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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS, TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL - PROJETO ÉTICO POLÍTICO Anarita Salvador Keynesianismo-fordismo Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer o significado político e econômico do Keynesianismo- -fordismo na história mundial. � Identificar as políticas sociais como mecanismos de materialização dos direitos sociais e a experiência do Welfare State. � Analisar a experiência do Welfare State e o surgimento do serviço social no Brasil. Introdução A compreensão do binômio Keynesianismo-fordismo remete ao estudo dos impactos gerados na economia, na política e nas relações sociais após a segunda década do século XX, por meio das ideias do economista britânico John Maynard Keynes e do industrial norte-americano Henry Ford. As mudanças propostas por eles modificaram a concepção de políticas sociais no mundo e tiveram influência direta na ampliação da profissão do assistente social, sobretudo no Brasil. Neste capítulo, você estudará o Keynesianismo, o Fordismo e sua influência direta no modo de produção e na reprodução social da vida humana, bem como o Welfare State, ou Estado de Bem-estar Social, que é essencial para se desenvolver uma compreensão ampliada sobre a política social e a influência desse movimento em suas conformações. Determinantes históricos, políticos e econômicos do Keynesianismo-fordismo Para compreender de forma aprofundada as propostas do Keynesianismo- -fordismo, precisa-se analisar o processo histórico no qual essas linhas de pensamento e intervenção foram forjadas. Ressalta-se, ainda, a natureza cíclica do capitalismo — em que a crise é um elemento essencial — e suas inerentes estratégias de retomada do crescimento, sabendo que, durante sua história, a humanidade está em crise estrutural ou nessa retomada. Assim, torna-se necessário entender qual processo de crise contribuiu para o surgimento das ideais keynesianas e fordistas como estratégias de retomada. O século XIX viveu o apogeu do liberalismo clássico, marcando as con- dições de expansão capitalista e as altas taxas de crescimento, porém, o pro- cesso de esfacelamento das bases materiais e subjetivas que sustentavam os argumentos liberais ocorreu na segunda metade do século XIX e, no início do século XX, como resultado de alguns processos políticos e econômicos. O primeiro resultado trata-se da expansão do movimento operário, que conquistou importantes espaços políticos, como o parlamento, forçando a burguesia a reconhecer os direitos de cidadania, os políticos e os sociais mais extensos à classe trabalhadora. Os avanços possibilitaram a ampliação do poder coletivo da classe social, enriquecendo os movimentos organizados dos operários em busca de melhores condições de trabalho e vida, bem como de acordos coletivos e ganhos de produtividade, o que se difundiu apenas no segundo pós-guerra. Já o segundo foi o processo de concentração monopolista do capital, no qual o mercado começou a ser dominado por monopólios capitalistas, pondo em xeque a crença liberal do indivíduo empreendedor com motivações e valores morais. As fusões entre os capitais industrial e bancário deram origem ao financeiro, demandando que novas empresas dispusessem de grandes quan- tias de capital para iniciar e criando uma verdadeira dependência do capital fictício para funcionar. O mundo vivia o fim da Primeira Guerra Mundial, e os países com capita- lismo desenvolvido estavam destruídos e sem amplas condições de recuperação. Já os vencidos foram submetidos às duras sanções no Tratado de Versalhes, deixando-os ainda mais debilitados econômica e politicamente. Outra conse- quência foi a vitória do movimento socialista em 1917, da qual se obteve como resultado o fortalecimento do movimento operário internacional e o medo da expansão comunista, que se ampliou em todo o mundo. Já a Grande Depressão marcou a mudança do ciclo de acumulação capita- lista vigente, marcada pela quebra da bolsa de Nova York em 1929, cujo ápice durou até o ano de 1932. Os Estados Unidos entraram em uma profunda crise, com altas taxas de desemprego e miséria generalizada da classe operária; até a economia mundial sofreu essa pressão, com diversos países em colapso. A Segunda Guerra Mundial, por sua vez, se configurou como o conflito de maior extensão territorial e maiores custos humanos e econômicos da história. Seus esforços foram cobrados, e a classe trabalhadora vivenciou um nível mais Keynesianismo-fordismo2 brutal de extração da mais valia, tornando agudizada a insatisfação nos espaços de trabalho. Com ela, o mundo conheceu o nazifascismo, utilizado como uma estratégia de retomada do crescimento pelos países perdedores da Primeira Guerra Mundial, e ampliou as ações de combate aos que compunham o eixo por meio de um bloco que ficou conhecido como aliados, os quais saíram vitoriosos e fortalecidos, sobretudo os Estados Unidos. A primeira grande crise do capital, com a depressão de 1929-1932, seguidos dos efeitos da Segunda Guerra Mundial, consolidou a convicção sobre a necessidade de regulação estatal para seu enfrentamento. Esta só foi possível pela conjugação de alguns fatores como: a) estabelecimento de políticas keynesianas com vistas a gerar pleno emprego e crescimento econômico num mercado capitalista liberal; b) instituição de serviços e políticas sociais com vistas a criar demanda e ampliar o mercado consumidor; e c) um amplo acordo entre a esquerda e direita, entre capital e trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 92). As ideias de Keynes passaram a compor as estratégias de recuperação capi- talista e, sendo ele um liberal heterodoxo, elas iam em direção a um conjunto de reformas no interior da superestrutura do capitalismo, sem que suas bases de sustentação fossem comprometidas. Portanto, tais propostas tiveram amplo aceite diante da percepção coletiva da necessidade de intervenção estatal para a retomada do crescimento econômico e da descrença na “mão invisível do mercado” como regulador da economia. Keynes entendia que o Estado deveria estabelecer o equilíbrio econômico e, para tanto, lançaria mão de políticas fiscais, crédito e gastos. Sua proposta era a planificação indicativa da economia, minimizando o efeito das flutuações periódicas; a intervenção na relação capital e trabalho por meio de política salarial e um certo controle de preços; a distribuição de subsídios; a política fiscal; a oferta combinada de créditos com uma política de juros; e as políticas sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2007). Os dois grandes pilares nos quais se baseava toda a lógica anticíclica keyne- siana, sendo sustentada pela ação estatal, eram o pleno emprego e a ampliação da igualdade social, os quais consistiam na geração de empregos dos fatores de produção, no aumento da renda e na criação de serviços e políticas sociais que promovessem a igualdade social. 3Keynesianismo-fordismo O Estado, diga-se o fundo público, na perspectiva keynesiana, passa a ter um papel ativo na administração macroeconômica, ou seja, na produção e regula- ção das relações econômicas e sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 86). A ideias keynesianas se uniram as do industrial norte-americano Henry Ford, o qual sistematizou um conjunto de ações que possibilitariam a retomada das taxas de lucro, e essas medidas sustentavam-se na produção em massa para um consumo em massa. Ford acreditava que a classe trabalhadora po- deria ser transformada em consumidora e, para isso, seriam necessárias uma política salarial e de pleno emprego, a maior regulação das relações sociais dos trabalhadores e a construção de uma racionalidade consumidora, com novas formas de reprodução da força de trabalho. Na Figura 1, você pode ver um exemplo do modelo fordista de produção. Figura 1. Modelo fordista de produção. Mulheres que trabalhavam em uma fábrica de colo- cação em latas da toranja no abrigo do inverno, Florida, em 1937(foto por Arthur Rothstein). Fonte: Everett Historical/Shutterstock.com. Relação entre políticas e direitos sociais — uma análise do Welfare State As políticas sociais deram os seus primeiros sinais de implantação em mea- dos do século XIX e início do XX. O estado liberal não se rompeu para que Keynesianismo-fordismo4 pudessem ser incorporados os direitos sociais, mas, sim, se conciliou perante a organização e a luta da classe trabalhadora, porque era necessário o reco- nhecimento desses direitos para a vigência do próprio estado e do mercado no contexto socioeconômico da época. Percebe-se, assim, que os direitos sociais foram reconhecidos pela luta da classe trabalhadora, mas que nunca se questionou os motivos para que os trabalhadores se encontrassem em situações precárias, logo, a relação contra- ditória capital versus trabalho permaneceu inquestionável na implementação das políticas sociais. As primeiras expressões da questão social foram respondidas com repres- são, tendo conflito direto entre trabalhadores e Estado, que usou a força para conter ou tentar resolver os problemas dessa classe. Porém, pouco a pouco, de maneira heterogênea nos países centrais, o Estado passou a responder às reivindicações dos trabalhadores com leis, direitos e concessões, ressaltando a timidez e as especificidades dos direitos e seguros a determinados segui- mentos, que lentamente conquistaram-nos por meio de lutas e conseguiram que o Estado os legitimasse, diante da insuficiente repressão como resposta. Os primeiros seguros sociais eram apenas para quem estivesse empregado, e a prestação de serviços estava condicionada à contribuição que este fazia. As caixas de poupança e previdência organizadas pelos trabalhadores davam su- porte a eles nos períodos de greve. Na Alemanha, por exemplo, o governo criou um seguro-saúde nacional e obrigatório para desmobilizar a classe trabalhadora e abrandar os conflitos. Já as primeiras leis que asseguravam a assistência social aos pobres são de 1842, porém, elas têm um caráter filantrópico. Portanto, o início do século XX foi marcado por progressivas intervenções do Estado na questão social. Apesar da restrição, insuficiência e focalização de alguns serviços, a classe trabalhadora conseguiu uma série de direitos com o resultado de suas lutas, como a diminuição da jornada de trabalho, a aposen- tadoria e o apoio em caso de acidente, obtendo melhorias na sua condição de vida e trabalho. Os desempregados também passaram a receber uma pequena atenção do Estado, tendo acesso a determinados serviços. O capitalismo se desenvolveu e teve como condição para sua vigência o exér- cito industrial de reserva (trabalhadores desempregados), que, em certos países e períodos, oscilou em perfil e quantidade. Com o passar do tempo, o capitalismo e o estado liberal experimentaram crises ocasionadas por diversos fatores, que podem ser explicados pela lei geral de acumulação, como aponta Marx. Durante a crise de 1929, conhecida como Grande Depressão, a classe trabalhadora não tinha condições de consumir, e os salários mal supriam as necessidades básicas. Nessa situação, o capital entrou em crise nos Estados 5Keynesianismo-fordismo Unidos, se alastrando pelo mundo, por ser internacionalmente circulado. Assim, o liberalismo do Estado foi posto em xeque, evidenciando a necessidade de intervenção estatal tanto na economia como na ampliação de políticas sociais. O Estado adotou uma nova perspectiva de incentivo salarial e social, a qual respondia à luta da classe trabalhadora — que se aproximava cada vez mais das ideias socialistas —, não pondo em risco o lucro capitalista. Análise do Welfare State As políticas sociais tiveram seu auge após o ano de 1930, com pleno emprego, altos salários, serviços de proteção e, o mais importante para o capital, pro- dução e consumo em massa, garantindo o lucro dos investimentos industriais e financeiros. Esse movimento ficou conhecido como Welfare State, ou Estado de Bem- -estar Social, que se originou na Inglaterra, mas possui outras designações, que nem sempre se referem ao mesmo fenômeno e não são tratadas como sinônimos, por exemplo, État-providence (Estado de Providência, na França), Sozialstaat (Estado Social, na Alemanha), New Deal (nos Estados Unidos) — os termos adotados em cada idioma têm ligação com a historicidade da nação. Entretanto, é consenso que todas essas experiências buscavam regular o campo da produção, bem como garantir a via de intervenção estatal e as condições de igualdade social; nelas, foram construídos padrões de proteção social por meio de um conjunto de políticas sociais. Nos países europeus, o Welfare State aconteceu de forma mais profunda, sobretudo por duas condições, pelas consequências da vivência da Segunda Guerra Mundial, bem como dos seus efeitos destrutivos que demandavam esforços coletivos e forte intervenção estatal para sua recuperação, e pelo forte avanço das ideias socialistas, principalmente diante da divisão da Alemanha em duas nações e dos efeitos da Guerra Fria, sendo criadas uma nova ordem geopolítica e outra social. O Welfare State é sustentado por um pacto social entre capital versus trabalho, no qual cada uma das classes concorda em perder um pouco para garantir ganhos para ambas. Do lado da classe trabalhadora, as perdas dizem respeito à negação da revolução e à aposta na reforma do modelo de produção capitalista; já para a burguesia, gera-se um acordo para minimizar a extração máxima dos lucros por meio da mais valia, repassar, de forma socializada, parte do lucro para o Estado, bem como implantar e gerir políticas sociais. Esse momento ficou conhecido por diversos nomes, os 30 anos gloriosos, 30 anos da social democracia e, mais amplamente difundido, os anos de ouro do capital. Keynesianismo-fordismo6 Assim como as demais experiências de ampliação da intervenção estatal nos campos da produção e da reprodução social, ele deve ser entendido como um produto histórico e, portanto, possui vinculação a um espaço temporal. Em relação ao Welfare State inglês, é necessário compreender as determinações que o forjaram, fortemente alicerçado na formatação do plano Beveridge, com as seguintes características: 1. a responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida dos cidadãos por meio de um conjunto de ações em três direções: regulação da economia de mercado a fim de manter elevado nível de emprego; prestação pública de serviços universais como educação, segurança social, assistência médica e habitação, e um conjunto de serviços pessoais; 2. universalidade dos serviços sociais; e 3. implantação de uma “rede de segurança” de serviços de assistência social (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 94). Portanto, são inegáveis os avanços e a expansão generalizada das políticas sociais durante a orientação keynesiana e fordista. Houve a configuração de políticas abrangentes e universalizantes, a qual possuía a concepção de cidadania como elemento organizador dos sistemas de proteção social. Nesse processo, foi marcante o consenso político em favor de economia mista e comprometimento estatal com o crescimento econômico e do pleno emprego, o que possibilitou o desenvolvimento das forças produtivas de forma ampliada. Os ‘anos de ouro’ do Capitalismo começam a se exaurir no fim dos anos 1960 (HOBSBAWM, 1995). As taxas de crescimento, a capacidade do Estado de exercer suas funções mediadoras civilizadoras cada vez mais amplas, a absorção das novas gerações no mercado de trabalho, não são as mesmas, contrariando as expectativas de pleno emprego, base fundamental dessa experiência. As dívidas públicas e privadas crescem perigosamente [...] As elites político-econômicas, então, começaram a questionar e a responsabilizar pela crise a atuação agigantada do Estado mediador civilizador, especialmente naqueles setores que não revertiam diretamente em favor de seus interesses. E aí se incluíam as políticas sociais (BEHRING; BOSCHETTI,2008, p. 103). As políticas sociais criadas pelo Welfare State na crise de superprodução, de 1929 a 1932, tinham como objetivo principal a recuperação do capital que, ao se tornar mundial por meio da exploração exacerbada da classe trabalhadora, produzia riqueza e pobreza concomitantemente. Elas serviram de incentivo para o consumo da classe trabalhadora, proporcionado pelo Estado, gerando o desenvolvimento e a manutenção do capital. Tais condições diante do constante processo cíclico do capital, aliado às mudanças históricas no cenário mundial, iniciaram um novo processo de crise macroeconômica e social. 7Keynesianismo-fordismo Influência do Welfare State no Brasil e surgimento do serviço social No Brasil, assim como nos países de capitalismo tardio, sobretudo das Améri- cas, a influência do Welfare State e das suas demais configurações é constituída a partir das condições históricas, sociais, políticas e econômicas de cada nação. O caráter conservador e autoritário no Estado e nas relações sociais brasilei- ras moldam a constituição das políticas públicas nacionais, principalmente daquelas com caráter social. É necessário retomar o fato de que a inserção do Brasil no cenário econô- mico mundial ocorreu como uma ex-colônia de exploração, que manteve, após sua independência, a configuração de país exportador de matéria-prima. O processo de modernização da economia nacional formou-se de maneira seg- mentada, no entrelaçamento do hodierno e do arcaico, com o desenvolvimento de setores modernos que conviviam com os tradicionais e a predominância do setor agrário-exportador, o qual determinou as configurações do crescimento econômico e social do país. Apenas após a passagem da economia agrário-exportadora para a economia urbano-industrial na década de 1930 é que o país passou a assistir às primeiras mudanças institucionais no Estado, como a instituição por lei dos Departamen- tos Nacionais do Trabalho e da Saúde e a promulgação, em 1923, do código Sanitário e da Lei Eloi Chaves, essa última sobre assuntos previdenciários (MEDEIROS, 2001, p. 9). A crise mundial do capital, de 1929 a 1932, afetou diretamente a econo- mia brasileira, gerando crises de superprodução, devido à dependência do mercado internacional para o escoamento dessa produção. As consequências desse processo perpassaram a produção e a reprodução social das diferentes classes sociais no Brasil. A década de 1930 foi marcada também por um pro- cesso de mudança da correlação de forças na classe dominante, a Revolução de 1930 teve caráter primordial, cujas mudanças aceleraram o processo de efervescência dos movimentos dessa classe, elevando sua importância política no cenário nacional. Em relação às ações do Estado direcionadas à criação de respostas cole- tivas à questão social, pode-se afirmar que, até meados da década de 1920, as poucas políticas sociais que existiam eram fragmentadas, focalizadas e voltadas às respostas emergenciais. A Lei Eloi Chaves cria as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPS) apenas para trabalhadores formais de certas empresas estratégicas para desenvolvimento econômico e industrial, sendo Keynesianismo-fordismo8 compreendida como a primeira legislação das políticas sociais no Brasil; no mesmo período, o Código Sanitário tenta, de maneira débil, formar as bases para a atuação do Estado em condições essenciais de saúde pública. Além dessas ações, as situações de extrema vulnerabilidade social eram enfrentadas por meio da caridade, como a benemerência cristã, ou pela forte repressão, por exemplo, a polícia. As ações do Estado social brasileiro surgiram a partir de decisões au- tárquicas e foram forjadas com um direcionamento político para controlar as questões ligadas à organização dos trabalhadores, sobretudo dos novos setores da economia. Já os direitos sociais foram antecipados como forma de evitar a organização política dos trabalhadores, enfraquecer a legitimidade das lideranças e limitar sua capacidade organizativa (MEDEIROS, 2001). Contudo, houve diferentes formas de resistência e luta por parte da classe trabalhadora brasileira, sendo claro que as ações estatais em direção à am- pliação das políticas sociais se configuraram como estratégia de manutenção do status quo e fruto das pressões políticas orquestradas pelas classes explo- radas, e foram essenciais para a reprodução social destas, configurando-se como elemento contraditório e dialético. Para Behring e Boschetti (2008, p. 106), é “uma das principais caracterís- ticas do desenvolvimento do Estado social brasileiro: seu caráter corporativo e fragmentado, distante da perspectiva da universalidade de inspiração beve- ridgiana”. Tal característica leva as autoras a reforçar a inexistência do Estado de Bem-estar Social no Brasil, não sendo possível afirmar que um modelo inspirado no Welfare State tenha sido plenamente construído e implantado. Construiu-se um modelo de cidadania regulada a partir da necessidade de expansão das ações estatais de regulação da reprodução social, mas ele não é considerado uma inspiração na proposta de Beveridge, que entendia a cidadania como um conceito amplo. A construção de um escopo de políticas alicerçadas na lógica do seguro social e da vinculação do trabalhador a um vínculo formal de trabalho regulado por meio do Estado foi ampliada com a organização da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), inspirada nas leis da Itália de Mussolini. Essa regulação deixava uma grande parcela da população brasileira às margens da ação estatal. A influência do pensamento da social democracia no mundo influenciou o Brasil, diante das demandas de modernização econômica, que envolvia melhoria das condições de reprodução da classe trabalhadora, ações dire- cionadas ao saneamento de áreas urbanas, ampliação dos serviços de saúde que atendiam a essa classe, bem como melhoria da qualificação por meio de serviços de educação e previdenciários. 9Keynesianismo-fordismo A constituição do escopo de ações direcionadas à melhoria das condições de vida e trabalho da classe trabalhadora brasileira necessitava de profissionais capacitados para atuarem, interventiva e diretamente, na vida dos trabalha- dores e das suas famílias para impor o controle destes. Diversos profissionais foram convocados a participarem dessas ações, como médicos, enfermeiros, professores e, sobretudo, uma nova profissão, que passou a ser demandada no Brasil, surgindo as primeiras assistentes sociais. Durante o processo de modernização econômica e construção das primeiras políticas sociais, criou-se o primeiro curso de serviço social no país, surgindo entre ações de caridade e repressão que caracterizavam o Estado social bra- sileiro. Ressalta-se que o processo de institucionalização do serviço social nos países de capitalismo central também está atrelado ao desenvolvimento das políticas sociais do início do século XX, e sua expansão perpassa pela expansão do Welfare State e suas demais configurações nacionais. No Brasil, o serviço social surgiu a partir da iniciativa particular de grupos e frações de classe, que se manifestaram por intermédio da Igreja Católica, “[...] historicamente se localiza na demanda social que legitima o empreendi- mento” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2006, p. 127). Orientadas pela doutrina social da igreja, as primeiras assistentes sociais possuíam como demanda a regulação e o controle social da vida do trabalhador e de sua família, bem como sua adaptação à sociedade surgente, sem nenhuma aproximação com as teorias sociais que construíam críticas à sociedade vigente. O desenvolvimento do serviço social, nesse momento histórico, foi fortemente orientado por bases da doutrina social da igreja e da necessidade de intervenção na vida dessa classe pelo capital, como forma de garantir o tranquilo desenvolvimento das forças produtivas brasileiras. BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007. 216 p. IAMAMOTO,M. V.; CARVALHO, R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 19. ed. São Paulo: Cortez, 2006. 380 p. Keynesianismo-fordismo10 MEDEIROS, M. A trajetória do welfare state no Brasil: papel redistributivo das políticas sociais dos anos 1930 aos anos 1990. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Apli- cada, dez. 2001. 24 p. (Texto para Discussão, 852). Disponível em: <http://www.ipea. gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4106>. Acesso em: 23 nov. 2018. Leituras recomendadas ARRETCHE, M. T. S. Emergência e desenvolvimento do Welfare State: teorias explicati- vas. BIB: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 39, p. 3-40, 1. sem. 1995. Disponível em: <http://anpocs.com/index.php/bib-pt/ bib-39/452-emergencia-e-desenvolvimento-do-welfare-state-teorias-explicativas/ file>. Acesso em: 23 nov. 2018. BEHRING, E. R. Fundamentos de política social. In: MOTA, A. E. et al. (Org.). Serviço social e saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez; Brasília: Organização Pan-americana de Saúde; Organização Mundial de Saúde, 2006, p. 13-49. Disponível em: <http://www.poteresocial.com.br/livro-servico-social-e-saude-para-download/>. Acesso em: 23 nov. 2018. ESPING-ANDERSEN, G. As três economias políticas do welfare state. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 24, p. 85-116, set. 1991. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451991000200006&lng=pt&nrm =iso&tlng=pt>. Acesso em: 23 nov. 2018. 11Keynesianismo-fordismo Conteúdo:
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