Buscar

Escolas Jurídicas da Modernidade

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

231
7. O direito moderno
7.1. A modernidade jurídica
As marcas mais características da modernidade já antes (cf. cap. 6) foram 
enunciadas: racionalidade, generalidade e abstração, macro-organização. 
No plano da política e do direito, a racionalidade equivale a antitradicio-
nalismo; a generalidade e abstração, a uma sociedade de pessoas iguais 
perante o direito e a um direito geral que abolisse privilégios e diferenças 
estatutários ou regionais; a macro-organização, à centralização do poder e 
à extensão do direito à totalidade dos territórios políticos. No plano, ainda 
mais concreto, do direito e da política na Europa, equivale, fundamental-
mente, ao colapso da sociedade de ordens e do particularismo jurídico 
correspondente aos privilégios. Estes movimentos começam a perfilar-se 
a partir do século XVI377. 
7.2. A alta modernidade: a transição: a crise do século XVI
e as orientações metodológicas subsequentes
O século XVI marca, em muitos aspetos, o início do processo de colapso do 
mundo tradicional. No plano jurídico, a evolução da sociedade, mas também 
a política dos príncipes para modernizar e para centralizar e homogenei-
zar o seu poder (para o tornar “territorial”, independente do estado das 
pessoas ou dos privilégios das comunidades), fazem surgir novas normas e 
377 Para um relance rápido, http://en.wikipedia.org/wiki/Modernity; http://plato.stanford.
edu/entries/enlightenment/. Clássico: Giddens, 1990. Exemplos de perspetivas modernas, 
também sobre o governo (mas não sobre o direito), Scott, 1998. Sobre o processo histórico da 
modernização, Bauman, 1997; sobre as consequências sociais, Bauman, 2000, 2001.
232
A CULTURA JURÍDICA EUROPEIA
institutos jurídicos. No plano do saber jurídico, o seu desenvolvimento interno 
veio tornar caducos antigos processos intelectuais, propondo outros novos, 
o que significou uma crise profunda na doutrina europeia do direito.
A alta modernidade jurídica corresponde justamente a esta fase de crise 
e experimentação. Muito do direito mais antigo, tradicional e particula-
rista, continua a vigorar. Mas surgem realidades jurídicas novas, como a 
lei geral ou um saber mais evidente e metódico, que, pela sua eficiência 
política e social, ou pela sua acessibilidade intelectual, se colocam numa 
posição de vantagem na regulação social e na difusão popular.
7.2.1. Uma nova realidade normativa
Como antes dissemos, o século XIV, a que corresponde a atividade dou-
trinal dos comentadores, é a altura em que os iura propria são plenamente 
integrados no direito romano-justinianeu e em que o saber jurídico pro-
cura reduzir este cúmulo a uma unidade. Todavia, a evolução social e o 
progresso do movimento de centralização do poder político acaba por 
modificar o equilíbrio do sistema das fontes de direito, abrindo para uma 
aberta supremacia do direito próprio dos reinos e das cidades (que passa 
a ser o verdadeiro direito comum) sobre o ius commune elaborado pelos 
juristas do século XIV378.
Isto acontece, antes de mais, naqueles ramos em que o direito romano 
não podia trazer grande contributo (dada a maior evolução do estilo de 
vida) – como o direito público, o direito criminal e o direito comercial. Se, 
no primeiro, ainda foi possível encontrar algum paralelo entre a organiza-
ção do poder do Baixo Império romano (séculos IV-V) – contida nos três 
últimos livros do Código de Justiniano (desde muito cedo estudados pela 
ciência jurídica medieval, sob a designação de Tres libri) – e a dos estados 
378 Recapitulando, lembremos que se podem individualizar três fases no desenvolvimento 
do regime das fontes de direito na Europa medieval e moderna. A primeira corresponde aos 
séculos XII e XIII e é caracterizada pelo predomínio do direito romano (e canónico) sobre 
todas as outras fontes concorrentes, cuja validade só é admitida desde que não estejam em 
contraste com a norma de direito comum. A segunda fase estende-se do século XIV até ao 
fim do século XVII, nela se notando a afirmação dos iura propria como fonte primária dos 
ordenamentos particulares, cujo valor se equilibra com o direito comum. A terceira, por 
fim, marca a independência completa do direito dos reinos, que se torna a única fonte do 
direito e relega o direito comum para a posição de direito subsidiário. Cf. Mortari, 1958, 369, 
e Calasso, 1954, 125-126.
O DIREITO MODERNO
233
italianos, nomeadamente a do reino normando-siciliano de Frederico II, 
o mesmo não aconteceu no direito criminal, matéria em que a compila-
ção justinianeia não podia oferecer grande coisa379, e, principalmente, no 
direito comercial, filho de exigências sociais novíssimas e a propósito do 
qual já Bártolo dizia: “sabe-se como nos tribunais dos mercadores se deve 
julgar segundo a equidade, omitidas as solenidades do direito [romano-
-justinianeu, entenda-se]”380.
Mas o abandono dos princípios da doutrina romanística nestes domínios 
particulares é o reflexo de uma submissão mais vasta do direito comum aos 
novos direitos nacionais, cuja codificação começa, a partir do século XV, 
a estar em marcha, e que traduzia, no campo jurídico – como já se disse 
– as políticas reais de concentração do poder de estabelecer o direito381.
Em França, a redação dos costumes é ordenada sucessivamente por 
Carlos VII (1454), Luís XI (1481) e Henrique III (1587); em Espanha, uma 
codificação dos costumes, ordenada por Isabel, a Católica (as Ordenanzas 
Reales de Castela), aparece em 1484, enquanto a codificação da legislação 
real é realizada em 1567. Nos Países Baixos, a recolha escrita do direito 
local é empreendida sob Carlos V (1531) e, na Bélgica, com o Édit Perpétuel 
(1611). Na Alemanha, o duque Guilherme IV da Baviera leva a cabo a codi-
ficação das principais fontes normais do direito bávaro (Reformacion, 1518), 
ao mesmo tempo que unifica o processo (Gerischtsordnung, 1520) e reúne a 
legislação ducal em matéria administrativa e económica (Buch der gemeinen 
Landpot-Landsordnung, 1520). Pouco depois (1532), a Constitutio Criminalis 
Carolina (ou Halsgerichtsordnung), da Carlos V, unifica o direito penal ale-
mão. Em Portugal, a compilação da legislação é realizada em 1446-1447 
(Ordenações Afonsinas), retomada em 1512-1514 (Ordenações Manuelinas) e em 
1603 (Ordenações Filipinas), ao passo que os forais são objeto de uma reforma 
a partir de 1497382. Mesmo em Inglaterra, reis (Isabel I, 1533-1603) e juris-
tas (v.g., Francis Bacon, 1561-1626) manifestaram a intenção de “consoli-
dar” o tradicional e disperso common law, elaborando uma compilação que 
reunisse e harmonizasse aquilo que fora sendo reconhecido como direito 
primordial e fundamental do reino desde o último rei saxão (Eduardo I, 
379 Calasso, 1965, 451.
380 Calasso, 1965, 455. Já vimos (supra, cap. 6.6.8.2.1) como, em Inglaterra, é precisamente na 
Court of Admiralty que a equidade ganha mais cedo um grande relevo.
381 Cf., para o conjunto, Ascheri, 2009.
382 Cf. Hespanha, 2001q.
234
A CULTURA JURÍDICA EUROPEIA
o Confessor, 1003-1066) e, com isto, tornando o direito mais certo e mais 
claro e valorizando a alegada unidade do seu “espírito”383.
É certo que a novidade de muitas destas compilações é muito problemática.
Por um lado, até aos finais do século XVII, elas não representarão uma 
intenção de monopólio de estabelecimento do direito por meio da lei régia, 
mas antes um desejo de corresponder aos pedidos dos povos de, pondo o 
direito consuetudinário tradicional por escrito em textos dotados de auto-
ridade, o tornar mais certo e mais controlável, quer pelo poder, quer pelos 
destinatários384. Neste sentido, este movimento de promoção da legisla-
ção real não significa ocaso do pluralismo medieval, que apenas ocorrerá 
muito mais tarde, quando a lei reclamar o monopólio ou uma eminência 
absoluta. Para além disso, muitas destas compilações estavam fortemente 
repassadas de princípios e instituições de direito comum385-386; em Inglaterra, 
entendia-se mesmo que elas não podiam inovar em relação ao common law 
imemorialmente recebidopelos tribunais ou reconhecido pelo parlamento. 
Em todo o caso, importa salientar que, daqui em diante, a tendência é para 
que este direito compilado ganhe em prestígio a aplicabilidade prática, pois 
tornava-se mais acessível, menos incerto e menos sujeito a contradição ou 
controvérsia. Muitas das compilações reclamam mesmo a supremacia sobre 
qualquer outro direito, que valeria apenas quando nelas não se encontrasse 
um preceito aplicável ao caso em apreciação (ou seja, como direito subsidi-
ário). Embora as disposições deste género não passassem de votos pios, uma 
vez que a formação dos juristas letrados os levava a aplicarem o direito que 
383 Cf. Pocock, 1957 (sobre os esforços dos juristas “antiquaristas” – v.g., Edward Coke, 1552- 
-1634: Reports […], 1600-1615; Institutes of the laws of England, 1628-1644 – para reuniram provas 
históricas sobre o conteúdo do reconhecimento pelos tribunais (prescrição) de preceitos do 
common law, consuetudinário e imemorial). Sobre o movimento de consolidação do common 
law (com destaque para as propostas de Francis Bacon): Shapiro, 1975; Shapiro, 1980.
384 V., para Portugal, o meu cit. artigo sobre a reforma dos forais (Hespanha, 2001q), em que 
todas as garantias foram dadas de respeito pelos direitos tradicionais dos concelhos. Para a 
Flandres, a mesma é a conclusão do último estudo de conjunto do Edito perpétuo, de 1611 que, 
nos seus primeiros artigos, manda registar e homologar os costumes locais (cf. Martyn, 2000), 
nomeadamente I.4 e II.1. Para a França, Cosandey, 2002, 52 ss.
385 Saber até que ponto a codificação dos direitos locais utilizou a contribuição romanística 
é um assunto que não está definitivamente esclarecido, v. Coing, 1985, 15-16.
386 Em relação às Ordenações portuguesas, só uma cuidada edição crítica – que constituiria 
uma útil tarefa – permitiria destrinçar as várias influências aí detetáveis. Algumas indicações 
podem colher-se em Gordo, 1792.
O DIREITO MODERNO
235
tinham aprendido nas escolas – i.e., o direito comum – e não os direitos 
próprios contidos nas compilações régias que iam surgindo.
Seja como for, esta mudança da realidade do direito não pode deixar 
de influir no modo de ser do saber jurídico. Pode-se mesmo dizer que a 
substituição do objeto tradicional da scientia iuris pelo moderno a lançou 
numa grave crise de que só se irá recompor no século XVIII.
O que se compreende. O saber jurídico académico estava orientado 
para uma interpretação dos textos de direito comum (sobretudo dos textos 
justinianeus), considerados como de autoridade indiscutida. Por isso, o 
edifício do saber jurídico académico tradicional não podia deixar de ruir 
no momento em que a autoridade dos alicerces romano-justinianeus sobre 
que fora construído fosse abalada ou desafiada pela do direito próprio dos 
reinos, principados e cidades. Todo aquele esforço de subtil interpretação 
dos textos, necessário à modernização do direito romano, deixava de ter 
sentido em relação às disposições, elas mesmas já modernas, dos novos 
direitos próprios. Todo o afirmado (se bem que, na prática interpretativa, 
pouco atendido) respeito pelo direito romano se tornava absurdo quando 
o direito efetivamente vigente se distanciava, progressivamente, dos textos 
do Corpus iuris e mesmo da sua reinterpretação medieval.
Perante isto, a orientação da doutrina foi tríplice387.
Segundo uma corrente (aquela que vem a ser conhecida sob a desig-
nação de mos gallicus ou Escola culta, humanista ou elegante, cf., infra, 7.2.4), 
passa-se a encarar o direito romano-justinianeu com um interesse apenas 
histórico-filológico, negando, implícita ou explicitamente, o seu caráter 
de direito vigente. Ao mesmo tempo, procura-se reduzi-lo à sua pureza 
originária, da época clássica do direito romano, limpando-o dos “acres-
centos” das sucessivas interpretações atualizantes, levadas a cabo por jus-
tinianeus ou medievais. O que, como se dirá, prejudicava decisivamente 
a sua aplicabilidade prática, que era justamente possibilitada pelas inter-
pretações atualistas. 
Outra corrente, vivaz naqueles domínios e naqueles países em que os 
direitos próprios eram demasiado vivos para serem escamoteados pelo 
saber jurídico tradicional, o pensamento jurídico dedicou-se a uma inser-
ção desses direitos nos quadros conceituais dos comentadores, utilizados 
até onde eles fossem adequados à nova matéria e supridos no restante, com 
387 Sistematização semelhante em Silva, 1964, 55 e 59.
236
A CULTURA JURÍDICA EUROPEIA
figuras dogmáticas novas. É o usus modernus Pandectarum (uso moderno das 
Pandectas [= Digesto]; cf. 7.2.4), corrente que refundiu (pondo-o de acordo 
com os novos direitos próprios) e completou (desenvolvendo os princípios 
que ele levava implícitos) o sistema de direito construído pelos comen-
tadores.
Se o humanismo jurídico vigorou, especialmente em França e nos Países 
Baixos, o usus modernus Pandectarum corresponde a uma orientação predo-
minantemente alemã. Ela tem origem na nítida desvalorização do direito 
romano consequente à quebra da ideia do império e à desagregação do 
próprio Império Alemão após a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Estes 
factos não podem, na realidade, deixar de ter influência sobre o prestígio 
de um direito cuja vigência, teoricamente, se fundava na continuidade 
existente entre o Império Romano e o Germano-Alemão medieval. Foi 
Hermann Conring (1606-1681) quem, pela primeira vez (em 1643), tirou 
as consequências da rutura da continuidade do império e fez a crítica 
da ideia de receção automática e global do direito romano na Alemanha 
(cf., infra, 7.2.4), defendendo que, não havendo a tal continuidade do impé-
rio e do seu direito, a vigência do direito romano no Império Alemão tinha 
antes origem numa receção caso a caso, cuja prova histórica tinha de 
ser feita.
Nos domínios da civilística e, principalmente, naqueles países em que, 
como nas Penínsulas Itálica e Ibérica e no Sul de França, o direito civil era, 
quase exclusivamente, baseado no ius commune, é mantido e desenvolvido 
o saber jurídico dos comentadores, continuando-se a usar as suas técnicas 
de construção dogmática. De qualquer modo, em virtude do aumento e 
consolidação do direito próprio (nomeadamente da legislação real, agora 
progressivamente recolhida em códigos e compilações) e da estabilização 
da jurisprudência dos altos tribunais (praxis curiae, prática do tribunal) 
– que passa a ter um grande peso na motivação de decisões futuras –, 
aumenta muito a importância do direito culto local (direito do reino), 
embora integrado na construção doutrinal do direito comum. É o 
“bartolismo tardio” (ou “praxística”) que, no Sul-Ocidente da Europa388, 
388 Também em Inglaterra, a autoridade dos juristas italianos permaneceu até muito tarde, 
sobretudo em virtude da receção que deles fizera Bracton, sobretudo na primeira parte do 
seu Tractatus de legibus et consuetudines Angliae; cf. Wijffels, 1992. Mas a verdadeira romanização 
do sistema expositivo do direito inglês só se dá, de facto e com grande impacto, com os 
Commentaries on the laws of England, de William Blackstone (1765-1769).
O DIREITO MODERNO
237
domina a doutrina civilística (com tendência a expandir-se a toda a ativi-
dade jurídico-doutrinal) até ao século XVIII (cf., infra, 7.2.8).
Na Inglaterra, este equilíbrio entre direito comum canónico-romanista 
e o direito próprio apresentou uma configuração distinta. 
A Inglaterra sempre afirmara a sua independência, tento em relação 
à jurisdição do Papa, como em relação à jurisdição do Império (exemptio 
imperii)389. Quer o direito romano, quer o direito canónico não podiam ter 
aí senão uma autoridade de tipo intelectual, como saberes prestigiados, 
cultivados por especialistas e ensinados nas universidades. O direito era 
aquilo que estava imemorialmente estabelecido, nomeadamente aquilo que 
se usava no período anglo-saxónico, e que fora aceite pelos conquistadores 
normandos. Era neste direito “prescrito” que se fundavam as ordensreais 
(writs) para remediar infrações, quer se tratasse de ordens incondicionais 
(“executive writs”), ou de ordens semelhantes às fórmulas (v. 6.4.1.1.1) dos 
pretores romanos, em que a ordem estava condicionada à verificação por 
um júri de certa situação de facto (“ judicial writs”)390. Este direito real não 
substituía o direito tradicional aplicado pelos tribunais ordinários locais 
ou senhoriais; mas instituía, para as situações contempladas por writs, uma 
via judicial extraordinária, tutelada pela Coroa, mais expedita e mais certa. 
Deste modo, o direito régio, criado por ordens régias que abrangiam cada 
vez mais situações e que eram objeto de exposições doutrinais a cargo de 
juristas da corte (por vezes com formação canonista ou romanista), foi 
ganhando a natureza de um direito comum do reino e ligado às especi-
ficidades da “Constituição inglesa”391. O estilo de educação jurídica con-
tribuía ainda para esta primazia do direito próprio. O ensino do direito 
romano, nos moldes em que era feito em Bolonha, começou cedo nas duas 
grandes universidades inglesas medievais (Oxford e Cambridge). Ainda no 
século XII, Roger Vacarius (1120-1200?), um italiano formado em Bolonha, 
389 Cf., supra, cap. 6.6.8.2.1.
390 Esta evolução dos writs para algo estruturalmente semelhante às actiones per formulas, além 
de introduzir a figura do júri para apuramento da matéria de facto, centrou – como tinha 
acontecido no direito romano clássico – a atividade e o saber jurídicos na vertente processual 
e não na vertente normativa. O êxito de uma pretensão jurídica traduzia-se na existência 
de um meio processual (writ/actio) com que o tribunal pudesse dar resposta àquele tipo de 
pretensão, e não na existência de uma norma legislativa que, abstratamente, a considerasse 
como correspondendo ao direito. Sobre o assunto, Plucknet, 2001, 354 ss.; Berman, I, 445.
391 Cf. sobre esta relação entre common law e Constituição inglesa, Pocock, 1957.
238
A CULTURA JURÍDICA EUROPEIA
começou a ensinar direito romano em Oxford em 1149, atraindo muitos 
estudantes. A sua súmula do Codex Justinianus, orientada para a resolu-
ção de questões jurídicas comuns, tornou-se um manual popular entre os 
estudantes (Liber pauperum). Todavia, este ensino universitário do direito 
romano defrontava-se com resistências nos meios da corte, pois não corres-
pondia à política do direito dos reis ingleses. Em 1234 (e, de novo, em 1259), 
são mandadas fechar escolas de direito em Londres, porventura porque o 
seu ensino não se adequava ao que era praticado nos grandes tribunais da 
corte. Em 1292, um writ de Eduardo I determinou uma nova organização 
de ensino jurídico, situando-o junto destes tribunais e reservando a prá-
tica do foro para os que o tivessem seguido. Este ensino não universitário 
do direito concentrou-se, mais tarde, nas Inns of courts (Lincoln’s Inn, Inner 
Temple, Middle Temple, The Gray’s Inn), sobre as quais há documentação a 
partir do último quartel do século XIV392. 
Esta ligação do saber jurídico à prática judicial marca o destino da tra-
dição romanística em Inglaterra e também o caráter do direito inglês para 
o futuro. Por um lado, centrava o direito nas normas adotadas nas decisões 
judiciais dos tribunais reais: os costumes que prevaleciam na corte régia, a 
sua declaração por legislação real e parlamentar e os decretos régios que 
determinavam a solução a dar a cada tipo de questões (writs). Por outro lado, 
diminuía muito o impacto do direito comum continental, baseado na dou-
trina académica formada a partir do direito canónico e do direito romano. 
Se o direito canónico ainda pode ter exercido alguma influência, por via 
do alto oficialato eclesiástico de Londres, Canterbury ou Westminster, 
já a influência do direito romano se limitava ao ensino universitário de 
Oxford e Cambridge, muito isolado da realidade dos altos tribunais e visto 
com desconfiança pelos círculos da corte. Assim, embora o direito inglês 
acabasse por ganhar uma estrutura casuística, centrada nos remédios 
processuais e muito próxima do agere per formulas do ius praetorium romano, 
e tenha incorporado conceitos do ius commune continental393, desenvolve-
-se nos meios jurídicos ingleses uma forte convicção de que se trata de 
um direito muito diferente do do Continente, avesso à centralização 
papista e imperial, garante das instituições e liberdades tradicionais dos 
392 Pluknett, 2001, 215 ss.
393 Nomeadamente nas obras de Ranulf de Glanvill (m. 1190, Tractatus de legibus et consuetudini-
bus regni Angliae) e Henry de Bracton (1210-1268, De Legibus et Consuetudinibus Angliae c. 1235).
O DIREITO MODERNO
239
ingleses394, vinculado a uma Constituição pactada ainda no período saxó-
nico e ulteriormente sucessivamente ratificada por pactos entre o rei e o 
reino, como a Magna Charta de 1215 ou a contínua partilha do poder de 
dizer o direito entre o rei e o parlamento (the king in parliament). Apesar 
disso, alguns altos tribunais ingleses julgavam de acordo com o direito 
romano: era o caso do Court of Admiralty, que aplicava o direito do mar da 
tradição romanística395.
7.2.2. O desenvolvimento interno do sistema do saber jurídico
Como dissemos de início, não foi apenas a renovação do ordenamento 
jurídico durante os séculos XV e XVI que provocou a crise do saber jurí-
dico medieval.
Se a mutação do estilo da doutrina é, em parte, causada por uma pro-
funda modificação na natureza do seu objeto (a já referida substituição do 
direito comum pelos direitos nacionais no quadro das fontes), ela não pode, 
por outro lado, ser separada de um fator ligado à própria lógica interna 
do saber jurídico396.
Efetivamente, o saber jurídico dos comentadores tinha posto em movi-
mento uma lógica de unificação e harmonização internas do ordenamento 
jurídico, lógica essa que, como se viu, se ia realizando com o recurso a pro-
cessos da lógica medieval, já referidos. A complexidade destes processos 
correspondia à dificuldade do trabalho de harmonizar componentes, por 
vezes muito diversas, do conglomerado jurídico do ius commune.
Chegado o século XVI, tinha-se atingido o fim do princípio. Através 
dos vários processos antes referidos, tinha-se conseguido construir um 
discurso jurídico que incorporava, de forma coerente, soluções não coin-
cidentes ou, pelo menos, que estabelecia as bases que permitiam que as 
394 De que o jury era a concretização institucional. Note-se que, no processo romano per 
formulas, a decisão sobre a matéria de facto, na fase apud iudicem, também estava a cargo de 
particulares escolhidos pelas partes. É o direito canónico, com o processo inquisitório, que 
entrega ao magistrado este apuramento da verdade processual.
395 O direito escocês, em contrapartida, estava muito mais próximo, sobretudo a partir do 
século XV, dos direitos continentais, aceitando, como estes, a vigência supletiva do ius commune 
e dando origem a um sistema misto: cf. Merryman, 2007, Palmer, 2007.
396 Em cada momento da sua história, as disciplinas científicas são orientadas por uma inten-
ção (ou estratégia) geral que implica um certo sentido de evolução do seu discurso (cf., sobre 
este conceito, Foucault, 1969, 85 ss.). O sentido (ou estratégia) do saber jurídico da Baixa 
Idade Média era, já o vimos, o da construção da coerência interna ou “sistematicidade” do direito.
240
A CULTURA JURÍDICA EUROPEIA
diversas normas fossem discutidas e ponderadas entre si. Começam, agora, 
a aparecer obras que coligem aquilo que é comummente aceite: linhas 
estratégicas de orientação da discussão (os “axiomas”); argumentos cuja 
validade era consensual, acompanhados das situações argumentativas em 
que podiam ser usados (“lugares-comuns”); significados estabelecidos 
para os conceitos jurídicos397. É o que se faz, em Portugal, por exemplo nos 
tratados de Agostinho Barbosa, De axiomatibus. De significatione verborum. 
De locis communibus (ed. 1699)398, com uma enorme difusão europeia, e no 
mais modesto Axiomata et loca communia (ed. 1686),de Simão Vaz Barbosa. 
O primeiro livro é característico deste progresso, ainda muito longe 
de estar consumado, na construção de princípios gerais. A propósito de 
cada termo, colecionam-se regras frequentes na doutrina jurídica, acerca 
da interpretação (v.g., in claris non fit interpretatio, não se deve interpretar 
aquilo que é claro), dos negócios jurídicos (v.g., Nemo plus juris ad alienum 
transferre potest quam ipse habet [ninguém pode transferir para outrem mais 
direitos do que aqueles que tem]), da forma de argumentar em direito (ab 
beneficio ad officium [pode argumentar-se a partir do benefício eclesiástico 
para o ofício secular]), etc. Porém, mesmo nestes contextos localizados, 
as regras listadas são frequentemente opostas, significando que, frequen-
temente, os autores tinham ideias contraditórias sobre aquele ponto, pelo 
que a regra, na discussão, estava sempre sujeita a ser confrontada com 
a regra oposta. As regras eram, desde logo, de natureza diferente. Nos 
axiomas reúnem-se regras jurídicas doutrinais relacionadas com um vocá-
bulo jurídico399. Na secção “significado das palavras” (appelativa verborum), 
397 Surgindo, portanto, os primeiros dicionários jurídicos, sob o modelo daquele esboçado no 
Digesto (D., 50,16). Um famoso é o de António de Nebrija (1444-1522), Vocabularium utriusque 
iuris (1559; oitenta edições, a partir de ca. 1473; cf. http://books.google.com/books/about/
Vocabularium_utriusque_iuris.html?id=xuOq0dWiZuMC [27/10/2011]). 
398 Cf. http://books.google.com/books?id=8NQ _AAAAcAAJ&printsec=frontcover&d-
q=i naut hor :%22A gost i n ho+Barbosa%22& h l= pt-PT&ei=ESq pTo32C8v_-gbI--
WgDw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=4&ved=0CD8Q6AEwAw#v=onepage
&q&f=false [27/10/2011].
399 Por exemplo, sob a palavra Interpretatio (interpretação), reúnem-se regras como: uma 
coisa é interpretar, outra coisa é estabelecer uma norma; a faculdade de interpretar cabe ao 
autor do texto; a interpretação deve ser feita de modo a não tornar o texto inútil ou absurdo; a 
interpretação deve ser feita de acordo com o espírito do autor, só não dispondo deste recurso, 
se devendo atender ao mero significado corrente da palavra; a interpretação deve atender à 
natureza do assunto sobre que incide [deve ser “local”, contextualizada].
O DIREITO MODERNO
241
dão-se elementos parciais para a definição de uma palavra, mas também 
regras jurídicas que se extraem destes elementos; não se trata, por isso, 
de uma mera interpretação descritiva, pois a descrição do significado pro-
duz regras sobre regimes jurídicos relacionados com aquela palavra400. Na 
secção sobre os pontos de apoio para a argumentação (loca commnia argu-
mentorum), indicam-se as regras de uso de cada argumento401. Na secção 
sobre o alcance de certas cláusulas comuns em textos jurídicos (contra-
tos, leis) (de clausis usufrequentibus), indicam-se os efeitos da sua inclusão 
num documento jurídico402. Finalmente, na secção sobre o significado de 
proposições e advérbios403, esclarece-se o sentido jurídico do seu uso e o 
modo como expressões tão singelas podem influenciar o alcance de uma 
proposição jurídica. 
Este tipo de literatura mostra que começara, portanto, a ser possí-
vel dar mais um passo na tarefa da unificação do saber jurídico – a cons-
trução de “sistemas” jurídicos progressivamente mais gerais, estruturados a partir 
dos princípios “locais” que se iam obtendo. A reunião e a confrontação destes 
400 Por exemplo, sob a palavra Lex (lei) dispõem-se elementos definitórios de lei: a vontade 
do príncipe tem força de lei; o príncipe diz-se lei viva na terra; o contrato do príncipe tem 
força de lei; ao costume aplica-se o nome de lei; o pacto diz-se ser a lei dada a um negócio; 
aos ensinamentos dos jurisconsultos chama-se lei; os capítulos de paz entre cidades livres são 
leis; num estatuto que fale de lei compreende-se no termo a opinião comum.
401 Por exemplo, no argumento a lege (a partir da lei) indica-se que “o argumento vale” (ou 
seja, pode estender-se o que se diz da lei às situações a que se estende a sua validade): da lei 
para o pacto; da lei para a vontade do testador, da lei animada à lei inanimada, das leis co-
muns dos romanos à sucessão ordinária dos reinos. Ou a liberto (a partir da situação jurídica 
do liberto) vale para o vassalo (e o contrário). A propósito do argumento a verosimili (a partir 
da verosimilhança), diz-se que ele inverte o ónus da prova (o que é verosímil não tem de ser 
provado, sendo o adversário que tem de provar não ocorrência do que é verosímil).
402 Por exemplo, acerca da cláusula de plenitudo potestatis (de pleno poder), diz-se que o pleno 
poder é aquele de que não se pode pedir ao príncipe a razão pela qual o usa; que é o mesmo 
que poder absoluto; que não se presume nos atos dos príncipes; que tal cláusula é odiosa [deve 
ser entendida como apenas válida nos casos em que é expressa]; que equivale às clausulas “não 
obstante” [quaisquer direitos adquiridos ou quaisquer regras de direito em contrário] e “de 
ciência certa” [sobre qualquer impedimento que possa existir à decisão de pleno poder]; que 
se subentende sempre que, de outro modo, o ato do príncipe não valesse, etc. Nota-se, neste 
como noutros casos, o registo de opiniões opostas quanto ao alcance da cláusula, o que revela 
o caráter problemático e argumentativo do saber jurídico.
403 Por exemplo, Id est (isto é, ou seja): pode ter um significado geralmente restritivo [de uma 
lista fechada] ou, por vezes, exemplificativo [de uma lista aberta].
242
A CULTURA JURÍDICA EUROPEIA
princípios de curto alcance iam permitindo o lançamento de um movi-
mento de síntese, pelo qual todo o direito fosse reunido num sistema teó-
rico orgânico, submetido a axiomas e regras da largo alcance. Ao modelo 
do Digesto (compilação enciclopédica, mas caótica, de resoluções de casos 
isolados) tende a substituir-se o modelo das Institutiones, um tratado de 
caráter mais sistemático, em que todo o direito aparecia exposto de forma 
ordenada, segundo afinidades temáticas e parentescos conceptuais404.
Assim, não é de admirar que tenham começado a aparecer autores 
reclamando, ou realizando mesmo, obras deste tipo405. Derrer escrevia 
(Jurisprudentiae Liber, 1540): “[...] o direito ainda não foi descrito de uma 
forma devida. Isto é, de tal modo que tudo seja posto no lugar próprio e 
natural, disposto sob a sua ordem. Daí que não possa ser reproduzido por 
quem apenas seja mediocremente versado nesta arte”406.
Estabelecidos, assim, os axiomas fundamentais e arrumados logica-
mente no seio de um sistema coerente e sintético, tudo está pronto para 
fazer o sistema caminhar pelos seus próprios meios, sem necessitar de 
apoio permanente dos textos da tradição romanística. Por outras pala-
vras: neste estádio de elaboração do “sistema jurídico”, já é possível utilizar 
os mecanismos do raciocínio dedutivo, achando a solução jurídica conveniente, 
não através de uma complicada “interpretação” dos textos, mas através de 
um raciocínio de tipo dedutivo, a partir de princípios jurídicos corrente-
mente admitidos, de âmbito mais geral ou mais local. 
Prepara-se a época do direito natural racionalista, em que se acredita que 
os princípios superiores do direito são um produto da razão que, ao ela-
borá-los, revela uma ordem universal. Nós já sabemos, porém, que tais 
princípios não são universais, nem necessários, nem anteriores à atividade 
intelectual que os descobre. Pelo contrário, eles correspondem a objetivos 
normativos exigidos pelas condições sociais, institucionais e culturais de 
uma certa época. O pensamento jurídico não se limitou a descobri-los, mas 
pô-los lá, laboriosamente, através de uma árdua tarefa de “interpretação” 
404 Para justificar este modelo sistemático de exposição do direto, invocava-se também uma 
obra perdida de Cícero (se é que alguma vez foi escrita) na qual ele teria efetuado uma redação 
ordenada (in artem) do ius civile.
405 Chansonette (Cantiuncula); no século XVI, Hegendorff, Derrer, UgoDonnelo, Freigio, 
e, principalmente, Oldendorp (Isagoge seu Elementaria Iuris Naturalis [...], 1539) e Althussius 
(Dicaelogicae libri tres, totum et universum ius [...], 1617-1618).
406 Cf. Mortari, 1958, 384.
O DIREITO MODERNO
243
das fontes do ius commune orientada por objetivos normativos próprios da 
época. Se eles, agora, parecem “naturais”, isso só mostra até que ponto a 
tarefa da sua construção artificial foi conseguida e adequada à mundividên-
cia da época407.
Atingida, portanto, esta fase de construção sistemática do direito, impu-
nha-se uma remodelação dos métodos de pensar o direito, no sentido da 
sua simplificação, pois as subtilezas da ciência jurídica dos comentadores, 
além de desnecessárias, tornavam-se opressivas e incómodas. Por exem-
plo, a sofisticação da argumentação, que tinha sido necessária para com-
patibilizar, sem destruir mutuamente, textos jurídicos contraditórios mas 
de idêntica hierarquia (textos romanos, canónicos ou estatutários), fazia 
agora com que o direito se tivesse tornado uma selva de opiniões e de 
distinções especiosas, em que toda a certeza e eficácia se diluíam. Nesta 
altura, começa a desenhar-se uma reação muito forte contra a complexi-
dade do discurso jurídico. 
 Agora que o trabalho intelectual mais árduo dos juristas tinha atin-
gido os objetivos da harmonização dos direitos eruditos no seio do direito 
comum, o arsenal argumentativo era incómodo, sendo possível desmo-
bilizá-lo e voltar aos processos de discorrer simplificados e naturais. Isto 
faz com que o discurso jurídico do século XVI viesse propor o repúdio da 
complicada dialética aristotélico-escolática e a adoção de uma dialética jurídica 
simplificada, natural, próxima do senso comum. Assim, um jurista alemão dos 
meados de quinhentos convidava os seus colegas a abandonar as compli-
cadas argumentações dialéticas dos bartolistas e a tratar os problemas 
de uma forma “popular” (populariter), ao alcance do povo (“abstenhamo-
-nos, na verdade, daquelas discussões que não estão nos usos e costumes 
da vida e dos povos, porque já Aristóteles advertiu seriamente que a estes 
não agradam tanto as sentenças e interpretações que são subtis e argutas, 
quanto as simples e próprias, as quais podem ser usadas na vida comum 
com maior frequência”, Elen, século XVII)408. É este o significado do novo 
interesse dos juristas do século XVI pelas questões da lógica e da dialé-
tica, apoiando-se, especialmente nas obras da Nova lógica, de Pierre de La 
Ramée (Petrus Ramus)409.
407 Sobre a época do “jusracionalismo”, v., por todos, Wieacker, 1980, 279 ss.
408 Mortari, Dialettica e giurisprudenza [...], 310.
409 Sobre este ponto, Mortari, 1958, 304.
244
A CULTURA JURÍDICA EUROPEIA
Do mesmo modo, à medida que a estabilização do sistema conceitual 
ia progredindo e que as especiosas argumentações dos comentadores iam 
sendo substituídas por outras que reduziam a liberdade do intérprete, era 
possível prescindir do papel disciplinador que a “opinio communis” até aí 
desempenhara. 
Agora, a tarefa da Rechtsfindung [achamento da solução jurídica] era 
dirigida, com bastante segurança, pelo conjunto de axiomas, logicamente 
concatenados, do sistema jurídico. A possibilidade de hesitação entre 
princípios contraditórios, tão comum no sistema ainda incompletamente 
construído dos comentadores, com a consequente falta de segurança no 
achamento de soluções jurídicas firmes, não se verifica agora, pois o método 
de raciocínio jurídico obedece agora às regras mais claras da nova arte de 
pensar, a lógica, a dialética, a retórica.
Deste modo, é possível ir pondo de parte a invocação da “opinio 
communis”, substituindo-a, na sua função disciplinadora, pelos critérios da 
“boa razão”, i.e., da lógica interna do sistema jurídico.
7.2.3. O “método” e o “compêndio”
Todas estas preocupações de fazer do direito um discurso simples, eco-
nómico e suscetível de ser facilmente verificado quanto à sua validade, 
suscitaram um grande interesse pelas questões de método, detetável nos 
séculos XVI e XVII.
O que estava em causa era: como organizar o discurso jurídico de modo 
a que este fosse compreendido e avaliável por todos e, por isso, suscetível 
de ser condensado em livros manejáveis?
A palavra que condensou a solução para esta questão foi a palavra 
método que, desde a Antiguidade, significava a forma de tornar inteligí-
vel e transmissível a técnica de encontrar soluções para um problema410. 
No século XVI, o renovador renascentista da lógica, Pierre de la Ramée 
(Petrus Ramus, 1515-1572) definia método como “a disposição pela qual 
as primeiras coisas são postas em primeiro lugar, as segundas no segundo, 
as terceiras no terceiro […], proporcionando um progresso ininterrupto 
do universal para o particular […], pelo qual se procede de antecedentes 
conhecidos para a declaração de consequentes desconhecidos”411.
410 O termo esteve, originariamente, ligado à medicina, referido à forma de explicar a origem 
e natureza das doenças e explicar os procedimentos para a sua cura. Cf. Ong, 1958, 229.
411 Dialectique…, 1555, cit. por Ong, 1958, 249.
O DIREITO MODERNO
245
Em suma, o método possibilitava estruturar o saber de forma axiomá-
tica, segundo uma ordem racional que dispensava longas dissertações. 
O saber podia ser organizado em exposições sintéticas ou compendiárias. 
A corporização deste ideal de saber era o compêndio, um discurso (depois, 
um livro) em que tudo se apresentava como conjuntamente dependente 
(com+pendere). 
Esta estratégia foi aplicada ao direito, tanto ao seu discurso, como 
mesmo aos textos e livros que o continham, com ela se combatendo os 
grandes defeitos que se apontavam ao saber jurídico tradicional.
O primeiro destes defeitos era a abundância e desordem dos textos (e 
livros) jurídicos, os quais constituiriam uma selva (sylva librorum) labirín-
tica, secreta, opaca para o entendimento popular, em que os leigos não se 
aventurariam senão com o auxílio de algum jurista ganancioso. Por isso, 
o termo “método” começa a aparecer no título de obras jurídicas, preten-
dendo anunciar textos que continham tudo, mas ordenado de forma sin-
tética e compendiária412. E, além disso, apresentando mesmo um diferente 
aspeto gráfico, que sublinhava o seu caráter sistemático: texto corrido, com 
poucas notas, árvores de conceitos que visualizassem a estrutura axiomá-
tica dos conteúdos, formatos pequenos e portáteis.
Não por acaso, foi nesta altura que apareceu, no domínio da filosofia, 
uma proposta de compreensão do mundo que partia de apenas uma ou 
duas evidências racionais, contida num livro que levava no título, justa-
mente, a palavra “método” – o Discours de la méthode, de René Descartes 
(publ. em 1637).
7.2.4. As escolas jurídicas da transição
Já se esboçou o leque de orientações teóricas e metodológicas a que deu 
origem a crise do saber jurídico dos comentadores, bem como o panorama 
das escolas daí decorrentes. Damos agora uma descrição mais detalhada 
de cada uma delas.
Sob a designação Escola culta, humanista ou “mos gallicus iura docendi”413 
são agrupados os juristas que, no século XVI e sobretudo em França – 
daí “mos gallicus (iura docendi)” [maneira francesa de ensinar o direito], por 
412 Cf., sobre este movimento de reforma dos textos e livros jurídicos, Hespnha, 2007.
413 Sobre a Escola humanista, para maiores desenvolvimentos, v., por todos, Wieacker, 1980, 
maxime, 87 ss. e 179 ss. e bibliografia aí citada: Villey, 1968, 507 ss.; Cavanna, 1982, 172-192; 
Silva, 1991, 329 ss. Para Portugal, Silva, 1964.
246
A CULTURA JURÍDICA EUROPEIA
oposição a “mos italicus (iura docendi)”, o estilo de discurso e ensino jurídi-
cos tradicionais, dominantes em Itália –, se propõem reformar a metodolo-
gia jurídica dos comentadores no sentido de restaurar a pureza dos textos 
jurídicos da Antiguidade. 
Este movimento de renovação está ligado ao ambiente cultural, filo-
sófico, jurídico e social dos primórdios da Europa moderna. No plano 
cultural, ele é tributárioda paixão pela Antiguidade Clássica típica do 
Renascimento (séculos XV-XVI), o que levava a uma crítica contundente 
da literatura jurídica tradicional, estilisticamente impura e grosseira, filo-
logicamente ingénua e ignorante do enquadramento histórico dos textos 
com que lidava.
No plano filosófico, o humanismo jurídico arranca da oposição entre a 
escolástica medieval, submissa ao valor das autoridades mas igualmente 
atenta à realidade (neste sentido, realista), e o neoplatonismo renascen-
tista, crente no poder livre e ilimitado da razão e atraído pelas formas ide-
ais puras. Por fim, no plano do ambiente em que a atividade doutrinal se 
realizava, os humanistas, mais do que juristas de intenções práticas, eram 
académicos, trabalhando nos meios universitários ou das elites culturais. 
Daí os seus traços principais: antitradicionalismo, crítica das autoridades, 
racionalismo, academicismo.
No plano jurídico, a orientação humanista é facilitada pela progressiva 
pujança dos direitos nacionais, que libertava o estudo do direito romano 
dos objetivos práticos e o transformava numa atividade de recorte cada 
vez mais antiquarista, histórico-literário e teórico.
Finalmente, no plano social, a crítica humanista ao discurso jurídico 
anterior e aos seus portadores, os juristas tradicionais, constituía o eco 
erudito de uma generalizada antipatia social pela figura do jurista letrado, 
pedante e hermético, cultivando um estilo formalista e arrevesado, bem 
longe das possibilidades de compreensão e de controlo do homem comum.
A partir daqui, o humanismo jurídico vai propor várias orientações. 
 a) Uma depuração histórico-filológica dos textos jurídicos romanos, que os 
libertasse, por um lado, das glosas e comentários medievais, e, por 
outro, das próprias correções introduzidas nos textos clássicos pelos 
compiladores justinianeus (interpolações, “tribonianismos” [de 
Triboniano, o responsável pela organização do Digesto justinia-
neu]). Este programa pressupunha a combinação do estudo jurídico 
com o estudo histórico (e filológico), como forma de reencontrar o 
O DIREITO MODERNO
247
enquadramento original dos textos jurídicos romanos e, logo, o seu 
primitivo sentido. Teve como resultado uma série de edições críti-
cas dos textos jurídicos, ainda hoje merecedoras de atenção (v.g., a 
edição do Código teodosiano, por Jacob Godofredo; e a do Corpus iuris, 
por Dionísio Godofredo).
 b) Uma tentativa de construção sistemática do direito, inspirada filosofi-
camente no idealismo platónico e procurando refazer uma lendá-
ria obra de Cícero, De iure civili in artem redigendo, na qual ele teria 
exposto o direito romano sob forma sistemática. Esta orientação 
tanto desembocou numa crítica ao caráter atomista, não metódico 
e analítico da saber jurídico dos comentadores, como deu origem a 
exposições metódicas do direito, quer romano, quer mesmo nacio-
nal – como, v.g., as de Hugo Doneau ou de Jean Domat (Les loix civi-
les dans leur ordre naturel, 1689-1705)414.
 c) Uma reforma do ensino jurídico que atendesse, antes de tudo, ao texto 
da lei (e não aos comentários que, sobre ele, a doutrina tivesse bor-
dado) e que procurasse formar o espírito sintético e sistematizador 
(ou compendiário) dos juristas, o que envolvia uma crítica ao pendor 
doutrinário (não “textual”) e analítico do ensino das universidades 
tradicionais.
 d) Uma atenção nova a um direito natural de cunho racionalista e sistemático. 
Também os humanistas foram contagiados pela tradição jusnatura-
lista romana. Também eles proclamaram que o jurista culto e for-
mado numa filosofia “sólida” compreende que a “natureza da justiça 
não é mudar segundo a vontade dos homens mas conformar-se com 
a lei natural” (Jean Bodin), lei essa que coincide com os ensina-
mentos da razão. No que eles apresentaram maior originalidade foi 
enquanto críticos do direito romano justinianeu, em nome de um 
pretendido direito romano clássico. Esclareça-se, no entanto, que 
no fundo, não era o direito romano clássico que os atraía. Era, isso 
sim, um direito romano imaginário que respondesse às suas preo-
cupações de filósofos e de juristas do seu tempo. Isto é, um direito 
romano que fosse sistematizável e redutível a dois ou três princípios racio-
nais adaptados à mundividência da época415. E, segundo eles criam, um 
414 De notar, em todo o caso, que a elaboração destas obras teria sido impossível sem o trabalho 
de sistematização das anteriores escolas medievais.
415 Como teria sido feito por Cícero (v. supra).
248
A CULTURA JURÍDICA EUROPEIA
direito deste tipo teria sido o direito romano clássico deturpado e 
tornado caótico por Justiniano e Triboniano. Sem esta corrupção, o 
direito romano teria conservado o seu alegado caráter axiomático. 
E, quanto ao conteúdo, seria ainda redutível a meia dúzia de princí-
pios racionais, dos quais os humanistas destacavam os de neminem 
laedere (não prejudicar ninguém) e de pacta sunt servanda (os pactos 
devem ser respeitados). E foi assim que, no século XVI, se começou 
uma segunda recriação do direito romano (a primeira fora a dos 
comentadores), agora em moldes racionalistas.
Apesar de contarem com precursores italianos – sobretudo entre os 
cultores das disciplinas literárias (Policiano e Lourenço Valla), mas tam-
bém entre os juristas (Alciato, 1492-1550, que ensinou em Bruges, mais 
tarde tornada no centro da escola) –, os principais nomes da Escola culta 
são franceses. Desde logo, Jacques Cujas (Cujacius, 1532-1590), professor 
em Toulouse, Paris e Bruges, autor de uma monumental obra de estudo 
histórico-filológico e dogmático dos textos romanos; depois, François 
Hotman (1524-1590), autor do conhecido trabalho sobre as interpolações 
justinianeias (Antitribonianus, 1574) e teórico do antiabsolutismo (monarcó-
maco); Hugo Doneau (Donellus, 1527-1559), jurista sistemático e dogmático; 
Duarenus; Brissonius e outros416.
Com o desfecho das guerras religiosas e a perseguição dos protestantes 
huguenotes (confissão a que a maioria destes juristas aderiu)417 em França, 
os humanistas franceses refugiam-se nas universidades holandesas e ale-
mãs, dando origem aí a uma outra geração humanista, cuja ação se pro-
longa até ao século XVIII. Dela fazem parte nomes como os de Vinnius, 
Voet, Noodt, além do célebre Huigh van Groot (1583-1645), famoso pelo 
seu tratado sobre a guerra e a paz (De jure belli ac pacis libri tres, 1625), con-
siderado precursor da ciência do direito internacional público e, em Por-
tugal e Espanha, pela sua defesa do princípio da liberdade dos mares, na 
sua obra Mare liberum (1609), combatida pelo português Serafim de Freitas 
(De justo imperio asiatico lusitanorum, 1625).
416 Entre eles, o português António Gouveia [Goveanus, m. 1566].
417 A opção religiosa dos humanistas não deixou de influir na dificuldade do seu impacto nos 
países da Contrarreforma, como Portugal.
O DIREITO MODERNO
249
O humanismo jurídico supunha, para ser possível realizar o seu pro-
grama de recuperação do direito romano clássico original, que o direito 
da tradição romanística (justinianeu, dos glosadores e dos comentado-
res) tivesse perdido grande parte da sua importância como componente 
da ordem jurídica vigente, pois, se assim não fosse, não podia usar a tra-
dição romanística apenas como matéria prima da sua empresa de busca 
de um direito romano mais “autêntico”. Por isso, não se pôde implantar 
eficazmente senão naquelas regiões da Europa em que o direito nacional 
era suficientemente rico e vivaz para regular a generalidade das questões, 
podendo a tradição romanística ser abandonada a uma pesquisa orientada 
apenas para a história. Isto aconteceu na parte norte da França (“pays du 
droit coutumier”) e – por razões e em circunstâncias algo diferentes – nos 
Países Baixos. No resto da Europa, porém, à longa tradição romanística e 
ao saber jurídico tradicional estava ainda confiada a regulamentação de 
extensas zonas da vida social, sobretudo no domínio do direito privado.
Aqui, portanto,o impacto da agenda humanista não pôde ser tão radi-
cal. Porém, ela contribui, mesmo assim, para abalar a vigência indiscutida 
do direito romano e para – conjugada com o novo impulso legislador das 
monarquias modernas – fortalecer a vigência dos direitos nacionais. 
Na Alemanha, que costuma ser considerada como o centro desta 
orientação, a corrente conhecida como usus modernus pandectarum418 (uso 
moderno das Pandectas) vem pôr em causa a vigência global e preferen-
cial do direito romano, ao contestar o seu fundamento teórico – a trans-
latio imperii [transmissão do poder imperial], ou seja, a ideia segundo a 
qual o direito romano vigoraria na Alemanha em virtude de os imperado-
res alemães serem os sucessores dos imperadores romanos. Substituindo 
esta ideia de uma “receção teórica”, os juristas alemães (antes de todos, 
H. Conring, 1606-1618, em De originis germanici, 1643) criaram o conceito 
de “receção prática”, segundo o qual a receção se dera pontualmente, à 
medida que os príncipes e os tribunais iam fazendo seus uns ou outros 
princípios e normas do direito romano. Assim – como refere F. Wieacker –, 
o direito romano só teria ganho vigência, “norma por norma, por força de 
uma aplicação prática”, pelo que se deveria “promover, para cada princí-
pio, a comprovação histórica da sua receção” e se “devia também admitir 
418 Sobre o “usus modernus”, v., por todos, Wieacker, 1980, 225 ss. Para Espanha, v., por último, 
Valiente, 1980, 298 ss.; para Portugal, v. adiante.
250
A CULTURA JURÍDICA EUROPEIA
como possível a marginalização de princípios já recebidos por costumes 
que os derrogassem”.
As consequências do usus modernus foram diversas. 
Em primeiro lugar, um interesse novo pela história jurídica nacional, 
dirigida pelo objetivo prático de determinar quais os princípios romanís-
ticos recebidos, mas que teve resultados de âmbito muito mais vasto.
Em segundo lugar, uma grande atenção, no plano prático e no plano 
da construção teórica, pelo direito nacional, que agora passa a ser objeto, 
tal como o direito romano, de tratamento dogmático. Daí que a legislação 
nacional, os estilos e praxes de julgar (donde a designação de praxística, 
que se aplica a esta escola) e mesmo os costumes e estatutos locais, pas-
sem a ser considerados pelos juristas nos momentos de construção teórica.
Em terceiro lugar, uma maior adequação do ensino jurídico às reali-
dades do direito nacional. Se a tradição universitária dificultou que estas 
realidades fossem objeto de ensino nas cadeiras “ordinárias”, ela já não 
conseguiu impedir que, sobretudo em muitas das universidades da Europa 
Central, fossem ministradas “lições privadas” e “catedrilhas” de direito 
nacional.
Dentre os juristas do usus modernus é costume salientar o nome dos 
alemães B. Carpzov (1595-1666), G. A. Struve (1619-1692), S. Stryk (1640-
-1710), G.-W. Heineccius (1618-1741), J.-H. Böhmer (1647-1749), A. Leyser 
(1683-1752).
Esta orientação segundo a qual o direito romano deve ser compa-
tibilizado com os novos direitos comuns dos reinos não é exclusiva da 
Alemanha. Também nas grandes monarquias do Sul e Ocidente europeu, 
bem como nos Estados italianos, é agora bem viva a ideia de que o direito 
da coroa, seja ele a legislação real, seja o conjunto de decisões dos altos tri-
bunais palatinos, é o novo “direito comum” e que o direito romano só tem 
vigência como direito recebido pelo príncipe. “As próprias leis comuns dos 
romanos” – escreve, no século XVII, um famoso jurista italiano, o cardeal 
Giambattista de Luca – “que dizemos comuns, de facto deviam chamar-
-se leis particulares de qualquer principado independente, atendendo a 
que a sua necessária observância não nasce apenas do poder de um legis-
lador que seja comum a todos, como acontecia no tempo do antigo Impé-
rio Romano, mas antes do poder distinto de cada príncipe, o qual o quis 
receber e permite que se observe no seu principado, com as limitações 
que lhe pareçam” (Il dottore vulgare, proemio, IV).
O DIREITO MODERNO
251
Também em Portugal, como nos restantes reinos da Espanha, se subli-
nhava que as disposições do direito romano aqui vigoravam “somente [...] 
pela boa razão em que são fundadas” (Ord. Fil., III, 64).
Este direito reinícola – como então se dizia – manifestava-se decerto 
em leis; mas manifestava-se cada vez mais nas decisões dos grandes tri-
bunais (nos seus “estilos”, ou costumes de julgar, e na sua “praxis”, ou 
forma de aplicar o direito aos casos concretos). Ao jurista “cidadão da 
Europa”, que equaciona questões abstratas em face dos dados do direito 
comum europeu, substitui-se o juiz dos tribunais da corte, que passa pelo 
crivo da jurisprudência do reino (praxística) a doutrina do direito comum 
(opinio communis doctorum). Esta orientação, que fazia incidir o saber jurídico 
sobre as praxes de julgar dos tribunais, ficou conhecida como praxística.
Assim, por toda a Europa, as decisões dos grandes tribunais passam a 
ter, a partir da segunda metade do século XVI, uma enorme audiência na 
doutrina, que se dedica à sua compilação e comentário. Por várias razões. 
Por um lado, os tribunais são agora constituídos exclusivamente por letra-
dos. Por outro lado, porque os tribunais, como tribunais da corte ou “cola-
terais”, estão revestidos da dignidade do rei. Finalmente, porque a regra 
do precedente conduz a uma maior certeza do que o funcionamento do 
critério da opinio communis. A prática forense torna-se, assim, na intellectrix 
legum (na interpretadora das leis) e os critérios de decisão contidos nas 
abundantes recolhas de decisões jurisprudenciais (decisiones, aresta, 
practica) passam a constituir o “direito usado” (“ius quasi moribus constitutum” 
[o direito como que instituído pelo costume], como diz o jurista portu-
guês António da Gama). 
Para estes juristas, eram inúteis as discussões arrastadas, tal como as que 
versassem sobre pontos que a lei esclarecia suficientemente, que a prática 
dos tribunais tivesse fixado ou que fosse considerado comummente como 
assente. Útil, em contrapartida, era apontar para uma resolução breve, con-
forme aos usos e praxes do reino, pois a teoria sem uma referência sólida à 
prática seria inútil para conhecer o direito. Daí que um jurista português 
muito lido no século XVII (Manuel Mendes de Castro, 15??-16??) tenha con-
cebido o seu livro mais usado (Practica lusitana, advocatis, iudicibus, utroque 
foro quotidie versantibus, 1619) como uma tentativa de redigir o saber sobre 
o direito “como que segundo o sistema da prática” (“ jurisprudentiam, quae 
latissimam est, quasi in praxis arte redigiere”, Proemium).

Continue navegando