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FARMACOGNOSIA APLICADA Carlos Ananias Aparecido Resende Plantas da família Solanaceae Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar os compostos químicos de interesse presentes em plantas da família Solanaceae. � Listar as atividades alucinógenas em plantas da família Solanaceae. � Reconhecer a fitoquímica das plantas medicinais e a ação narcótica de plantas da família Solanaceae. Introdução A família Solanaceae está presente em diversas partes do mundo. A América do Sul tem a maior concentração de espécies dessa família, e o Brasil tem mais de 500 espécies nativas (EGGERS, 2008). As plantas da família Solanaceae apresentam, em sua constituição química, saponinas e alcaloides tropânicos, os quais são muito utilizados na indústria farma- cêutica (atropina e hioscina) (ANSELMO; LIMA, 2014). Neste capítulo, você vai estudar as plantas da família Solanaceae. Vai ler sobre seus compostos químicos de interesse e sua fitoquímica, além de suas atividades alucinógenas e ação narcótica. 1 Compostos químicos das plantas da família Solanaceae Saponinas As plantas da família Solanaceae apresentam em sua constituição química as saponinas, glicosídeos de esteroides que apresentam um caráter anfifílico, ou seja, uma parte de sua estrutura tem característica lipofílica e outra hidro- fílica. As saponinas são classificadas de acordo com o número fundamental de aglicona e presença de características ácidas, básicas ou neutras — assim ocorre a denominação de saponinas esteroidais, que são aquelas que apre- sentam características básicas, encontradas na família Solanaceae (SIMÕES et al., 2017). As saponinas esteroidais são encontradas na aveia, pimentas, berinjela, sementes de tomate, aspargos, inhame, feno-grego e ginseng, ou seja, principalmente em plantas do gênero Solanum da família Solanaceae (FRANCIS et al., 2002). Saponinas são originadas do metabolismo secundário das plantas, consti- tuindo seu principal sistema de defesa, por isso são chamadas de fitoprotetoras. Elas têm a capacidade de formar complexos com esteroides, fosfolipídios e proteínas, capazes de apresentar atividade biológica diversificada. As sapo- ninas pertencem ao grupo dos alcaloides esteroidais e apresentam nitrogênio no anel F. São conhecidas como dois tipos de estrutura: o espirolossomo, quando apresenta um nitrogênio secundário, e o solanadino, quando apresenta um nitrogênio terciário. Essas saponinas apresentam atividade surfactante hemolíticas, sendo plantas altamente tóxicas quando ingeridas (MELOROSE; PERROY; CARES, 2016). Veja na Figura 1 a estrutura química da saponina. Plantas da família Solanaceae2 Figura 1. Estrutura química da saponina. Fonte: Adaptada de PNOIARSA/Shutterstock.com. Triterpeno solúvel em gordura Cadeia de carboidratos solúveis em água Alcaloides tropânicos O uso dos alcaloides teve início na Idade Média, quando eram utilizados para o preparo de venenos e poções, utilizados na feitiçaria ou para matar inimigos. A família Solanaceae apresenta mais 2.600 espécies, e as plantas dessa família apresentam características toxicas, cujo principal ativo são os alcaloides tropânicos (MARTINEZ; ALMEIDA; PINTO, 2009). Os alcaloides tropânicos são anticolinérgicos, e os mais conhecidos são a escopolamina, a hioscina e a atropina. Na clínica médica, têm sido utilizados para consumo afrodisíaco, alucinógeno e hipnótico. Na prática clínica, são utilizados para diminuir as cólicas ureteres causadas por cálculos renais (ANSELMO; LIMA, 2014; FENG et al., 2017). Os alcaloides tropânicos têm uma estrutura bicíclica denominada tropano, e sua formação acontece por anéis pirrolidínico e piperidínico. A Solanaceae apresenta, em sua constituição química, as moléculas derivadas do tropanol pertencentes à atropina. 3Plantas da família Solanaceae O alcaloide atropina é uma mistura de isômeros óticos, formada a partir do isômeros levógiro [(R)-(+)-hiosciamina] e dextrógiro [(S)-(−)hiosciamina]. A formação da hiosciamina ocorre durante o processo de extração desses alcaloides; a forma levógira é de origem natural, enquanto a dextrógira tem origem durante o processo de extração, sendo a forma inativa. A ação farma- cológica da atropina acontece pelo composto (R)-(+)-hiosciamina (SOUZA; PORTELA; MARQUES, 2019). A biossíntese ocorre com a formação do anel pirrolidínico, que se inicia a partir da descarboxilação dos aminoácidos arginina e ornitina. A enzima pu- trescina-N-metiltransferase faz a regulação da síntese, dando o direcionamento para a produção de alcaloides. Essas reações enzimáticas são responsáveis pela metilização e ciclização, ocorrendo a produção do cátion N-metil-Δ1-pirrolíneo, responsável pelo átomo de hidrogênio no anel tropânico (SIMÕES et al., 2017). A Figura 2 mostra as principais etapas da síntese do núcleo tropânico. Figura 2. Principais etapas na síntese do núcleo tropânico. ADC: arginina-descarboxilase; ODC: ornitina-descarboxilase; PMT: putrescina-N-metiltransferase; MPO: N-metilputrescina-oxidase. Fonte: Simões et al., (2017, documento online). Plantas da família Solanaceae4 Há duas teorias que explicam a formação do segundo anel. A primeira seria a condensação com o ácido acético ativo; após a condensação aldólica, ocorre a formação completa do anel. A segunda consideraria as etapas de policetídica com malonil-CoA antes da inclusão do anel. Em ambos os casos estaria presente uma carbonila acetônica na posição 3 (SIMÕES et al., 2017). 2 Atividades alucinógenas das plantas da família Solanaceae Os alcaloides tropânicos demostram efeitos diferentes dos alucinógenos na- turais. A atropina e a escopolamina (hioscina) apresentam características extremamente tóxicas e seu consumo de forma indevida leva à perda de sentido da realidade pelo usuário, um dos efeitos alucinógenos, e à sensação de voar e um profundo sono. Figura 3. Estrutura química da atropina (a) e da hioscina (b). Fonte: Adaptada de ( a) StudioMolekuul/Shutterstock.com; (b) grebeshkovmaxim/Shutterstock.com. (a) (b) Os alcaloides tropânicos apresentam atividade sobre o sistema nervoso central (SNC), efeitos que ocorrem devido às diferentes funções nas estruturas moleculares. O tropanol trabalha na inibição das ações da acetilcolina em efetores autônomos inervados pelos nervos pós-ganglionares colinérgicos (SIMÕES et al., 2017). 5Plantas da família Solanaceae Os alcaloides do tropano são metabólitos secundários encontrados em altas concentrações, principalmente, nas famílias Solanaceae e Erythroxylaceae. Eles são caracte- rizados por seu exclusivo sistema de anéis de tropano bicíclico e, embora tenham a mesma estrutura básica, diferem imensamente em suas propriedades biológicas, químicas e farmacológicas. No link a seguir você encontra um estudo (em inglês) que traz uma visão abrangente dos alcaloides tropano, destacando sua diversidade estrutural, uso em terapia farmacêutica de perspectivas históricas e modernas, biossíntese natural em plantas e possibilidades de pro- dução emergentes usando cultura de tecidos e biossíntese microbiana desses compostos. Acesse: https://qrgo.page.link/szc98 A atropina é um fármaco utilizado para aumentar a frequência cardíaca ou é utilizado de forma local para dilatar as pupilas (midríase), sendo utilizado clinicamente nos exames oftálmicos (GOLAN et al., 2009). Muitas drogas alucinógenas apresentam em sua composição química a atropina, como é caso do ecstasy, uma droga sintética utilizada para provocar sensação de energia, felicidade, paz, euforia e calma. Esse agente pode resultar em diferentes sensações neuroquímicas envolvendo neurotransmissores como serotonina, dopamina e nora- drenalina. Atropina tem um papel fundamental no processo das sensações químicas que ocorre no sistema nervoso em geral. Plantas da família Solanaceae6 A escopolamina é uma amina terciária e seus efeitos acontecem sobre o SNC. É utilizada notratamento da cinetose, redução da náusea, enjoo de movimento e espasmos musculares. Como efeito colateral pode causar bra- dicardia, sedação, delírios, alucinações e convulsões (GOLAN et al., 2009). A atropina e a escopolamina apresentam efeitos alucinógenos semelhantes à cocaína. Isso ocorre devido à semelhança entre suas estruturas químicas. Elas são antagonistas colinérgicos e muscarínicos, exercendo diferentes efeitos sobre o SNC. Esses fármacos pertencem ao grupo de alucinógenos delirantes, provocando alucinações de delírio, hiperatividade, alteração do estado efetivo e amnésia. Esses delirantes são um grupo que não apresenta muitos estudos de seus efeitos alucinógenos; seus perfis são pouco compreendidos e necessitam de mais estudos clínicos (VOLGIN et al., 2019). 3 Fitoquímica e ação narcótica das plantas da família Solanaceae Fitoquímica O gênero Solanum da família Solanaceae tem grande representatividade em várias partes do Brasil (Ceará, Bahia, Mato Grosso do Sul, Paraná e Santa Catarina), sendo muito utilizado na medicina popular. Vários estudos farmacológicos foram desenvolvidos para avaliar seus efeitos analgésicos, antibacteriano, antifúngico e nefrotóxico (KAUNDA; ZHANG, 2019). As saponinas encontradas no gênero Solanum têm diversas atividades biológicas, como ações citotóxicas, hepatoprotetoras, antifúngicas e anticon- vulsivantes (KAUNDA; ZHANG, 2019). Já os alcaloides esteroides encon- trados no gênero Solanum apresentam atividades biológicas como anticâncer, antidiabético e depressor do SNC. Triterpenos são encontrados nas partes áreas da Solanum e têm proprie- dades biológicas sobre linhagens celulares de tumor de pulmão e atividade anti-inflamatória, também diminuído a expressão da proteína ciclooxigenase-2 (COX-2) (KAUNDA; ZHANG, 2019). 7Plantas da família Solanaceae Duas plantas do gênero Solanum se destacam, acompanhe: � Solanum paniculatum L.: conhecida popularmente de jurubeba, é um arbusto de, aproximadamente, três metros de altura, espinhos curtos e curvos, folhas polimorfas inteiras ou lobadas, apresentando coloração verde-escura e verde-clara. No uso popular, seu caule, folhas, frutos e raízes são utilizados como tônicos, carminativos, estimulantes digestivos e para o tratamento de tumores no útero e abdome. Os extratos das folhas e raízes apresentam os alcaloides solanina, saponinas esteróidicas e jurubina — este último um alcaloide esteróidico (COUTINHO, 2009). � Solanum cernuum Vell: arbusto encontrado na região Sudeste e Sul do Brasil. De altura de dois a três metros, é um arbusto ereto, pouco ramificado, com pelos longos; suas folhas são inteiras e simples, suas flores são amarelas e suas bagas são globosas e de cor amarelada quando maduras. Esse arbusto é conhecimento popularmente como folha-de- -onça ou panaceia. Seu uso popular emprega as raízes para tratamento diurético, depurativo e hemostático. Suas folhas e flores são utilizadas para o tratamento de distúrbios hepáticos, doenças da pele, úlceras cutâneas, sarnas e gonorreias. Estudos apontam que as folhas são ricas em flavonoides, saponinas, alcaloides triterpenos, glicoalcaloides e taninos (PEREIRA, 2013). Quer saber como é o processo de pesquisa para a veri- ficação da presença de saponinas em material vegetal? No link a seguir você encontra informações sobre esse processo. https://qrgo.page.link/Ktwiq Plantas da família Solanaceae8 Propriedades narcóticas das plantas da família Solanaceae As plantas psicoativas apresentam substâncias capazes de alterar a neuroquí- mica, pois atingem certos receptores neuronais quando consumidas por seres humanos. Essas plantas têm a propriedade de alterar a percepção, a emoção, entre outros. Os alvos moleculares dos compostos bioativos são específicos no SNC e interagem com os receptores neuronais, provocando efeitos psicoativos. A atropina promove sedação e incapacidade antagonista, provocando o blo- queio neuromuscular. O tabaco (Nicotina tabacum) por muito tempo foi utilizado pelos índios das Américas, principalmente no México e no Peru, porque acreditavam seu poder medicinal. Ele também era fumando durante cerimonias para selar a paz (ALRASHEDY; MOLINA, 2016). A Brugmansia suaveolens, conhecida popularmente como cartucheira, apresenta alcaloides da família dos tropanos (escopolamina, hiosciamina, atropina e hioscina). Esses alcaloides inibem a ação da acetilcolina no sistema parassimpático e provoca efeitos psicoativos (DICKEL et al., 2010). Jovens têm usado essa planta para a promoção de alucinações propositais por meio do consumo ou na forma de cigarro. O extrato bruto aquoso tem afinidade com os receptores serotonérgicos e dopaminérgicos, e pode atuar como antagonista dopaminérgico. Os efeitos tóxicos provocados pela ingestão indevida de Brugmansia su- aveolens e atropina são midríase, ressecamento bucal, delírios, vermelhidão cutânea, agitação, agressividade, redução dos sons intestinais, alucinações, taquicardia, retenção urinária e febre (DICKEL et al., 2010). A Atropa belladona, conhecida popularmente como beladona, era utilizada em cerimônias para envenenamento. As folhas da beladona apresentam, em sua constituição química, uma média de 0,3% a 0,5% de alcaloides; seu principal alcaloide é a hiosciamina, que se transforma em atropina (SIMÕES et al., 2017). Tanto as partes áreas quanto as raízes apresentam ação antiespasmódica na musculatura lisa do trato gastrintestinal, vesicular biliar e bexiga. A utili- zação de doses elevadas pode levar o indivíduo ao sono profundo. A ingestão incorreta de medicamentos contendo beladona pode provocar alucinações, convulsões e febre. 9Plantas da família Solanaceae ALRASHEDY, N. A.; MOLINA, J. The ethnobotany of psychoactive plant use: a phyloge- netic perspective. Peer J., v. 4, nº. 10, out. 2016. Disponível em: https://www.ncbi.nlm. nih.gov/pmc/articles/PMC5068365/pdf/peerj-04-2546.pdf. Acesso em: 28 fev. 2020. ANSELMO, J. S.; LIMA, R. A. Identificação de metabólitos secundários no extrato etanólico das folhas de solanum jamaicense (solanaceae) e seu potencial fungicida sobre candida albicans in vitro. 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No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Plantas da família Solanaceae12
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