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Lógica: uma brev́ıssima introdução Graham Priest Oxford University Press, 2000 Sumário 1 Validade: O que segue do que? 4 2 Funções de verdade - ou não? 9 3 Nomes e Quantificadores: Nada é alguma coisa? 17 4 Descrições e Existência: Os gregos adoravam a Zeus? 23 5 Auto-referência: Sobre o que se trata este caṕıtulo? 28 6 Necessidade e Possibilidade: O que será deve ser? 34 7 Condicionais: O que está contido em um se? 41 8 O tempo é real? 47 9 Identidade e mudança: Tudo é sempre o mesmo? 54 10 Vagueza: Como você para de escorregar em uma rampa es- corregadia? 60 11 Probabilidade: O estranho caso da falta de classe de re- ferência 66 12 Probabilidade Inversa: Você não pode ficar indiferente a seu respeito! 73 13 Teoria da Decisão: Grandes expectativas 80 1 Prefácio A lógica é uma das disciplinas intelectuais mais antigas, e uma das mais modernas. Seu ińıcio remonta ao século IV a.C. As únicas disciplinas mais antigas são a matemática e a filosofia, com as quais sempre esteve intima- mente conectada. Ela passou por uma revolução por volta da virada ao século XX, por meio da aplicação de novas técnicas matemáticas, e no último meio- século assumiu papéis radicalmente novos e importantes na computação e no processamento de informações. É, portanto, um assunto central para o pensamento e as empreitadas humanas. Este livro é uma introdução à lógica, tal como é entendida pelos lógicos contemporâneos. Ele não pretende, no entanto, ser um manual. Tais livros existem atualmente em quantidade. A finalidade deste é explorar as ráızes da lógica, que penetram profundamente a filosofia. Algo de lógica formal será explicado pelo caminho. Em cada um dos caṕıtulos principais, inicio tomando algum problema filosófico ou enigma (puzzle) lógico particular. Explico em seguida uma abordagem deste. Muitas vezes, será uma abordagem bastante convencional (standard); mas em algumas das áreas não existem respostas convencionais: os lógicos ainda discordam. Em tais casos, simplesmente escolhi uma que fosse interessante. Quase todas as abordagens, convencionais ou não, po- dem ser questionadas. Termino cada caṕıtulo com alguns problemas para a abordagem que expliquei. Algumas vezes, esses problemas são convencionais; algumas vezes, não. Algumas vezes eles possuem respostas fáceis; outras ve- zes, podem não tê-las. O objetivo é desafiá-lo a encontrar um meio de lidar com o assunto. A lógica moderna é uma área altamente matemática. Busquei escrever o material de modo a evitar quase toda a matemática. O máximo que será exigido é um pouco de álgebra elementar nos últimos caṕıtulos. É verdade 2 que é preciso determinação para dominar algum simbolismo que pode ser novo para você; mas é muito menos do que seria exigido para se ter uma compreensão básica de alguma nova ĺıngua. A perspicuidade que o simbo- lismo fornece a questões dif́ıceis paga a pena de dominá-lo. Uma advertência, no entanto: ler um livro de lógica ou de filosofia não é como ler um romance. Algumas vezes será necessário ler com cuidado e lentamente. Algumas vezes será necessário parar e pensar sobre as coisas; e você deve estar preparado para retornar e reler o parágrafo, se necessário. O caṕıtulo final do livro é sobre o desenvolvimento da lógica. Por meio dele, busquei colocar algumas das questões com as quais o livro lida em uma perspectiva histórica, para mostrar que a lógica é um assunto vivo, que sempre evolui, e que continuará a fazê-lo. O caṕıtulo também inclui sugestões de leitura complementar. Há dois apêndices. O primeiro contém um glossário de termos e śımbolos. Você pode consultá-lo se esquecer o significado de uma palavra ou śımbolo. O segundo apêndice contém uma questão relevante para cada caṕıtulo, com a qual será posśıvel testar sua compreensão das idéias principais. O livro visou antes a abrangência que a profundidade. Seria mais fácil escrever um livro sobre o tópico de cada caṕıtulo - e, de fato, vários destes livros foram escritos. E, ainda assim, há várias importantes questões acerca da lógica que não foram sequer tocadas aqui. Mas, se continuar firme até o final do livro, você terá uma idéia bastante adequada dos fundamentos da lógica moderna, e por que as pessoas acham que vale a pena pensar sobre o assunto. 3 Caṕıtulo 1 Validade: O que segue do que? A maior parte das pessoas gosta de pensar em si mesmas como lógicas. Dizer a alguém “Você não está sendo lógico” é normalmente uma forma de cŕıtica. Ser ilógico é ser confuso, atrapalhado, irracional. Mas, o que é lógica? Em Através do espelho, de Lewis Carroll, Alice encontra a dupla argumentativa (logic-chopping) Tweedledum e Tweedledee. Quando Alice procura algo para dizer, eles partem para o ataque: “Eu sei sobre o que você está pensando” disse Tweedledum: “mas não é assim, de modo algum.” “Ao contrário” continuou Tweedledee, “se assim fosse, poderia ter sido; e se tivesse sido assim, seria: mas como não é, não será. Isto é lógica.” O que Tweedledee está fazendo - pelo menos na paródia de Carroll - é raciocinar. E é sobre isto, como ele disse, que é a lógica. Todos nós raciocinamos. Tentamos descobrir o que será, raciocinando a partir do que já sabemos. Tentamos persuadir os outros de algo apresentan- do-lhes razões. A lógica é o estudo do que pode ser considerado uma boa razão para algo, e por que. Esta afirmação, no entanto, deve ser entendida de uma certa maneira. Eis aqui dois exemplos de racioćınio - que são chamados pelos lógicos de inferências : 1. Roma é a capital da Itália, e este avião pousa em Roma; logo, este avião pousa na Itália. 4 2. Moscou é a capital dos Estados Unidos; logo, você não pode ir a Moscou sem ir aos Estados Unidos. Em cada caso, as afirmações antes do “logo” - chamadas pelos lógicos de premissas - fornecem razões; as afirmações depois do “logo” - chamadas pelos lógicos de conclusões - são aquilo para o que as razões pretendem ser razões de. O primeiro trecho de racioćınio é correto; mas o segundo parece muito pouco promissor, e não convenceria ninguém com um conhecimento elementar de geografia. Repare, contudo, que se a premissa fosse verdadeira - se, digamos, os Estados Unidos tivessem comprado toda a Rússia, e não apenas o Alaska, e mudado a capital para Moscou, para estar mais próxima dos centros de poder da Europa - a conclusão teria sido de fato verdadeira. Ela teria se seguido das premissas: e é com isso que se ocupa a lógica. Ela não se ocupa com as premissas serem verdadeiras ou falsas. Isto é tarefa de alguma outra pessoa (no caso, do geógrafo). Ela apenas se interessa se a conclusão segue-se das premissas. Os lógicos chamam uma inferência em que a conclusão realmente segue-se das premissas válida. Logo, o objetivo central da lógica é compreender a validade. Você pode pensar que é uma tarefa um tanto boba - um exerćıcio inte- lectual com um pouco menos de apelo que resolver palavras cruzadas. Mas acontece que não apenas esta é uma tarefa muito dif́ıcil; é uma tarefa que não pode ser separada de um bom número de importantes (e algumas vezes pro- fundas) questões filosóficas. Ao longo do percurso você encontrará algumas delas. Por enquanto, vamos examinar melhor alguns fatos básicos relativos à validade. Para começar, é comum distinguir entre dois tipos diferentes de validade. Para compreendê-lo, considere as três inferências seguintes: 1. Se o ladrão tivesse invadido através da janela da cozinha, haveria pe- gadas do lado de fora; mas não há pegadas; logo, o ladrão não invadiu através da janela da cozinha. 2. Jones tem os dedos manchados de nicotina; logo, Jones é um fumante. 3. Jones compra dois maços de cigarro por dia; logo alguém deixou pega- das do lado de fora da janela da cozinha. 5 A primeira inferência é bastante direta. Se as premissassão verdadeiras, também a conclusão deve sê-lo. Ou, para dizê-lo de outro modo, as pre- missas não poderiam ser verdadeiras sem que a conclusão também o fosse. Lógicos chamam uma inferência deste tipo dedutivamente válida. A segunda inferência é um pouco diferente. A premissa claramente apresenta boas razões para a conclusão, mas não é totalmente conclusiva. Afinal de contas, Jones poderia simplesmente ter manchado seus dedos de nicotina para fazer as pessoas pensarem que ele era um fumante. Logo, a inferência não é dedu- tivamente válida. Inferências deste tipo normalmente são chamadas indu- tivamente válidas. A terceira inferência, ao contrário, parece sem salvação sob qualquer critério. A premissa parece não fornecer qualquer tipo de razão para a conclusão. Ela é inválida - tanto dedutiva quanto indutivamente. Na verdade, como as pessoas não são completamente idiotas, se alguém de fato oferece razões deste tipo, supoŕıamos que existe alguma premissa suplemen- tar que não nos foi dita (talvez que alguém passa os maços de cigarros a Jones através da janela da cozinha). A validade indutiva é uma noção muito importante. Nós raciocinamos in- dutivamente o tempo todo; por exemplo, ao tentar resolver problemas como saber por que a janela do carro está quebrada, por que uma pessoa está doente, ou quem cometeu um crime. Sherlock Holmes era um mestre nisso. Apesar disso, historicamente, muito mais esforço foi empreendido para com- preender a validade dedutiva - talvez porque os lógicos tenderam a ser ma- temáticos ou filósofos (em cujos estudos as inferências dedutivamente válidas são de importância central), e não médicos ou detetives. Retornaremos à noção de indução mais adiante no livro. Por enquanto, vamos pensar um pouco mais sobre a validade dedutiva. (É natural supor que a validade dedu- tiva é uma noção mais simples, pois as inferências dedutivamente válidas são mais diretas (cut-and-dried). Não é portanto uma má idéia tentar entendê-la primeiro. Isto, como veremos, já é suficientemente dif́ıcil). Até afirmação em contrário, “válido” significará simplesmente “dedutivamente válido”. O que é então uma inferência válida? Aquela, como vimos, na qual as premissas não podem ser verdadeiras sem que a conclusão também seja verda- deira. Mas o que significa isso? Em particular, o que significa o não podem? Em geral, “não pode” pode significar muitas coisas diferentes. Considere, por exemplo: “Maria pode tocar piano, mas João não pode”; aqui estamos falando de habilidades humanas. Compare com: “Você não pode entrar aqui: é preciso permissão”; aqui estamos falando de algo que um código de regras 6 permite. É natural entender o “não pode” relevante no presente caso deste modo: dizer que as premissas não podem ser verdadeiras sem que a conclusão seja verdadeira é dizer que em todas as situações em que as premissas são verda- deiras, também o é a conclusão. Até aqui, tudo bem: mas o que é exatamente uma situação? Que tipos de coisas entram na sua constituição e como essas coisas se relacionam umas com as outras? E o que é ser verdadeiro? Agora há um problema filosófico para você, como poderia ter dito Tweedledee. Estas questões irão nos preocupar ao longo do texto; mas vamos deixá-las de lado por enquanto, e finalizar com uma outra coisinha. Não devemos par- tir com a idéia de que a explicação de dedutivamente válido que apresentei está ela própria livre de problemas. (Em filosofia, todas as afirmações inte- ressantes estão abertas ao exame.) Eis aqui um problema. Assumamos que a explicação está correta, saber que uma inferência é dedutivamente válida é saber que não há situações em que as premissas são verdadeiras e a conclusão não é. Agora, qualquer que seja nossa compreensão de situação, é certo que há um monte delas: situações sobre coisas em planetas de estrelas distantes; situações sobre eventos antes que houvesse qualquer ser vivo no cosmos; si- tuações descritas em obras de ficção; situações imaginadas por visionários. Como podemos saber o que acontece em todas as situações? Pior, parece haver um número infinito de situações (situações daqui há um ano, situações daqui há dois, situações daqui há três anos,...). É portanto imposśıvel, até mesmo em prinćıpio, fazer um levantamento todas as situações. Assim, se esta abordagem da validade está correta, e dado que nós podemos reconhecer inferências como válidas ou inválidas (ao menos em vários casos) devemos ter alguma percepção disto, de alguma fonte especial. Qual fonte? Devemos invocar algum tipo de intuição mı́stica? Não necessariamente. Considere um problema análogo. Podemos distinguir entre seqüências grama- ticais [de acordo com a gramática] e não-gramaticais de nossa ĺıngua nativa sem muito problema. Por exemplo, um falante nativo do português reco- nheceria que “isto é uma cadeira” é uma sentença gramatical, mas que “é cadeira uma isto” não é. Mas parece haver um número infinito de sentenças gramaticais ou não-gramaticais. (Por exemplo, “um é um número”, “dois é um número”, “três é um número”, ... são todas sentenças gramaticais. E é suficientemente fácil produzir saladas de palavras ad libitum). Então, como o fazemos? Aquele que é talvez o mais influente dos linguistas modernos, Noam Chomsky, sugeriu que podemos fazê-lo pois as coleções infinitas estão encap- 7 suladas em um conjunto finito de regras que estão gravadas (hard-wired) em nós; que a evolução nos programou com uma gramática inata. Pode a lógica ser a mesma coisa? As regras da lógica estão gravadas em nós do mesmo jeito? Ideias centrais do caṕıtulo • Uma inferência válida é aquela em que a conclusão segue da(s) pre- missa(s). • Uma inferência dedutivamente válida é aquela na qual não existe si- tuação em que todas as premissas são verdadeiras, mas a conclusão não é. Problema A seguinte inferência é dedutivamente válida, indutivamente válida ou ne- nhuma delas? Por que? José é espanhol. A maioria do povo espanhol é católico. Logo, José é católico. 8 Caṕıtulo 2 Funções de verdade - ou não? Estando ou não as regras da validade profundamente arraigadas em nós, todos temos intuições bem fortes a respeito da validade ou não de várias inferências. Não haveria muita discordância, por exemplo, de que a inferência a seguir é válida: “Ela é uma mulher e é uma banqueira; logo, ela é uma banqueira”. Ou que a inferência a seguir é inválida: “Ele é um carpinteiro; logo, ele é um carpinteiro e joga baseball”. Porém, nossas intuições podem, às vezes, nos colocar em apuros. O que você pensa sobre inferência a seguir? As duas premissas ocorrem na parte superior da linha; a conclusão na parte inferior. A rainha é rica. A rainha não é rica. Porcos podem voar. Certamente não parece válida. A riqueza da rainha - grande ou não - parece não ter relação alguma com a habilidade de voar dos porcos. Mas o que você pensa a respeito das duas inferências seguintes? A rainha é rica. Ou a rainha é rica ou porcos podem voar. Ou a rainha é rica ou porcos podem voar. A rainha não é rica. Porcos podem voar. A primeira delas parece válida. Considere sua conclusão. Lógicos cha- mam sentenças como esta de disjunção; e as cláusulas em ambos os lados 9 do “ou” são chamados disjuntos. Agora, o que precisa ocorrer para que uma disjunção seja verdadeira? Apenas que um ou outro dos disjuntos seja verda- deiro. Assim, em qualquer situação em que a premissa é verdadeira, também o é a conclusão. A segunda inferência também parece válida. Se uma ou outra de duas suposições é verdadeira e uma delas não é, a outra deve ser verdadeira. Agora, o problema é que colocando estas duas inferências aparentemente válidas juntas, obtemos uma inferência aparentemente inválida,como esta: A rainha é rica. Ou a rainha é rica ou porcos podem voar. A rainha não é rica. Porcos podem voar. Isto não pode estar correto. Ligar inferências válidas desta forma não poderia resultar numa inferencia inválida. Se todas as premissas são ver- dadeiras em qualquer situação, então também o são as suas conclusões, as conclusões que seguem destas; e assim por diante, até chegarmos à conclusão final. O que há de errado? A fim de fornecer uma resposta ortodoxa para esta pergunta, foquemos um pouco mais nos detalhes. Para começar, vamos escrever a sentença “Por- cos podem voar” como p, e a sentença “A rainha é rica” como q. Isto torna as coisas um pouco mais compactas. Mas não é só isto: se você parar um momento para refletir, pode ver que as duas sentenças particulares usadas nos exemplos acima não tem muito a ver com o que está acontecendo. Eu poderia ter reconstrúıdo a inferência utilizando quaisquer outras duas sen- tenças; assim, podemos ignorar os seus conteúdos. Isto é o que fazemos quando escrevemos as sentenças representado-as por letras. A sentença “Ou a rainha é rica ou porcos podem voar” agora torna-se “Ou q ou p”. Lógicos frequentemente escrevem isto como q ∨ p. E o que fazer com “A rainha não é rica”? Vamos reescrever isto como “Não é o caso que a rainha é rica”, puxando a particula negativa para a frente da sentença. Consequentemente, a sentença torna-se “Não é ao caso que q”. Lógicos frequentemente escrevem isto como ¬q, e o chamam de a negação de q. Já que estamos aqui, como seria a sentença “A rainha é rica e porcos podem voar”, isto é, “q e p”? Lógicos frequentemente escrevem isto como “q&p” e o chamam de conjunção de q e p, q e p sendo os conjuntos. Munidos desta maquinaria, podemos escrever a inferência encadeada que vimos, como: 10 q q∨p ¬q p O que diremos a respeito desta inferência? Sentenças podem ser verdadeiras, e sentenças podem ser falsas. Vamos usar V para verdade e F para falsidade. A partir de um dos fundadores da lógica moderna, o filósofo/matemático alemão Gottlob Frege, estes são geralmente denominados valores de verdade. Dada qualquer sentença, a, qual é a conexão entre o valor da verdade de a e o da sua negação, ¬a? Uma resposta natural seria que se uma é verdadeira, a outra é falsa, e vice-versa. Assim, se “A rainha é rica” é verdadeira, “A rainha não é rica” é falsa, e vice versa. Podemos registrar isso como segue: • ¬a tem o valor V exatamente se a tem o valor F , • ¬a tem o valor F exatamente se a tem o valor V . Lógicos denominam esses registros como as condições de verdade para a negação. Se assumirmos que toda sentença é verdadeira ou falsa mas não ambas, podemos registrar as condição na seguinte tabela, que os lógicos chamam de tabela de verdade: a ¬a V F F V Se a tem o valor de verdade dado na coluna abaixo dele, ¬a tem o valor correspondente à sua direita. O que dizer da disjunção ∨? Como já vimos, uma suposição natural é que uma disjunção, a ∨ b, é verdadeira su um ou outro (ou possivelmente ambos) de a e b são verdadeiros, e falso no caso contrário. Podemos registrar isto nas condições de verdade para a disjunção: • a∨ b tem o valor V exatamente se pelo menos um de a e b têm o valor V , • a ∨ b tem o valor F exatamente se ambos a e b têm o valor F . Essas condições podem ser registradas na seguinte tabela de verdade: 11 a b a ∨ b V V V V F V F V V F F F Cada linha - exceto a primeira que está no topo - registra uma posśıvel combinação de valores de verdade para a (primeira coluna) e b (segunda co- luna). Existem quatro tais posśıveis combinações e, portanto, quatro linhas. Para cada combinação, o correspondente valor de a ∨ b é dado à sua direita (terceira coluna). Novamente, já que estamos falando nisso, qual é a conexão entre os valores de verdade de a e b, com o de a&b? Uma suposição natural é que a&b é ver- dadeira se ambas a e b são verdadeiras, e falsa no caso contrário. Assim, por exemplo, “John tem 35 anos e cabelos castanhos” é verdadeira exatamente se “John tem 35 anos” e “John tem cabelos castanhos” são ambas verdadeiras. Podemos registrar isto nas condições da verdade para a conjunção: • a&b tem o valor V exatamente se ambos a e b têm o valor V , • a&b tem o valor F exatamente se pelo menos um de a e b têm o valor F . Essas condições podem ser registradas na seguinte tabela de verdade: a b a&b V V V V F F F V F F F F Agora, como tudo isto está relacionado com o problema que iniciamos? Vamos voltar à questão que eu levantei no final do último caṕıtulo: O que é uma situação? Um pensamento natural é que seja o que for uma situação, ela determina um valor de verdade para toda sentença. Assim, por exemplo, em uma situação em particular, poderia ser verdadeiro que a Rainha fosse rica e falso que porcos possam voar. Em outra situação poderia ser falso que a Rainha fosse rica e verdadeiro que porcos possam voar. (Note que estas si- tuações são puramente hipotéticas!) Em outras palavras, uma situação deter- mina que cada sentença relevante seja V ou F . As sentenças relevantes aqui 12 não contém qualquer ocorrência de “e”, “ou” ou “não”. Dada a informação básica sobre uma situação, podemos usar as tabelas de verdade para resolver os valores de verdade das sentenças que contém estas ocorrências. Por exemplo, suponha que temos a seguinte situação: p : V q : F r : V (r pode ser a sentença “Rabanete é nutritivo”, e “p : V” significa que a p é atribuido o valor da verdade V , etc.) Qual o valor da verdade de, digamos, p&(¬r ∨ q)? Calculamos o valor da verdade disto exatamente da mesma forma que calculaŕıamos o valor numérico de 3× (−6 + 2), usando tabuadas para multiplicação e adição. O valor de verdade de r é V . Entao, a tabela de verdade para ¬ nos diz que o valor de verdade de ¬r é F . Mas, uma vez que o valor de q é F , a tabela de verdade para ∨ nos diz que o valor de ¬r ∨ q é F . E dado que o valor de verdade de p é V , a tabela de verdade para & nos diz que o valor de p&(¬r ∨ q) é F . Desta forma passo-a-passo, conseguimos calcular o valor de verdade de qualquer fórmula contendo ocorrências de &, ∨ e ¬. Agora, lembre-se do último caṕıtulo em que uma inferência é válida desde que não haja nenhuma situação que faça com que todas as premissas sejam verdadeiras, e a conclusão não verdadeira (falsa). Ou seja, é válido se não existe uma maneira de atribuir V s e F s às sentenças relevantes, que resulte em todas as premissas tendo o valor V e a conclusão tendo o valor F . Considere, por exemplo, a inferência que já vimos, q/q ∨ p. (Escrevo isso em uma linha para economizar dinheiro para a Oxford University Press.) As sentenças relevantes são q e p. Há quatro combinações de valores de verdade, e para cada uma destas podemos calcular os valores de verdade para as premissas e conclusão. Podemos representar o resultado da seguinte forma: q p q q ∨ p V V V V V F V V F V F V F F F F 13 As primeiras duas colunas nos dão todas as posśıveis combinações dos valores de verdade para q e p. As duas últimas colunas nos dão os valores de verdade correspondentes para a premissa e a conclusão. A terceira coluna é a mesma que a primeira. Isto é um acidente deste exemplo, devido ao fato que, neste caso em particular, a premissa vem a ser uma das sentenças relevantes. A quarta coluna pode ser copiada da tabela de verdade para a disjunção. Dada esta informação, podemos ver que a inferência é válida. Pois não existe uma linha em que a premissa q é verdadeira e a conclusão q ∨ p não o é. E o que acontece com a inferência q ∨ p,¬q/p? Procedendo da mesma maneira, obtemos: q p q ∨ p ¬q p V V V F V V F V F F F V V V V F F F V F Desta vez, existem cinco colunas, porque existem duas premissas. Os valores da verdade das premissas e conclução podem ser calculados a partir das tabelasde verdade para a disjunção e a negação. E novamente, não existe linha em que ambas as premissas são verdadeiras e a conclusão não. Portanto, a inferência é válida. E o que acontece com a inferência pela qual iniciamos: q,¬q/p? Proce- dendo como anteriormente, obtemos: q p q ¬q p V V V F V V F V F F F V F V V F F F V F Novamente, a inferência é válida; e agora vemos por que. Não há ne- nhuma linha em que ambas as premissas são verdadeiras e a conclusão é falsa. De fato, não há nenhuma linha em que ambas as premissas sejam verdadeiras. A conclusão de fato não importa! Às vezes, os lógicos descre- vem esta situação dizendo que a inferência é vacuamente válida, exatamente porque as premissas nunca poderiam ser verdadeiras simultaneamente. 14 Aqui, então, está a solução do problema com que iniciamos. De acordo com esta abordagem, nossas intuições originais acerca desta inferência esta- vam erradas. Afinal, as intuições das pessoas podem freqüentemente induzir ao erro. Parece óbvio para todos que a Terra não se movimenta - até que se faz um curso de F́ısica e se descobre que na verdade a Terra esta viajando através do espaço. Podemos até mesmo oferecer uma explicação de como as nossas intuições lógicas dão errado. A maioria das inferências que encontra- mos na prática não são do tipo vácuo. Nossas intuições desenvolvem-se neste tipo de contexto, e não se aplicam genericamente - assim como os hábitos que você desenvolve quando aprende a andar (por exemplo, não inclinar para o lado) não funcionam sempre em outros contextos (por exemplo, quando você aprende a andar de bicicleta). Voltaremos a este assunto em outro caṕıtulo mais tarde. Mas vamos encerrar este com uma breve olhada na adequação do maquinário que nós usamos. As coisas aqui não são tão diretas como se poderia esperar. De acordo com esta abordagem, o valor de verdade de uma sentença ¬a está completamente determinado pelo valor de verdade da sentença a. De forma análoga, os valores de verdade das sentenças a∨b e a&b estão completamente determinados pelos valores de verdade de a e b. Lógicos chamam as operações que funcionam desse modo de funções de verdade. Mas há bons motivos para supor que “ou” e “e”, como eles ocorrem em português, não são funções de verdade - ao menos, não sempre. Por exemplo, de acordo com a tabela de verdade para &, “a e b” sempre tem o mesmo valor de verdade que “b e a”: a saber, ambos são verdadeiros se a e b forem verdadeiros, e falsos em caso contrário. Mas, considere as sentenças: 1. John bateu a cabeça e caiu. 2. John caiu e bateu a cabeça. A primeira diz que John bateu a cabeça e então caiu. A segunda diz que John caiu e então bateu a cabeça. Claramente, a primeira poderia ser verdadeira enquanto que a segunda falsa, e vice-versa. Portanto, não são apenas os valores da verdade dos conjuntos que são importantes, mas qual conjunto causou qual. 15 Problemas similares envolvem “ou”. De acordo com a abordagem que nós t́ınhamos, “a ou b” é verdadeira se uma ou outra, a e b, forem verdadeiras. Mas suponha que um amigo diga: Ou você vem agora ou chegaremos atrasados; e portanto você vai. Dada a tabela de verdade para ∨, a disjunção é ver- dadeira. Mas suponha que você descobre que seu amigo estava brincando: você poderia ter sáıdo meia hora depois e ainda estaria no horário. Sob estas circunstancias você certamente diria que seu amigo havia mentido: o que ele havia dito era falso. Novamente, não são meramente os valores da verdade dos disjuntos que são importantes, mas a existência de alguma outra conexão entre eles. Deixarei você refletir sobre estas questões. O material que vimos nos dá ao menos uma amostra de como certos maquinários lógicos funcionam e iremos tirar proveito disto nos próximos caṕıtulos, a não ser que as idéias destes caṕıtulos deixem expĺıcito que eles não se aplicam, o que acontecerá algumas vezes. O maquinário em questão lida somente com alguns tipos de inferências: existem muitas outras. Estamos apenas começando. Ideias centrais do caṕıtulo • Em uma situação, um único valor de verdade (V ou F ) é atribúıdo a cada sentença relevante. • ¬a é V exatamente se a é F , • a ∨ b é V exatamente se pelo menos um de a e b é V , • a&b é V exatamente se ambos a e b são V . Problema Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Ou Jones é um cava- leiro ou ele é um idiota; mas, ele é certamente um cavaleiro; assim, ele não é um idiota. 16 Caṕıtulo 3 Nomes e Quantificadores: Nada é alguma coisa? As inferências que vimos no último caṕıtulo envolviam sentenças com “ou” e “não é o caso que”, palavras que adicionam, ou unem, sentenças completas para criar outras sentenças completas; mas existem muitas inferências que parecem funcionar de uma forma bem diferente. Considere, por exemplo, a inferência: Marcus me deu um livro. Alguém me deu um livro. Nem a premissa nem a conclusão possuem uma parte que sozinha seja uma sentença completa. Se esta inferência é valida, isto acontece somente por causa do que está ocorrendo dentro das sentenças completas. A gramática tradicional nos diz que a forma mais simples de uma sentença completa é formada por um sujeito e um predicado. Assim, considere estes exemplos: 1. Marcus viu o elefante. 2. Annika dormiu. 3. Alguém me bateu. 4. Ninguém veio à minha festa. 17 A primeira palavra, em cada caso, é o sujeito da sentença: cada uma nos diz do que se trata a sentença. O resto é o predicado: que nos diz o que é dito a respeito do sujeito. Agora, quando uma tal sentença é verdadeira? Tome o segundo exemplo. Ela é verdadeira se o objeto referido pelo sujeito “Annika” possui a propriedade expressa pelo predicado, que é, dormiu. Até aqui tudo bem. Mas a que o sujeito da sentença 3 se refere? À pessoa que me bateu? Mas talvez ninguém tenha me batido. Ninguém disse que esta era uma sentença verdadeira. O caso na sentença 4 é ainda pior. A quem “ninguém” se refere? No livro “Through the Looking Glass”, um pouco antes do encontro com o Leão e o Unicórnio, Alice se encontra com o Rei Branco, que esta aguardando um mensageiro. (Por algum motivo, quando o mensageiro aparece, ele estranhamente se parece com um coelho.) Quando o Rei se apresenta a Alice, ele diz: “Apenas olhe a estrada, e diga-me se você pode ver...(O Men- sageiro).” “Eu [não] vejo ninguém na estrada.” Disse Alice. “Eu gostaria de ter esta visão.” O Rei observou com um tom insatisfeito. “Ser capaz de ver ninguém! E de longe também! Porque, tudo o que eu consigo fazer é ver pessoas reais, e de dia!” Carroll está fazendo uma piada de lógica, como ele frequentemente o faz. Quando Alice diz que [não] está vendo ninguém, ela não está dizendo que ela está vendo uma pessoa - real ou não. “Ninguém” não se refere a uma pessoa - nem a qualquer outra coisa. Palavras como “ninguém”, “alguém”, “todos” são chamadas pelos profis- sionais em lógica de quantificadores, e são distinguidos dos nomes “Marcus” e “Annika”. O que acabamos de ver é que, mesmo que ambos, os quan- tificadores e nomes, possam ser gramaticalmente sujeitos de uma sentença, eles devem possuir funções de diferentes formas. Então, como funcionam os quantificadores? Eis aqui uma reposta moderna padrão. Uma situação vem equipada com um estoque de objetos. No nosso caso, os objetos relevantes são todas as pessoas. Todos os nomes que ocorrem no nosso racioćınio sobre esta situação referem-se a um dos objetos desta coleção. Portanto, se nós escrevermos m para ”Marcus”, m refere-se a um destes objetos. E se nós escrevermos F para “é feliz”, então a sentença mF é verdadeira nesta situação exatamente 18 quando o objeto referido por m tem a propriedade expressa por F . (Por mo- tivos de sua própria conta, lógicos geralmente invertem a ordem, e escrevem Fm, ao invés de mF . Isto éapenas uma questão de convenção.) Agora considere a sentença “Alguém é feliz”. Isto é verdadeiro em uma situação somente quando houver algum objeto, na coleção de objetos, que é feliz - isto é, algum objeto na coleção, digamos x, tal que x é feliz. Va- mos escrever “Algum objeto x, tal que” como ∃x. Então, podemos escrever a sentença desta forma: “∃x x é feliz”; ou lembrando-se que estamos escre- vendo “é feliz” como F , então: ∃x xF . Lógicos às vezes chamam ∃x de um quantificador existencial (particular). E quanto a “Todos são felizes”? Isto é verdadeiro em uma situação se todo objeto na coleção relevante for feliz. Isto é, cada objeto x na coleção é tal que x é feliz. Se escrevermos “todo objeto x, tal que” como ∀x, então podemos escrever isto da forma: ∀x xF . Lógicos geralmente chamam ∀x de um quantificador universal. Agora, não há vantagem em adivinhar como entendemos “Ninguém é feliz”. Isto apenas significa que não há um objeto x, na coleção relevante, tal que x é feliz. Nós podeŕıamos ter um śımbolo especial significando “Nenhum objeto x, tal que”, mas na verdade, os lógicos não se importam em ter um. Pois dizer que ninguém é feliz é dizer que não é o caso que alguém é feliz. Então podemos escrever isto da forma: ¬∃x xF . Esta análise dos quantificadores nos mostra que nomes e quantificadores funcionam de formas bem diferentes. Em particular, o fato de que “Marcus é feliz” e “Alguém é feliz” tenham sido escritos, bem diferentes, como mF e ∃x xF , respectivamente, nos mostra isto. Isto nos mostra, além disso, que formas gramaticais aparentemente simples podem nos levar ao erro. Nem todos os sujeitos da gramática são iguais. A abordagem, inclusive, nos mostra porque a inferência com a qual começamos é válida. Vamos escrever D para “me deu o livro”. Então, a inferência é: mD ∃x xD Está claro que, se em alguma situação, o objeto referido pelo nome m me deu o livro, então algum objeto na coleção relevante me deu o livro. Em contraste, o Rei Branco está inferindo do fato de que Alice [não] viu ninguém, que ela viu alguém (a saber, Ninguém). Se nós escrevermos “é visto por Alice” como V então a inferência do Rei seria: 19 ¬∃x xV ∃x xV Isto é claramente inválido. Se não há objeto no domı́nio relevante que foi visto por Alice, obviamente não é verdadeiro que há algum objeto no domı́nio relevante que foi visto por ela. Você pode achar que tudo isto é um monte de confuã0 à toa - na verdade, é apenas uma maneira de construir uma boa piada. Mas é muito mais sério do que isto. Pois os quantificadores têm um papel central em muitos argu- mentos em matemática e filosofia. Eis aqui um exemplo filosófico. É uma presunção natural considerar que nada acontece sem haver uma explicação: As pessoas não ficam doentes sem motivo; carros não quebram sem haver uma falha. Tudo, então, tem uma causa. Mas o que poderia ser a causa de tudo? Obviamente não pode ser nada f́ısico, como uma pessoa; ou nem mesmo algo como o Big Bang da cosmologia. Tais coisas devem, elas mes- mas, ter suas causas. Então, deve ser algo metaf́ısico. Deus é o candidato óbvio. Isto é uma versão de um argumento para existência de Deus, comumente chamado de Argumento Cosmológico. Alguém poderia contestar o argumento de várias formas. Mas no seu coração, há uma enorme falácia lógica. A sentença “Tudo tem uma causa” é amb́ıgua. Ela pode significar que tudo que acontece tem alguma causa ou outra - ou seja, para cada x, há um y, tal que x é causado por y; ou isto pode significar que há algo que é a causa de tudo - isto é, existe algum y tal que para todo x, x é causado por y. Suponha que nós assumimos que os domı́nios relevantes dos objetos sejam as causas e efeitos, e escrevemos “x é causado por y” como xCy. Então, podemos escrever estes dois significados, respectivamente, como: 1. ∀x∃y xCy 2. ∃y∀x xCy Agora, esses enunciados não são logicamente equivalentes. O primeiro segue do segundo. Se houvesse algo que fosse a causa de tudo, então certa- mente, tudo que acontece tem alguma causa ou outra. Mas, se tudo tem uma causa ou outra, não se segue que existe uma e a mesma coisa que é a causa de tudo (Compare: Todos têm uma mãe; disso não se segue que há alguém que é a mãe de todos.) 20 Esta versão do Argumento Cosmológico trabalha com esta ambigüidade. O que foi dito das doenças e dos carros é 1. Mas imediatamente, o argu- mento continua a perguntar qual é a causa, assumindo que 2 é que tenha sido estabelecido. Além disso, esta ligação é ocultada porque, em português “Tudo tem uma causa” pode ser usada para expressar tanto 1 quanto 2. Note, também, que não há ambigüidade se os quantificadores são trocados por nomes. “A radiação dos cosmos é causada pelo Big Bang” não é de forma alguma amb́ıgua. Pode muito bem acontecer que a falha para distinguir entre nomes e quantificadores seja outro motivo pelo qual se pode falhar em ver a ambigüidade. Então, é importante entender corretamente os quantificadores - e não somente para a lógica. As palavras “algo”, “nada”, etc., não se referem a objetos, mas funcionam de forma totalmente diferentes. Ou, ao menos, eles podem. Mas, as coisas não são tão simples assim. Considere novamente o cosmos. Ou está estendido infinitamente ao passado ou, em algum momento especifico, veio a existir. No primeiro caso, não havia inicio, mas sempre esteve lá; no segundo, ele começou num momento especifico. Em diferentes épocas, a f́ısica tem de fato nos contado diferentes coisas a respeito da verdade deste assunto. Entretanto, não se preocupem com isto. Apenas considere a segunda possibilidade. Neste caso, o cosmos veio à existência a partir do nada - de qualquer forma, um nada f́ısico, já que o cosmos é a totalidade de tudo que é f́ısico. Agora considere esta sentença “O cosmos veio à existência do nada”. Denotemos o cosmos por c e vamos escrever “x veio à existência de y” como xEy. Então, dado o nosso conhecimento dos quantificadores, esta sentença deveria significar ¬∃x cEx. Mas esta não significa isto, pois isto é igualmente verdadeiro na primeira alternativa de cosmologia. Nesse caso, o cosmos, sendo infinito no passado, não veio à existência de forma alguma. Em particular, então, não é o caso de que o cosmos veio à existência a partir de alguma coisa ou outra. Quando dizemos que na segunda cosmologia o cosmos veio à existência a partir do nada, queremos dizer que veio à existência da condição de nada (nothingness). Então, o nada pode ser algo. O Rei não era tão tolo afinal. 21 Ideias centrais do caṕıtulo • A sentença nP é verdadeira em uma situação se o objeto referido por n possui a propriedade expressa por P naquela situação. • ∃x xP é verdadeira em uma situação somente se algum objeto na si- tuação, x, é tal que xP . • ∀x xP é verdadeira em uma situação somente se cada objeto na situ- ação, x, é tal que xP . Problema Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Alguém ou viu o disparo ou ouviu o disparo; assim, ou alguém viu o disparo ou alguém ouviu o disparo. 22 Caṕıtulo 4 Descrições e Existência: Os gregos adoravam a Zeus? Enquanto estamos no tópico de sujeitos e predicados, há um certo tipo de expressão que pode ser o sujeito de sentenças, que ainda não falamos a res- peito. Os lógicos geralmente as chamam de descrições definidas, ou às vezes apenas descrições - fique avisado que isto é apenas um termo técnico. Des- crições são expressões como “O homem que aterrissou pela primeira vez na lua” e “O único objeto criado pelo homem que é viśıvel do espaço”. Em geral, descrições têm a forma: a coisa satisfazendo tal e tal condição. Se- guindo o filósofo/matemático inglês Bertrand Russell, um dos fundadores da lógica moderna, podemos escrevê-las como se segue. Reescreva “O homem que aterrissou pela primeira vezna lua” como “O objeto x, tal que x é um homem e x aterrissou primeiro na lua”. Agora escreva ιx para “o objeto x, tal que”, e isto torna-se: ιx(x é um homem e x aterrissou primeiro na lua). Se escrevermos H para “é um homem” e P para “aterrissou primeiro na lua”, temos então: ιx(xH&xP ). Em geral, uma descrição é algo da forma ιxcx, onde cx é alguma condição que contém ocorrências de x. (Por isso o pequeno sub-escrito x está lá para lembrá-lo disso.) Como descrições são sujeitos, eles podem ser combinados com predica- dos para formar sentenças completas. Portanto, se nós escrevermos U para “nasceu nos Estados Unidos”, então “O homem que aterrissou pela primeira vez na lua nasceu nos Estados Unidos” fica: ιx(xH&xP )U . Vamos escre- ver µ como uma abreviação para ιx(xH&xP ). (Eu uso uma letra grega para 23 lembrá-lo que aquilo é realmente uma descrição.) Então, isto fica µU . Analo- gamente, “O primeiro homem a aterrissar na lua é um homem e ele aterrissou primeiro na lua” é µH&µP . Em termos da divisão do último caṕıtulo, descrições são nomes, não quan- tificadores. Ou seja, elas se referem a objetos - se tivermos sorte: voltaremos a isto. Portanto, “O homem que aterrissou pela primeira vez na lua nasceu nos Estados Unidos”, µU , é verdadeira exatamente se a pessoa particular referida pela expressão µ tem a propriedade expressa por U . Mas, descrições são um tipo especial de nome. Diferente do que nós po- deŕıamos chamar de nomes próprios, como “Annika” e “o Big Bang”, elas carregam informações sobre o objeto a que se referem. Portanto, por exem- plo, “o homem que aterrissou pela primeira vez na lua” carrega a informação de que o objeto referido tem a propriedade de ser um homem e ser o primeiro na lua. Isto pode parecer banal e óbvio, mas as coisas não são tão simples como parecem. Porque as descrições carregam informações desta forma, elas freqüentemente são centrais em discussões importantes em matemática e fi- losofia; e uma forma de apreciar algumas destas complexidades é olhar para um exemplo de um tal discussão. Esta é outro argumento para existência de Deus, freqüentemente chamado de Argumento Ontológico. O argumento vem em um número de versões, mas aqui está uma forma simples do mesmo: Deus é o ser com todas as perfeições. Mas, a existência é uma perfeição. Portanto, Deus possui a existência. Isto é, Deus existe. Se você não viu este argumento antes, ele irá parecer um tanto desafiador. Para começar, o que é uma perfeição? Vagamente, uma perfeição é algo como onisciência (saber tudo que é posśıvel saber), onipotência (ser capaz de fazer tudo que pode ser feito), e ser moralmente perfeito (agir sempre da melhor forma posśıvel). Em geral, as perfeições são todas aquelas propriedades que são boas de se ter. Agora, a segunda premissa diz que existência é uma perfeição. Por que isto deveria ser assim? A razão de se supor que isso seja assim é ainda mais complexa, com suas ráızes na filosofia de um dos dois filósofos mais influentes da Grécia Antiga, Platão. Felizmente, podemos contornar esta questão. Podemos fazer uma lista de propriedades como onisciência, onipotência etc., incluir existência na lista, e simplesmente fazer com que “perfeição” signifique qualquer propriedade 24 da lista. Além disso, podemos tomar “Deus” como sinônimo de uma certa descrição, a saber, “o ser que possui todas as perfeições (isto é, aquelas propriedades da lista)”. No Argumento Ontológico, ambas as premissas são agora verdadeiras por definição, e estão fora de discussão. O argumento então se reduz a uma linha: O objeto que é onisciente, onipotente, moralmente perfeito,... e existe, existe. - e, podemos acrescentar, é onipotente, onisciente, moralmente perfeito, e assim por diante. Isto certamente parece estar correto. Para tornar as coisas mais transparentes, suponha que escrevemos a lista das propriedades de Deus como P1, P2, ..., Pn. Então, o último, Pn, é existência. A definição de “Deus” fica: ιx(xP1&xP2&...&xPn). Vamos escrever isto como sendo y. Então, temos yP1&yP2&...&yPn (da qual yPn se segue). Este é um caso especial de algo mais geral, a saber: a coisa satisfazendo tal e tal condição satisfaz aquela própria condição. Isto é freqüentemente chamado de Principio de Caracterização (uma coisa possui aquelas proprie- dades pelas quais ela é caracterizada). Abreviemos isto como PC. Já vimos um exemplo de PC, com “O primeiro homem a aterrissar na lua é um homem e ele aterrissou primeiro na lua”, µH&µP . Em geral, obtemos um caso de PC se tomarmos alguma descrição,ιx cx, e a substitúımos para cada ocorrência de x na condição cx. Agora, para toda a gente, o PC parece ser verdadeiro por definição. Claro que as coisas possuem aquelas propriedades pelas quais elas são caracteriza- das. Infelizmente, em geral, ele é falso. Pois, muitas coisas que seguem dele são incontestavelmente falsas. Para começar, podemos usá-lo para deduzir a existência de todo o tipo de coisa que não existe realmente. Considere os números inteiros (não nega- tivos): 0,1,2,3... Não existe o maior deles. Mas, utilizando o PC, podemos mostrar a existência do maior número de todos. Seja cx a condição “x é o maior número inteiro & x existe”. Seja δ a descrição ιx cx. Então, o PC nos dá “δ é o maior número inteiro, e δ existe”. Os absurdos não terminam áı. Considere uma pessoa não casada, digamos o Papa. Podemos provar que ele 25 é casado. Seja cx a condição “x casou com o Papa”. Seja δ a descrição ιx cx. O PC nós dá “δ casou com o Papa”. Então, alguém casou com o Papa, isto é, o Papa é casado. O que se pode dizer de tudo isto? Segue uma resposta moderna padrão. Considere a descrição ιx cx. Se houver um único objeto que satisfaça a condição cx, em alguma situação, então a descrição se refere a ele. Em caso contrário, ela não se refere a nada: é um “nome vazio”. Deste modo, existe um único x, tal que x é um homem e x aterrissou primeiro na lua, Armstrong. Então, “o x tal que x é um homem e x aterrissou primeiro na lua”refere-se a Armstrong. Igualmente, existe o menor número inteiro, chamado 0 (zero); portanto, a descrição “o objeto que é o menor número inteiro” denota 0. Mas, dado que não há o maior número inteiro, “o objeto que é o maior número inteiro” falha ao referir-se a qualquer coisa. Igualmente, a descrição “a cidade na Austrália que possui mais de um milhão de pessoas” também falha ao se referir a algo. Desta vez, não pelo fato que não existe tal cidade, mas porque existem diversas delas. O que isto tem a ver com o PC? Bem, se houver um único objeto satisfa- zendo cx, em alguma situação, então ιx cx refere-se a ele. Então, a instância do PC com respeito a cx é verdadeira: ιxcx é uma dessas coisas - na verdade, a única coisa - que satisfaz cx. Em particular, o menor número inteiro é (de fato) o menor número inteiro; a cidade que é a capital federal da Austrália é, de fato, a capital federal da Austrália etc. Então, alguns exemplos de PC se mantém. Mas, e se não houver um único objeto que satisfaça cx? Se n é um nome e P é um predicado, a sentença nP é verdadeira somente se houver um objeto a que n se refira, e que tenha a propriedade expressa por P . Por isso, se n não denota nenhum objeto, nP deve ser falso. Portanto, se não houver uma única coisa tendo a propriedade P , (se, por exemplo, P é “é um cavalo alado”) (ιx xP )P é falso. Como se é esperado, sob estas circunstâncias, o PC pode falhar. Agora, como tudo isto está contido no Argumento Ontológico? Lembre-se que a instância do PC lá referida é yP1&yP2&...&yPn em que y é a descrição ιx(xP1&xP2&...&xPn). Ou existe algo satisfazendo xP1&xP2&...&xPn ou não existe. Se existir, deve ser único. (Não pode haver 2 objetos onipoten- tes: se eu sou onipotente, eu consigo fazer você parar de fazercoisas, então você não pode ser onipotente.) Então y se refere a isto, e yP1&yP2&...&yPn 26 é verdadeiro. Se não houver, então y não se refere a nada; portanto cada conjunto de yP1&yP2&...&yPn é falso; conseqüentemente, toda a conjunção é falsa. Ou seja, a instância do PC usado no argumento é verdadeira apenas se Deus existir; mas é falsa se Deus não existir. Portanto, se alguém está ar- gumentando pela existência de Deus, ele simplesmente não pode evocar esta instância do PC: ele estaria somente assumindo algo que supostamente deve- ria estar provando. Os filósofos dizem que tal argumento suplica a questão; isto é, suplica para estar admitindo exatamente o que está em questão. E, um argumento que suplica a questão, claramente não funciona. É o bastante para o Argumento Ontológico. Vamos terminar este caṕıtulo vendo que o apanhado das descrições que expliquei é, de certa forma, pro- blemático por si só. De acordo com este apanhado, se δP é uma sentença onde δ é uma descrição que não se refere a nada, ela é falsa. Mas isto não parece estar sempre correto. Por exemplo, pareceria verdadeiro que o mais poderoso deus da Antiga Grécia era chamado de “Zeus”, vivia no Monte Olympus, era adorado pelos gregos e assim por diante. Ainda que não haja, na realidade, nenhum deus grego. Eles não existiam de fato. Se isto é correto, então a descrição “o mais poderoso deus da Antiga Grécia” não se refere a nada. Mas, neste caso, existem sentenças tipo sujeito/predicado verdadeiras na qual o termo sujeito falha em se referir a algo, tal como “o mais poderoso deus da Antiga Grécia era adorado pelos gregos”. De modo tendencioso, existem verdades sobre objetos não existentes, afinal de contas. Ideias centrais do caṕıtulo • (ιx cx)P é verdadeiro em uma situação exatamente se, nesta situação, houver um único objeto, a, satisfazendo cx, e aP . Problema Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Todos queriam ganhar o prêmio; assim, a pessoa que venceu a corrida queria ganhar o prêmio 27 Caṕıtulo 5 Auto-referência: Sobre o que se trata este caṕıtulo? Freqüentemente, as coisas parecem simples quando alguém pensa em casos normais; mas isto pode ser enganoso. Quando se considera casos mais inco- muns, a simplicidade pode muito bem desaparecer. Assim é com a referência. Vimos no último caṕıtulo que as coisas não são tão diretas como alguém pode supor, quando se leva em consideração o fato de que alguns nomes podem não se referir a nada. Outras complexidades aparecem quando consideramos outro tipo de caso incomum: a auto-referência. É bem posśıvel para um nome se referir a algo do qual, ele mesmo, faz parte. Por exemplo, considere a sentença “Esta sentença contém cinco pa- lavras”. O nome que é o sujeito desta sentença, “Esta sentença”, se refere a toda a sentença, na qual este nome faz parte. Coisas parecidas acontecem num conjunto de regras que contém a sentença “As regras devem ser revi- sados por uma decisão majoritária do Departamento de Filosofia”, ou pela pessoa que pensa “Mas se eu estou pensando este pensamento, então eu devo estar consciente”. Estes são todos casos relativamente não problemáticos de auto-referência. Existem outros casos que são bem diferentes. Por exemplo, suponha que alguém diga: Esta própria sentença que eu estou proferindo agora é falsa. Chame esta sentença de λ. A sentença λ é falsa ou verdadeira? Bem, se é verdadeira, então o que é dito é o caso, portanto λ é falso. Mas se é 28 falsa, então, desde que isto é exatamente o que afirma ser, é verdadeira. Em ambos os casos, λ pareceria ser ambos, verdadeira e falsa. A sentença é como uma faixa de Möbius, uma configuração topológica onde, por causa de uma torção, o interior é o exterior, e o exterior é o interior: verdade é falsidade e falsidade é verdade. Ou suponha qua alguém diga: Esta própria sentença que eu estou proferindo agora é verdadeira. Isto é verdadeiro ou falso? Bem, se é verdadeiro, é verdadeiro, dado que isto é o que é dito. E se é falso, então é falso, dado que ela afirma que é verdadeiro. Sendo assim, ambas, a assunção que é verdadeiro e a assunção que é falso parecem ser consistentes. Além disso, parece não haver nenhum outro fato que resolva a questão de qual é valor de verdade que ela possui. Não é que ela possua algum valor que nós não saibamos, ou nem mesmo podemos saber. Pelo contrário, pareceria (não) haver nada que a determine como verdadeira ou falsa. Parece não ser nem verdadeira nem falsa. Estes paradoxos são muito antigos. O primeiro deles parece ter sido des- coberto pelo o antigo filósofo grego Eubúlides, e é freqüentemente chamado de o paradoxo do mentiroso. Existem muitos outros, e mais recentes, para- doxos do mesmo tipo, alguns deles têm um papel crucial nas partes centrais do racioćınio matemático. Aqui está outro exemplo. Um conjunto é uma coleção de objetos. Portanto, por exemplo, pode-se ter o conjunto de todas as pessoas, o conjunto de todos os números, o conjunto de todas as idéias abstratas. Conjuntos podem ser membros de outros conjuntos. Assim, por exemplo, o conjunto de todas as pessoas numa sala é um conjunto, e, sendo assim, é um membro do conjunto de todos os conjuntos. Alguns conjuntos podem até mesmo ser membros de si mesmos: um conjunto de todos os obje- tos mencionados nesta página é um objeto mencionado nesta página (acabei de mencionar), e, portanto, é um membro de si mesmo; O conjunto de todos os conjuntos é um conjunto, e também um membro de si mesmo. E alguns conjuntos certamente não são membros deles mesmos: O conjunto de todas as pessoas não é uma pessoa, e assim não é um membro do conjunto de todas as pessoas. Agora, considere o conjunto de todos aqueles conjuntos que não são mem- bros deles mesmos. Chame-o R. R é um membro de si mesmo, ou não? Se é um membro de si mesmo, então é uma das coisas que não é um membro de 29 si mesmo. Se, por outro lado, não é um membro de si mesmo, é um daqueles conjuntos que não são membros de si mesmos, e, portanto é um membro de si mesmo. Pareceria ambos, que R é e não é um membro de si mesmo. Este paradoxo foi descoberto por Bertrand Russell, que nós vimos no último caṕıtulo, portanto é chamado de o paradoxo de Russell. Como o paradoxo do mentiroso, ele tem um primo. O que diremos a respeito do conjunto de todos os conjuntos que são membros de si mesmos. Este é um membro de si mesmo, ou não? Bem, se é, é; Se não é, não é. Novamente, parece não haver nada para determinar a questão de alguma forma. O que exemplos deste tipo fazem, é desafiar a assunção que nós tivemos no capitulo 2, que toda sentença é verdadeira ou falsa, mas nunca as duas coisas. “Esta sentença é falsa”, e “R não é um membro de si mesmo” parecem ser ambas verdadeiras e falsas; e os primos delas não parecem ser nem verdadeiras nem falsas. Como esta idéia pode ser acomodada? Simplesmente levando estas ou- tras possibilidades em consideração. Suponha que em qualquer situação, toda sentença é verdadeira, mas não falsa, falsa, mas não verdadeira, am- bas verdadeira e falsa, ou nem verdadeira nem falsa. Lembre-se do capitulo 2, que as condições da verdade para negação, conjunção e disjunção são as seguintes. Em qualquer situação: ¬a tem o valor V exatamente se a tem o valor F . ¬a tem o valor F exatamente se a tem o valor V . a&b tem o valor V exatamente ambos a e a tem o valor V . a&b tem o valor F exatamente se ao menos um dos a e b tem o valor F . a∨ b tem o valor V exatamente se ao menos um dos a e b tem o valor V . a ∨ b tem o valor F exatamente ambos a e a tem o valor F . Usando esta informação, é fácil calcular os valores da verdade das sen- tenças sob o novo regime. Por exemplo: • Suponha que a é F e não V . Então, desde que a seja F , ¬a é V (pela primeira cláusula para negação).E desde que a não seja V , ¬a não é F (pela segunda cláusula para negação). Assim sendo, ¬a é V , mas não F . • Suponha que a é V e F , e que b é apenas V . Então, ambos a e b são V , portanto a&b é V (pela primeira cláusula para conjunção). Mas, por 30 que a é F , ao menos uma das sentenças a e b é F , portanto, a&b é F (pela segunda cláusula para conjunção). Portanto, a&b são ambos V e F . • Suponha que a é somente V , e b não é V nem F . Então desde que a seja V , ao menos uma das a e b é V , e assim sendo a ∨ b é V (pela primeira cláusula para disjunção). Mas desde que a não seja F , então não é caso que a e b sejam ambas F . Portanto a ∨ b não é F (pela segunda cláusula para disjunção). Assim sendo, a ∨ b é apenas V . O que isto nos diz sobre a validade? Um argumento válido é ainda um argumento onde não existe situação em que as premissas são verdadeiras, e a conclusão não é verdadeira. E uma situação é ainda algo que dá um valor da verdade a cada sentença relevante. Somente que agora, uma situação pode dar a uma sentença um valor da verdade, dois, ou nenhum. Então considere a inferência q/q∨p. Em qualquer situação onde q tenha o valor V , as condições para ∨ nos garante que q ∨ p também tem o valor V . (Pode também ter o valor F , mas não importa.) Portanto, se a premissa tem o valor V , assim também tem a conclusão. A inferência é válida. A esta altura, vale a pena retornar à inferência que começamos no caṕıtulo 2: q,¬q/p. Como nós vimos naquele caṕıtulo, dadas as assunções feitas lá, esta inferência é válida. Mas dadas às novas assunções, as coisas são diferentes. Para ver porque, apenas tome uma situação onde q tem o valor V e F , mas p tem apenas o valor F . Desde que q seja ambos V e F , ¬q é também ambos V e F . Assim sendo, ambas as premissas são V (e F também, mas isto não é relevante), e a conclusão, p, não é V . Isto nos dá outro diagnóstico de porque nós achamos a inferência intuitivamente inválida. Ela é inválida. Mas isto não é o fim da questão. Como nós vimos no Caṕıtulo 2, esta inferência segue de duas outras inferências. A primeira delas (q/q ∨ p) nós acabamos de ver como sendo válida na abordagem atual. A outra deve, entretanto, ser inválida; e este é o caso. A outra inferência é: q ∨ p,¬q p Agora, considere a situação em que q ganha os valores V e F , e p ganha apenas o valor F . Facilmente, verificamos que ambas as premissas possuem o valor V (assim como F ). Mas, a conclusão não ganha o valor V . Assim sendo, a inferência é inválida. 31 No Caṕıtulo 2, eu disse que esta inferência não parecia intuitivamente válida. Portanto, dada a nova abordagem, nossas intuições a respeito disso devem estar erradas. Entretanto, pode-se oferecer uma explicação para este fato. A inferência parece ser válida porque, se ¬q é verdadeiro, isto parece eliminar a verdade de q, nos deixando com o p. Mas na abordagem atual, a verdade de ¬q não elimina a verdade de q. Isto seria assim, somente se algo não pudesse ser verdadeiro e falso. Quando pensamos em uma inferência como válida, nós estamos talvez nos esquecendo de tais possibilidades, que podem surgir em casos incomuns, como estes que são fornecidos pela auto- referência. Qual explicação da situação é melhor, aquela que conclúımos no Caṕıtulo 2, ou aquela que temos agora? Esta é uma questão que eu vou deixar para você pensar a respeito. Ao invés disto, vamos terminar notando que, como sempre, alguém pode objetar algumas das idéias na qual a nova abordagem se apóia. Considere o paradoxo do mentiroso e o seu primo. Comece pelo segundo. A sentença “Esta sentença é verdadeira” era supostamente para ser um exemplo de algo que não é verdadeiro nem falso. Vamos supor que este seja o caso. Então, em particular, não é verdadeira. Mas, ela mesma, diz ser verdadeira. Portanto ela deve ser falsa, ao contrário da nossa suposição que não é verdadeira nem falsa. Parece que nós acabamos em uma contradição. Ou tome a sentença do mentiroso, “Esta sentença é falsa”. Esta sentença era supostamente para ser um exemplo de algo que é tanto verdadeira quanto falsa. Vamos melhorar o exemplo um pouco. Considere a sentença “Esta sentença não é verdadeira”. Qual é o valor da verdade dela? Se for verda- deira, então o que é dito é o caso, portanto não é verdadeira. Mas se não é verdadeira, então, uma vez que isso é o que ela afirma, é verdadeira. De qualquer forma, parecia ser ambos, verdadeira e não verdadeira. Novamente, nós temos uma contradição em nossas mãos. Não é apenas que as sentenças possam tomar os valores V e F ; pelo contrário, uma sentença pode tanto ser V e não ser V . São situações como esta que têm feito do assunto auto-referência muito contundente, desde Eubúlides. É, certamente, uma questão muito dif́ıcil. 32 Ideias centrais do caṕıtulo • As sentenças podem ser verdadeiras, falsas, ambas, ou nenhuma delas. Problema Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. Você fez um omelete, e não é o caso que você fez um omelete e não quebrou um ovo; assim, você quebrou um ovo. 33 Caṕıtulo 6 Necessidade e Possibilidade: O que será deve ser? Freqüentemente alegamos não apenas que algo é assim, mas que deve ser as- sim. Dizemos: “Deve chover”, “Não vai deixar de chover”, “Necessariamente, irá chover”. Também temos muitas formas de dizer que, embora algo possa, na verdade, não ser o caso, poderia ser. Dizemos: “Poderia chover amanhã”, “é posśıvel que chova amanhã”, “não é imposśıvel que chova amanhã”. Se a é alguma sentença, lógicos geralmente escrevem a alegação que a deve ser verdadeira como 2a, e a alegação que a poderia ser verdadeira como 3a. 2 e 3 são chamados operadores modais, uma vez que eles expressam os modos nas quais as coisas são verdadeiras ou falsas (necessariamente, possivelmente). Os dois operadores estão, na verdade, conectados. Dizer que algo deve ser o caso é dizer que não é posśıvel que isto não seja o caso. Ou seja, 2a significa o mesmo que ¬3¬a. Igualmente, dizer que é posśıvel que algo seja o caso é dizer que não é necessariamente o caso que isto é falso. Ou seja, 3a significa o mesmo que ¬2¬a. Por precaução, nós podemos expressar o fato de que é imposśıvel para a ser verdadeiro, indiferentemente, como ¬3a (não é posśıvel que a), ou como 2¬a (a é necessariamente falsa). Ao contrário dos operadores que encontramos até agora, 2 e 3 não são funções da verdade. Como vimos no Caṕıtulo 2, quando se sabe o valor de verdade de a, pode-se calcular o valor de verdade de ¬a. Similarmente, quando se sabe os valores de verdade de a e b, pode-se calcular os valores de verdade de a ∨ b e a&b. Mas, não se pode inferir o valor de verdade de3a simplesmente pelo conhecimento do valor de verdade de a. Por exemplo, 34 seja r a sentença “Amanhã eu me levantarei antes das 7 horas”. Suponha que r é, na verdade, falso. Mas, certamente poderia ser verdadeiro: Eu poderia programar meu despertador e acordar mais cedo. Assim sendo, 3r é verdadeiro. Mas, seja j a sentença “Eu saltarei da cama e ficarei suspenso no ar a 2m do chão”. Assim como r, isto também é falso. Mas, ao contrário de r, não é nem mesmo posśıvel que isso seja verdade. Porque violaria as leis da gravidade. Assim sendo, 3j é falso. Portanto, o valor de verdade de uma sentença, a, não determina o de 3a: r e j são ambas falsas, mas3r é verdadeiro e 3j é falso. Similarmente, o valor de verdade de a não determina o valor da verdade de 2a. Seja, agora, r a sentença “Amanhã, eu me levantarei antes das 8 horas”. Isto é, de fato, verdadeiro; mas não é necessariamente verdadeiro. Eu poderia ficar na cama. Seja, agora, j a sentença “Se eu saltar da cama amanhã de manhã, eu terei me movido”. Isto também é verdadeiro, mas não existe nenhum modo em que isto poderiaser falso. É necessariamente verdadeiro. Assim sendo, r e j são ambos verdadeiros, mas um é necessariamente verdadeiro e o outro não. Operadores Modais são, portanto, tipos de operadores bem diferentes de qualquer coisa que tenhamos visto até agora. Eles também são importantes e frequentemente são operadores que nos desafiam. Para ilustrar isto, eis aqui um argumento para o fatalismo, dado por um dos dois mais influentes filósofos Gregos, Aristóteles. Fatalismo é a concepção de que tudo o que acontece deve acontecer: não poderia ter sido evitado. Quando um acidente ocorre, ou uma pessoa morre, não há nada que poderia ter sido feito para evitá-lo. Fatalismo é uma visão que tem atráıdo algumas pessoas. Quando algo dá errado, existe um certo conforto que provem do pensamento de que aquilo não poderia ter sido de outra forma. Não somente isto, fatalismo implica que eu sou incapaz de alte- rar o que acontece, e isto parece patentemente falso. Se eu me envolver num acidente de carro hoje, eu poderia ter evitado isto simplesmente tomando uma rota diferente. Então, qual é o argumento de Aristóteles? Ele procede da seguinte forma. (Por ora, ignore que o texto esteja em negrito; voltaremos a tocar neste assunto.) Tome qualquer alegação que quiser - digamos, a t́ıtulo de ilustração, que estarei envolvido em um acidente de trânsito amanhã. Agora, podemos não saber ainda se isto é verdadeiro ou não, mas sabemos que estarei envolvido em um acidente ou não. Suponha o primeiro caso. Então, como questão de fato, estarei envolvido em um acidente de trânsito. E se é verdadeiro 35 dizer que estarei envolvido em um acidente, então não pode deixar de ser o caso que estarei envolvido. Ou seja, deve ser o caso que estarei envolvido. Suponha, por outro lado, que, como questão de fato, não estarei envolvido em um acidente de trânsito amanhã. Então, é verdade dizer que não estarei envolvido em um acidente; e sendo assim, não pode deixar de ser o caso que não estou envolvido no acidente. Qualquer um dos dois que acontecer, então, deve acontecer. Isto é fatalismo. O que se poderia dizer a respeito disso? Para responder, vamos exami- nar a concepção moderna standard dos operadores modais. Suponhamos que toda situação, s, venha acompanhada de um feixe de possibilidades, isto é, si- tuações que são posśıveis no que diz respeito a s - a serem definidas, digamos, como as situações que poderiam surgir sem que se violassem as leis da f́ısica. Assim sendo, se s é uma situação em que eu estou presentemente (estando na Austrália), estar em Londres por uma semana é uma situação posśıvel; enquanto que estar em Alfa Centauros (a mais de 4 anos-luz de distância) não é. Segundo o filósofo e lógico do século 17, Leibniz, lógicos frequentemente chamam estas situações posśıveis, de modo divertido, de mundos posśıveis. Agora, dizer que 3a (é possivelmente o caso que a) é verdadeiro em s, é apenas dizer que a é verdadeiro em ao menos um dos mundos associados com s. E dizer que 2a (é necessariamente o caso que a) é verdadeiro em s, é apenas dizer que a é verdadeiro em todos os mundos posśıveis associados com s. Por isso, 2 e 3 não são funções da verdade. Porque a e b podem ter o mesmo valor da verdade em s, digamos F , mas podem ter diferentes valores da verdade nos mundos associados com s. Por exemplo, a pode ser verdadeiro em um dos mundos (digamos, s′), mas b pode não ser verdadeiro em nenhum, da seguinte forma: s s′ a : F b : F a : V b : F Essa abordagem nos fornece uma maneira de analisar inferências que 36 empregam operadores modais. Por exemplo, considere a inferência: 3a 3b 3(a&b) Isso é inválido. Para ver o porquê, suponha que as situações associadas com s são s1 e s2, e que os valores de verdade são como se segue: s s1 s2 a : F b : F a : V b : F a : F b : V a é V em s1, portanto 3a é verdadeiro em s. Similarmente, b é verdadeiro em s2; portanto 3b é verdadeiro em s. Mas, a&b não é verdadeiro em nenhum mundo associado; portanto 3(a&b) não é verdadeiro em s. Em contraste, a seguinte inferência é válida: 2a 2b 2(a&b) . Pois, se as premissas são verdadeiras em uma situação s, então a e b são ver- dadeiros em todos os mundos associados com s. Mas, então, a&b é verdadeira em todos aqueles mundos. Isto é, 2(a&b) é verdadeira em s. Antes de voltarmos à questão de como isso se relaciona com o argumento de Aristóteles, devemos mencionar brevemente um outro operador lógico, 37 com o qual ainda não nos encontramos. Escrevamos ‘se a então b’ como a → b. Sentenças dessa forma são chamadas condicionais, e serão a nossa principal preocupação no próximo caṕıtulo. Por enquanto, tudo o que precisamos notar é que a principal inferência na qual condicionais parecem estar envolvidos é essa: a a → b b (Por exemplo: ‘Se ela se exercita frequentemente, então ela está em forma. Ela se exercita frequentemente; então ela está em forma’.) Lógicos modernos costumam chamar essa inferência pelo nome dado a ela pelos lógicos medi- evais: modus ponens. Literalmente isso significa ‘o modo de colocar’. (Não me pergunte.) Agora, para considerar o argumento de Aristóteles, precisamos pensar um pouco a respeito de condicionais da forma: se a então não pode deixar de ser o caso que b. Tais sentenças são, de fato, amb́ıguas. Uma coisa que elas podem signi- ficar é que se a, de fato, é verdadeira, então b é necessariamente verdadeira. Isto é, se a é verdadeira na situação de que estamos falando, s, então b é verdadeira em todas as situações posśıveis associadas a s. Podemos escrever isso como a → 2b. A sentença está sendo usada desta maneira quando di- zemos coisas como: ‘Você não pode mudar o passado. Se algo foi verdadeiro no passado então esse algo não pode hoje deixar de ter sido verdadeiro. Não há nada que você possa fazer a respeito: É irrevogavel’. O outro significado de um condicional da forma ‘se a então não pode deixar de ser o caso que s’ é bastante diferente. Frequentemente usamos essa expressão para dizer que b se segue de a. Estaŕıamos usando a sentença desta maneira se disséssemos ‘Se Fred vai se divorciar então ele é necessaria- mente casado’. Não estamos dizendo que se Fred vai se divorciar, então seu casamento é irrevogável. Estamos dizendo que você não pode se divorciar sem ser casado. Não há uma situação posśıvel onde acontece uma coisa e a outra não. Isto é, em qualquer situação posśıvel, se uma é verdadeira, então a outra também é. Isto é, 2(a → b) é verdadeira. Agora a → 2b e 2(a → b) significam coisas bem diferentes. E certamente, a primeira não se segue da segunda. O mero fato de que a → b seja verdadeira em toda situação associada a s não significa que a → 2b é verdadeira em s. 38 a pode ser verdadeira em s sem que 2b seja: tanto b quanto a podem ser falsos em algum mundo associado. Ou para dar um contra-exemplo concreto: é necessariamente verdadeiro que se Jonh vai se divorciar, ele é casado; mas certamente não é verdade que se Jonh vai se divorciar ele é necessariamente (irrevogavelmente) casado. Voltando finalmente ao argumento de Aristóteles, considere a sentença colocada em negrito: ‘Se é verdade dizer que me envolverei em um acidente, então não pode deixar de ser o caso que eu me envolverei’. Isso é exatamente da forma de que estávamos falando. E é, portanto, amb́ıguo. Além disso, o argumento se fia nesta ambiguidade. Se a é a sentença ‘É verdadeiro dizer que me envolverei em um acidente de trânsito’ e b é a sentença ‘Me envolverei (em um acidente de trânsito)’, então o condicional em negrito é verdadeiro no sentido: 1. 2(a → b). Necessariamente, se é verdadeiro dizer algo, então este algo é de fato o caso. Mas o que precisaria ser estabelecido é: 2. a → 2b. Afinal de contas, o próximo passo do argumento é inferir 2b a partir de a por modus ponens. Mas,como vimos, 2 de maneira nenhuma se segue de 1. Assim, o argumento de Aristóteles é inválido. Em grande medida, o mesmı́ssimo problema aparece na segunda parte do argumento, com o condi- cional ‘Se é verdadeiro dizer que eu não me envolverei em um acidente, então não pode deixar de ser o caso que eu não me envolva em um acidente’. Isso parece ser uma resposta satisfatória ao argumento de Aristóteles. Mas, há uma variação do argumento que não tem resposta tão fácil. Volte ao exemplo que t́ınhamos sobre mudar o passado. Parece mesmo verdadeiro que se alguma sentença sobre o passado é verdadeira, ela é hoje necessaria- mente verdadeira. É imposśıvel, agora, transformá-la em falsa. A Batalha de Hastings se deu em 1066, e não há, hoje, nada que possamos fazer para que ela tenha se dado em 1067. Portanto, se p é um enunciado a respeito do passado, então p → 2p. Considere agora um enunciado a respeito do futuro. De novo, por exem- plo, seja a afirmação de que me envolverei em um acidente de trânsito amanhã. Suponha que isso é verdade. Segue-se que se alguém disse isso 100 anos atrás, então este alguém disse a verdade. E mesmo se ninguém 39 nunca dissesse isso, se tivesse dito teria dito a verdade. Assim, que eu me envolverei em um acidente amanhã era verdade há 100 anos. Esse enunciado (p) é certamente um enunciado a respeito do passado, e portanto, uma vez verdadeiro, é necessariamente verdadeiro (2p). Então, deve ser necessari- amente verdadeiro que me envolverei em um acidente amanhã. Mas, isso era apenas um exemplo; o mesmo racioćınio poderia ser aplicado a qualquer coisa. Assim, o que quer que aconteça, deve acontecer. Este argumento em favor do fatalismo não comete a mesma falácia (isto é, o mesmo argumento inválido) que o considerado anteriormente. No fim das contas, o fatalismo é verdadeiro? Ideias centrais do caṕıtulo • Cada situação vem associada a uma coleção de situações posśıveis. • 2a é verdadeira em uma situação, s, se a é verdadeira em todas as situações associadas a s. • 3a é verdadeira em uma situação, s, se a é verdadeira em alguma a situação associada a s. Problema Simbolize a seguinte inferência e avalie a sua validade. É imposśıvel para por- cos voarem, e é imposśıvel para porcos respirarem debaixo d’água; portanto, deve ser o caso que os porcos nem voem e nem respirem debaixo d’água. 40 Caṕıtulo 7 Condicionais: O que está contido em um se? Neste caṕıtulo, nos voltaremos para o operador lógico que apresentei de pas- sagem no caṕıtulo anterior, o condicional. Lembre-se que um condicional é uma sentença da forma ‘se a então c’, que escrevemos como a → c. Lógicos chamam a de antecedente do condicional, e c de consequente. Notamos também que uma das mais fundamentais inferências a respeito do condi- cional é o modus ponens : a, a → b/c. Os condicionais são fundamentais para muito do nosso entendimento. O caṕıtulo anterior mostrou apenas um exem- plo disto. Mesmo assim, eles são profundamente dif́ıceis de entender. Eles têm sido estudados em lógica desde os tempos mais antigos. Na verdade, foi reportado por um antigo comentarista (Callimachus) que uma vez até mesmo os corvos nos telhados estavam gorjeando a respeito dos condicionais. Vamos ver porque - ou, pelo menos, um motivo do porque - os condicionais são dif́ıceis de entender. Se você sabe que a → c, parece que você poderia inferir que ¬(a&¬c) (não é o caso que a e não c). Suponha, por exemplo, que alguém lhe informa que se perder o ônibus, vai chegar atrasado. Você pode inferir disto que é falso que você perderá o ônibus e não chegará atrasado. Inversamente, se você sabe que ¬(a&¬c), parece que você poderia inferir a → c disto. Suponha, por exemplo, que alguém lhe diga que você não irá ao cinema sem gastar dinheiro (não é o caso que vá ao cinema e não gaste dinheiro). Você pode inferir que se for ao cinema, irá gastar dinheiro. ¬(a&¬c) é freqüentemente escrita como a ⊃ c, e chamado de condicional material. Portanto, parece que a → c e a ⊃ c significariam a mesma coisa. 41 Em particular, assumindo a maquinaria do Caṕıtulo 2, eles devem ter a mesma tabela da verdade. É um exerćıcio simples, que eu deixo para você, mostrar que isto é da seguinte forma: a c a ⊃ c V V V V F F F V V F F V Mas isto é estranho. Significa que se c é verdadeiro em uma situação (primeira e terceira fileiras), então a → c também é. Isto dificilmente pa- rece correto. É verdadeiro, por exemplo, que Canberra é a capital federal da Austrália, mas o condicional ‘Se Canberra não for a capital federal da Austrália, então Canberra é a capital federal da Austrália’ parece certamente falso. Igualmente, a tabela da verdade nos mostra que se a é falso (terceira e quarta fileiras), a → c é verdadeiro. Mas, isto dificilmente parece correto também. O condicional ‘Se Sydney for a capital federal da Austrália, então Brisbane é a capital federal’ também aparece claramente falso. O que deu errado? O que estes exemplos parecem mostrar é que → não é uma função da verdade: o valor da verdade de a → c não é determinado pelos valores da verdade de a e c. Ambas ‘Roma é na França’ e ‘Beijing é na França’ são falsas; mas é verdadeiro que: Se a Itália for parte da França, então Roma é na França. Enquanto é falso que: Se a Itália for parte da França, então Beijing é na França. Então, como funcionam os condicionais? Uma resposta pode ser dada usando o mecanismo de mundos posśıveis do último caṕıtulo. Considere os dois últimos condicionais. Em qualquer situação posśıvel na qual a Itália foi incorporada à França, Roma seria cer- tamente na França, mas isto não tem nenhum efeito na China. Portanto, Beijing ainda não seria na França. Isto sugere que o condicional a → c é verdadeiro em algumas situações, s, somente se c é verdadeiro em todas as 42 situações posśıveis associadas com s na qual a é verdadeiro; e é falso em s se c for falso em algumas das posśıveis situações associadas com s na qual a é verdadeira. Isto nos dá um apanhado plauśıvel de →. Por exemplo, isto mostra porque modus ponens é válido - pelo menos sob uma hipótese. A hipótese é que nós contamos o próprio s como uma das situações posśıveis associadas com s. Isto parece razoável: qualquer coisa que é verdadeiramente o caso em s é certamente posśıvel. Agora, suponha que a e a → c são verdadeiros em alguma situação s. Então, c é verdadeiro em todas as situações associadas com s na qual a é verdadeiro. Mas, s é uma destas situações, e a é verdadeiro nela. Assim sendo, c também é, como queŕıamos. Voltando ao argumento com que nós começamos, podemos ver agora onde ele falha. A inferência na qual o argumento repousa é: ¬(a&¬c) a → c E isto não é válido. Por exemplo, se a for F em alguma situação s, isto é suficiente para fazer a premissa verdadeira em s. Mas isto não nos diz nada sobre como a e c se comportam nas posśıveis situações associadas com s. Poderia muito bem acontecer que em uma destas, digamos s′, a é verdadeira e c não é, desta forma: s s′ a : F c : F a : V c : F Portanto, a → c não é verdadeiro em s. E quanto ao exemplo que vimos antes, em que você é informado que não irá ao cinema sem gastar dinheiro. A inferência não parece válida neste caso? Suponha que você sabe que não irá ao cinema sem gastar dinheiro: ¬(g&¬m). Você realmente está obrigado a concluir que se você for ao cinema gastará dinheiro: g → m? Não necessariamente. Suponha que você não está indo ao 43 cinema, não importa as circunstâncias, mesmo que o ingresso seja grátis esta noite. (Tem um programa na TV que é bem mais interessante.) Então, você sabe que não é verdade que vai ao cinema (¬g), e então que não é verdadeiro que você vai ao cinema e não gastará dinheiro: ¬(g&¬m). Então, você está obrigado a inferir que se você
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