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Distúrbios de potássio

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Distúrbios de potássio 
Caso clínico 
Paciente masculino, 32 anos, é admitido no PS em 
FV/TV, ritmo sinusoidal no ECG, sem pulso. Iniciada a 
RCP, desfibrilação elétrica sem sucesso, IOT, massagem 
cardíaca e adrenalina. Sem história clínica. 
 
Na inspeção clínica, presença de fístula arteriovenosa 
em braço direito (para a realização de diálise, é 
realizada uma união da veia e da artéria radial, que será 
puncionada). 
Após administração de gluconato de cálcio e 
bicarbonato paciente evolui com melhora do ECG, com 
sinais de hipercalemia. 
Após diálise, o ECG do paciente retorna ao normal. 
O potássio é um íon extremamente importante no meio 
intracelular (concentração intracelular de 
aproximadamente 155 mEq/L) e seu gradiente, 
mantido pela ação da Na+/K+ ATPase, é o principal 
determinante da polaridade celular, inf luenciando nas 
propriedades eletrofisiológicas das células. 
Dos +- 3700 mmol de K+ disponíveis no corpo, 200 estão 
no fígado, 250 nas hemácias, 60 no meio extracelular e 
até 3000 mmol no músculo esquelético. Em 
politraumas, por exemplo, o risco de hipercalemia é 
muito alto. 
Pequenas alterações na concentração de potássio 
podem levar o indivíduo à óbito por modificar a 
despolarização miocárdica, causando arritmia cardíaca. 
K+ normal: 3,5 – 5,5 mmol/L 
A ingestão de potássio, muito presente em alimentos 
crus, “despeja” esse íon na corrente sanguínea. A 
regulação das concentrações de K+ nos meios intra e 
extracelular é feita pelos rins, pelos canais ROMK 
(mandam do intra para o extra) e pela Na+/K+ ATPase 
(manda do extra para o intra). 
→ Balanço externo de K+ 
Numa alimentação normal, cerca de 50 mEqs de 
potássio são ingeridos diariamente, valor que é maior 
em dietas vegetarianas e veganas, podendo chegar a 90 
mEqs. Esse íon é quase totalmente absorvido pelo 
intestino e, após a chegada ao plasma, é rapidamente 
“tamponado” pelas células (o influxo celular de 
potássio é acelerado na presença de insulina e 
adrenalina). Cerca de 5 mEqs são eliminados nas fezes 
e o restante é perdido pela urina, fazendo com que o 
balanço externo de K+ seja 0. 
Em situações de baixo consumo de potássio o 
organismo se protege liberando K+ das células para o 
plasma e reduzindo a excreção urinária de K+, sendo o 
segundo mecanismo dependente da supressão da 
aldosterona. 
67% do potássio é reabsorvido no túbulo proximal e o 
restante na porção espessa da alça de Henle e no 
túbulo coletor (ajuste fino), em que há dependência da 
ação de aldosterona nas células principais. 
No túbulo proximal, essa reabsorção é realizada pela 
via paracelular. Na alça de Henle, a NKCC e os canais 
abertos de potássio deixam o potencial elétrico do lado 
urinário positivo e o interstício negativo, o que gera 
gradiente elétrico para a absorção de íons positivos. No 
túbulo coletor, a aldosterona aumenta a expressão de 
canais ENaC e ROMK, estimulando a absorção de Na+ e 
secreção de K+, realizando o ajuste da excreção de 
potássio. 
A excreção renal de potássio é influenciada pela dieta, 
pelo aporte de Na+ nos túbulos distal e coletor, pela 
aldosterona, pelo fluxo intratubular e pela ocorrência 
de alcalose metabólica. 
Nas células intercaladas do túbulo coletor ocorre a 
secreção de H+ e reabsorção de K+. Situações em que o 
potássio é mantido constantemente baixo, como 
indivíduos que usam diurético, estimulam a ação 
dessas células para absorver o potássio da urina, o que 
acarreta alcalose. 
A presença de muito Na+ nos túbulos faz com que uma 
maior quantidade de K+ seja excretada. A excreção de 
K+ também é aumentada na presença de aldosterona, 
em que há reabsorção de sódio e secreção de potássio. 
Fluxos tubulares aumentados, como ocorre na poliúria, 
também aumentam a perda de potássio. 
O túbulo coletor é o único segmento capaz de 
reabsorver sódio sem o acompanhamento de cloreto. 
Como o sódio é um cátion, isso faz com o que lúmen se 
torne eletronegativo, o que estimula a secreção de 
potássio e hidrogênio. 
A presença de HCO3- no lúmen urinário promove maior 
secreção de K+, por gerar gradiente elétrico para a saída 
do íon positivo. 
→ Balanço interno de K+ 
Realizado entre os meios intra e extracelular, realizado 
pela Na+/K+ ATPase. 
Os fatores que influenciam esse balanço são insulina, 
catecolaminas, equilíbrio ácido-base, tonicidade do 
meio extracelular e aldosterona. 
A insulina estimula a passagem de potássio para o meio 
intracelular, por induzir a ação de uma bomba 
dependente de ATP. A administração de insulina em 
pacientes com hipercalemia pode melhorar o quadro. 
A adrenalina também apresenta o efeito de aumentar 
a concentração intracelular de potássio. A inalação de 
2-agonistas também pode ser benéfica em pacientes 
com hipercalemia. 
Na alcalose, há entra de potássio para o meio 
intracelular, enquanto a acidose estimula a saída de 
potássio para o meio extracelular (o H+ entra na célula 
e joga o potássio pra fora). A administração de 
bicarbonato em casos de hipercalemia melhora o 
quadro. 
A tonicidade do meio extracelular estimula a passagem 
de água e de potássio para fora da célula. 
A aldosterona estimula a entrada de potássio para o 
meio intracelular. 
HIPOCALEMIA 
Na mairia das vezes é multifatorial, estando 
relacionada à baixa ingestão e à grande perda. Também 
podem estar associadas a condições em que o influxo 
de potássio para o interior das células está estimulado. 
→ Por perdas externas 
Baixa ingestão: na anorexia nervosa, a redução da 
alimentação provoca redução da ingestão de potássio. 
Apesar das tentativas de reter o íon, o balanço fica 
negativo. 
Perdas gastrointestinais: vômitos recorrentes 
provocam alcalose por perda de H+ (do HCl estomacal). 
Com isso, o ultrafiltrado será rico em HCO3-, fazendo 
com que o lúmen urinário fique negativo, o que 
acarreta aumento da secreção de K+ pelos canais 
ROMK. 
A alcalose provoca entrada de potássio na célula e 
possui um efeito caliurético. 
Na diarreia pode ocorrer perda de potássio, fazendo 
com que o balanço também seja negativo. Nesse caso 
há acidose metabólica, pois também ocorre perda de 
bicarbonato. 
 
Pequenas quedas no potássio sérico estão associadas a 
grandes perdas de mEqs: a queda de um ponto provoca um 
déficit de 200 mEqs. 
→ Por perda renal 
Pode ser provocada por uso de fármacos, como 
diuréticos e anfotericina, por hiperaldosteronismo 
primário e secundário, por disfunções tubulares de 
origem genética, como síndrome de Bartter e síndrome 
de Gitelman, e por alcalose metabólica. 
Diuréticos: aumentam a concentração de Na+ no túbulo 
coletor, estimulando a entrada de Na+ pelos canais 
ENaC e saída de K+ pelos canais ROMK. 
Antibióticos: a anfotericina aumenta a expressão de 
canais ROMK no túbulo coletor; o uso de 
aminoglicosídeos pode cursar com perda de potássio 
pela tubulopatia proximal. 
Hiperaldosteronismo: provoca excreção de K+ pelos 
canais ROMK no túbulo coletor. Além disso, a 
aldosterona age nas células intercaladas, aumentando 
a perda de H+. Esses pacientes apresentam a tríade: 
hipertensão, hipocalemia e alcalose metabólica. 
Hipertensão renovascular: o aumento da produção de 
renina consequente à estenose da artéria renal 
promove hiperaldosteronismo hiperreninêmico. É 
diferenciada do hiperaldosteronismo primário pela 
dosagem da renina plasmática. 
Síndromes genéticas: síndrome de Bartter tem ação 
semelhante à da furosemida, atuando nos canais NKCC. 
A síndrome de Gilteman atua como a hidroclorotiazida. 
→ Por redistribuição de potássio 
É causada por alcalose metabólica, excesso de 
catecolaminas, paralisia periódica familiar e 
hipertireoidismo. 
Administração de insulina: insulina promove influxo 
celular de potássio por estimular Na+/K+ ATPase. 
Pico de adrenalina: promove influxo celular de potássio 
através da ativação de receptores 2 nas células 
musculares esqueléticas. 
Paralisia periódica familiar: é marcada por episódios 
de hipocalemia intensas e paralisia muscularpor 
alteração nos transportadores de potássio. 
Hipotermia: a hipotermia grave é um estímulo direto 
para o influxo intracelular de potássio. Por isso, 
hipocalemia acaba sendo muito frequente no pós-
operatório de cirurgias cardíacas. 
Tratamento de anemia megalobástica: a reposição de 
vitamina B12 ou folato possui uma resposta terapêutica 
rápida. Nas primeiras 48h há um pico de produção de 
hemácas, que captam o potássio extracelular. 
Hipertireoidismo: influxo celular de potássio por 
estímulo direto da Na+/K+ ATPase e por regulação de 
receptores -adrenérgicos. 
• Manifestações clínicas 
Fraqueza muscular, pois o potássio é importante para a 
contração muscular, arritmias cardíacas, por abaixar o 
limiar das células, fadiga e intolerância ao exercício, 
palpitações (extrassístole ou arritmias), dispenai por 
fraqueza dos músculos respiratórios, parestesias, 
cãibras musculares, hiporreflexia, constipação, 
distensão abdominal, vasoconstrição renal e diabetes 
insipido nefrogênico. 
 
A arritmia mais comum é a extrassístole, seja atrial ou 
ventricular. A fibrilação ventricular é o principal 
mecanismo de morte súbita relacionada à hipocalemia. 
• Tratamento 
Correção do distúrbio primário e reposição de K+. 
Quando existem dúvidas a respeito da etiologia, a 
dosagem do potássio urinário pode ser pedida: quando 
< 20mEq/L, sugere perda extrarrenal ou baixa ingesta; 
quando > 30 mEq/L, sugere perda renal. 
A reposição pode ser feita por via oral ou parenteral. 
Elas podem ser feitas concomitantemente e associadas 
a diuréticos poupadores de potássio, como a amilorida. 
A via oral é a forma mais segura. A reposição pode ser 
feita na forma de xarope de KCl a 6% ou por 
comprimidos Slow-K (repõe aproximadamente 6 
mEqs). 
 
A via venosa será utilizada em casos de intolerância 
gastrointestinal, perdas gastrointestinais importantes e 
hipocalemia grave (K < 3 mEqs/L). 
A concentração máxima em veia periférica é 40 mEq/L 
e em veia central é de 60 mEq/L. A velocidade de 
infusão é 5-10 mEq/hora, sendo que o máximo é 30 
mEq/h. 
Deve-se evitar repor com soro glicosado, por aumento 
da glicose provoca aumento de insulina, o que está 
associado a interiorização de potássio. 
A reposição máxima é de 250-300 mEq/dia. 
A ampola de KCl tem 10 mL a 19,1%. Ou seja, cada 
ampola tem 2,5 mEq/mL ou 25 mEq. Ela deve ser 
diluída em soro fisiológico (não pode repor muito 
rápido e tem que ser feito superdiluído). 
Soluções muito concentradas podem provocar flebite e 
morte por arritmia. 
HIPERCALEMIA 
Com exceção das iatrogênicas, as hipercalemias 
decorrem de uma retenção renal anômala de potássio, 
como ocorre em insuficiência renal, doença renal 
crônica avançada e deficiência de aldosterona. 
Na doença renal crônica há adaptação à hipercalemia. 
Principal causa de deficiência de aldosterona são as 
doenças autoimunes. Ocorre diminuição de ENaC, 
perdendo Na+, o que acarreta hipotensão e retenção de 
potássio. Além disso, há acidose (hipoaldosteronismo 
provoca hipercalemia e acidose metabólica). 
A hipercalemia pode ocorrer em decorrência de uso de 
medicamentos, como iECA e BRA, diuréticos retentores 
de potássio, betabloqueadores, 
trimetoprim/sulfametoxazol (Bactrim), AINEs, 
suplementos de K+, intoxicação digitálica, succinilcolina 
e ciclosporina. 
Os supressores do SRAA diminuem o fluxo sanguíneo 
glomerular, podendo estimular a retenção de escórias. 
Bactrim bloqueia o ENaC. 
→ Por retenção 
Administração em excesso: a ingestão/administração 
de quantidades superiores a 130 mEq de uma só vez 
pode elevar os níveis de potássio para uma faixa acima 
de 6,0 mEq/L. 
Insuficiência renal aguda: causa mais importante em 
pacientes hospitalizados, geralmente está associada à 
oligúria. 
Acidose metabólica: estando em excesso, o H+ será 
secretado no lugar do potássio, que então será retido 
nos estados de acidose. 
Hipoaldosteronismo hiporreninêmico: a queda aguda 
da produção de renina pelo aparelho justaglomerular é 
o principal mecanismo. Com a queda de aldosterona, a 
secreção tubular de potássio e H+ fica prejudicada. 
Fármacos retentores de potássio: os diuréticos 
poupadores de potássio (espironolactona, ami-loride, 
triamtereno) agem no túbulo coletor, inibindo a 
reabsorção de sódio e a secreção de potássio e H+. Os 
inibidores da ECA, os anta-gonistas da angio II e a 
heparina (incluindo a de baixo peso molecular) 
provocam um hipo-aldosteronismo leve predispondo à 
hipercale-mia. 
→ Por redistribuição 
Causada por acidose metabólica, deficiência insulínica, 
uso de beta-bloqueadores, síndrome do esmagamento, 
rabdomiólise, hemólise e quimioterapia. 
Síndrome do esmagamento e rabdomiólise causam 
hipercalemia por retirar o K+ armazenado nos 
músculos. 
Hiperosmolaridade: causada por hipernatremia ou 
hiperglicemia grave, possui um efeito hipercalêmico, 
pois a saída de líquido das células para o extracelular 
deixa a concentração intracelular maior, fazendo com 
que o potássio saia da célula. 
Fármacos: digitálicos inibem a Na+/K+ ATPase, 
dificultando a entra de potássio nas células; beta-
bloqueadores inibem a ação da adrenalina sobre os 
receptores 2; succinilcolina despolariza a membrana 
dos miócitos, promovendo o efluxo celular de potássio. 
• Manifestações clínicas 
Pouca ou nenhuma sintomatologia, principalmente 
pacientes em diálise. 
Alterações eletrocardiográficas. 
 
Podem ocorrer arritmias graves e há predisposição a 
bloqueios cardíacos. 
• Tratamento 
Correção do distúrbio primário; neutralização dos 
efeitos eletrofisiológicos do potássio, com 
administração de gluconato de cálcio (estabiliza a 
membrana miocárdica); redistribuição do potássio, 
com a administração de uma solução polarizante, com 
insulina e glicose, a alcalinização do meio interno com 
uso de bicarbonato e a administração de 2-
adrenérgicos; e correção da retenção de potássio, com 
uso de diuréticos, mineralocorticoides e resinas de 
troca iônica (troca potássio por cálcio). 
Na síndrome de esmagamento, é necessária a 
hidratação, administração de manitol para evitar a 
obstrução dos túbulos renais pela mioglobina e de 
bicarbonato de sódio para a solubilização da 
mioglobina.

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