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Priest, Graham - Logica - Uma brevissima introdução

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Lógica: uma brev́ıssima introdução
Graham Priest
Oxford University Press, 2000
Sumário
1 Validade: O que segue do que? 4
2 Funções de verdade - ou não? 9
3 Nomes e Quantificadores: Nada é alguma coisa? 17
4 Descrições e Existência: Os gregos adoravam a Zeus? 23
5 Auto-referência: Sobre o que se trata este caṕıtulo? 28
6 Necessidade e Possibilidade: O que será deve ser? 34
7 Condicionais: O que está contido em um se? 41
8 O tempo é real? 47
9 Identidade e mudança: Tudo é sempre o mesmo? 54
10 Vagueza: Como você para de escorregar em uma rampa es-
corregadia? 60
11 Probabilidade: O estranho caso da falta de classe de re-
ferência 66
12 Probabilidade Inversa: Você não pode ficar indiferente a seu
respeito! 73
13 Teoria da Decisão: Grandes expectativas 80
1
Prefácio
A lógica é uma das disciplinas intelectuais mais antigas, e uma das mais
modernas. Seu ińıcio remonta ao século IV a.C. As únicas disciplinas mais
antigas são a matemática e a filosofia, com as quais sempre esteve intima-
mente conectada. Ela passou por uma revolução por volta da virada ao século
XX, por meio da aplicação de novas técnicas matemáticas, e no último meio-
século assumiu papéis radicalmente novos e importantes na computação e
no processamento de informações. É, portanto, um assunto central para o
pensamento e as empreitadas humanas.
Este livro é uma introdução à lógica, tal como é entendida pelos lógicos
contemporâneos. Ele não pretende, no entanto, ser um manual. Tais livros
existem atualmente em quantidade. A finalidade deste é explorar as ráızes
da lógica, que penetram profundamente a filosofia. Algo de lógica formal
será explicado pelo caminho.
Em cada um dos caṕıtulos principais, inicio tomando algum problema
filosófico ou enigma (puzzle) lógico particular. Explico em seguida uma
abordagem deste. Muitas vezes, será uma abordagem bastante convencional
(standard); mas em algumas das áreas não existem respostas convencionais:
os lógicos ainda discordam. Em tais casos, simplesmente escolhi uma que
fosse interessante. Quase todas as abordagens, convencionais ou não, po-
dem ser questionadas. Termino cada caṕıtulo com alguns problemas para a
abordagem que expliquei. Algumas vezes, esses problemas são convencionais;
algumas vezes, não. Algumas vezes eles possuem respostas fáceis; outras ve-
zes, podem não tê-las. O objetivo é desafiá-lo a encontrar um meio de lidar
com o assunto.
A lógica moderna é uma área altamente matemática. Busquei escrever
o material de modo a evitar quase toda a matemática. O máximo que será
exigido é um pouco de álgebra elementar nos últimos caṕıtulos. É verdade
2
que é preciso determinação para dominar algum simbolismo que pode ser
novo para você; mas é muito menos do que seria exigido para se ter uma
compreensão básica de alguma nova ĺıngua. A perspicuidade que o simbo-
lismo fornece a questões dif́ıceis paga a pena de dominá-lo. Uma advertência,
no entanto: ler um livro de lógica ou de filosofia não é como ler um romance.
Algumas vezes será necessário ler com cuidado e lentamente. Algumas vezes
será necessário parar e pensar sobre as coisas; e você deve estar preparado
para retornar e reler o parágrafo, se necessário.
O caṕıtulo final do livro é sobre o desenvolvimento da lógica. Por meio
dele, busquei colocar algumas das questões com as quais o livro lida em
uma perspectiva histórica, para mostrar que a lógica é um assunto vivo, que
sempre evolui, e que continuará a fazê-lo. O caṕıtulo também inclui sugestões
de leitura complementar.
Há dois apêndices. O primeiro contém um glossário de termos e śımbolos.
Você pode consultá-lo se esquecer o significado de uma palavra ou śımbolo.
O segundo apêndice contém uma questão relevante para cada caṕıtulo, com
a qual será posśıvel testar sua compreensão das idéias principais.
O livro visou antes a abrangência que a profundidade. Seria mais fácil
escrever um livro sobre o tópico de cada caṕıtulo - e, de fato, vários destes
livros foram escritos. E, ainda assim, há várias importantes questões acerca
da lógica que não foram sequer tocadas aqui. Mas, se continuar firme até o
final do livro, você terá uma idéia bastante adequada dos fundamentos da
lógica moderna, e por que as pessoas acham que vale a pena pensar sobre o
assunto.
3
Caṕıtulo 1
Validade: O que segue do que?
A maior parte das pessoas gosta de pensar em si mesmas como lógicas. Dizer
a alguém “Você não está sendo lógico” é normalmente uma forma de cŕıtica.
Ser ilógico é ser confuso, atrapalhado, irracional. Mas, o que é lógica? Em
Através do espelho, de Lewis Carroll, Alice encontra a dupla argumentativa
(logic-chopping) Tweedledum e Tweedledee. Quando Alice procura algo para
dizer, eles partem para o ataque:
“Eu sei sobre o que você está pensando” disse Tweedledum: “mas
não é assim, de modo algum.”
“Ao contrário” continuou Tweedledee, “se assim fosse, poderia
ter sido; e se tivesse sido assim, seria: mas como não é, não será.
Isto é lógica.”
O que Tweedledee está fazendo - pelo menos na paródia de Carroll - é
raciocinar. E é sobre isto, como ele disse, que é a lógica.
Todos nós raciocinamos. Tentamos descobrir o que será, raciocinando a
partir do que já sabemos. Tentamos persuadir os outros de algo apresentan-
do-lhes razões. A lógica é o estudo do que pode ser considerado uma boa
razão para algo, e por que. Esta afirmação, no entanto, deve ser entendida de
uma certa maneira. Eis aqui dois exemplos de racioćınio - que são chamados
pelos lógicos de inferências :
1. Roma é a capital da Itália, e este avião pousa em Roma; logo, este
avião pousa na Itália.
4
2. Moscou é a capital dos Estados Unidos; logo, você não pode ir a Moscou
sem ir aos Estados Unidos.
Em cada caso, as afirmações antes do “logo” - chamadas pelos lógicos
de premissas - fornecem razões; as afirmações depois do “logo” - chamadas
pelos lógicos de conclusões - são aquilo para o que as razões pretendem ser
razões de. O primeiro trecho de racioćınio é correto; mas o segundo parece
muito pouco promissor, e não convenceria ninguém com um conhecimento
elementar de geografia. Repare, contudo, que se a premissa fosse verdadeira
- se, digamos, os Estados Unidos tivessem comprado toda a Rússia, e não
apenas o Alaska, e mudado a capital para Moscou, para estar mais próxima
dos centros de poder da Europa - a conclusão teria sido de fato verdadeira.
Ela teria se seguido das premissas: e é com isso que se ocupa a lógica. Ela
não se ocupa com as premissas serem verdadeiras ou falsas. Isto é tarefa
de alguma outra pessoa (no caso, do geógrafo). Ela apenas se interessa se
a conclusão segue-se das premissas. Os lógicos chamam uma inferência em
que a conclusão realmente segue-se das premissas válida. Logo, o objetivo
central da lógica é compreender a validade.
Você pode pensar que é uma tarefa um tanto boba - um exerćıcio inte-
lectual com um pouco menos de apelo que resolver palavras cruzadas. Mas
acontece que não apenas esta é uma tarefa muito dif́ıcil; é uma tarefa que não
pode ser separada de um bom número de importantes (e algumas vezes pro-
fundas) questões filosóficas. Ao longo do percurso você encontrará algumas
delas. Por enquanto, vamos examinar melhor alguns fatos básicos relativos
à validade.
Para começar, é comum distinguir entre dois tipos diferentes de validade.
Para compreendê-lo, considere as três inferências seguintes:
1. Se o ladrão tivesse invadido através da janela da cozinha, haveria pe-
gadas do lado de fora; mas não há pegadas; logo, o ladrão não invadiu
através da janela da cozinha.
2. Jones tem os dedos manchados de nicotina; logo, Jones é um fumante.
3. Jones compra dois maços de cigarro por dia; logo alguém deixou pega-
das do lado de fora da janela da cozinha.
5
A primeira inferência é bastante direta. Se as premissassão verdadeiras,
também a conclusão deve sê-lo. Ou, para dizê-lo de outro modo, as pre-
missas não poderiam ser verdadeiras sem que a conclusão também o fosse.
Lógicos chamam uma inferência deste tipo dedutivamente válida. A segunda
inferência é um pouco diferente. A premissa claramente apresenta boas razões
para a conclusão, mas não é totalmente conclusiva. Afinal de contas, Jones
poderia simplesmente ter manchado seus dedos de nicotina para fazer as
pessoas pensarem que ele era um fumante. Logo, a inferência não é dedu-
tivamente válida. Inferências deste tipo normalmente são chamadas indu-
tivamente válidas. A terceira inferência, ao contrário, parece sem salvação
sob qualquer critério. A premissa parece não fornecer qualquer tipo de razão
para a conclusão. Ela é inválida - tanto dedutiva quanto indutivamente. Na
verdade, como as pessoas não são completamente idiotas, se alguém de fato
oferece razões deste tipo, supoŕıamos que existe alguma premissa suplemen-
tar que não nos foi dita (talvez que alguém passa os maços de cigarros a
Jones através da janela da cozinha).
A validade indutiva é uma noção muito importante. Nós raciocinamos in-
dutivamente o tempo todo; por exemplo, ao tentar resolver problemas como
saber por que a janela do carro está quebrada, por que uma pessoa está
doente, ou quem cometeu um crime. Sherlock Holmes era um mestre nisso.
Apesar disso, historicamente, muito mais esforço foi empreendido para com-
preender a validade dedutiva - talvez porque os lógicos tenderam a ser ma-
temáticos ou filósofos (em cujos estudos as inferências dedutivamente válidas
são de importância central), e não médicos ou detetives. Retornaremos à
noção de indução mais adiante no livro. Por enquanto, vamos pensar um
pouco mais sobre a validade dedutiva. (É natural supor que a validade dedu-
tiva é uma noção mais simples, pois as inferências dedutivamente válidas são
mais diretas (cut-and-dried). Não é portanto uma má idéia tentar entendê-la
primeiro. Isto, como veremos, já é suficientemente dif́ıcil). Até afirmação em
contrário, “válido” significará simplesmente “dedutivamente válido”.
O que é então uma inferência válida? Aquela, como vimos, na qual as
premissas não podem ser verdadeiras sem que a conclusão também seja verda-
deira. Mas o que significa isso? Em particular, o que significa o não podem?
Em geral, “não pode” pode significar muitas coisas diferentes. Considere,
por exemplo: “Maria pode tocar piano, mas João não pode”; aqui estamos
falando de habilidades humanas. Compare com: “Você não pode entrar aqui:
é preciso permissão”; aqui estamos falando de algo que um código de regras
6
permite.
É natural entender o “não pode” relevante no presente caso deste modo:
dizer que as premissas não podem ser verdadeiras sem que a conclusão seja
verdadeira é dizer que em todas as situações em que as premissas são verda-
deiras, também o é a conclusão. Até aqui, tudo bem: mas o que é exatamente
uma situação? Que tipos de coisas entram na sua constituição e como essas
coisas se relacionam umas com as outras? E o que é ser verdadeiro? Agora
há um problema filosófico para você, como poderia ter dito Tweedledee.
Estas questões irão nos preocupar ao longo do texto; mas vamos deixá-las
de lado por enquanto, e finalizar com uma outra coisinha. Não devemos par-
tir com a idéia de que a explicação de dedutivamente válido que apresentei
está ela própria livre de problemas. (Em filosofia, todas as afirmações inte-
ressantes estão abertas ao exame.) Eis aqui um problema. Assumamos que
a explicação está correta, saber que uma inferência é dedutivamente válida é
saber que não há situações em que as premissas são verdadeiras e a conclusão
não é. Agora, qualquer que seja nossa compreensão de situação, é certo que
há um monte delas: situações sobre coisas em planetas de estrelas distantes;
situações sobre eventos antes que houvesse qualquer ser vivo no cosmos; si-
tuações descritas em obras de ficção; situações imaginadas por visionários.
Como podemos saber o que acontece em todas as situações? Pior, parece
haver um número infinito de situações (situações daqui há um ano, situações
daqui há dois, situações daqui há três anos,...). É portanto imposśıvel, até
mesmo em prinćıpio, fazer um levantamento todas as situações. Assim, se
esta abordagem da validade está correta, e dado que nós podemos reconhecer
inferências como válidas ou inválidas (ao menos em vários casos) devemos
ter alguma percepção disto, de alguma fonte especial. Qual fonte?
Devemos invocar algum tipo de intuição mı́stica? Não necessariamente.
Considere um problema análogo. Podemos distinguir entre seqüências grama-
ticais [de acordo com a gramática] e não-gramaticais de nossa ĺıngua nativa
sem muito problema. Por exemplo, um falante nativo do português reco-
nheceria que “isto é uma cadeira” é uma sentença gramatical, mas que “é
cadeira uma isto” não é. Mas parece haver um número infinito de sentenças
gramaticais ou não-gramaticais. (Por exemplo, “um é um número”, “dois é
um número”, “três é um número”, ... são todas sentenças gramaticais. E é
suficientemente fácil produzir saladas de palavras ad libitum). Então, como o
fazemos? Aquele que é talvez o mais influente dos linguistas modernos, Noam
Chomsky, sugeriu que podemos fazê-lo pois as coleções infinitas estão encap-
7
suladas em um conjunto finito de regras que estão gravadas (hard-wired) em
nós; que a evolução nos programou com uma gramática inata. Pode a lógica
ser a mesma coisa? As regras da lógica estão gravadas em nós do mesmo
jeito?
Ideias centrais do caṕıtulo
• Uma inferência válida é aquela em que a conclusão segue da(s) pre-
missa(s).
• Uma inferência dedutivamente válida é aquela na qual não existe si-
tuação em que todas as premissas são verdadeiras, mas a conclusão
não é.
Problema
A seguinte inferência é dedutivamente válida, indutivamente válida ou ne-
nhuma delas? Por que? José é espanhol. A maioria do povo espanhol é
católico. Logo, José é católico.
8
Caṕıtulo 2
Funções de verdade - ou não?
Estando ou não as regras da validade profundamente arraigadas em nós,
todos temos intuições bem fortes a respeito da validade ou não de várias
inferências. Não haveria muita discordância, por exemplo, de que a inferência
a seguir é válida: “Ela é uma mulher e é uma banqueira; logo, ela é uma
banqueira”. Ou que a inferência a seguir é inválida: “Ele é um carpinteiro;
logo, ele é um carpinteiro e joga baseball”.
Porém, nossas intuições podem, às vezes, nos colocar em apuros. O que
você pensa sobre inferência a seguir? As duas premissas ocorrem na parte
superior da linha; a conclusão na parte inferior.
A rainha é rica. A rainha não é rica.
Porcos podem voar.
Certamente não parece válida. A riqueza da rainha - grande ou não -
parece não ter relação alguma com a habilidade de voar dos porcos.
Mas o que você pensa a respeito das duas inferências seguintes?
A rainha é rica.
Ou a rainha é rica ou porcos podem voar.
Ou a rainha é rica ou porcos podem voar. A rainha não é rica.
Porcos podem voar.
A primeira delas parece válida. Considere sua conclusão. Lógicos cha-
mam sentenças como esta de disjunção; e as cláusulas em ambos os lados
9
do “ou” são chamados disjuntos. Agora, o que precisa ocorrer para que uma
disjunção seja verdadeira? Apenas que um ou outro dos disjuntos seja verda-
deiro. Assim, em qualquer situação em que a premissa é verdadeira, também
o é a conclusão. A segunda inferência também parece válida. Se uma ou
outra de duas suposições é verdadeira e uma delas não é, a outra deve ser
verdadeira.
Agora, o problema é que colocando estas duas inferências aparentemente
válidas juntas, obtemos uma inferência aparentemente inválida,como esta:
A rainha é rica.
Ou a rainha é rica ou porcos podem voar.
A rainha não é rica.
Porcos podem voar.
Isto não pode estar correto. Ligar inferências válidas desta forma não
poderia resultar numa inferencia inválida. Se todas as premissas são ver-
dadeiras em qualquer situação, então também o são as suas conclusões, as
conclusões que seguem destas; e assim por diante, até chegarmos à conclusão
final. O que há de errado?
A fim de fornecer uma resposta ortodoxa para esta pergunta, foquemos
um pouco mais nos detalhes. Para começar, vamos escrever a sentença “Por-
cos podem voar” como p, e a sentença “A rainha é rica” como q. Isto torna
as coisas um pouco mais compactas. Mas não é só isto: se você parar um
momento para refletir, pode ver que as duas sentenças particulares usadas
nos exemplos acima não tem muito a ver com o que está acontecendo. Eu
poderia ter reconstrúıdo a inferência utilizando quaisquer outras duas sen-
tenças; assim, podemos ignorar os seus conteúdos. Isto é o que fazemos
quando escrevemos as sentenças representado-as por letras.
A sentença “Ou a rainha é rica ou porcos podem voar” agora torna-se
“Ou q ou p”. Lógicos frequentemente escrevem isto como q ∨ p. E o que
fazer com “A rainha não é rica”? Vamos reescrever isto como “Não é o
caso que a rainha é rica”, puxando a particula negativa para a frente da
sentença. Consequentemente, a sentença torna-se “Não é ao caso que q”.
Lógicos frequentemente escrevem isto como ¬q, e o chamam de a negação
de q. Já que estamos aqui, como seria a sentença “A rainha é rica e porcos
podem voar”, isto é, “q e p”? Lógicos frequentemente escrevem isto como
“q&p” e o chamam de conjunção de q e p, q e p sendo os conjuntos. Munidos
desta maquinaria, podemos escrever a inferência encadeada que vimos, como:
10
q
q∨p ¬q
p
O que diremos a respeito desta inferência?
Sentenças podem ser verdadeiras, e sentenças podem ser falsas. Vamos
usar V para verdade e F para falsidade. A partir de um dos fundadores
da lógica moderna, o filósofo/matemático alemão Gottlob Frege, estes são
geralmente denominados valores de verdade. Dada qualquer sentença, a,
qual é a conexão entre o valor da verdade de a e o da sua negação, ¬a? Uma
resposta natural seria que se uma é verdadeira, a outra é falsa, e vice-versa.
Assim, se “A rainha é rica” é verdadeira, “A rainha não é rica” é falsa, e vice
versa. Podemos registrar isso como segue:
• ¬a tem o valor V exatamente se a tem o valor F ,
• ¬a tem o valor F exatamente se a tem o valor V .
Lógicos denominam esses registros como as condições de verdade para
a negação. Se assumirmos que toda sentença é verdadeira ou falsa mas
não ambas, podemos registrar as condição na seguinte tabela, que os lógicos
chamam de tabela de verdade:
a ¬a
V F
F V
Se a tem o valor de verdade dado na coluna abaixo dele, ¬a tem o valor
correspondente à sua direita.
O que dizer da disjunção ∨? Como já vimos, uma suposição natural é
que uma disjunção, a ∨ b, é verdadeira su um ou outro (ou possivelmente
ambos) de a e b são verdadeiros, e falso no caso contrário. Podemos registrar
isto nas condições de verdade para a disjunção:
• a∨ b tem o valor V exatamente se pelo menos um de a e b têm o valor
V ,
• a ∨ b tem o valor F exatamente se ambos a e b têm o valor F .
Essas condições podem ser registradas na seguinte tabela de verdade:
11
a b a ∨ b
V V V
V F V
F V V
F F F
Cada linha - exceto a primeira que está no topo - registra uma posśıvel
combinação de valores de verdade para a (primeira coluna) e b (segunda co-
luna). Existem quatro tais posśıveis combinações e, portanto, quatro linhas.
Para cada combinação, o correspondente valor de a ∨ b é dado à sua direita
(terceira coluna).
Novamente, já que estamos falando nisso, qual é a conexão entre os valores
de verdade de a e b, com o de a&b? Uma suposição natural é que a&b é ver-
dadeira se ambas a e b são verdadeiras, e falsa no caso contrário. Assim, por
exemplo, “John tem 35 anos e cabelos castanhos” é verdadeira exatamente se
“John tem 35 anos” e “John tem cabelos castanhos” são ambas verdadeiras.
Podemos registrar isto nas condições da verdade para a conjunção:
• a&b tem o valor V exatamente se ambos a e b têm o valor V ,
• a&b tem o valor F exatamente se pelo menos um de a e b têm o valor
F .
Essas condições podem ser registradas na seguinte tabela de verdade:
a b a&b
V V V
V F F
F V F
F F F
Agora, como tudo isto está relacionado com o problema que iniciamos?
Vamos voltar à questão que eu levantei no final do último caṕıtulo: O que é
uma situação? Um pensamento natural é que seja o que for uma situação,
ela determina um valor de verdade para toda sentença. Assim, por exemplo,
em uma situação em particular, poderia ser verdadeiro que a Rainha fosse
rica e falso que porcos possam voar. Em outra situação poderia ser falso que
a Rainha fosse rica e verdadeiro que porcos possam voar. (Note que estas si-
tuações são puramente hipotéticas!) Em outras palavras, uma situação deter-
mina que cada sentença relevante seja V ou F . As sentenças relevantes aqui
12
não contém qualquer ocorrência de “e”, “ou” ou “não”. Dada a informação
básica sobre uma situação, podemos usar as tabelas de verdade para resolver
os valores de verdade das sentenças que contém estas ocorrências.
Por exemplo, suponha que temos a seguinte situação:
p : V
q : F
r : V
(r pode ser a sentença “Rabanete é nutritivo”, e “p : V” significa que a p é
atribuido o valor da verdade V , etc.) Qual o valor da verdade de, digamos,
p&(¬r ∨ q)? Calculamos o valor da verdade disto exatamente da mesma
forma que calculaŕıamos o valor numérico de 3× (−6 + 2), usando tabuadas
para multiplicação e adição. O valor de verdade de r é V . Entao, a tabela de
verdade para ¬ nos diz que o valor de verdade de ¬r é F . Mas, uma vez que
o valor de q é F , a tabela de verdade para ∨ nos diz que o valor de ¬r ∨ q é
F . E dado que o valor de verdade de p é V , a tabela de verdade para & nos
diz que o valor de p&(¬r ∨ q) é F . Desta forma passo-a-passo, conseguimos
calcular o valor de verdade de qualquer fórmula contendo ocorrências de &,
∨ e ¬.
Agora, lembre-se do último caṕıtulo em que uma inferência é válida desde
que não haja nenhuma situação que faça com que todas as premissas sejam
verdadeiras, e a conclusão não verdadeira (falsa). Ou seja, é válido se não
existe uma maneira de atribuir V s e F s às sentenças relevantes, que resulte em
todas as premissas tendo o valor V e a conclusão tendo o valor F . Considere,
por exemplo, a inferência que já vimos, q/q ∨ p. (Escrevo isso em uma linha
para economizar dinheiro para a Oxford University Press.) As sentenças
relevantes são q e p. Há quatro combinações de valores de verdade, e para
cada uma destas podemos calcular os valores de verdade para as premissas e
conclusão. Podemos representar o resultado da seguinte forma:
q p q q ∨ p
V V V V
V F V V
F V F V
F F F F
13
As primeiras duas colunas nos dão todas as posśıveis combinações dos
valores de verdade para q e p. As duas últimas colunas nos dão os valores
de verdade correspondentes para a premissa e a conclusão. A terceira coluna
é a mesma que a primeira. Isto é um acidente deste exemplo, devido ao
fato que, neste caso em particular, a premissa vem a ser uma das sentenças
relevantes. A quarta coluna pode ser copiada da tabela de verdade para a
disjunção. Dada esta informação, podemos ver que a inferência é válida. Pois
não existe uma linha em que a premissa q é verdadeira e a conclusão q ∨ p
não o é.
E o que acontece com a inferência q ∨ p,¬q/p? Procedendo da mesma
maneira, obtemos:
q p q ∨ p ¬q p
V V V F V
V F V F F
F V V V V
F F F V F
Desta vez, existem cinco colunas, porque existem duas premissas. Os
valores da verdade das premissas e conclução podem ser calculados a partir
das tabelasde verdade para a disjunção e a negação. E novamente, não
existe linha em que ambas as premissas são verdadeiras e a conclusão não.
Portanto, a inferência é válida.
E o que acontece com a inferência pela qual iniciamos: q,¬q/p? Proce-
dendo como anteriormente, obtemos:
q p q ¬q p
V V V F V
V F V F F
F V F V V
F F F V F
Novamente, a inferência é válida; e agora vemos por que. Não há ne-
nhuma linha em que ambas as premissas são verdadeiras e a conclusão é
falsa. De fato, não há nenhuma linha em que ambas as premissas sejam
verdadeiras. A conclusão de fato não importa! Às vezes, os lógicos descre-
vem esta situação dizendo que a inferência é vacuamente válida, exatamente
porque as premissas nunca poderiam ser verdadeiras simultaneamente.
14
Aqui, então, está a solução do problema com que iniciamos. De acordo
com esta abordagem, nossas intuições originais acerca desta inferência esta-
vam erradas. Afinal, as intuições das pessoas podem freqüentemente induzir
ao erro. Parece óbvio para todos que a Terra não se movimenta - até que se
faz um curso de F́ısica e se descobre que na verdade a Terra esta viajando
através do espaço. Podemos até mesmo oferecer uma explicação de como as
nossas intuições lógicas dão errado. A maioria das inferências que encontra-
mos na prática não são do tipo vácuo. Nossas intuições desenvolvem-se neste
tipo de contexto, e não se aplicam genericamente - assim como os hábitos que
você desenvolve quando aprende a andar (por exemplo, não inclinar para o
lado) não funcionam sempre em outros contextos (por exemplo, quando você
aprende a andar de bicicleta).
Voltaremos a este assunto em outro caṕıtulo mais tarde. Mas vamos
encerrar este com uma breve olhada na adequação do maquinário que nós
usamos. As coisas aqui não são tão diretas como se poderia esperar. De
acordo com esta abordagem, o valor de verdade de uma sentença ¬a está
completamente determinado pelo valor de verdade da sentença a. De forma
análoga, os valores de verdade das sentenças a∨b e a&b estão completamente
determinados pelos valores de verdade de a e b. Lógicos chamam as operações
que funcionam desse modo de funções de verdade. Mas há bons motivos para
supor que “ou” e “e”, como eles ocorrem em português, não são funções de
verdade - ao menos, não sempre.
Por exemplo, de acordo com a tabela de verdade para &, “a e b” sempre
tem o mesmo valor de verdade que “b e a”: a saber, ambos são verdadeiros
se a e b forem verdadeiros, e falsos em caso contrário. Mas, considere as
sentenças:
1. John bateu a cabeça e caiu.
2. John caiu e bateu a cabeça.
A primeira diz que John bateu a cabeça e então caiu. A segunda diz
que John caiu e então bateu a cabeça. Claramente, a primeira poderia ser
verdadeira enquanto que a segunda falsa, e vice-versa. Portanto, não são
apenas os valores da verdade dos conjuntos que são importantes, mas qual
conjunto causou qual.
15
Problemas similares envolvem “ou”. De acordo com a abordagem que nós
t́ınhamos, “a ou b” é verdadeira se uma ou outra, a e b, forem verdadeiras.
Mas suponha que um amigo diga:
Ou você vem agora ou chegaremos atrasados;
e portanto você vai. Dada a tabela de verdade para ∨, a disjunção é ver-
dadeira. Mas suponha que você descobre que seu amigo estava brincando:
você poderia ter sáıdo meia hora depois e ainda estaria no horário. Sob estas
circunstancias você certamente diria que seu amigo havia mentido: o que ele
havia dito era falso. Novamente, não são meramente os valores da verdade
dos disjuntos que são importantes, mas a existência de alguma outra conexão
entre eles.
Deixarei você refletir sobre estas questões. O material que vimos nos
dá ao menos uma amostra de como certos maquinários lógicos funcionam e
iremos tirar proveito disto nos próximos caṕıtulos, a não ser que as idéias
destes caṕıtulos deixem expĺıcito que eles não se aplicam, o que acontecerá
algumas vezes.
O maquinário em questão lida somente com alguns tipos de inferências:
existem muitas outras. Estamos apenas começando.
Ideias centrais do caṕıtulo
• Em uma situação, um único valor de verdade (V ou F ) é atribúıdo a
cada sentença relevante.
• ¬a é V exatamente se a é F ,
• a ∨ b é V exatamente se pelo menos um de a e b é V ,
• a&b é V exatamente se ambos a e b são V .
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Ou Jones é um cava-
leiro ou ele é um idiota; mas, ele é certamente um cavaleiro; assim, ele não
é um idiota.
16
Caṕıtulo 3
Nomes e Quantificadores: Nada
é alguma coisa?
As inferências que vimos no último caṕıtulo envolviam sentenças com “ou” e
“não é o caso que”, palavras que adicionam, ou unem, sentenças completas
para criar outras sentenças completas; mas existem muitas inferências que
parecem funcionar de uma forma bem diferente. Considere, por exemplo, a
inferência:
Marcus me deu um livro.
Alguém me deu um livro.
Nem a premissa nem a conclusão possuem uma parte que sozinha seja
uma sentença completa. Se esta inferência é valida, isto acontece somente
por causa do que está ocorrendo dentro das sentenças completas.
A gramática tradicional nos diz que a forma mais simples de uma sentença
completa é formada por um sujeito e um predicado. Assim, considere estes
exemplos:
1. Marcus viu o elefante.
2. Annika dormiu.
3. Alguém me bateu.
4. Ninguém veio à minha festa.
17
A primeira palavra, em cada caso, é o sujeito da sentença: cada uma nos
diz do que se trata a sentença. O resto é o predicado: que nos diz o que
é dito a respeito do sujeito. Agora, quando uma tal sentença é verdadeira?
Tome o segundo exemplo. Ela é verdadeira se o objeto referido pelo sujeito
“Annika” possui a propriedade expressa pelo predicado, que é, dormiu.
Até aqui tudo bem. Mas a que o sujeito da sentença 3 se refere? À
pessoa que me bateu? Mas talvez ninguém tenha me batido. Ninguém disse
que esta era uma sentença verdadeira. O caso na sentença 4 é ainda pior. A
quem “ninguém” se refere? No livro “Through the Looking Glass”, um pouco
antes do encontro com o Leão e o Unicórnio, Alice se encontra com o Rei
Branco, que esta aguardando um mensageiro. (Por algum motivo, quando o
mensageiro aparece, ele estranhamente se parece com um coelho.) Quando
o Rei se apresenta a Alice, ele diz:
“Apenas olhe a estrada, e diga-me se você pode ver...(O Men-
sageiro).”
“Eu [não] vejo ninguém na estrada.” Disse Alice.
“Eu gostaria de ter esta visão.” O Rei observou com um tom
insatisfeito. “Ser capaz de ver ninguém! E de longe também!
Porque, tudo o que eu consigo fazer é ver pessoas reais, e de dia!”
Carroll está fazendo uma piada de lógica, como ele frequentemente o faz.
Quando Alice diz que [não] está vendo ninguém, ela não está dizendo que ela
está vendo uma pessoa - real ou não. “Ninguém” não se refere a uma pessoa
- nem a qualquer outra coisa.
Palavras como “ninguém”, “alguém”, “todos” são chamadas pelos profis-
sionais em lógica de quantificadores, e são distinguidos dos nomes “Marcus”
e “Annika”. O que acabamos de ver é que, mesmo que ambos, os quan-
tificadores e nomes, possam ser gramaticalmente sujeitos de uma sentença,
eles devem possuir funções de diferentes formas. Então, como funcionam os
quantificadores?
Eis aqui uma reposta moderna padrão. Uma situação vem equipada com
um estoque de objetos. No nosso caso, os objetos relevantes são todas as
pessoas. Todos os nomes que ocorrem no nosso racioćınio sobre esta situação
referem-se a um dos objetos desta coleção. Portanto, se nós escrevermos m
para ”Marcus”, m refere-se a um destes objetos. E se nós escrevermos F
para “é feliz”, então a sentença mF é verdadeira nesta situação exatamente
18
quando o objeto referido por m tem a propriedade expressa por F . (Por mo-
tivos de sua própria conta, lógicos geralmente invertem a ordem, e escrevem
Fm, ao invés de mF . Isto éapenas uma questão de convenção.)
Agora considere a sentença “Alguém é feliz”. Isto é verdadeiro em uma
situação somente quando houver algum objeto, na coleção de objetos, que
é feliz - isto é, algum objeto na coleção, digamos x, tal que x é feliz. Va-
mos escrever “Algum objeto x, tal que” como ∃x. Então, podemos escrever
a sentença desta forma: “∃x x é feliz”; ou lembrando-se que estamos escre-
vendo “é feliz” como F , então: ∃x xF . Lógicos às vezes chamam ∃x de um
quantificador existencial (particular).
E quanto a “Todos são felizes”? Isto é verdadeiro em uma situação se
todo objeto na coleção relevante for feliz. Isto é, cada objeto x na coleção
é tal que x é feliz. Se escrevermos “todo objeto x, tal que” como ∀x, então
podemos escrever isto da forma: ∀x xF . Lógicos geralmente chamam ∀x de
um quantificador universal.
Agora, não há vantagem em adivinhar como entendemos “Ninguém é
feliz”. Isto apenas significa que não há um objeto x, na coleção relevante, tal
que x é feliz. Nós podeŕıamos ter um śımbolo especial significando “Nenhum
objeto x, tal que”, mas na verdade, os lógicos não se importam em ter um.
Pois dizer que ninguém é feliz é dizer que não é o caso que alguém é feliz.
Então podemos escrever isto da forma: ¬∃x xF .
Esta análise dos quantificadores nos mostra que nomes e quantificadores
funcionam de formas bem diferentes. Em particular, o fato de que “Marcus
é feliz” e “Alguém é feliz” tenham sido escritos, bem diferentes, como mF
e ∃x xF , respectivamente, nos mostra isto. Isto nos mostra, além disso, que
formas gramaticais aparentemente simples podem nos levar ao erro. Nem
todos os sujeitos da gramática são iguais. A abordagem, inclusive, nos mostra
porque a inferência com a qual começamos é válida. Vamos escrever D para
“me deu o livro”. Então, a inferência é:
mD
∃x xD
Está claro que, se em alguma situação, o objeto referido pelo nome m
me deu o livro, então algum objeto na coleção relevante me deu o livro.
Em contraste, o Rei Branco está inferindo do fato de que Alice [não] viu
ninguém, que ela viu alguém (a saber, Ninguém). Se nós escrevermos “é
visto por Alice” como V então a inferência do Rei seria:
19
¬∃x xV
∃x xV
Isto é claramente inválido. Se não há objeto no domı́nio relevante que foi
visto por Alice, obviamente não é verdadeiro que há algum objeto no domı́nio
relevante que foi visto por ela.
Você pode achar que tudo isto é um monte de confuã0 à toa - na verdade,
é apenas uma maneira de construir uma boa piada. Mas é muito mais sério
do que isto. Pois os quantificadores têm um papel central em muitos argu-
mentos em matemática e filosofia. Eis aqui um exemplo filosófico. É uma
presunção natural considerar que nada acontece sem haver uma explicação:
As pessoas não ficam doentes sem motivo; carros não quebram sem haver
uma falha. Tudo, então, tem uma causa. Mas o que poderia ser a causa
de tudo? Obviamente não pode ser nada f́ısico, como uma pessoa; ou nem
mesmo algo como o Big Bang da cosmologia. Tais coisas devem, elas mes-
mas, ter suas causas. Então, deve ser algo metaf́ısico. Deus é o candidato
óbvio.
Isto é uma versão de um argumento para existência de Deus, comumente
chamado de Argumento Cosmológico. Alguém poderia contestar o argumento
de várias formas. Mas no seu coração, há uma enorme falácia lógica. A
sentença “Tudo tem uma causa” é amb́ıgua. Ela pode significar que tudo
que acontece tem alguma causa ou outra - ou seja, para cada x, há um y, tal
que x é causado por y; ou isto pode significar que há algo que é a causa de
tudo - isto é, existe algum y tal que para todo x, x é causado por y. Suponha
que nós assumimos que os domı́nios relevantes dos objetos sejam as causas
e efeitos, e escrevemos “x é causado por y” como xCy. Então, podemos
escrever estes dois significados, respectivamente, como:
1. ∀x∃y xCy
2. ∃y∀x xCy
Agora, esses enunciados não são logicamente equivalentes. O primeiro
segue do segundo. Se houvesse algo que fosse a causa de tudo, então certa-
mente, tudo que acontece tem alguma causa ou outra. Mas, se tudo tem uma
causa ou outra, não se segue que existe uma e a mesma coisa que é a causa
de tudo (Compare: Todos têm uma mãe; disso não se segue que há alguém
que é a mãe de todos.)
20
Esta versão do Argumento Cosmológico trabalha com esta ambigüidade.
O que foi dito das doenças e dos carros é 1. Mas imediatamente, o argu-
mento continua a perguntar qual é a causa, assumindo que 2 é que tenha
sido estabelecido. Além disso, esta ligação é ocultada porque, em português
“Tudo tem uma causa” pode ser usada para expressar tanto 1 quanto 2.
Note, também, que não há ambigüidade se os quantificadores são trocados
por nomes. “A radiação dos cosmos é causada pelo Big Bang” não é de forma
alguma amb́ıgua. Pode muito bem acontecer que a falha para distinguir entre
nomes e quantificadores seja outro motivo pelo qual se pode falhar em ver a
ambigüidade.
Então, é importante entender corretamente os quantificadores - e não
somente para a lógica. As palavras “algo”, “nada”, etc., não se referem a
objetos, mas funcionam de forma totalmente diferentes. Ou, ao menos, eles
podem. Mas, as coisas não são tão simples assim. Considere novamente o
cosmos. Ou está estendido infinitamente ao passado ou, em algum momento
especifico, veio a existir. No primeiro caso, não havia inicio, mas sempre
esteve lá; no segundo, ele começou num momento especifico. Em diferentes
épocas, a f́ısica tem de fato nos contado diferentes coisas a respeito da verdade
deste assunto. Entretanto, não se preocupem com isto. Apenas considere a
segunda possibilidade. Neste caso, o cosmos veio à existência a partir do
nada - de qualquer forma, um nada f́ısico, já que o cosmos é a totalidade de
tudo que é f́ısico. Agora considere esta sentença “O cosmos veio à existência
do nada”. Denotemos o cosmos por c e vamos escrever “x veio à existência de
y” como xEy. Então, dado o nosso conhecimento dos quantificadores, esta
sentença deveria significar ¬∃x cEx. Mas esta não significa isto, pois isto é
igualmente verdadeiro na primeira alternativa de cosmologia. Nesse caso, o
cosmos, sendo infinito no passado, não veio à existência de forma alguma. Em
particular, então, não é o caso de que o cosmos veio à existência a partir de
alguma coisa ou outra. Quando dizemos que na segunda cosmologia o cosmos
veio à existência a partir do nada, queremos dizer que veio à existência da
condição de nada (nothingness). Então, o nada pode ser algo. O Rei não era
tão tolo afinal.
21
Ideias centrais do caṕıtulo
• A sentença nP é verdadeira em uma situação se o objeto referido por
n possui a propriedade expressa por P naquela situação.
• ∃x xP é verdadeira em uma situação somente se algum objeto na si-
tuação, x, é tal que xP .
• ∀x xP é verdadeira em uma situação somente se cada objeto na situ-
ação, x, é tal que xP .
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Alguém ou viu o
disparo ou ouviu o disparo; assim, ou alguém viu o disparo ou alguém ouviu
o disparo.
22
Caṕıtulo 4
Descrições e Existência: Os
gregos adoravam a Zeus?
Enquanto estamos no tópico de sujeitos e predicados, há um certo tipo de
expressão que pode ser o sujeito de sentenças, que ainda não falamos a res-
peito. Os lógicos geralmente as chamam de descrições definidas, ou às vezes
apenas descrições - fique avisado que isto é apenas um termo técnico. Des-
crições são expressões como “O homem que aterrissou pela primeira vez na
lua” e “O único objeto criado pelo homem que é viśıvel do espaço”. Em
geral, descrições têm a forma: a coisa satisfazendo tal e tal condição. Se-
guindo o filósofo/matemático inglês Bertrand Russell, um dos fundadores da
lógica moderna, podemos escrevê-las como se segue. Reescreva “O homem
que aterrissou pela primeira vezna lua” como “O objeto x, tal que x é um
homem e x aterrissou primeiro na lua”. Agora escreva ιx para “o objeto x,
tal que”, e isto torna-se:
ιx(x é um homem e x aterrissou primeiro na lua).
Se escrevermos H para “é um homem” e P para “aterrissou primeiro na lua”,
temos então: ιx(xH&xP ). Em geral, uma descrição é algo da forma ιxcx,
onde cx é alguma condição que contém ocorrências de x. (Por isso o pequeno
sub-escrito x está lá para lembrá-lo disso.)
Como descrições são sujeitos, eles podem ser combinados com predica-
dos para formar sentenças completas. Portanto, se nós escrevermos U para
“nasceu nos Estados Unidos”, então “O homem que aterrissou pela primeira
vez na lua nasceu nos Estados Unidos” fica: ιx(xH&xP )U . Vamos escre-
ver µ como uma abreviação para ιx(xH&xP ). (Eu uso uma letra grega para
23
lembrá-lo que aquilo é realmente uma descrição.) Então, isto fica µU . Analo-
gamente, “O primeiro homem a aterrissar na lua é um homem e ele aterrissou
primeiro na lua” é µH&µP .
Em termos da divisão do último caṕıtulo, descrições são nomes, não quan-
tificadores. Ou seja, elas se referem a objetos - se tivermos sorte: voltaremos
a isto. Portanto, “O homem que aterrissou pela primeira vez na lua nasceu
nos Estados Unidos”, µU , é verdadeira exatamente se a pessoa particular
referida pela expressão µ tem a propriedade expressa por U .
Mas, descrições são um tipo especial de nome. Diferente do que nós po-
deŕıamos chamar de nomes próprios, como “Annika” e “o Big Bang”, elas
carregam informações sobre o objeto a que se referem. Portanto, por exem-
plo, “o homem que aterrissou pela primeira vez na lua” carrega a informação
de que o objeto referido tem a propriedade de ser um homem e ser o primeiro
na lua. Isto pode parecer banal e óbvio, mas as coisas não são tão simples
como parecem. Porque as descrições carregam informações desta forma, elas
freqüentemente são centrais em discussões importantes em matemática e fi-
losofia; e uma forma de apreciar algumas destas complexidades é olhar para
um exemplo de um tal discussão. Esta é outro argumento para existência
de Deus, freqüentemente chamado de Argumento Ontológico. O argumento
vem em um número de versões, mas aqui está uma forma simples do mesmo:
Deus é o ser com todas as perfeições.
Mas, a existência é uma perfeição.
Portanto, Deus possui a existência.
Isto é, Deus existe. Se você não viu este argumento antes, ele irá parecer
um tanto desafiador. Para começar, o que é uma perfeição? Vagamente,
uma perfeição é algo como onisciência (saber tudo que é posśıvel saber),
onipotência (ser capaz de fazer tudo que pode ser feito), e ser moralmente
perfeito (agir sempre da melhor forma posśıvel). Em geral, as perfeições são
todas aquelas propriedades que são boas de se ter. Agora, a segunda premissa
diz que existência é uma perfeição. Por que isto deveria ser assim? A razão
de se supor que isso seja assim é ainda mais complexa, com suas ráızes na
filosofia de um dos dois filósofos mais influentes da Grécia Antiga, Platão.
Felizmente, podemos contornar esta questão. Podemos fazer uma lista de
propriedades como onisciência, onipotência etc., incluir existência na lista,
e simplesmente fazer com que “perfeição” signifique qualquer propriedade
24
da lista. Além disso, podemos tomar “Deus” como sinônimo de uma certa
descrição, a saber, “o ser que possui todas as perfeições (isto é, aquelas
propriedades da lista)”. No Argumento Ontológico, ambas as premissas são
agora verdadeiras por definição, e estão fora de discussão. O argumento então
se reduz a uma linha:
O objeto que é onisciente, onipotente, moralmente perfeito,...
e existe, existe.
- e, podemos acrescentar, é onipotente, onisciente, moralmente perfeito, e
assim por diante. Isto certamente parece estar correto. Para tornar as coisas
mais transparentes, suponha que escrevemos a lista das propriedades de Deus
como P1, P2, ..., Pn. Então, o último, Pn, é existência. A definição de “Deus”
fica:
ιx(xP1&xP2&...&xPn).
Vamos escrever isto como sendo y. Então, temos yP1&yP2&...&yPn (da qual
yPn se segue).
Este é um caso especial de algo mais geral, a saber: a coisa satisfazendo
tal e tal condição satisfaz aquela própria condição. Isto é freqüentemente
chamado de Principio de Caracterização (uma coisa possui aquelas proprie-
dades pelas quais ela é caracterizada). Abreviemos isto como PC. Já vimos
um exemplo de PC, com “O primeiro homem a aterrissar na lua é um homem
e ele aterrissou primeiro na lua”, µH&µP . Em geral, obtemos um caso de PC
se tomarmos alguma descrição,ιx cx, e a substitúımos para cada ocorrência
de x na condição cx.
Agora, para toda a gente, o PC parece ser verdadeiro por definição. Claro
que as coisas possuem aquelas propriedades pelas quais elas são caracteriza-
das. Infelizmente, em geral, ele é falso. Pois, muitas coisas que seguem dele
são incontestavelmente falsas.
Para começar, podemos usá-lo para deduzir a existência de todo o tipo
de coisa que não existe realmente. Considere os números inteiros (não nega-
tivos): 0,1,2,3... Não existe o maior deles. Mas, utilizando o PC, podemos
mostrar a existência do maior número de todos. Seja cx a condição “x é o
maior número inteiro & x existe”. Seja δ a descrição ιx cx. Então, o PC nos
dá “δ é o maior número inteiro, e δ existe”. Os absurdos não terminam áı.
Considere uma pessoa não casada, digamos o Papa. Podemos provar que ele
25
é casado. Seja cx a condição “x casou com o Papa”. Seja δ a descrição ιx cx.
O PC nós dá “δ casou com o Papa”. Então, alguém casou com o Papa, isto
é, o Papa é casado.
O que se pode dizer de tudo isto? Segue uma resposta moderna padrão.
Considere a descrição ιx cx. Se houver um único objeto que satisfaça a
condição cx, em alguma situação, então a descrição se refere a ele. Em caso
contrário, ela não se refere a nada: é um “nome vazio”. Deste modo, existe
um único x, tal que x é um homem e x aterrissou primeiro na lua, Armstrong.
Então, “o x tal que x é um homem e x aterrissou primeiro na lua”refere-se
a Armstrong. Igualmente, existe o menor número inteiro, chamado 0 (zero);
portanto, a descrição “o objeto que é o menor número inteiro” denota 0. Mas,
dado que não há o maior número inteiro, “o objeto que é o maior número
inteiro” falha ao referir-se a qualquer coisa. Igualmente, a descrição “a cidade
na Austrália que possui mais de um milhão de pessoas” também falha ao se
referir a algo. Desta vez, não pelo fato que não existe tal cidade, mas porque
existem diversas delas.
O que isto tem a ver com o PC? Bem, se houver um único objeto satisfa-
zendo cx, em alguma situação, então ιx cx refere-se a ele. Então, a instância
do PC com respeito a cx é verdadeira: ιxcx é uma dessas coisas - na verdade,
a única coisa - que satisfaz cx. Em particular, o menor número inteiro é (de
fato) o menor número inteiro; a cidade que é a capital federal da Austrália
é, de fato, a capital federal da Austrália etc. Então, alguns exemplos de PC
se mantém.
Mas, e se não houver um único objeto que satisfaça cx? Se n é um nome e
P é um predicado, a sentença nP é verdadeira somente se houver um objeto
a que n se refira, e que tenha a propriedade expressa por P . Por isso, se
n não denota nenhum objeto, nP deve ser falso. Portanto, se não houver
uma única coisa tendo a propriedade P , (se, por exemplo, P é “é um cavalo
alado”) (ιx xP )P é falso. Como se é esperado, sob estas circunstâncias, o
PC pode falhar.
Agora, como tudo isto está contido no Argumento Ontológico? Lembre-se
que a instância do PC lá referida é yP1&yP2&...&yPn em que y é a descrição
ιx(xP1&xP2&...&xPn). Ou existe algo satisfazendo xP1&xP2&...&xPn ou
não existe. Se existir, deve ser único. (Não pode haver 2 objetos onipoten-
tes: se eu sou onipotente, eu consigo fazer você parar de fazercoisas, então
você não pode ser onipotente.) Então y se refere a isto, e yP1&yP2&...&yPn
26
é verdadeiro. Se não houver, então y não se refere a nada; portanto cada
conjunto de yP1&yP2&...&yPn é falso; conseqüentemente, toda a conjunção
é falsa. Ou seja, a instância do PC usado no argumento é verdadeira apenas
se Deus existir; mas é falsa se Deus não existir. Portanto, se alguém está ar-
gumentando pela existência de Deus, ele simplesmente não pode evocar esta
instância do PC: ele estaria somente assumindo algo que supostamente deve-
ria estar provando. Os filósofos dizem que tal argumento suplica a questão;
isto é, suplica para estar admitindo exatamente o que está em questão. E,
um argumento que suplica a questão, claramente não funciona.
É o bastante para o Argumento Ontológico. Vamos terminar este caṕıtulo
vendo que o apanhado das descrições que expliquei é, de certa forma, pro-
blemático por si só. De acordo com este apanhado, se δP é uma sentença
onde δ é uma descrição que não se refere a nada, ela é falsa. Mas isto não
parece estar sempre correto. Por exemplo, pareceria verdadeiro que o mais
poderoso deus da Antiga Grécia era chamado de “Zeus”, vivia no Monte
Olympus, era adorado pelos gregos e assim por diante. Ainda que não haja,
na realidade, nenhum deus grego. Eles não existiam de fato. Se isto é correto,
então a descrição “o mais poderoso deus da Antiga Grécia” não se refere a
nada. Mas, neste caso, existem sentenças tipo sujeito/predicado verdadeiras
na qual o termo sujeito falha em se referir a algo, tal como “o mais poderoso
deus da Antiga Grécia era adorado pelos gregos”. De modo tendencioso,
existem verdades sobre objetos não existentes, afinal de contas.
Ideias centrais do caṕıtulo
• (ιx cx)P é verdadeiro em uma situação exatamente se, nesta situação,
houver um único objeto, a, satisfazendo cx, e aP .
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Todos queriam ganhar
o prêmio; assim, a pessoa que venceu a corrida queria ganhar o prêmio
27
Caṕıtulo 5
Auto-referência: Sobre o que se
trata este caṕıtulo?
Freqüentemente, as coisas parecem simples quando alguém pensa em casos
normais; mas isto pode ser enganoso. Quando se considera casos mais inco-
muns, a simplicidade pode muito bem desaparecer. Assim é com a referência.
Vimos no último caṕıtulo que as coisas não são tão diretas como alguém pode
supor, quando se leva em consideração o fato de que alguns nomes podem
não se referir a nada. Outras complexidades aparecem quando consideramos
outro tipo de caso incomum: a auto-referência.
É bem posśıvel para um nome se referir a algo do qual, ele mesmo, faz
parte. Por exemplo, considere a sentença “Esta sentença contém cinco pa-
lavras”. O nome que é o sujeito desta sentença, “Esta sentença”, se refere
a toda a sentença, na qual este nome faz parte. Coisas parecidas acontecem
num conjunto de regras que contém a sentença “As regras devem ser revi-
sados por uma decisão majoritária do Departamento de Filosofia”, ou pela
pessoa que pensa “Mas se eu estou pensando este pensamento, então eu devo
estar consciente”.
Estes são todos casos relativamente não problemáticos de auto-referência.
Existem outros casos que são bem diferentes. Por exemplo, suponha que
alguém diga:
Esta própria sentença que eu estou proferindo agora é falsa.
Chame esta sentença de λ. A sentença λ é falsa ou verdadeira? Bem,
se é verdadeira, então o que é dito é o caso, portanto λ é falso. Mas se é
28
falsa, então, desde que isto é exatamente o que afirma ser, é verdadeira. Em
ambos os casos, λ pareceria ser ambos, verdadeira e falsa. A sentença é como
uma faixa de Möbius, uma configuração topológica onde, por causa de uma
torção, o interior é o exterior, e o exterior é o interior: verdade é falsidade e
falsidade é verdade.
Ou suponha qua alguém diga:
Esta própria sentença que eu estou proferindo agora é verdadeira.
Isto é verdadeiro ou falso? Bem, se é verdadeiro, é verdadeiro, dado que
isto é o que é dito. E se é falso, então é falso, dado que ela afirma que é
verdadeiro. Sendo assim, ambas, a assunção que é verdadeiro e a assunção
que é falso parecem ser consistentes. Além disso, parece não haver nenhum
outro fato que resolva a questão de qual é valor de verdade que ela possui.
Não é que ela possua algum valor que nós não saibamos, ou nem mesmo
podemos saber. Pelo contrário, pareceria (não) haver nada que a determine
como verdadeira ou falsa. Parece não ser nem verdadeira nem falsa.
Estes paradoxos são muito antigos. O primeiro deles parece ter sido des-
coberto pelo o antigo filósofo grego Eubúlides, e é freqüentemente chamado
de o paradoxo do mentiroso. Existem muitos outros, e mais recentes, para-
doxos do mesmo tipo, alguns deles têm um papel crucial nas partes centrais
do racioćınio matemático. Aqui está outro exemplo. Um conjunto é uma
coleção de objetos. Portanto, por exemplo, pode-se ter o conjunto de todas
as pessoas, o conjunto de todos os números, o conjunto de todas as idéias
abstratas. Conjuntos podem ser membros de outros conjuntos. Assim, por
exemplo, o conjunto de todas as pessoas numa sala é um conjunto, e, sendo
assim, é um membro do conjunto de todos os conjuntos. Alguns conjuntos
podem até mesmo ser membros de si mesmos: um conjunto de todos os obje-
tos mencionados nesta página é um objeto mencionado nesta página (acabei
de mencionar), e, portanto, é um membro de si mesmo; O conjunto de todos
os conjuntos é um conjunto, e também um membro de si mesmo. E alguns
conjuntos certamente não são membros deles mesmos: O conjunto de todas
as pessoas não é uma pessoa, e assim não é um membro do conjunto de todas
as pessoas.
Agora, considere o conjunto de todos aqueles conjuntos que não são mem-
bros deles mesmos. Chame-o R. R é um membro de si mesmo, ou não? Se é
um membro de si mesmo, então é uma das coisas que não é um membro de
29
si mesmo. Se, por outro lado, não é um membro de si mesmo, é um daqueles
conjuntos que não são membros de si mesmos, e, portanto é um membro de
si mesmo. Pareceria ambos, que R é e não é um membro de si mesmo.
Este paradoxo foi descoberto por Bertrand Russell, que nós vimos no
último caṕıtulo, portanto é chamado de o paradoxo de Russell. Como o
paradoxo do mentiroso, ele tem um primo. O que diremos a respeito do
conjunto de todos os conjuntos que são membros de si mesmos. Este é um
membro de si mesmo, ou não? Bem, se é, é; Se não é, não é. Novamente,
parece não haver nada para determinar a questão de alguma forma.
O que exemplos deste tipo fazem, é desafiar a assunção que nós tivemos no
capitulo 2, que toda sentença é verdadeira ou falsa, mas nunca as duas coisas.
“Esta sentença é falsa”, e “R não é um membro de si mesmo” parecem ser
ambas verdadeiras e falsas; e os primos delas não parecem ser nem verdadeiras
nem falsas.
Como esta idéia pode ser acomodada? Simplesmente levando estas ou-
tras possibilidades em consideração. Suponha que em qualquer situação,
toda sentença é verdadeira, mas não falsa, falsa, mas não verdadeira, am-
bas verdadeira e falsa, ou nem verdadeira nem falsa. Lembre-se do capitulo
2, que as condições da verdade para negação, conjunção e disjunção são as
seguintes. Em qualquer situação:
¬a tem o valor V exatamente se a tem o valor F .
¬a tem o valor F exatamente se a tem o valor V .
a&b tem o valor V exatamente ambos a e a tem o valor V .
a&b tem o valor F exatamente se ao menos um dos a e b tem o valor F .
a∨ b tem o valor V exatamente se ao menos um dos a e b tem o valor V .
a ∨ b tem o valor F exatamente ambos a e a tem o valor F .
Usando esta informação, é fácil calcular os valores da verdade das sen-
tenças sob o novo regime. Por exemplo:
• Suponha que a é F e não V . Então, desde que a seja F , ¬a é V (pela
primeira cláusula para negação).E desde que a não seja V , ¬a não é
F (pela segunda cláusula para negação). Assim sendo, ¬a é V , mas
não F .
• Suponha que a é V e F , e que b é apenas V . Então, ambos a e b são V ,
portanto a&b é V (pela primeira cláusula para conjunção). Mas, por
30
que a é F , ao menos uma das sentenças a e b é F , portanto, a&b é F
(pela segunda cláusula para conjunção). Portanto, a&b são ambos V e
F .
• Suponha que a é somente V , e b não é V nem F . Então desde que a
seja V , ao menos uma das a e b é V , e assim sendo a ∨ b é V (pela
primeira cláusula para disjunção). Mas desde que a não seja F , então
não é caso que a e b sejam ambas F . Portanto a ∨ b não é F (pela
segunda cláusula para disjunção). Assim sendo, a ∨ b é apenas V .
O que isto nos diz sobre a validade? Um argumento válido é ainda um
argumento onde não existe situação em que as premissas são verdadeiras, e a
conclusão não é verdadeira. E uma situação é ainda algo que dá um valor da
verdade a cada sentença relevante. Somente que agora, uma situação pode
dar a uma sentença um valor da verdade, dois, ou nenhum. Então considere a
inferência q/q∨p. Em qualquer situação onde q tenha o valor V , as condições
para ∨ nos garante que q ∨ p também tem o valor V . (Pode também ter o
valor F , mas não importa.) Portanto, se a premissa tem o valor V , assim
também tem a conclusão. A inferência é válida.
A esta altura, vale a pena retornar à inferência que começamos no caṕıtulo
2: q,¬q/p. Como nós vimos naquele caṕıtulo, dadas as assunções feitas
lá, esta inferência é válida. Mas dadas às novas assunções, as coisas são
diferentes. Para ver porque, apenas tome uma situação onde q tem o valor V
e F , mas p tem apenas o valor F . Desde que q seja ambos V e F , ¬q é também
ambos V e F . Assim sendo, ambas as premissas são V (e F também, mas
isto não é relevante), e a conclusão, p, não é V . Isto nos dá outro diagnóstico
de porque nós achamos a inferência intuitivamente inválida. Ela é inválida.
Mas isto não é o fim da questão. Como nós vimos no Caṕıtulo 2, esta
inferência segue de duas outras inferências. A primeira delas (q/q ∨ p) nós
acabamos de ver como sendo válida na abordagem atual. A outra deve,
entretanto, ser inválida; e este é o caso. A outra inferência é:
q ∨ p,¬q
p
Agora, considere a situação em que q ganha os valores V e F , e p ganha
apenas o valor F . Facilmente, verificamos que ambas as premissas possuem
o valor V (assim como F ). Mas, a conclusão não ganha o valor V . Assim
sendo, a inferência é inválida.
31
No Caṕıtulo 2, eu disse que esta inferência não parecia intuitivamente
válida. Portanto, dada a nova abordagem, nossas intuições a respeito disso
devem estar erradas. Entretanto, pode-se oferecer uma explicação para este
fato. A inferência parece ser válida porque, se ¬q é verdadeiro, isto parece
eliminar a verdade de q, nos deixando com o p. Mas na abordagem atual, a
verdade de ¬q não elimina a verdade de q. Isto seria assim, somente se algo
não pudesse ser verdadeiro e falso. Quando pensamos em uma inferência
como válida, nós estamos talvez nos esquecendo de tais possibilidades, que
podem surgir em casos incomuns, como estes que são fornecidos pela auto-
referência.
Qual explicação da situação é melhor, aquela que conclúımos no Caṕıtulo
2, ou aquela que temos agora? Esta é uma questão que eu vou deixar para
você pensar a respeito. Ao invés disto, vamos terminar notando que, como
sempre, alguém pode objetar algumas das idéias na qual a nova abordagem
se apóia. Considere o paradoxo do mentiroso e o seu primo. Comece pelo
segundo. A sentença “Esta sentença é verdadeira” era supostamente para ser
um exemplo de algo que não é verdadeiro nem falso. Vamos supor que este
seja o caso. Então, em particular, não é verdadeira. Mas, ela mesma, diz ser
verdadeira. Portanto ela deve ser falsa, ao contrário da nossa suposição que
não é verdadeira nem falsa. Parece que nós acabamos em uma contradição.
Ou tome a sentença do mentiroso, “Esta sentença é falsa”. Esta sentença era
supostamente para ser um exemplo de algo que é tanto verdadeira quanto
falsa. Vamos melhorar o exemplo um pouco. Considere a sentença “Esta
sentença não é verdadeira”. Qual é o valor da verdade dela? Se for verda-
deira, então o que é dito é o caso, portanto não é verdadeira. Mas se não
é verdadeira, então, uma vez que isso é o que ela afirma, é verdadeira. De
qualquer forma, parecia ser ambos, verdadeira e não verdadeira. Novamente,
nós temos uma contradição em nossas mãos. Não é apenas que as sentenças
possam tomar os valores V e F ; pelo contrário, uma sentença pode tanto ser
V e não ser V .
São situações como esta que têm feito do assunto auto-referência muito
contundente, desde Eubúlides. É, certamente, uma questão muito dif́ıcil.
32
Ideias centrais do caṕıtulo
• As sentenças podem ser verdadeiras, falsas, ambas, ou nenhuma delas.
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Você fez um omelete,
e não é o caso que você fez um omelete e não quebrou um ovo; assim, você
quebrou um ovo.
33
Caṕıtulo 6
Necessidade e Possibilidade: O
que será deve ser?
Freqüentemente alegamos não apenas que algo é assim, mas que deve ser as-
sim. Dizemos: “Deve chover”, “Não vai deixar de chover”, “Necessariamente,
irá chover”. Também temos muitas formas de dizer que, embora algo possa,
na verdade, não ser o caso, poderia ser. Dizemos: “Poderia chover amanhã”,
“é posśıvel que chova amanhã”, “não é imposśıvel que chova amanhã”. Se
a é alguma sentença, lógicos geralmente escrevem a alegação que a deve ser
verdadeira como 2a, e a alegação que a poderia ser verdadeira como 3a.
2 e 3 são chamados operadores modais, uma vez que eles expressam
os modos nas quais as coisas são verdadeiras ou falsas (necessariamente,
possivelmente). Os dois operadores estão, na verdade, conectados. Dizer que
algo deve ser o caso é dizer que não é posśıvel que isto não seja o caso. Ou
seja, 2a significa o mesmo que ¬3¬a. Igualmente, dizer que é posśıvel que
algo seja o caso é dizer que não é necessariamente o caso que isto é falso. Ou
seja, 3a significa o mesmo que ¬2¬a. Por precaução, nós podemos expressar
o fato de que é imposśıvel para a ser verdadeiro, indiferentemente, como ¬3a
(não é posśıvel que a), ou como 2¬a (a é necessariamente falsa).
Ao contrário dos operadores que encontramos até agora, 2 e 3 não são
funções da verdade. Como vimos no Caṕıtulo 2, quando se sabe o valor
de verdade de a, pode-se calcular o valor de verdade de ¬a. Similarmente,
quando se sabe os valores de verdade de a e b, pode-se calcular os valores
de verdade de a ∨ b e a&b. Mas, não se pode inferir o valor de verdade de3a simplesmente pelo conhecimento do valor de verdade de a. Por exemplo,
34
seja r a sentença “Amanhã eu me levantarei antes das 7 horas”. Suponha
que r é, na verdade, falso. Mas, certamente poderia ser verdadeiro: Eu
poderia programar meu despertador e acordar mais cedo. Assim sendo, 3r
é verdadeiro. Mas, seja j a sentença “Eu saltarei da cama e ficarei suspenso
no ar a 2m do chão”. Assim como r, isto também é falso. Mas, ao contrário
de r, não é nem mesmo posśıvel que isso seja verdade. Porque violaria as
leis da gravidade. Assim sendo, 3j é falso. Portanto, o valor de verdade
de uma sentença, a, não determina o de 3a: r e j são ambas falsas, mas3r é verdadeiro e 3j é falso. Similarmente, o valor de verdade de a não
determina o valor da verdade de 2a. Seja, agora, r a sentença “Amanhã,
eu me levantarei antes das 8 horas”. Isto é, de fato, verdadeiro; mas não
é necessariamente verdadeiro. Eu poderia ficar na cama. Seja, agora, j a
sentença “Se eu saltar da cama amanhã de manhã, eu terei me movido”.
Isto também é verdadeiro, mas não existe nenhum modo em que isto poderiaser falso. É necessariamente verdadeiro. Assim sendo, r e j são ambos
verdadeiros, mas um é necessariamente verdadeiro e o outro não.
Operadores Modais são, portanto, tipos de operadores bem diferentes de
qualquer coisa que tenhamos visto até agora. Eles também são importantes
e frequentemente são operadores que nos desafiam. Para ilustrar isto, eis
aqui um argumento para o fatalismo, dado por um dos dois mais influentes
filósofos Gregos, Aristóteles.
Fatalismo é a concepção de que tudo o que acontece deve acontecer: não
poderia ter sido evitado. Quando um acidente ocorre, ou uma pessoa morre,
não há nada que poderia ter sido feito para evitá-lo. Fatalismo é uma visão
que tem atráıdo algumas pessoas. Quando algo dá errado, existe um certo
conforto que provem do pensamento de que aquilo não poderia ter sido de
outra forma. Não somente isto, fatalismo implica que eu sou incapaz de alte-
rar o que acontece, e isto parece patentemente falso. Se eu me envolver num
acidente de carro hoje, eu poderia ter evitado isto simplesmente tomando
uma rota diferente. Então, qual é o argumento de Aristóteles? Ele procede
da seguinte forma. (Por ora, ignore que o texto esteja em negrito; voltaremos
a tocar neste assunto.)
Tome qualquer alegação que quiser - digamos, a t́ıtulo de ilustração, que
estarei envolvido em um acidente de trânsito amanhã. Agora, podemos não
saber ainda se isto é verdadeiro ou não, mas sabemos que estarei envolvido
em um acidente ou não. Suponha o primeiro caso. Então, como questão
de fato, estarei envolvido em um acidente de trânsito. E se é verdadeiro
35
dizer que estarei envolvido em um acidente, então não pode deixar
de ser o caso que estarei envolvido. Ou seja, deve ser o caso que estarei
envolvido. Suponha, por outro lado, que, como questão de fato, não estarei
envolvido em um acidente de trânsito amanhã. Então, é verdade dizer que
não estarei envolvido em um acidente; e sendo assim, não pode deixar de
ser o caso que não estou envolvido no acidente. Qualquer um dos dois que
acontecer, então, deve acontecer. Isto é fatalismo.
O que se poderia dizer a respeito disso? Para responder, vamos exami-
nar a concepção moderna standard dos operadores modais. Suponhamos que
toda situação, s, venha acompanhada de um feixe de possibilidades, isto é, si-
tuações que são posśıveis no que diz respeito a s - a serem definidas, digamos,
como as situações que poderiam surgir sem que se violassem as leis da f́ısica.
Assim sendo, se s é uma situação em que eu estou presentemente (estando
na Austrália), estar em Londres por uma semana é uma situação posśıvel;
enquanto que estar em Alfa Centauros (a mais de 4 anos-luz de distância) não
é. Segundo o filósofo e lógico do século 17, Leibniz, lógicos frequentemente
chamam estas situações posśıveis, de modo divertido, de mundos posśıveis.
Agora, dizer que 3a (é possivelmente o caso que a) é verdadeiro em s, é
apenas dizer que a é verdadeiro em ao menos um dos mundos associados
com s. E dizer que 2a (é necessariamente o caso que a) é verdadeiro em s,
é apenas dizer que a é verdadeiro em todos os mundos posśıveis associados
com s. Por isso, 2 e 3 não são funções da verdade. Porque a e b podem
ter o mesmo valor da verdade em s, digamos F , mas podem ter diferentes
valores da verdade nos mundos associados com s. Por exemplo, a pode ser
verdadeiro em um dos mundos (digamos, s′), mas b pode não ser verdadeiro
em nenhum, da seguinte forma:
s s′
a : F
b : F
a : V
b : F
Essa abordagem nos fornece uma maneira de analisar inferências que
36
empregam operadores modais. Por exemplo, considere a inferência:
3a 3b
3(a&b)
Isso é inválido. Para ver o porquê, suponha que as situações associadas
com s são s1 e s2, e que os valores de verdade são como se segue:
s
s1 s2
a : F
b : F
a : V
b : F
a : F
b : V
a é V em s1, portanto 3a é verdadeiro em s. Similarmente, b é verdadeiro em
s2; portanto 3b é verdadeiro em s. Mas, a&b não é verdadeiro em nenhum
mundo associado; portanto 3(a&b) não é verdadeiro em s.
Em contraste, a seguinte inferência é válida:
2a 2b
2(a&b) .
Pois, se as premissas são verdadeiras em uma situação s, então a e b são ver-
dadeiros em todos os mundos associados com s. Mas, então, a&b é verdadeira
em todos aqueles mundos. Isto é, 2(a&b) é verdadeira em s.
Antes de voltarmos à questão de como isso se relaciona com o argumento
de Aristóteles, devemos mencionar brevemente um outro operador lógico,
37
com o qual ainda não nos encontramos. Escrevamos ‘se a então b’ como a →
b. Sentenças dessa forma são chamadas condicionais, e serão a nossa principal
preocupação no próximo caṕıtulo. Por enquanto, tudo o que precisamos notar
é que a principal inferência na qual condicionais parecem estar envolvidos é
essa:
a a → b
b
(Por exemplo: ‘Se ela se exercita frequentemente, então ela está em forma.
Ela se exercita frequentemente; então ela está em forma’.) Lógicos modernos
costumam chamar essa inferência pelo nome dado a ela pelos lógicos medi-
evais: modus ponens. Literalmente isso significa ‘o modo de colocar’. (Não
me pergunte.)
Agora, para considerar o argumento de Aristóteles, precisamos pensar um
pouco a respeito de condicionais da forma:
se a então não pode deixar de ser o caso que b.
Tais sentenças são, de fato, amb́ıguas. Uma coisa que elas podem signi-
ficar é que se a, de fato, é verdadeira, então b é necessariamente verdadeira.
Isto é, se a é verdadeira na situação de que estamos falando, s, então b é
verdadeira em todas as situações posśıveis associadas a s. Podemos escrever
isso como a → 2b. A sentença está sendo usada desta maneira quando di-
zemos coisas como: ‘Você não pode mudar o passado. Se algo foi verdadeiro
no passado então esse algo não pode hoje deixar de ter sido verdadeiro. Não
há nada que você possa fazer a respeito: É irrevogavel’.
O outro significado de um condicional da forma ‘se a então não pode
deixar de ser o caso que s’ é bastante diferente. Frequentemente usamos
essa expressão para dizer que b se segue de a. Estaŕıamos usando a sentença
desta maneira se disséssemos ‘Se Fred vai se divorciar então ele é necessaria-
mente casado’. Não estamos dizendo que se Fred vai se divorciar, então seu
casamento é irrevogável. Estamos dizendo que você não pode se divorciar
sem ser casado. Não há uma situação posśıvel onde acontece uma coisa e a
outra não. Isto é, em qualquer situação posśıvel, se uma é verdadeira, então
a outra também é. Isto é, 2(a → b) é verdadeira.
Agora a → 2b e 2(a → b) significam coisas bem diferentes. E certamente,
a primeira não se segue da segunda. O mero fato de que a → b seja verdadeira
em toda situação associada a s não significa que a → 2b é verdadeira em s.
38
a pode ser verdadeira em s sem que 2b seja: tanto b quanto a podem ser
falsos em algum mundo associado. Ou para dar um contra-exemplo concreto:
é necessariamente verdadeiro que se Jonh vai se divorciar, ele é casado; mas
certamente não é verdade que se Jonh vai se divorciar ele é necessariamente
(irrevogavelmente) casado.
Voltando finalmente ao argumento de Aristóteles, considere a sentença
colocada em negrito: ‘Se é verdade dizer que me envolverei em um acidente,
então não pode deixar de ser o caso que eu me envolverei’. Isso é exatamente
da forma de que estávamos falando. E é, portanto, amb́ıguo. Além disso, o
argumento se fia nesta ambiguidade. Se a é a sentença ‘É verdadeiro dizer
que me envolverei em um acidente de trânsito’ e b é a sentença ‘Me envolverei
(em um acidente de trânsito)’, então o condicional em negrito é verdadeiro
no sentido:
1. 2(a → b).
Necessariamente, se é verdadeiro dizer algo, então este algo é de fato o
caso. Mas o que precisaria ser estabelecido é:
2. a → 2b.
Afinal de contas, o próximo passo do argumento é inferir 2b a partir de
a por modus ponens. Mas,como vimos, 2 de maneira nenhuma se segue
de 1. Assim, o argumento de Aristóteles é inválido. Em grande medida, o
mesmı́ssimo problema aparece na segunda parte do argumento, com o condi-
cional ‘Se é verdadeiro dizer que eu não me envolverei em um acidente, então
não pode deixar de ser o caso que eu não me envolva em um acidente’.
Isso parece ser uma resposta satisfatória ao argumento de Aristóteles.
Mas, há uma variação do argumento que não tem resposta tão fácil. Volte
ao exemplo que t́ınhamos sobre mudar o passado. Parece mesmo verdadeiro
que se alguma sentença sobre o passado é verdadeira, ela é hoje necessaria-
mente verdadeira. É imposśıvel, agora, transformá-la em falsa. A Batalha
de Hastings se deu em 1066, e não há, hoje, nada que possamos fazer para
que ela tenha se dado em 1067. Portanto, se p é um enunciado a respeito do
passado, então p → 2p.
Considere agora um enunciado a respeito do futuro. De novo, por exem-
plo, seja a afirmação de que me envolverei em um acidente de trânsito
amanhã. Suponha que isso é verdade. Segue-se que se alguém disse isso
100 anos atrás, então este alguém disse a verdade. E mesmo se ninguém
39
nunca dissesse isso, se tivesse dito teria dito a verdade. Assim, que eu me
envolverei em um acidente amanhã era verdade há 100 anos. Esse enunciado
(p) é certamente um enunciado a respeito do passado, e portanto, uma vez
verdadeiro, é necessariamente verdadeiro (2p). Então, deve ser necessari-
amente verdadeiro que me envolverei em um acidente amanhã. Mas, isso
era apenas um exemplo; o mesmo racioćınio poderia ser aplicado a qualquer
coisa. Assim, o que quer que aconteça, deve acontecer. Este argumento em
favor do fatalismo não comete a mesma falácia (isto é, o mesmo argumento
inválido) que o considerado anteriormente. No fim das contas, o fatalismo é
verdadeiro?
Ideias centrais do caṕıtulo
• Cada situação vem associada a uma coleção de situações posśıveis.
• 2a é verdadeira em uma situação, s, se a é verdadeira em todas as
situações associadas a s.
• 3a é verdadeira em uma situação, s, se a é verdadeira em alguma a
situação associada a s.
Problema
Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. É imposśıvel para por-
cos voarem, e é imposśıvel para porcos respirarem debaixo d’água; portanto,
deve ser o caso que os porcos nem voem e nem respirem debaixo d’água.
40
Caṕıtulo 7
Condicionais: O que está
contido em um se?
Neste caṕıtulo, nos voltaremos para o operador lógico que apresentei de pas-
sagem no caṕıtulo anterior, o condicional. Lembre-se que um condicional é
uma sentença da forma ‘se a então c’, que escrevemos como a → c. Lógicos
chamam a de antecedente do condicional, e c de consequente. Notamos
também que uma das mais fundamentais inferências a respeito do condi-
cional é o modus ponens : a, a → b/c. Os condicionais são fundamentais para
muito do nosso entendimento. O caṕıtulo anterior mostrou apenas um exem-
plo disto. Mesmo assim, eles são profundamente dif́ıceis de entender. Eles
têm sido estudados em lógica desde os tempos mais antigos. Na verdade, foi
reportado por um antigo comentarista (Callimachus) que uma vez até mesmo
os corvos nos telhados estavam gorjeando a respeito dos condicionais.
Vamos ver porque - ou, pelo menos, um motivo do porque - os condicionais
são dif́ıceis de entender. Se você sabe que a → c, parece que você poderia
inferir que ¬(a&¬c) (não é o caso que a e não c). Suponha, por exemplo, que
alguém lhe informa que se perder o ônibus, vai chegar atrasado. Você pode
inferir disto que é falso que você perderá o ônibus e não chegará atrasado.
Inversamente, se você sabe que ¬(a&¬c), parece que você poderia inferir
a → c disto. Suponha, por exemplo, que alguém lhe diga que você não irá
ao cinema sem gastar dinheiro (não é o caso que vá ao cinema e não gaste
dinheiro). Você pode inferir que se for ao cinema, irá gastar dinheiro.
¬(a&¬c) é freqüentemente escrita como a ⊃ c, e chamado de condicional
material. Portanto, parece que a → c e a ⊃ c significariam a mesma coisa.
41
Em particular, assumindo a maquinaria do Caṕıtulo 2, eles devem ter a
mesma tabela da verdade. É um exerćıcio simples, que eu deixo para você,
mostrar que isto é da seguinte forma:
a c a ⊃ c
V V V
V F F
F V V
F F V
Mas isto é estranho. Significa que se c é verdadeiro em uma situação
(primeira e terceira fileiras), então a → c também é. Isto dificilmente pa-
rece correto. É verdadeiro, por exemplo, que Canberra é a capital federal
da Austrália, mas o condicional ‘Se Canberra não for a capital federal da
Austrália, então Canberra é a capital federal da Austrália’ parece certamente
falso. Igualmente, a tabela da verdade nos mostra que se a é falso (terceira
e quarta fileiras), a → c é verdadeiro. Mas, isto dificilmente parece correto
também. O condicional ‘Se Sydney for a capital federal da Austrália, então
Brisbane é a capital federal’ também aparece claramente falso. O que deu
errado?
O que estes exemplos parecem mostrar é que → não é uma função da
verdade: o valor da verdade de a → c não é determinado pelos valores da
verdade de a e c. Ambas ‘Roma é na França’ e ‘Beijing é na França’ são
falsas; mas é verdadeiro que:
Se a Itália for parte da França, então Roma é na França.
Enquanto é falso que:
Se a Itália for parte da França, então Beijing é na França.
Então, como funcionam os condicionais?
Uma resposta pode ser dada usando o mecanismo de mundos posśıveis
do último caṕıtulo. Considere os dois últimos condicionais. Em qualquer
situação posśıvel na qual a Itália foi incorporada à França, Roma seria cer-
tamente na França, mas isto não tem nenhum efeito na China. Portanto,
Beijing ainda não seria na França. Isto sugere que o condicional a → c é
verdadeiro em algumas situações, s, somente se c é verdadeiro em todas as
42
situações posśıveis associadas com s na qual a é verdadeiro; e é falso em s se
c for falso em algumas das posśıveis situações associadas com s na qual a é
verdadeira.
Isto nos dá um apanhado plauśıvel de →. Por exemplo, isto mostra
porque modus ponens é válido - pelo menos sob uma hipótese. A hipótese é
que nós contamos o próprio s como uma das situações posśıveis associadas
com s. Isto parece razoável: qualquer coisa que é verdadeiramente o caso em
s é certamente posśıvel. Agora, suponha que a e a → c são verdadeiros em
alguma situação s. Então, c é verdadeiro em todas as situações associadas
com s na qual a é verdadeiro. Mas, s é uma destas situações, e a é verdadeiro
nela. Assim sendo, c também é, como queŕıamos.
Voltando ao argumento com que nós começamos, podemos ver agora onde
ele falha. A inferência na qual o argumento repousa é:
¬(a&¬c)
a → c
E isto não é válido. Por exemplo, se a for F em alguma situação s, isto é
suficiente para fazer a premissa verdadeira em s. Mas isto não nos diz nada
sobre como a e c se comportam nas posśıveis situações associadas com s.
Poderia muito bem acontecer que em uma destas, digamos s′, a é verdadeira
e c não é, desta forma:
s s′
a : F
c : F
a : V
c : F
Portanto, a → c não é verdadeiro em s.
E quanto ao exemplo que vimos antes, em que você é informado que não
irá ao cinema sem gastar dinheiro. A inferência não parece válida neste caso?
Suponha que você sabe que não irá ao cinema sem gastar dinheiro: ¬(g&¬m).
Você realmente está obrigado a concluir que se você for ao cinema gastará
dinheiro: g → m? Não necessariamente. Suponha que você não está indo ao
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cinema, não importa as circunstâncias, mesmo que o ingresso seja grátis esta
noite. (Tem um programa na TV que é bem mais interessante.) Então, você
sabe que não é verdade que vai ao cinema (¬g), e então que não é verdadeiro
que você vai ao cinema e não gastará dinheiro: ¬(g&¬m). Então, você está
obrigado a inferir que se você

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