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11-O-QUE-E-CODEPENDENCIA-ROMINA-MIRANDA

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Instituto Independa
Capivari • SP • Brasil
+55 19 2146-1672
independa@independa.com.br
www.independa.com.br 
1ª edição, revista • Maio de 2015
ISBN 978-85-69203-01-8
editor: Cristian Fernandes
Revisão: Izabel Braghero
Projeto gráfico: André Stenico
© 2015 Romina Miranda
É permitida a reprodução parcial ou total, apenas
para uso não-comercial, desde que citada a fonte, 
sendo vedada a criação de obras derivadas.
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O que é 
cOdependência?
Termo recente na área da terapia, ainda com 
conceitos difusos e em construção, por vezes 
conhecido como transtorno, por outras como 
doença, não utilizado cientificamente, mas 
totalmente popularizado, a codependência não 
passa despercebida.
Com características que fazem com que muitas 
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pessoas encontrem identificação e, muitas 
vezes, explicação para seus comportamentos, 
a cada dia ela avança para outras esferas, 
que até há pouco contemplavam apenas as 
comunidades terapêuticas para tratamento de 
dependentes químicos e os grupos de apoio para 
seus familiares.
Mas afinal, O que é cOdependência?
Como já mencionei, o conceito está em 
construção e, por isso, é um privilégio para 
nós podermos participar deste momento, 
reunindo opiniões de autores, estudiosos e, 
principalmente, participando do dia a dia de 
pessoas que, supostamente, seriam portadoras 
do transtorno da codependência ou teriam 
traços codependentes.
Porém, antes de entrarmos na construção do 
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conceito, elencando o que sabemos que é a 
codependência, é importante dizermos o que ela 
nÃo é.
Infelizmente, no dia a dia, notamos que 
muitas pessoas ao se reconhecerem como 
codependentes, seja num grupo de apoio ou 
num processo terapêutico, passam a vestir a 
codependência como uma segunda pele. Adotam 
o termo como um sobrenome, usam o conceito 
como um legado ou até como um destino “fatal” 
ao qual estão fadadas até o fim de suas vidas. 
A frase habitual é: “..., afinal sou codependente!”
Aí está! A codependência é uma série de coisas 
que ainda vamos juntos analisar ao longo deste 
livro, mas, ELA NÃO É UM DIAGNÓSTICO 
FATAL. Ela não é algo que limita o ser a uma série 
de comportamentos rígidos e imutáveis ou a 
um destino predeterminado. Portanto, qualquer 
pessoa que reconheça em si as características 
da codependência possui, na mesma proporção 
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deste reconhecimento, a possibilidade de mutação 
desta condição emocional em que se encontra 
– a de codependente – seja já pelo motivo que 
tenha chegado até aí. Aceitar-se como vítima não 
é condição absoluta, mas apenas uma fase do 
transtorno, a primeira, aquela que chamamos 
de negação.
E por falar em negação, aí está uma boa 
maneira de começarmos a traçar o conceito de 
codependência, através de suas características. 
E uma das principais é a negação. Quando um 
familiar de dependente químico conclui que o 
seu ente querido faz uso abusivo de drogas (de 
acordo com o Lenad Família 20131 isto ocorre 
após cerca de 5 anos da experimentação), ele 
venceu, na realidade, um longo processo de 
negação da doença de seu familiar. Este tempo 
todo que ele levou para “descobrir”, na verdade 
1 I Levantamento Nacional com Familiares de Dependentes 
Químicos, realizado pela Unifesp-Uniad-Inpad. Disponível em: 
http://inpad.org.br/_lenad-familia/ – Acesso em: 28 abr. 2015.
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ele levou para “aceitar”, porque sempre houve 
indícios, mas a negação era utilizada para defendê-
lo da dor de encarar que o seu familiar estava 
fazendo uso de drogas e mais: o que fazer com 
isto? Então, negando, o familiar mantém tudo da 
mesma forma, doentia sim, mas da forma que 
ele conhece, que ele sabe lidar, sem crises, sem 
grandes tomadas de atitude para as quais ele 
ainda não está preparado.
Agora, imaginem que após aceitar que este 
familiar faz uso de drogas e vencer mais uma 
barreira para procurar ajuda, esta pessoa ainda 
é confrontada com a ideia de que ela é parte 
do problema, ela retroalimenta esta relação 
disfuncional em que se instalou o abuso de drogas 
ou a dependência química. Ela vai aceitar isto 
assim, fácil? Claro que não! Quantos familiares nós 
ouvimos dizer: “O problema é ele, não eu”. Ou 
ainda: “Quem precisa se tratar é ele, não eu, por 
isso não vou a grupo nenhum”.
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Já foi difícil entender e aceitar o uso ou a 
dependência de drogas por parte do ente querido. 
Aceitando esta situação seria preciso fazer alguma 
coisa por ele. Agora, aceitando que faz parte do 
processo, e que também está impactado pela 
doença, fará com que tenha também que fazer 
algo por si, mudar comportamentos, cuidar 
de si, rever conceitos, histórias, partir para o 
autoconhecimento e a mudança. Quem está 
disposto a isto quando se encontra no “olho do 
furacão”? Provavelmente aquele familiar que já 
sofreu perdas demais em função do uso do ente 
querido. Aquele que sabe que do jeito que está 
não dá para ficar e que se entrega para toda a 
possibilidade de mudança para sair desta situação.
Mas, para aquele que ainda não foi 
suficientemente impactado (de acordo com seus 
limites internos), ter que aceitar que de alguma 
forma é corresponsável por esta situação leva 
tempo e, em alguns casos, não chega nunca a 
acontecer. Infelizmente, nestas situações extremas, 
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o dependente químico, quando em recuperação, 
tem como principal fator de risco, voltar para esta 
família adoecida, que não aceita a realidade e não 
muda comportamentos em prol da saúde e bem-
estar do sistema familiar.
Antes de continuarmos a traçar as características 
da codependência, vamos voltar um pouco 
na história para entendermos o aspecto que 
abordamos neste livro.
Em meados da década de 1940, nos Estados 
Unidos, as esposas de Bill e Bob, os fundadores 
de Alcoólicos Anônimos, ao perceberem 
que também compartilhavam dos mesmos 
comportamentos e que conseguiam melhorá-
los quando compartilhavam suas experiências, 
fundaram o Al-Anon, grupo para familiares e 
amigos de alcóolicos. Foi nesta ocasião que surgiu 
o termo codependência, usado para caracterizar 
estas esposas.
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Na década de 1970, nas Comunidades 
Terapêuticas de Minessota, também nos Estados 
Unidos, o termo volta a aparecer para designar os 
familiares dos dependentes químicos internados 
nestes locais. Na década de 1980, o termo surge 
na área da terapia, mas ganha um espectro bem 
mais amplo, não mais se relacionando somente 
aos familiares de dependentes químicos, mas 
às pessoas que por qualquer outro motivo 
viveram situações estressantes na família de 
origem que as levaram a assumir precocemente 
responsabilidades inadequadas para a idade e 
contexto cultural.
As possibilidades de vivenciar situações 
opressoras, em ambientes hostis e lares 
disfuncionais não se limitam então às situações 
em que exista a dependência de álcool ou outras 
drogas, mas de uma série de outras situações em 
que o indivíduo fique exposto por um determinado 
período a uma intensa dor. Seriam estas pessoas 
as codependentes. Porém, neste livro, nosso 
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objeto de estudo são os familiares de usuários edependentes de substâncias psicoativas. Por isso, 
vamos restringir a codependência, neste texto, a 
este grupo de pessoas e suas vivências.
Voltando às características da codependência, 
uma das mais determinantes, é o controle. 
Em 1981, a educadora e terapeuta familiar Sharon 
Wegscheider-Cruse introduziu o conceito de 
codependência como uma obsessão familiar sobre 
o comportamento e bem-estar do dependente, em 
que o eixo da organização familiar passa a ser o 
controle do consumo alcoólico.
Após a aceitação, sem ainda saber como lidar com 
a situação de forma adequada, a família acredita 
que deve controlar, que poderá mudar a situação 
desta forma. Cada vez mais sem controle da 
situação, a família mantém a ilusão do controle 
sobre o uso e fica obcecada pelo comportamento 
de seu familiar. Que horas chegou, como chegou, 
com quem falou, se usou, o que usou, quanto 
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usou? Começa a ditar regras disfuncionais e, na 
maioria das vezes, não as sustenta.
Importante ressaltar que à medida que o familiar 
fica obcecado em controlar o comportamento do 
outro, ele se afasta cada vez mais de si mesmo, 
deixando de lado o controle de sua própria vida, 
perdendo aspectos de sua identidade, ficando 
cada vez mais mergulhado num universo fora de 
si, rejeitando tudo aquilo que é seu, que precisaria 
ser visto, cuidado, amado. Ele se autoabandona.
Um paralelo importante a traçar ao longo 
desta leitura é o espelho que veremos refletir 
algumas características do dependente e do 
codependente. Até aqui vimos que o dependente 
nega a sua doença enquanto que o codependente 
nega a sua condição emocional, sua parcela de 
responsabilidade na problemática da família. 
Vimos também que o dependente mantém a 
ilusão do controle sobre a droga, achando que 
pode parar de usar quando quiser, enquanto 
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que seu familiar acha que pode controlar o seu 
ente querido, o seu uso e o seu comportamento. 
Ambos mantêm um comportamento obsessivo 
com seu “objeto em questão”: a droga, no caso do 
dependente, e o dependente, no caso da família.
Outro sentimento presente no cotidiano de 
um codependente, de uma forma bastante 
exacerbada, é a culpa. Para o familiar do 
dependente químico é muito difícil distinguir culpa 
e responsabilidade. Os pais, ao descobrirem que 
o filho faz uso de drogas, automaticamente se 
perguntam: “Onde foi que eu errei?”. Os cônjuges, 
por sua vez, buscam erros em todas as situações, 
anulando-se, colocando-se muitas vezes em 
situações opressoras, limitantes, humilhantes, 
para não se sentirem como o objeto causador do 
uso do parceiro. Porém, ao depararem-se com a 
frase: “Eu bebo porque você faz isso!”, pronto! Já 
assumem para si toda a culpa pelo uso do outro. 
A questão é que ninguém, nem pais, nem 
parceiros, amigos, irmãos têm culpa alguma pela 
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escolha do outro em usar a droga. Por mais que 
os pais tenham falhado na educação, não erraram 
porque queriam errar, mas por não saberem fazer 
da forma correta ou por inúmeras outras razões 
que em nada tem a ver com a culpa, mas sim, e 
tão somente, com a responsabilidade.
A diferença entre a culpa e a responsabilidade é 
que a culpa paralisa e a responsabilidade mobiliza. 
Se formos culpados, vamos ficar remoendo a 
situação, as mágoas, os erros, estaremos voltados 
para o passado. Nossos conceitos sobre nós 
mesmos serão cada vez mais negativos, nossa 
autoestima ficará cada vez pior e nos revestiremos 
do problema como se nós fôssemos o erro. Se 
nos percebemos responsáveis, lamentaremos, 
mas estaremos prontos para sermos também 
responsáveis pela mudança e poderemos, então, 
avançar em sua direção, afinal, perceberemos 
que cometemos um erro em determinado 
momento, em determinada circunstância, mas 
que agora temos a escolha de fazer diferente e 
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esta responsabilidade é nossa, e somente nossa. A 
responsabilidade é positiva e molda o futuro.
Porém, falando em responsabilidades, é muito, 
mas muito importante, que o familiar entenda que 
a responsabilidade precisa ser equilibrada, dividida 
entre todos os membros da família, inclusive e 
sobretudo, com o dependente químico.
Uma das outras características marcantes da 
família codependente é privar o dependente 
químico de suas responsabilidades e das 
consequências de seus atos. Esposas tomam 
para si as despesas do lar, o cuidado com os 
filhos, com a casa, a preocupação em manter a 
relação e a família unida. Muitas vezes, mentem 
para os chefes de seus maridos, justificando 
suas ausências no trabalho por motivos diversos, 
quando estes estavam, na verdade, na ressaca do 
dia anterior.
Pais pagam todas as despesas para filhos que não 
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estudam e nem trabalham, mas utilizam seu tempo 
livre para fazer uso de drogas. Quando situações 
complicadas ocorrem como resultado do uso, os pais 
arcam com os danos, com os resultados, evitando 
que os filhos passem pela experiência dolorosa da 
consequência de uma ação irresponsável. E, quando 
fazem o menor esforço por algo, são recompensados 
com honrarias, as quais não valorizam em nada 
e logo as descartarão, muitas vezes, trocando-as 
por drogas.
Um exemplo: o filho é pego com drogas e deve 
ser levado à Justiça Terapêutica para participar 
de grupos de apoio e/ou prestarem serviços 
comunitários. Os pais chegam antes, e querem 
pagar para que o filho não passe pelo processo de 
ser penalizado pelo ato cometido.
Outro exemplo: o filho passa alguns meses numa 
comunidade terapêutica para se tratar. Ao sair, os 
pais querem recompensá-lo pelo “esforço” de ter 
passado pelo processo terapêutico. O filho pede 
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um carro, uma moto. Os pais o presenteiam. 
Logo o bem se tornará moeda de troca para o uso 
de drogas.
Isso quer dizer que os pais não deverão nunca 
mais presentear seus filhos ou recompensá-los 
positivamente por comportamentos adequados? 
Não. Porém, as famílias codependentes 
normalmente estão com estes parâmetros 
comprometidos, querem compensar demais o 
que, na verdade, não é mais do que obrigação. 
Afinal, se você passar um período no hospital para 
tratar sua diabetes deverá ganhar um carro como 
recompensa? Ou ainda terá que voltar para casa e 
se adequar a uma nova dieta, a um novo estilo de 
vida se quiser manter-se saudável e não retornar 
novamente ao hospital? E não é a dependência 
química uma doença crônica, assim como 
a diabetes?
Eis aí, mais uma questão: a grande dificuldade da 
família em entender que dependência química 
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é uma doença, reconhecida pela Organização 
Mundial da Saúde, e como tal, precisa de 
tratamento, que inclui todo o sistema familiar 
impactado por ela.
Estes comportamentos, aliados à falta de limites, à 
dificuldade em dizer não, à necessidade de agradar 
sempre, de ser aceito pelo outro, fazem com 
que o familiar mantenha um padrão de atitudes 
facilitadoras para com o uso de drogas de seu ente 
querido. Na maioria das vezes, sem saber ou sem 
perceber, por meio destas atitudes equivocadas, ao 
invés de proporcionar uma crise, uma ruptura para 
que surja a possibilidade de mudança, o familiar 
continua mantendo as coisas funcionando da 
mesma forma e o seu familiar vai só caminhando, 
cada vez mais, em direção às situações extremas de 
uso e abuso de drogas.
E por falarem dificuldade em dizer 
não... como é difícil isto para um familiar de 
dependente químico. Aquilo que para quem 
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está fora da situação parece tão simples, para 
ele é tarefa homérica. Por quê? Normalmente, 
o lar que propiciou o desenvolvimento da 
dependência química já trazia esta falta de 
regras, disciplinas, limites. Seja por qual for o 
motivo, havia a dificuldade em falar não. Ou, 
no outro extremo da situação, os lares que 
falavam muitos “nãos” não davam espaço 
para que eles fossem entendidos, permeando 
os ambientes com autoritarismo, hostilidade, 
frieza, onde as crianças não podiam manifestar 
seus sentimentos.
De uma forma ou de outra, o problema estava na 
comunicação. E este é um grande problema 
nas famílias que abrigam a dependência e a 
codependência: os problemas na comunicação. 
Falta de assertividade, dificuldade em dizer não, 
brigas constantes, segredos de família, duplas 
mensagens, falta de comunicação honesta, 
dificuldade em expressar sentimentos e em 
discutir problemas.
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A necessidade de agradar, muito 
presente no perfil codependente, parece estar 
atrelada à forma que o indivíduo encontra de 
sentir-se útil, já que não se sente amado. Em 
virtude das vivências opressoras de longa data, 
muitas vezes desde a infância, esta pessoa 
entendeu que os sentimentos não tinham valor, 
que não deveriam ser expressos, se sentiu 
abandonado, inferior, rejeitado, insignificante 
e passou a ter vergonha de suas necessidades 
e carências. Com a autoestima bastante 
comprometida, passou a achar que não seria 
merecedor de amor, mas que poderia agradar 
aos outros sendo útil e necessário. Surge assim a 
necessidade de ser necessário, que motiva tantos 
codependentes a lutas infindáveis pela vida dos 
outros para que suas vidas pareçam ter sentido. 
Quantos, infelizmente, não se sentem vazios e 
perdidos quando seus entes queridos entram em 
recuperação, por não mais terem aquele problema 
para cuidar, aquela necessidade na vida de outrem?
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Neste momento teriam então que olhar para si 
mesmos, cuidar de si mesmos, deixar de serem 
necessários para os outros. Como o caminho é 
doloroso, muitos preferem não percorrê-lo. É neste 
momento que muitas esposas de dependentes 
em recuperação que não buscaram tratamento 
para si mesmas não conseguem conviver com 
o marido saudável, desfazem o casamento e 
iniciam um novo relacionamento com outro 
dependente químico.
Quanto aos limites, outro foco de atenção 
para o tema, estes normalmente estão 
disfuncionais sob todos os aspectos. As 
famílias de dependentes, provavelmente, nunca 
souberam impor limites, portanto continuam a 
não saber durante o uso, o tratamento e, se não 
forem tratadas, continuarão assim por toda a 
vida. Aceitam situações que para a maioria das 
pessoas seriam absurdas, humilhantes, extremas, 
inaceitáveis. Porém, assim como não sabem impor 
limites, também não os respeitam. Invadem a vida 
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do outro, sua privacidade, sempre mostrando o 
desejo de “cuidar” e “ajudar”.
Outra característica importante do codependente 
que muito se assemelha à do dependente – 
relembrando o espelho que traçávamos no início 
deste livro – é a autopiedade. Sempre que 
nos recusamos a assumir a responsabilidade por 
nós mesmos, nós assumimos o papel de vítimas. 
É bastante comum as esposas de dependentes 
químicos vestirem este papel para si e para os 
outros, afinal, ele é o carrasco que usa drogas 
e ela a boa moça, que ajuda, apoia, trabalha, 
cuida da casa e dos filhos. Como ela aguenta? 
Porém, quando lembramos que no sistema 
familiar existe uma retroalimentação e que o 
comportamento de um afeta o do outro, e que há 
responsabilidade de ambas as partes, não existem 
vítimas, nem culpados, mas pessoas responsáveis 
pelas situações em que se encontram e capazes 
de mudá-las. Como durante muito tempo as 
famílias convivem com a culpa e não com a 
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responsabilidade, elas tendem a se sentir vítimas e 
não donas de suas próprias vidas.
No livro Codependência nunca mais, Melody Beattie 
aponta o Triângulo do Drama, criado pelo doutor 
em medicina Stephen Karpman, para demonstrar 
como funciona este processo também na vida 
do codependente que transita entre os papéis de 
vítima, salvador e perseguidor, as três pontas do 
triângulo, em questão de segundos, sem perceber.
O salvador é o tomador de conta, que tudo 
resolve, que tudo conserta, que ajuda a todos, 
que não deixa que a vítima faça o que pode fazer 
por si mesma. Mas, rapidamente passa a ser 
perseguidor quando a vítima não lhe é grata pela 
ajuda oferecida, por não ter saído tudo como ele 
queria, por ter feito mais do que devia, então fica 
raivoso. Quando pensa que todos os esforços 
foram em vão, ressente-se e volta ao papel 
principal: a vítima. Nada dá certo para ele, nada 
funciona como deveria funcionar, ele é uma vítima.
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Para iniciar um processo de mudança, assumindo 
a responsabilidade por seu comportamento, 
o codependente precisa libertar-se da trama 
limitante dos papéis deste triângulo.
Além das características marcantes, que acabam 
por formar o modelo de comportamento do 
codependente, existem os sentimentos presentes 
em seu cotidiano, com os quais todos os que 
sofrem com a dependência química de um ente 
querido convivem.
Estes sentimentos não estão somente 
descritos nos livros ou artigos dos estudiosos 
internacionais, mas são dados de pesquisa 
científica nacional, a primeira realizada com 500 
familiares de dependentes químicos dos grupos 
de Amor-Exigente na cidade de São Paulo, pela 
Unifesp-Uniad em 2009.
Na ocasião, os familiares citaram que os 
sentimentos presentes em seu dia a dia eram: 
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culpa, da qual já falamos, vergonha, tristeza, 
impotência, dor, solidão, angústia, desespero, 
decepção, medo e raiva.
Começando pela raiva. Quanta raiva possuem 
os codependentes! Raiva do outro, raiva de si, 
raiva do mundo. Raiva pela tristeza, pela dor, pelo 
medo, pela culpa. Raiva por tentar salvar e não 
conseguir, por não ter controle sobre o outro, raiva 
por ter raiva, por não saber lidar com a raiva, que 
vai virar ressentimento. Tanta carga emocional mal 
canalizada, por vezes não podendo ser expressa 
ou sentida, por outras, estupidamente lançada à 
pessoa errada, quase sempre causa estrago ao seu 
redor. Como uma bomba-relógio, o codependente 
vive prestes a explodir... ou a implodir, o que pode 
se tornar uma doença física ou psíquica.
Já o medo, grande medo! Como ele se 
engrandece na vida dos codependentes. Medos 
reais se misturam aos imaginários. Medo de agir, 
de criar caso, de gerar crise, de ter que tomar 
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atitude. Medo da separação, medo da intimidade, 
da tristeza e da felicidade. Medo que se torna 
angústia e que alimenta a ansiedade, dia a dia, 
roubando a serenidade de uma vida tranquila.
a vergonha, por sua vez, é companhia 
constante, principalmente no início. Caminha com 
a negação e mesmo quando vem a aceitação, 
a família ainda passa anos sem procurar ajuda 
porque tem vergonha de falar do assunto. Na 
comunidade, na igreja, na família, na escola, 
às vezes, até dentro da própria casa, o segredo 
impera. O codependente se sente solitário nesta 
história, acha que sóele vivencia tamanha dor, tem 
vergonha de falar do problema, pois acha que a 
culpa (que ele já sente!) recairá sobre ele, mais uma 
vez! Infelizmente, este sentimento é responsável 
por mais um tempo no processo de busca por 
ajuda. Enquanto a doença progride, a família está 
mergulhada na vergonha e com ela, na solidão, 
afinal, constrangida, ela não busca apoio, se sente 
a única com tamanho problema no mundo.
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Aliadas aos sentimentos descritos estão 
a tristeza, a dor, a decepção, a 
impotência e o desesperto. Quantas 
emoções negativas, que drenam a energia 
e minam as possibilidades de viver com 
qualidade, fazem parte do cotidiano destas 
famílias. Sentimentos que se não transformados, 
certamente darão espaço para o surgimento de 
doenças emocionais, o que desorganizará ainda 
mais o sistema familiar, diminuindo as chances de 
melhora dos outros membros da família. Ou seja, 
a doença de um cria a doença no outro.
Como parar este ciclo?
Agora, de acordo com as características 
que pudemos analisar, com os sentimentos 
que sabemos fazer parte da vida de um 
codependente, de como ele é impactado pela 
doença de seu familiar, podemos, finalmente, 
introduzir alguns conceitos já publicados na 
literatura nacional e internacional. Assim, creio 
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que após a construção acima, temos mais 
condições de entender o que é codependência 
dentro do conceito apresentado por cada autor.
No livro Codependência nunca mais, Melody 
Beattie, afirma que “um indivíduo codependente 
é alguém que permite que o comportamento de 
outra pessoa o afete, e sente-se obcecado por 
controlar o comportamento do outro”. Neste 
conceito, podemos encontrar a questão da 
circularidade, ou seja, de como o comportamento 
de uma pessoa afeta o de outra dentro do sistema 
familiar e de como isso é impactante na família 
que sofre com a dependência química. Também 
encontramos o aspecto do comportamento 
obsessivo e do controle.
Os assistentes sociais, especialistas em 
dependência química em Minessota, Ronald e Pat 
Potter, concluem que as famílias de dependentes 
químicos podem ser modelos para obter 
informações sobre a codependência, contudo 
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outras circunstâncias familiares poderiam produzir 
padrões similares, particularmente famílias com 
problemas crônicos negados, como incesto e 
doenças mentais e sociais.
Judith L. Fischer, PhD, e Lynda Spann, MS, ambas 
pesquisadoras da Texas Tech University, nos 
Estados Unidos, definem codependência como 
padrão disfuncional de se relacionar com os 
outros com um “foco extremo fora de si mesmo, 
a falta de expressão aberta de sentimentos, e as 
tentativas de obter um senso de propósito por 
meio de relações com os outros”.
Para a irmandade Codependentes Anônimos, 
baseada no programa de 12 Passos de Alcoólicos 
Anônimos, codependência é a inabilidade de 
manter e nutrir relacionamentos saudáveis com os 
outros e consigo mesmo.
Maria Aparecida Junqueira Zampieri, no livro 
Codependência – o transtorno e a intervenção em 
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rede diz que a codependência tem sido definida 
mais frequentemente como uma condição 
emocional, psicológica e comportamental, como 
um padrão relacional. A autora apresenta critérios 
diagnósticos para a classificação da codependência 
como um transtorno de personalidade, e vem 
realizando estudos para classificá-la como doença.
Para Lygia Vampré Humberg, psicanalista, mestra 
em ciências, “a codependência deve ser encarada 
como uma doença crônica – assim como 
diabetes e hipertensão, portanto exige contínua 
vigilância”. “A possibilidade de desenvolvimento da 
dependência é da pessoa”, revelando-se na relação 
com um outro que tenha uma possibilidade 
complementar, posto que é uma dependência do 
vínculo dos dois”, destaca a autora em sua tese 
de mestrado.
Nesta ideia, assim como na dos demais autores, o 
conceito de codependência está ampliado, não se 
limitando aos familiares de dependentes químicos, 
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porém, mais especificamente na tese de Humberg, 
fica mais próximo o conceito da dependência 
afetiva com o de codependência, já que ela aponta 
como fator principal a dependência do vínculo, 
que necessita de um outro complementar.
Diante da inviabilidade diagnóstica dos conceitos 
de codependência, o que podemos, com exatidão, 
pontuar é que estamos diante de uma condição 
emocional em que se destacam as relações 
– que variam em graus de disfunção – e os 
comportamentos – que são afetados por outros e 
afetam aos outros, se tornando estereotipados e 
também disfuncionais.
Se estamos falando em “condição emocional”, 
sabemos que podemos modificá-la, transformá-
la. Afinal, não é um diagnóstico, como falamos 
lá no início, é uma condição. Podemos e temos 
dentro de nós todas as ferramentas para sair desta 
condição, porém, para encontrar tais ferramentas, 
precisamos conhecer o caminho, ou seja, nos 
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conhecer. Traçamos então, a primeira meta: 
autoconhecimento, que traz consigo aceitação 
da situação, de si, dos seus erros, acertos, 
condição. Percorrendo este caminho, começamos 
a conhecê-lo e poderemos então encontrar as 
tais ferramentas que nos ajudarão no processo 
de mudança.
Importante lembrar, porém, que para iniciar 
esta jornada de autoconhecimento é preciso 
se desligar do outro – emocionalmente – para 
cuidar de si. Como poderemos cuidar de nós, 
nos conhecermos, gastar nosso tempo e energia 
conosco, se estamos obcecados em controlar o 
comportamento do outro? Também é importante 
libertar-se da negação e aceitar nossa condição 
emocional, sem culpas, sem mágoas, mas com 
o olhar no futuro, na possibilidade de ser e 
fazer diferente.
Neste caminho, precisaremos perder a vergonha, 
entender que não estamos sozinhos, que existem 
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milhares de pessoas no mundo que sofrem esta 
mesma dor que nós. E quando abrirmos mão da 
culpa, de toda e qualquer culpa, e abraçarmos a 
responsabilidade por nossas escolhas, por nossas 
vidas, teremos encontrado a caixa de ferramentas 
que nos permitirá, pouco a pouco, arrancar as 
ervas daninhas de nosso jardim – o medo, a raiva, 
a dor, o desespero, a angústia, a impotência, 
a decepção – e plantar as sementes das flores 
que queremos ver desabrochar em nossas vidas: 
respeito, amor-próprio, autoestima, paz, harmonia, 
limites, assertividade, união, esperança, aceitação, 
desapego, alegria, serenidade, amor.
E, assim, plantaremos todas as outras flores 
e frutos que desejarmos ter no jardim de 
nossa existência, e faremos de nossas mazelas 
emocionais o adubo para a resiliência necessária 
na construção de uma vida saudável, 
equilibrada e feliz.
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a autOra 
Jornalista, escritora, terapeuta familiar e 
pesquisadora em famílias de dependentes 
químicos. Atuou como diretora de redação da 
Revista Anônimos, assessora de comunicação 
da FEAE (Federação de Amor-Exigente), 
apresentadora do programa Amor-Exigente na 
Rede Vida e do programa Uma Só Palavra na 
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TV Aparecida e Net Cidade e colunista da Jovem 
Pan na campanha “Pela Vida, Contra as Drogas”.
Foi idealizadora, coordenadora e docente do 
curso de Orientação e Aconselhamento de 
Familiares da Febract (Federação Brasileira de 
ComunidadesTerapêuticas), pesquisadora da 
Uniad-Unifesp-Inpad no Levantamento Nacional 
de Familiares de Dependentes Químicos, realizado 
em 2013 sob a coordenação do dr. Ronaldo 
Laranjeira, palestrante da primeira edição do 
CONDEQ (Congresso de Dependência Química) 
e escritora da biografia de Padre Haroldo Rahm, SJ 
(Uma só palavra - Ed. Loyola).
Atualmente é coordenadora do Programa 
Recomeço Família do Governo do Estado 
de São Paulo e coordenadora do curso de 
Aconselhamento e Intervenções Familiares em 
Dependência Química do Instituto Independa.
Mais informações: www.codependencia.com.br
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[O QUE É CODEPENDÊNCIA]
Este livro de Romina Miranda objetiva ampliar o conhecimento 
sobre o tema, além de conscientizar e mobilizar para uma mudança 
de valores e atitudes todos aqueles que desejam conhecer melhor a 
codependência e a dependência química.
Esta é a primeira edição. 
Para ter acesso à edição atualizada, entre agora em 
 www.oqueecodependencia.com.br 
O Instituto Independa acredita que a educação pode efetivamente 
transformar vidas, e está empenhado em apresentar o melhor conteúdo 
e técnicas inovadoras, eficazes e eficientes, incentivando as pessoas a 
despertarem para uma nova consciência, superando seus desafios e 
encontrando seus caminhos de liberdade e felicidade.
Acompanhe o melhor conteúdo sobre dependência química: 
www.paraentender.com.br

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