Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/316610382 A psicologia diante dos saberes tradicionais: o caso do xamanismo Chapter · January 2016 CITATIONS 0 READS 510 2 authors: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Religion, Spirituality, and Mental Health View project Contributions to the history of psychological and psychiatric studies on religion, spirituality and the paranormal View project Everton De Oliveira Maraldi Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) 53 PUBLICATIONS 107 CITATIONS SEE PROFILE Leonardo Breno Martins University of São Paulo 31 PUBLICATIONS 22 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Everton De Oliveira Maraldi on 01 May 2017. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/316610382_A_psicologia_diante_dos_saberes_tradicionais_o_caso_do_xamanismo?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/316610382_A_psicologia_diante_dos_saberes_tradicionais_o_caso_do_xamanismo?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Religion-Spirituality-and-Mental-Health-2?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Contributions-to-the-history-of-psychological-and-psychiatric-studies-on-religion-spirituality-and-the-paranormal?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Everton_Maraldi?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Everton_Maraldi?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/Pontificia_Universidade_Catolica_de_Sao_Paulo_PUC-SP?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Everton_Maraldi?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Leonardo_Martins3?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Leonardo_Martins3?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/University_of_Sao_Paulo?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Leonardo_Martins3?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Everton_Maraldi?enrichId=rgreq-dd897fe61d2fe37f9b45331ae9ad9f45-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMxNjYxMDM4MjtBUzo0ODkzMzkwODA3MTIxOTJAMTQ5MzY3ODkzNjA1NA%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf 67 N a F r o N t e ir a d a P s ic o l o g ia c o m o s s a b e r e s t r a d ic io N a is : P r á t ic a s e t é c N ic a s Everton de Oliveira Maraldi1 Leonardo Breno Martins2 1 Doutor e mestre em psicologia social pela Universidade de São Paulo. Psicólogo pela Universidade Guarulhos (CRP-06/94052). Pesquisador de pós-doutorado na Universidade de São Paulo com bolsa da FAPESP (Processo n° 2015/05255-2). Membro do Laboratório de Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais (Inter Psi) e do Laboratório de Estudos em Psicologia Social da Religião, ambos da USP.. E-mail: evertonom@usp.br 2 Doutor e mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo. Psicólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisador do Laboratório de Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais (Inter Psi), do Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. E-mail: leobremartins@usp.br. A PSICOLOGIA DIANTE DE SABERES TRADICIONAIS: O CASO DO XAMANISMO Resumo: É crescente a discussão acerca da necessidade de a Psicologia se posicionar diante de saberes tradicionais com os quais, crescentemente, divide espaços geográficos e simbólicos. Um exemplo dessa partilha, entre muitos, é o número crescente de psicoterapeutas que têm agregado – aberta ou veladamente – práticas e concepções ditas xamânicas a seu cotidiano profissional. Muitas das técnicas de tratamento utilizadas na Medicina e Psicoterapia contemporâneas (bem como os processos psicofisiológicos que as acompanham) têm integrado, há anos, princípios presentes nas práticas mágico- religiosas xamanísticas, embora sob configurações variadas, a exemplo da hipnose, do placebo, da interpretação dos sonhos, das técnicas de visualização, de relaxamento e de dramatização. Mas ainda que a Psicologia se aproxime e dialogue, nesse sentido, com saberes tradicionais, proximidade não significa identidade. Nesse processo, a Psicologia tem de manter sua identidade como ciência, o que implica abrir mão de uma completa experimentação do que seja o(s) xamanismo(s) em favor de sua aposta epistemológica. PalavRas-chave: xamanismo; saberes tradicionais; práticas alternativas; Psicoterapia. 68 C O LE Ç Ã O P s ic o lo g ia , l a ic id a d e e a s r e l a Ç Õ e s c o m a r e l ig ià o e a e s P ir it U a l id a d e BREVE APRESENTAçãO DO TEMA Xamanismo é um termo antropológico usado para definir toda uma série de práticas mágico-religiosas geralmente exercidas por indivíduos denominados xamãs, os quais intermedeiam o relacionamento entre determinada comunidade (com frequência, pré-industrial) e o mundo espiritual ou transcendente, para fins curativos, religiosos e mesmo artísticos. O termo também pode se referir a apropriações neoesotéricas de saberes tradicionais, inserindo-se, assim, no campo das terapias alternativas, complementares ou integrativas. INTRODUçãO Com o advento da mistura e da popularização recentes de referenciais esotéricos e religiosos diversos e não hegemônicos, aquilo que Magnani (1996) chamou de neoesoterismo, o cenário urbano tem se defrontado com sistemas simbólicos e práticas potencialmente exóticos e dotados de um longo desenvolvimento histórico que os caracteriza como tradicionais. Um dos exemplos mais interessantes e repletos de contribuições potenciais para a Psicologia é o xamanismo. Devido à interpenetração de referenciais e à proficuidade de releituras de definições, conceitos e práticas que caracterizam o neoesoterismo, o termo xamanismo é notavelmente polissêmico nesse cenário. Épossível encontrar diversas correntes de pensamento e prática ditas xamânicas em contextos urbanos atuais (KING, 2010) até mesmo no Brasil, que se pretendem representantes ou herdeiras de tradições nativas brasileiras, norte-americanas, africanas, orientais, australianas, de tribos do Pacífico etc. Ao mesmo tempo, é crescente a discussão acerca da necessidade de a Psicologia se posicionar diante de saberes tradicionais com os quais crescentemente divide espaços geográficos e simbólicos. Um exemplo dessa partilha, entre muitos, é o número crescente de psicoterapeutas que têm agregado – aberta ou veladamente – práticas e concepções ditas xamânicas a seu cotidiano profissional. Diante desse cenário, o que a Psicologia tem a dizer sobre o xamanismo? E o que ela tem a aprender com ele? DISCUSSãO Um dos mais importantes estudiosos do xamanismo, Krippner (2007: p. 16) define os xamãs como “os primeiros curadores da humanidade”, embora reconheça que eles também desempenham diversas outras funções. Admite-se que o xamanismo remonte à era Paleolítica, antecedendo com isso o surgimento das religiões organizadas e suas práticas de cura (WINKELMAN, 2010). A concepção que se faz da cura depende fundamentalmente de uma série de fenômenos sociais que legitimam o poder mágico do xamã, incluindo a relação de crença e confiança do paciente em seus poderes. Tomemos alguns exemplos que aludem a um cenário muito mais amplo. No xamanismo, a etiologia das doenças é compreendida, mormente, em termos de feitiçaria e possessão, conquanto explicações menos sobrenaturais também possam ser levantadas. Um caso recorrente é a “perda da alma”, que é reportada, 69 N a F r o N t e ir a d a P s ic o l o g ia c o m o s s a b e r e s t r a d ic io N a is : P r á t ic a s e t é c N ic a s não raro, em situações de grande impacto emocional. A perda da alma já foi relacionada à depressão/melancolia (PETERS, WILLIAMS, 1980), mas é com maior frequência interpretada na literatura psicológica como algum tipo de transtorno dissociativo (LEWIS, 1977; ROSS, 1989). Para recuperar a alma do doente, o xamã deve procurá-la pelo mundo dos espíritos, ao qual tem acesso mediante um aparente estado de transe, induzido ritualmente. Lévi-Strauss (1970) entende que o significado culturalmente dado à doença (independentemente da “precisão factual” dessa explicação) tem papel central para a cura, o que, para o antropólogo francês, aproxima fortemente as práticas terapêuticas xamânicas e a clínica psicanalítica. Com efeito, muitas das técnicas de tratamento utilizadas na Medicina e Psicoterapia contemporâneas (bem como os processos psicofisiológicos que as acompanham) têm integrado, há anos, elementos presentes em práticas mágico- religiosas xamanísticas, embora sob configurações variadas, a exemplo da hipnose, do placebo, da interpretação dos sonhos, das técnicas de visualização, de relaxamento e de dramatização (KRIPPNER, 2007; MORENO, 1959/2011). Os efeitos benéficos da catarse e da atribuição de sentido e simbolismo a doenças e eventos de vida adversos podem constituir alguns dos principais mecanismos subjacentes às eventuais curas relatadas (LÉVI-STRAUSS, 1970). O poder do convencimento também revela sua importância em diferentes cenários de cura. A simulação, a fraude e o emprego de uma série de recursos quase ilusionistas foram relatados pelos antropólogos em suas observações de rituais xamanísticos (KRIPPNER, 2002). “Iludir” o paciente e convencê-lo de que está curado é, assim, parte do processo terapêutico, embora também existam relatos de xamãs mal-intencionados. Apenas recentemente a Psicologia tem se valido do que ilusionistas e xamãs sabem há séculos e milênios sobre percepção, memória e temas afins para compreender o funcionamento psicológico humano, ao que insights relevantes têm surgido para o campo (WILSON, FRENCH, 2014) e ao que a presença de práticas xamânicas no atual cenário neoesotérico pode ser profícua. De uma perspectiva construcionista, porém, entendem-se tais fenômenos – autênticos ou não – como produtos da própria realidade cultural e social compartilhada pelos membros daquela comunidade (KRIPPNER, 2002). Lévi-Strauss (1970) menciona o fato um tanto curioso de que, mesmo quando um xamã ensinou a outro como se utilizar de suas artimanhas e truques, ele próprio pode recorrer (ambivalentemente) a outro xamã quando se vê doente ou quando algum de seus familiares cai adoentado. Esses exemplos só nos permitem concluir que a “fraude” é um conceito muito fraco para explicar o conjunto das práticas xamanísticas, uma vez que a inteligibilidade conferida a esses rituais ultrapassa a mera distinção entre fraudador e vítima. As categorias xamânicas operam em um regime que confunde as concepções ocidentais hegemônicas sobre o que consideramos verdade ou mentira, o que é fraude e o que não é. O artifício adquire, assim, um caráter mágico (ou quase mágico) que torna questionável encará-lo simplesmente como “engodo”. 70 C O LE Ç Ã O P s ic o lo g ia , l a ic id a d e e a s r e l a Ç Õ e s c o m a r e l ig ià o e a e s P ir it U a l id a d e Kehoe (2000) critica, no entanto, as tentativas de apropriação cultural do neoesoterismo sobre o xamanismo, uma vez que diluem, em vez de preservar, toda uma série de práticas indígenas genuínas. Alguns críticos sugerem que tais apropriações subverteram o significado primitivo das práticas indígenas e xamanísticas, adaptando-as aos interesses da sociedade de consumo e a uma lógica de mercado que contribuíram para empobrecer e banalizar tais práticas (CARRETE, KING, 2005). Kehoe também ataca as noções antropológica e psicológica do xamanismo, por constituírem tentativas de amalgamar diferentes manifestações culturais e históricas em um único conceito, o que tende a neutralizar suas particularidades. Ciente dessas controvérsias, Krippner (2007: p. 16) nos recorda sempre de que o xamanismo representa “um construto social”, uma categoria eminentemente moderna e ocidental (KRIPPNER, 2002). CONCLUSãO Qualquer tentativa de aproximação entre a Psicologia e o xamanismo, seja para a compreensão de um pelo outro, seja para que se aprenda sobre o funcionamento psicológico humano e se aprimorem as intervenções terapêuticas, necessita considerar tanto as sugestivas universalidades, que permitem aproximações, quanto os universos simbólicos e polimorfos repletos de idiossincrasias que os distinguem. Ainda que a Psicologia se aproxime e dialogue com saberes tradicionais, proximidade não significa identidade. Nesse processo, a Psicologia tem de manter sua identidade como ciência, o que implica abrir mão de uma completa experimentação do que seja o(s) xamanismo(s) em favor de sua aposta epistemológica. É não só possível como desejável que se busque uma postura dialógica, para a qual o reconhecimento das raízes tradicionais da moderna Psicoterapia pode constituir um passo importante. Não obstante, é preciso que se tenha em mente não apenas a recente controvérsia em torno das apropriações do xamanismo pelo discurso neoesotérico, como as fronteiras epistemológicas que separam tais áreas. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelas bolsas de pesquisa concedidas. View publication statsView publication stats https://www.researchgate.net/publication/316610382
Compartilhar