(V,V,V,F). AV1 – Estudo Dirigido da Disciplina CURSO: Gestão em Saúde DISCIPLINA: Epidemiologia e Estatística Vital ALUNO(A): MATRÍCULA: NÚCLEO REGIONAL: DATA: _____/_____/___________ QUESTÃO 1: A partir da sua leitura e do que apreendeu a respeito da epidemiologia dê a ela uma definição. Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado: Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites: endereço eletrônico) – OPCIONAL: Resposta (com as suas palavras): QUESTÃO 2: A que se refere o modelo de História Natural da Doença? Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado: Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites: endereço eletrônico) – OPCIONAL: Resposta (com as suas palavras): QUESTÃO 3: Diferencie Prevalência de incidência, e traga exemplos para ilustrar estas definições. Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado: Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites: endereçoeletrônico) – OPCIONAL: Resposta (com as suas palavras): QUESTÃO 4: O que são e como se configuram as Ações prioritárias de vigilância em saúde? Indicação da página do módulo onde este assunto é apresentado: Indicar referências de pesquisa complementar (livros: bibliografia e sites: endereço eletrônico) – OPCIONAL: Resposta (com as suas palavras): ATENÇÃO: Na realização das avaliações (AV1 e AV2), procure desenvolver uma argumentação com suas próprias palavras. Observe que é importante você realizar uma pesquisa aprofundada para atender aos objetivos propostos consultando diferentes autores. No entanto, é fundamental diferenciar o que é texto próprio de textos que possuem outras autorias, inserindo corretamente as referências bibliográficas (citações), quando este for o caso. Vale lembrar que essa regra serve inclusive para os nossos módulos, utilizados com freqüência para as respostas das avaliações. Em caso de dúvidas, consulte o material sobre como realizar as citações diretas e indiretas ou entre em contato com o tutor de sua disciplina. AS AVALIAÇÕES QUE DESCONSIDERAREM ESTE PROCEDIMENTO ESTARÃO SEVERAMENTE COMPROMETIDAS. AV2 – Trabalho Acadêmico de Aprofundamento CURSO: Gestão em Saúde DISCIPLINA: Epidemiologia e Estatística Vital ALUNO(A): MATRÍCULA: NÚCLEO REGIONAL: DATA: _____/_____/___________ Atividade: O pulso Titãs O pulso ainda pulsa O pulso ainda pulsa... Peste bubônica Câncer, pneumonia Raiva, rubéola Tuberculose e anemia Rancor, cisticercose Caxumba, difteria Encefalite, faringite Gripe e leucemia... E o pulso ainda pulsa E o pulso ainda pulsa Hepatite, escarlatina Estupidez, paralisia Toxoplasmose, sarampo Esquizofrenia Úlcera, trombose Coqueluche, hipocondria Sífilis, ciúmes Asma, cleptomania... E o corpo ainda é pouco E o corpo ainda é pouco Assim... Reumatismo, raquitismo Cistite, disritmia Hérnia, pediculose Tétano, hipocrisia Brucelose, febre tifóide Arteriosclerose, miopia Catapora, culpa, cárie Cãibra, lepra, afasia... O pulso ainda pulsa E o corpo ainda é pouco Ainda pulsa Ainda é pouco Pulso Pulso Pulso Pulso Assim... Das doenças relacionadas na música acima, já possuem vacinas para: Pneumonia, Raiva, Tuberculose, Gripe, Hepatite B e Hepatite A, Rubéola, Caxumba, Sarampo, Difteria, Coqueluche, Tétano, Febre Tifóide (tifo), Catapora. 1) Cite pelo menos três doenças de notificação compulsória em 24h. _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ 2) Explique o que é notificação compulsória e cite a portaria sobre a mesma. _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ R e fe r ê n c ia s b ib li o g r á fi c a s BELTRÃO, Kaizo Iwakami; CAMARANO, Ana Amélia; KANSO, Solange. Dinâmica populacional brasileira na virada do século XX. Texto para discussão nº1034. Rio de Janeiro, IPEA, 2004. BULLETIN OF WORLD HEALTH ORGANIZATION – OMS – Desigualdade em saúde e Diferenças entre grupos Sociais: O que devemos medir? 2000. CARVALHO, José Alberto Magno de; SAWIER, Diana Oya e RODRIGUES, Roberto do Nascimento. Introdução a Alguns Conceitos Básicos e Medidas em Demografia. Belo Horizonte: ABEP, 1994; 63 pp. CÔRTES, José de Angelis. Epidemiologia – Conceitos e princípios fundamentais. São Paulo: Livraria Varela, 1993. DUARTE, E. C.; SCHNEIDER, M. C.; SOUSA, R. P.; RAMALHO, W. M.; SARDINHA, L. M. V.; SILVA JR, J. B.; SALGADO, C. C. – Epidemiologia das Desigualdades em Saúde no Brasil – Um estudo exploratório – FUNASA/OPAS/OMS – 2002. FERRAZ, O. L. M., Saúde, Pobreza e Desigualdade – 2008; FORATTINI, Oswaldo Paulo. Epidemiologia Geral. 2ª Ed. Depto de Epidemiologia: Faculdade de Saúde Pública – USP. Editora Artes Médicas, 1996. Fundação IBGE -Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dicionário demográfico multilingue: versão brasileira, Centro Brasileiro de Estudos Demográficos. Rio de Janeiro: IBGE, 1969. 102 p. JEKEL, James F. et al. Epidemiologia, Bioestatística e Medicina Preventiva. 1ª Ed. Porto Alegre: Editora Artmed S.A., 2002 LAURENTI, R. et al. Estatísticas de saúde. São Paulo: E.P.U/Edusp,1987. LESER, Walter. et al. Elementos de Epidemiologia Geral. São Paulo – Rio de Janeiro – Belo Horizonte: Editora Atheneu, 1997. Rede Interagencial de Informações para a Saúde – RIPSA. Indicadores Básicos para a Saúde no Brasil: conceitos e aplicações. 2. ed. Brasília: OPAS, 2008. NORONHA, K. V. M. S.; ANDRADE, M. V. – Desigualdades Sociais em Saúde: Evidências Empíricas sobre o Caso Brasileiro – UFMG - 2002; PEREIRA, M. G.; - Epidemiologia: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 2001. [SANTOS, J. L. F; LEVY, M. 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