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ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Revista de Processo | vol. 101/2001 | p. 264 - 282 | Jan - Mar / 2001 Doutrinas Essenciais de Direito Administrativo | vol. 4 | p. 1235 - 1256 | Nov / 2012 DTR\2001\75 Júlia Raquel de Quiroz Dinamarco Advogada em São Paulo Área do Direito: Processual Sumário: 1. Introdução - 2. Publicidade e legalidade - 3. Princípio de legalidade e interpretação sistemática - 4. Princípio da legalidade e da publicidade e os delicados equilíbrios a preservar: repercussão dos princípios na discussão de causas envolvendo a administração - 5. Exortação 1. Introdução São incontestáveis e de várias naturezas as vantagens apresentadas pela arbitragem como meio de solução de conflitos. Dentro do panorama atual - de sensível desconfiança quanto à administração de justiça prestada pelo Poder Judiciário estatal 1- talvez a principal dessas vantagens se cinja ao fato de que é por acordo recíproco entre pessoas envolvidas num litígio que a arbitragem ganhe realização e efetivação. Além disso, para solucionar um litígio por meio da arbitragem as partes prescindem, espontaneamente - e nisso já demonstrando a possibilidade de estabelecimento de diálogo e convergência de interesses, mesmo depois da caracterização do litígio - da ingerência do Poder Judiciário estatal sobre assuntos afetos a sua esfera privada, relativos a direitos disponíveis, daí por que em sua grande maioria a arbitragem tenha origem em relações contratuais. 2Assim, além dos benefícios de uma solução pacífica cuja forma de obtenção é querida e acordada por ambas as partes (ao contrário do que acontece, ordinariamente, com a ingerência não desejada - por pelo menos uma delas - do Poder Judiciário estatal, por meio da qual se impõe uma solução imperativa descompromissada, salvo poucas exceções, da eqüidade, e são aplicadas normas legais preestabelecidas que em sua grande maioria não podem ser alteradas pelas partes), na arbitragem os elementos da confiança entre as panes e da confiança delas na decisão e honestidade intelectual dos julgadores são seus pressupostos e de sua essência, predispondo as partes não apenas a evitar animosidades ou o acirramento de ânimos, mas também à aceitação e cumprimento do laudo a ser ao final produzido. Podem ser relacionadas, ainda, como qualidades da arbitragem que se sobressaem quando colocada ao lado da jurisdição estatal a ausência de formas solenes no procedimento arbitral (respeitado, como premissa necessária, o contraditório), a possibilidade de julgamento por eqüidade, a possibilidade de escolha da lei aplicável e a "neutralidade dos árbitros na solução de litígios envolvendo partes de nacionalidades diferentes". 3 Não podem ainda ser desprezadas as importantíssimas peculiaridades da arbitragem que, com absoluta certeza, motivam a manifestação de vontade das partes no sentido de elegerem essa jurisdicação 4não-estatal: a rapidez e sigilo de todo o trâmite da arbitragem, o alto grau de conhecimento técnico específico na área sobre que versa o conflito de que dotados os árbitros, que também são de confiança das partes, ou compõem o corpo de árbitros de instituição por elas prestigiada. Vista desse prisma, a jurisdição estatal somente se aproxima da arbitragem pelo ponto comum do resultado último: solução do conflito de interesses. Mas dela distancia-se ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 1 enormemente desde a forma de sua provocação (unilateral e normalmente feita contra a vontade de uma das partes), como quanto ao trâmite procedimental (lento, público, pouco flexível), passando pelo fato da possível falta de conhecimentos técnicos específicos sobre a matéria veiculada na demanda, pelos órgãos jurisdicionais estatais. Todos esses qualificativos, somados e convergentes para a caracterização da arbitragem (resumindo e recapitulando: celeridade, acuidade técnica do julgador ou julgadores, informalidade do procedimento, sigilo, possibilidade de julgamento por eqüidade ou pela lex mercatoria etc.), afastam totalmente a idéia de que a jurisdição estatal poderia ser considerada como sucedâneo perfeito da arbitragem. E é exatamente por causa dessa infungibilidade entre tais jurisdições que se devem considerar cuidadosamente as peculiaridades existentes em tomo da cláusula por meio da qual as partes em um contrato indicam-se reciprocamente a preferência pela via alternativa de solução de controvérsias, comprometendo-se a submeter pendências e desentendimentos à jurisdição arbitral. Em razão da infungibilidade estabelecida entre jurisdição estatal e arbitral, decorrente da conjugação das características de que se falou, por muito tempo boa parte da comunidade jurídica nacional aguardou pela restruturação dos artigos de lei que vinham regulando a matéria da arbitragem no direito brasileiro, no Código Civil (LGL\2002\400) e no Código de Processo Civil (LGL\1973\5), com vistas a se prestigiar e viabilizar a utilização efetiva desse meio alternativo de solução de controvérsias. Como se sabe, vários aspectos da regulamentação desse instituto apresentavam-se como barreiras - algumas transponíveis, outras não - que acabavam por tornar a arbitragem inviável ou desinteressante em várias situações pelas partes envolvidas no conflito. 5 Com o advento da Lei 9.307, de 23.09.1996, essas dificuldades foram afastadas ou enormemente amenizadas. Os que esperavam ansiosos por tais mudanças esperam agora ansiosos pela verificação concreta dos benefícios que a arbitragem trará para a pacificação de conflitos, e portanto pela constatação da higidez dos resultados práticos obtidos por meio da utilização desse meio de solução de controvérsias. Os advogados, também inseridos nesse contexto, entusiasmam-se com a possibilidade de prestação de serviços de índole bastante diversa daquela que se desenvolve comumente no desgastante dia-a-dia da advocacia perante a jurisdição estatal: na arbitragem, o papel do advogado, quando chamado a auxiliar uma das partes, não dá margem à eternização da discussão pela "briga de papéis", 6à beligerância estratégica, ao combate desproporcional e caprichoso, sendo colocada em destaque e valorizada acima de tudo sua atividade de propiciador de equilíbrio, aproximação, diálogo e acomodação entre as partes. Considerações sérias hão de ser feitas, contudo, para que da utilização desse primoroso instituto não se venham colher ou criar problemas jurídicos maiores que aqueles que as partes objetivamente visam a solucionar por meio dele. Em outras palavras, o amor ao instituto e a suas características deve ser tal que, em prol da sua preservação se examinem cautelosamente as hipóteses de sua admissibilidade (e eventuais restrições de cunho circunstancial), impedindo-se com isso que a defesa da possibilidade de sua utilização generalizada acabe por gerar controvérsias aptas a estigmatizá-lo e potencialmente ceder espaço a descrédito da comunidade quanto aos benefícios por ele alcançáveis. É o que ocorre, por exemplo, quando se imagina a utilização da arbitragem envolvendo a Administração Pública. As considerações que teço a seguir - antes de negar ou afirmar a possibilidade de utilização da arbitragem em face da Administração Pública - visam a fornecer elementos para a percepção da delicadeza e complexidade das matérias que poderiam ser tidas como limitadoras da utilização da arbitragem em litígios envolvendo a Administração Pública. O enfoque dessas peculiaridades em face das características dos remédios criados pelo ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 2 legislador para a solução de conflitos de interesse não é novo, e encontra recentes manifestações doutrinárias como fator legitimador das preocupações aqui abalançadas. 7 Especial destaque merece, nesse sentido, cuidadoso trabalho do querido Prof. José Carlos de Magalhães, 8que conclui pela "plena capacidade do Estado brasileiro de submeter-se à arbitragem interna e internacional", 9onde se fazem referências a importante precedente brasileiro sobre a matéria. As considerações que trago, em sua essência, dizem respeitoa princípios que governam a Administração Pública em sua affair diário, a elementos de interpretação histórica e sistemática de diplomas legais que regulam essa atividade no estabelecimento de relações contratuais com os administrados e pessoas de direito privado em geral, e à projeção desses elementos no modo-de-ser das discussões jurídicas envolvendo a Administração. É bom que se advirta, contudo, que se restringem às repercussões desses princípios em litígios versando sobre contratos nacionais. 2. Publicidade e legalidade Como se sabe, entre tantos outros princípios constitucionais, a Administração está adstrita aos da legalidade e publicidade (do qual se excepcionam apenas as situações "sigilosas imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado": CF (LGL\1988\3), art. 5.º, XXXIII) quanto aos atos que pratica. Afinal, "a razão de ser da Administração é toda externa. Tudo o que nela se passa, tudo que faz, tudo que possui, tem uma direção exterior. A finalidade de sua ação não reside jamais em um benefício íntimo: está sempre voltada ao interesse público". 10 "A Administração Pública num regime de legalidade está submissa a lei. A sua atividade tem de ser legal isto é de decorrer nos termos traçados pela lei". Após sedimentar tais premissas como vetor da necessária legalidade das condutas da Administração, escreveu Marcelo Caetano 11que a observância ao princípio da legalidade " se justifica por si mesma, independentemente do valor que reveste como proteção dos particulares que travam relações com a Administração. O interesse público a prosseguir, os órgãos e agentes incumbidos de o fazer, os poderes funcionais de que uns e outros lançam mão para o efeito e ainda, em maior ou menor medida, as formas de agir e os meios de ação a adotar - tudo são aspectos que à lei cabe definir e regular em termos que a Administração deve respeitar. E porque o interesse coletivo exige o respeito das leis em vigor pela Administração mesmo que a atuação desta não contenda com as situações subjetivas dos particulares, não basta que existam e funcionem garantias dos administrados: importa também organizar a legalidade". 12No mesmo diapasão vem a lição de Hely Lopes Meirelles, para quem "na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza". 13 Além de sujeita ao princípio da legalidade, a Administração Pública está sujeita também ao da publicidade de seus atos, como penhor da possibilidade de exercício de fiscalização por qualquer do povo sobre a conformidade daqueles aos padrões legais. Para José Afonso da Silva, 14"a publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo. Especialmente exige-se que se publiquem os atos que devam surtir efeitos externos, fora dos órgãos da administração". Helly Lopes Meirelles é mais enfático ao dimensionar a extensão do princípio. Para ele "a publicidade, como princípio da administração, abrange toda a atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 3 em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamento das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos competentes. Tudo isso é papel ou documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interessado e dele obter certidão ou fotocópia autenticada para fins constitucionais". 15 Com base nessas lições - já suficientes para encaminhar o raciocínio - depreende-se que a abrangência dos princípios da legalidade e da publicidade funciona como garantia dos administrados - em favor de quem a Administração Pública exerce suas funções - e visa, como resultado da equação entre ambos estabelecida, a permitir que o cidadão, administrado, aja também como agente de fiscalização da atividade de gestão da coisa pública pelos órgãos do Poder Executivo. Em suas projeções pré e pós configuração de um litígio - que levariam as partes envolvidas à jurisdição estatal ou arbitral - a efetividade desses princípios poderia ser tida como limitadora do recurso das partes à arbitragem, como se ponderará ao longo dos próximos tópicos. 3. Princípio de legalidade e interpretação sistemática Em face da superveniência de diplomas legais - mais ou menos específicos - regulando a matéria dos contratos com a Administração Pública, impõe-se ainda um exame histórico e sistemático da situação das convenções arbitrais nesses contratos. O art. 45, parágrafo único, do Dec. 2.300/1986 já exigia a eleição de foro - o do Distrito Federal - para a solução de controvérsias contratuais como cláusula necessária nos contratos celebrados com a Administração Pública. No entanto, admitia expressamente a utilização da arbitragem para as hipóteses de aquisição de bens ou serviços cujo pagamento fosse financiado por organismo internacional: art. 25, § 13, do Dec. 2.300/1986. Versando sobre situações especialíssimas, a mesma espécie de autorização legal expressa era já encontrada em diplomas anteriores, como a Lei 1.518, de 24.12.1951, e o Dec.-lei 1.312, de 15.12.1974, que autorizavam o Tesouro Nacional a firmar contratos internacionais com cláusula compromissória. Contudo, a exceção (literal e expressa) mencionada ao início do parágrafo anterior deixou de existir com a revogação do Dec.-lei 2.300/86 pela Lei 8.666/93, que atualmente regula a contratação com a Administração Pública. A lei geral que versa atualmente sobre contratos com a Administração Pública traz disposições específicas sobre o "foro" onde demandas versando sobre tais contratos devam ser processadas. Sem desconhecer ou fingir desconhecimento sobre o sentido técnico do termo foro em nosso direito, 16a indicação deste encontra-se erigida à condição de cláusula necessária nos contratos com a Administração no art. 55, XIII, § 2.º, da Lei 8.666/1993, excepcionando-se dessa previsão apenas as hipóteses que se subsumirem ao art. 32, § 6.º, da Lei 8.666/1993. O mesmo ocorre no que toca às contratações amparadas na Lei 8.630, de 25.02.1993 (exploração de portos organizados etc.), já que esta remete à lei geral sobre licitações, em seu art. 1.º, § 2.º (na época, no entanto, ainda o Dec.-lei 2.300/86, posteriormente revogado pela Lei 8.666/93). Por haver deixado de consignar, o legislador, de maneira expressa, aquela faculdade de adoção da arbitragem (e mesmo assim, no Dec.-lei 2.300 essa previsão era restrita a hipótese determinada, onde se vislumbravam elementos de internacionalidade do contrato), já se chegou a sustentar a inadmissibilidade da eleição dessa jurisdição em contratos com a Administração Pública. Diz Márcia Walquíria Batista dos Santos que em razão do princípio da legalidade "se a previsão de juízo arbitral nos contratos administrativos internacionais não ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 4 foi expressamente autorizada pela nova legislação de licitações, não se pode pretender que os contratos submetidos a esta mesma legislação utilizem a arbitragem". 17No mesmo sentido e conjugando mais amplos argumentos concluiu já o Tribunal de Contas da União, ao afirmar que a escolha da jurisdição arbitral seria "inadmissível em contratos administrativos, por falta de expressa autorização legal e por contrariedade a princípios básicos de direito público (princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, princípio da vinculação ao instrumento convocatório, princípio da indisponibilidade do interesse público, entre outros". 18 Historicamente,assim, é tormentoso admitir com absoluta tranqüilidade intelectual que a alteração do tratamento da matéria não tenha sido inspirada por opção legislativa, ao deliberadamente excluir a previsão expressa da utilização da arbitragem nos contratos regidos pela Lei 8.666. A tanto parece convergir a adoção do método histórico-evolutivo, ou da interpretação progressiva da lei, 19ou, segundo Ferrara, lógico-racional, que "remonta ao espírito da disposição, inferindo-se dos fatores racionais que a inspiraram, da gênese histórica que a prenda a leis anteriores (...)". 20Em outras palavras, transparece nítida a necessidade de se evitar antinomias axiológicas 21como essa que resultaria da negação à racionalidade da atividade do legislador. Não bastasse isso, colocando a Lei 8.666 em confronto sistemático com os diplomas que regulam modalidades específicas de contratações da Administração, tem-se por reforçada essa impressão. Por exemplo, quanto aos contratos com a Administração que versem sobre concessão e permissão de serviços públicos, no âmbito federal, vige a Lei 8.987, de 13.02.1995, que a despeito de fazer remissão à Lei 8.666 na identificação das cláusulas indispensáveis aos contratos com a Administração (o faz em seu art. 1.º da Lei 8.987/1995) traz disposição especial e expressa sobre a matéria dos meios alternativos de solução de controvérsias - em que, por óbvio, se insere a arbitragem - art. 23, XV, da Lei 8.987/1995. Nos termos desse dispositivo "são cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas (...) ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais". 22A REFORÇAR TAL SITUAÇÃO, SUPERVENIENTEMENTE, VEIO AINDA O DEC. 1.719, DE 28.11.1995 (QUE DISPÕE SOBRE A OUTORGA DE CONCESSÃO E PERMISSÃO PARA A EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO EM BASE COMERCIAL, COM EXCEÇÃO AOS DE RADIODIFUSÃO) QUE NO ART. 37, XIV, DO DEC. 1.719/1995 TAMBÉM ATRIBUI A CARACTERÍSTICA DE CLÁUSULA ESSENCIAL AOS CONTRATOS À QUE PREVÊ O "FORO E MODO AMIGÁVEL DE SOLUÇÃO DAS DIVERGÊNCIAS CONTRATUAIS", FAZENDO AINDA REMISSÕES ÀS LEIS 8.666/93, 8.987/95 E À 9.074/95, "NO QUE COUBER". Sistematicamente, assim, o panorama legal parece conduzir à conclusão sobre a impossibilidade de utilização generalizada da jurisdição arbitral para demandas findadas em contratos com a Administração Pública. A lei geral sobre tais contratos, em nível federal, silencia sobre essa possibilidade (embora diplomas anteriores a ela se referissem), ou da de adoção de modos alternativos de solução de controvérsias (e, nesse ponto, legem habemus ). Paralelamente, dois diplomas específicos e supervenientes, atualmente em vigor, deram-se ao trabalho de expressamente consignar essa possibilidade (mas regulam eles tipos específicos de contratos com a Administração, tendo, portanto, restrito seu âmbito de incidência e impedindo a interpretação analógica de seus dispositivos). Lógica não pareceria haver nessa conduta do legislador a não se inferir da Lei 8.666 a limitação à Administração Pública, nos contratos em geral, de eleger a jurisdição arbitral como veículo para a solução de conflitos nascidos desses contratos. A omissão dessa lei quanto à utilização da arbitragem, dentro da estrutura geral do sistema, tende a significar a exclusão deliberada do elemento encontrado nas fontes de que o legislador poderia se valer. 23 4. Princípio da legalidade e da publicidade e os delicados equilíbrios a preservar: repercussão dos princípios na discussão de causas envolvendo a administração ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 5 Mesmo a se concluir pela possibilidade da utilização da via arbitral para a solução de conflitos originários de contratos com a Administração - restritivamente ou não, tendo em vista as leis indicadas no item anterior - algumas considerações devem ser feitas no confronto das características do "processo" arbitral com as do processo jurisdicional estatal. Em sua repercussão processual, a aplicação do princípio da publicidade dos atos da Administração vem resguardada na própria estrutura em que formado o processo jurisdicional estatal, e portanto também quando a Administração figura, nele, como parte. Sabe-se que o processo é veículo colocado à disposição da comunidade (dos jurisdicionados e da Administração) para fazer com que o Estado administre Justiça e zele pela preservação do ordenamento jurídico; é ele necessariamente estruturado de maneira teleológica e racional, voltado a viabilizar, agilizar e preparar o provimento final do Estado, que solucionará o conflito de interesse, mas também leva necessariamente em conta a participação das partes no processo. O procedimento - que é elemento formador do processo, do ponto-de-vista objetivo - é a concatenação dos atos do processo, de suas etapas, onde cada ato ou etapa propulsiona o(a) próximo(a), ou o(a) justifica, de molde a propiciar a prestação jurisdicional, tendo em vista a participação das partes envolvidas no processo. Fixados esses pontos de cunho técnico, sabe-se que além de dar margem à participação (aliás, não só das partes diretamente envolvidas no litígio, mas também da coletividade), a publicidade emergente de toda essa estrutura do processo jurisdicional estatal coincide e potencializa com a efetividade do princípio da publicidade dos atos da Administração Pública, na medida em que permite o conhecimento de qualquer cidadão a respeito dos atos por ela praticados (contratuais ou não), examinados no processo, e dos atos processuais propriamente ditos praticados pela Administração no desenrolar do procedimento. Vê-se das poucas lições trazidas no item 2, acima, que a finalidade do princípio da publicidade aplicado à Administração não se restringe apenas ao aspecto formal de publicação de atos, visando antes a propiciar o conhecimento, pela coletividade, das condutas da Administração. Afinal, como bem enfatiza Carlos Ari Sundfeld, não é na simples comunicação de atos pela Administração que se resume o conjunto de seus "deveres para com a publicidade. A margem dessa questão, tem o dever de agir de modo diáfano, de franquear-se ao conhecimento público, de desnudar-se, mesmo que não esteja em pauta o problema da notificação de seus atos". 24 Essa publicidade, na estruturação do processo jurisdicional estatal é alargada na medida ideal para que o princípio da publicidade dos atos da Administração possam ser objeto de conhecimento pela coletividade, não apenas porque todos os atos ali praticados são públicos, decisões publicadas etc., por meio de um veículo oficial de publicidade, mas também pelo fato de haver um lugar certo para a prática desses atos (de todos conhecidos) e de haver a previsão de audiência 25na estrutura desse processo (também necessária e pública). Nesse sentido, e como bandeira alçada nos movimentos do direito processual moderno, a participação democrática pelo processo jurisdicional estatal é um dos fatores legitimadores dos provimentos que vem a outorgar. 26 Não se nega que o sigilo do processo arbitral consista em mera faculdade conferida às partes que dele se utilizam. Contudo, como preservar o nível de publicidade desejada para os atos da Administração - alcançada no processo jurisdicional estatal - com a simples renúncia à faculdade de sigilo durante a arbitragem? Mesmo sendo publicada a sentença arbitral, onde e quando poderão os cidadãos interessados "participar" do desenrolar dos atos durante a arbitragem - por poucos que sejam? Poderão eles presenciar a prática de atos "processuais" na arbitragem que envolva a Administração Pública? ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 6 A única maneira de fazer com que o desenrolar da arbitragem assegurasse o mesmo patamar de publicidade alcançado nas demandas envolvendo a Administração perante a jurisdição estatal se verificaria da conjugação de diversos fatores. Em primeiro lugar, a necessária renúncia ao sigilo da arbitragem (não apenas no que toca ao provimento final por meio dela buscado, mas também a todos os atos intermediários que nela se praticassem), depois, aindicação de lugar ou lugares certos onde os atos a ela necessário fossem ser praticados (v.g., oitiva de testemunhas), com apontamento, em com antecedência razoável, de data para tanto. 27Em resumo, a tal corresponderia, no mínimo, um emperramento e uma burocratização que certamente não se desejam ver agregadas à arbitragem na exata proporção em que se ama e zela pelo instituto. Fosse isso irrelevante - e não parece ser - sabe-se que da concatenação lógica dos atos processuais perante a jurisdição estatal, encontram-se eles ligados entre si por limitações temporais à participação das partes (prazos): o procedimento se desenvolve apoiado no sistema de preclusões (no caso, temporais) e do impulso oficial. Tal decorre tanto da necessidade de o Estado-juiz se desincumbir de sua função de administrar a justiça como da de o fazer em prazo razoável, com vistas à efetividade dos direitos nele envolvidos. Todo esse arcabouço é preestabelecido em lei, e como se sabe, desdobra-se numa sucessão de atos que, além de necessariamente públicos, no caso de demandas que envolvam a Administração também consagra a favor desta, certas prerrogativas, especialmente no que toca ao regime de prazos (bem mais largos para ela). Outra prerrogativa que se encontra no seio do sistema arquitetado para as demandas que envolvem a Administração, na jurisdição estatal, diz respeito à imprescindibilidade do duplo grau de jurisdição (o c. d. reexame necessário), que faz dos provimentos contrários aos interesses da Administração (rectius, dos administrados) objeto de necessária devolução aos órgãos jurisdicionais ad quem. Sem pretender proteger essas prerrogativas ou repudiá-las - já que, embora se possa dizê-las inconstitucionais, por ofensa ao princípio da isonomia, ou se as possam imaginar criadas apenas com vistas a minimizar dificuldades práticas que outrora assombravam a defesa da Administração Pública em juízo (em razão do que poderiam ser consideradas como meros privilégios), podem ser também consideradas como fatores de otimização da administração da Justiça em causas que envolvam a Administração em função de não litigar ela sobre direitos seus, mas de toda a coletividade - o fato é que na arbitragem, sem prévia pactuação a respeito da manutenção dessas prerrogativas em convenção arbitral, essas medidas não seriam adotadas. Se é cedo que a complacência do sistema a favor da Administração tem como objeto prazos aceleratórios (ou seja, em que o ato pode ser praticado antes do advento do termo final) não é o mesmo certo que essas prerrogativas - tanto quanto as contratuais da Administração 28- não estão acobertadas de disponibilidade por seu titular. Não foram elas criadas em proteção a ela, Administração, mas sim com vistas à função que exerce, de gestora de interesses e direitos da coletividade. Todos esses aspectos somam-se e conduzem à conclusão de que a arbitragem envolvendo a Administração Pública, dizendo respeito a contratos nacionais, necessitaria de cuidadoso redimensionamento, até mesmo por que, no que toca as projeções que o princípio da legalidade da Administração Pública, naturalmente estaria desde logo cerceada a possibilidade de julgamento desta por critérios de eqüidade. Necessariamente, assim e antes de mais nada, toda e qualquer arbitragem que se originasse de contrato nacional com a Administração seria necessariamente de direito: a Administração somente pode fazer o que a lei autoriza, desde sua atividade no dia-a-dia, na formação dos contratos, no seu cumprimento, até a solução de conflitos com a Administração. Se é a lei o critério e norte necessários durante as manifestações de vontade da Administração na condução da coisa pública, é por esses critérios e nortes, exatamente, que tais manifestações devem ser ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 7 aquilatadas. Os riscos de mutilação da arbitragem nessas situações não se esgotariam, contudo, nesse ponto: também o princípio da legalidade deve ser examinado com outros enfoques, mais abrangentes, pois não pode o operador do direito ter o cuidado de restringir um princípio na medida em que funciona como garantia constitucional dos administrados. É que por força da conjugação de regas legais constitucionais e infraconstitucionais, a Administração - tanto da União como dos Estados e Municípios - tem estruturada, a seu favor, o que se poderia chamar de Justiça Especializada. 29A Constituição Federal (LGL\1988\3) traz regras de claras atribuindo à Justiça Federal a competência para examinar demandas que envolvam a União e que encontram reflexo nas Constituições dos Estados-membros e municípios. Paralelamente, prevê a Carta Constitucional a atuação especializada da Advocacia Geral da União (também com reflexos nos Estados-membros da Federação), para representação judicial e extrajudicial, assessoramento e consultoria sobre todas as repercussões jurídicas da atuação da Administração. Nesse quadro, devendo necessariamente a Administração Pública ser julgada segundo as regras de direito, e indicando esses elementos legais quais são os órgãos especializados tecnicamente na aplicação do direito à atividade daquela, como aceitar, a priori, a equiparação dos conhecimentos legais do árbitro (que não necessariamente será iniciado na ciência do direito) com os de que dispõem os Juízes e Tribunais Federais, os Juízes das Varas da Fazenda e Câmaras de Direito Público dos Tribunais (em São Paulo, por exemplo), investidos do poder de julgar exatamente com base em critérios de seleção umbilicalmente ligados ao conhecimento técnico do direito? Essa visão conduziria também - ainda que apenas para afastar fantasmas quanto à validade da cláusula compromissória, para pouco falar - à necessidade de indicação de árbitros dotados "dos mesmos" conhecimentos técnicos na área de direito constitucional, administrativo etc., e das inter-relações que esses ramos do direito estabelecem com todo o sistema de direito, de que, a princípio, são dotados os órgãos da justiça especializada estatal. Com isso, novamente, se correria o risco de fadar a arbitragem à "judiciaridade", coisa que - sinceramente espero - não se deseje semear. A cláusula compromissória que viesse a ser incluída em contratos com a Administração Pública, em conseqüência, teria de vir recheada de limitações que, a pretexto de viabilizar a utilização da jurisdição arbitral, acabariam por minimizar as proclamadas vantagens oferecidas por esse meio alternativo de solução de controvérsias. E - o que é pior - quando assim fosse, embora preveja a Lei 9.307/96 fórmulas para a formação do compromisso arbitral, ou de expressão específica 30da obrigação de formá-la, 31não se deve esquecer a delicadeza que se vislumbra no fato de um órgão do Poder Judiciário, em casos que tais, substituir-se à Administração em suas manifestações de vontade. Não se desconhece que, substancialmente, todos os poderes do Estado representam-no com igual poder (já que este poder, decorrente da soberania, é um só e indivisível), mas não se pode desconhecer também que a renúncia 32à jurisdição estatal para a atividade cognativa, 33é o efeito mais aceito pelos doutrinadores como sendo gerado com base na celebração do compromisso (e, agora, no Brasil, da Convenção de Arbitragem). Em ordenamentos em que os efeitos do compromisso, quando comparados aos da cláusula compromissória, são os mesmos que os que se produziam no Brasil antes do advento da Lei 9.307/96, como ocorre na Itália, já se disse que o compromisso arbitral seria um verdadeiro instrumento de renúncia à jurisdição estatal, 34por meio da eleição (vinculativa) de equivalente. 35Os autores nacionais que se dedicaram mais detidamente ao assunto também afirmavam essa realidade. 36Como renúncia que representa, não apenas a pactuação da cláusula compromissória mas também a formação do compromisso arbitral, quando necessária, têm de estar umbilicalmente associadas ao animus do titular do direito. ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 8 Essa peculiaridade poderia também significar uma frustraçãoaos objetivos a serem alcançados por meio da utilização da arbitragem. Imagine-se que a Administração Pública tenha feito incluir, em contratos regidos pela Lei 8.987, de 13.02.1995 ou pelo Dec. 1.719, de 28.11.1995, Convenção de Arbitragem na modalidade de cláusula compromissória, mas após a configuração do conflito de interesses relacionados ao contrato resista à formação do compromisso. Nesses casos, seria necessário que o interessado se valesse da tutela jurisdicional (estatal) específica regulada no art. 7.º da Lei 9.307/96, ou seja, da execução específica da cláusula compromissória, com relação à qual se devem ter em mente as limitações à tutela jurisdicional específica em face das peculiaridades impostas pelo próprio direito material. Essas limitações são exploradas em brilhante monografia de Flávio Luiz Yarshell, que ao fazer referência à sistematização consagrada por Luiz Eulálio de Bueno Vidigal 37sobre a inviabilidade de provimento substitutivo de declaração de vontade, indica como fatores de sua inviabilidade: a) vedação expressa da lei; 38b) a exigência legal, para substância do ato, de forma especial incompatível com o provimento substitutivo; c) a imprescindibilidade da inexistência de qualquer atividade coativa (ainda que do Poder Judiciário) para a validade do ato; d) o fato de o obrigado se caracterizar como ente público; e) a natureza cambial da declaração de vontade que o credor pretenda suprir jurisdicionalmente. Como ensina Flávio Luiz Yarshell, entre os óbices representantes de limite à outorga de tutela específica com base nas características do direito material há que se considerar a inviabilidade decorrente da necessária espontaneidade da declaração, a partir de que debruça-se, o autor, sobre a impossibilidade decorrente do fato de a declaração ser devida por ente público (hipótese em que não seria viável a tutela específica em razão do princípio da separação dos poderes): "a atuação específica do direito é inviável, quando for essencial à validade da declaração a espontaneidade, isto é, a ausência total de qualquer força coativa, ainda que tal força tenha origem e legitimidade estatal". 39 Dessa exposição se permite antever, entre outros problemas, o da ingerência do Poder Judiciário estatal na execução de cláusula compromissória contida em contrato com a Administração Pública. Em dias como os de hoje, de tão difícil e delicada manutenção do equilíbrio entre os poderes do Estado, busca-se antes de tudo sua harmonização recíproca, e não a possibilidade de potencialização do choque entre eles. Ao judiciário - que não é formado por membros eleitos pelo sufrágio popular, ao contrário do que ocorre com os membros dos outros dois poderes; cuja legitimidade dos atos é atributo das iniciativas democráticas do cidadão - resta a delicada função de dizer o direito, restabelecendo o equilíbrio rompido entre as vontades dos outros dois poderes. Essa tarefa é especialmente difícil no circuito limitado de atuação do nosso Poder Judiciário, não engajado politicamente (por força de proibições legais), debilitado com a sobrecarga de demandas pendentes, hostilizado no momento de defender sua parcela de poder perante os outros poderes do Estado, e de quem um dos únicos veículos de legitimação de atos e o procedimento, na expressiva e sempre válida visão de Liebman. Há que se zelar pelo equilíbrio e pela superação de qualquer desequilíbrio constatado no sistema de freios-e-contrapesos que Montesquieu imaginou estabelecer-se como num processo de geração espontânea, naturalmente, por meio da tripartição dos poderes 40(mas que, como se sente de incidentes como estes aqui imaginados, não passaria de generosa quimera se fossem colocados de lado todo cuidado, energia e vigilância na manutenção desse equilíbrio). Afinal, "na separação dos poderes constitucionais do Estado, o traço que indica a coexistência regular dos seus respectivos órgãos é o respeito recíproco das atribuições de uns e de outros. Aí reside o princípio fundamental do Direito Público" 41e, segundo nos indica Miguel Reale, com base em Mauro Cappelletti, a função do Judiciário seria exatamente a de "árbitro na repartição dos Poderes (...)" na medida em que tem competência soberana para "resolver conflitos entre o colosso do Legislativo e o mastodonte ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 9 da burocracia administrativa". 42 Todos sabemos que "fácil é criticar a Justiça, e ainda mais os seus juízes. Entretanto, no quadro comparativo do exercício dos três Poderes, não desmerece no confronto". 43Mais facilmente ainda seria criticá-la com base no " Gouvernement des Juges, sedutora fórmula mais imaginada que verificada", 44mas a que conduziria a solução sugerida pela execução específica de cláusula compromissória, pelos órgãos jurisdicionais estatais, quando a tal deva a Administração Pública aportar manifestações de vontade. Por isso é que "administradores, legisladores e juízes, cada um dentro de seu compartimento de ação, precisam rever as suas posições para que o Estado, sujeito de direitos e obrigações sociais, cumpra sua função. Ou a sociedade, mandante natural da existência do Direito e do próprio Estado, a eles se sobreporá, agindo com legítima defesa de autoconservação". 45 5. Exortação O que acima ficou dito sirva para inspirar o momento de se optar pela jurisdição arbitral na solução de conflitos originários de contratos nacionais com a Administração Pública, ou o conteúdo da cláusula compromissória que ali for incluída. Se é ela legalmente admissível em determinadas hipóteses específicas, sejam - mesmo nesses casos - consideradas as peculiaridades da arbitragem em confronto com as da jurisdição estatal, a fim de se afastar o risco de aproximação da arbitragem, em determinadas situações, exatamente àquelas características da jurisdição estatal que as partes visam deliberadamente pôr de lado. Evitem-se os desvios na arbitragem 46porque a "inegável mutação do procedimento arbitral, com seus excessos, leva a uma regressão". 47 Segundo se afirma, "a arbitragem é vítima de seu próprio sucesso. De fato, o desenvolvimento da arbitragem conduziu à sua jurisdicionalização, à sua institucionalização e à sua judiciarização". 48 Conduza, pois, a crença sincera no instituto a minimizar sua vitimização, antes que à sua exposição ao descrédito, questionamentos e burocratização. (1) Imputável a causas várias e entre elas a demora da prestação jurisdicional, que desestabiliza a relação entre custo e benefício do aforamento de demanda em juízo. Não se pretende, ao abordar o assunto, superfaturar as mazelas por que vem passando nossa Justiça estatal, pois na contra-partida da crise do Judiciário têm sido constantes as iniciativas legislativas e doutrinárias para aprimoramento do sistema de que se dispõe no momento. Se grandes têm sido as dificuldades enfrentadas no âmbito dos problemas relacionados com a prestação jurisdicional nos últimos tempos, a fim de resgatar parcelas de litígios, que ficavam à margem da administração da justiça, rapidez qualidade em sua solução. O processo civil moderno não se compadece com posições puramente conceituais preocupando-se hoje a doutrina pela dinâmica de um processo justo e racional, como meio efetivo para a eliminação de conflitos. Não só o sistema processual como um todo projeta-se agora em perspectiva marcadamente teleológica, como também cada um dos seus institutos é dimensionado assim, nessa revisitação da ciência do processo em prol da sua efetividade como meio de acesso à ordem jurídica justa. Essas iniciativas se fazem sentir num largo espectro de alterações, que vão desde o alargamento das regras de legitimação para agir (lei da ação civil pública, mandado de segurança coletivo, Código de Defesa do Consumidor etc.), passando pela criação de Juizados lnformais de Conciliação e do Juizado Especial de Pequenas Causas. Recentemente, se sentem ainda mais acentuadas com, além das alterações trazidas ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5) especialmente no final do ano de 1994, a introduçãodo procedimento monitório em nosso sistema, com a ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 10 regulamentação da antecipação de tutela, entre outros preciosos aprimoramentos do processo civil estatal. Essas ondas parecem manter o ritmo, quando se examinam a superveniente criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, e a liberalização representada na Lei 9.307/96, que finalmente viabiliza a efetividade da utilização da arbitragem em nosso país. (2) Eminentemente pela possibilidade de, nos contratos, as partes poderem incluir cláusula a respeito da eleição desse meio alternativo de controvérsias, já que as mais das vezes colocam-se em contato, pelo contrato, direitos disponíveis. Nada impede, porém, que a despeito da inexistência de cláusula as partes venham a instituí-la ad hoc, desde que presente o elemento da disponibilidade (objetiva ou subjetiva) do direito a ser examinado perante a jurisdição arbitral. (3) Cf . Carlos Alberto Carmona, A arbitragem no processocivil brasileiro. São Paulo : Malheiros, 1993. p. 73. Essa neutralidade (que não se confunde com a necessária imparcialidade do julgador, pedra fundamental do exercício de função jurisdicional em Estados democráticos de direito) é provavelmente maior, de fato - quando se têm árbitros decidindo sobre litígios entre pessoas de nacionalidade diferente - que aquela que uma delas poderia encontrar no órgão jurisdicional estatal, se estrangeira litigando contra jurisdicionado nacional. Contudo, é bom lembrar que o conceito de imparcialidade e neutralidade não se confundem: o julgador (estatal ou árbitro) tem de ser imparcial, mas jamais será neutro: sempre aportará a solução do litígio sua bagagem cultural e pessoal, no momento de interpretar fatos, normas, situações e valorá-los. V., a respeito, entre outros, José Eduardo C. Oliveira Faria. "O juiz na sociedade complexa. O Poder Judiciário e os novos movimentos sociais", Curso de deontologia da magistatura. José Renato Nalini (Coord.). São Paulo : Saraiva, 1992. p. 73-95, esp. 74-75. O juiz (estatal ou árbitro) é um homem de seu tempo, que vive e deve sentir os ditames do universo axiológico da sociedade a que pertence. Nos seus julgamentos ele há de ser um canal de comunicação entre os valores vivos na sua sociedade nacional e transnacional, e os casos concretos que esperam por seu pronunciamento. Mesmo ao exercer jurisdição de direito, considera a lei sempre como algo inacabado, dependente dos complementos interpretativos que lhe traz quando contrapõe aos casos em exame e, para fazer justiça, amolda ao corpo do conflito em julgamento as formas aparentemente rígidas contidas nas palavras da lei. Do genérico da lei ao particular dos julgamentos, vai uma distância que permite o acesso da carga valorativa confiada ao juiz. O direito vivo não reside somente na letra da lei, mas ele há de ser ao mesmo tempo fato, valor e norma, como e do conhecido ensinamento de um dos mais respeitados pensadores da realidade jurídica brasileira neste século (Miguel Reale, cf. especialmente Teoria tridimensional do direito - Preliminares históricas e sistemáticas. São Paulo : Saraiva, 1968, passim). Assim, como ensina José Alexandre Tavares Guerreiro, o que importa relevar "nesse contexto, não é propriamente a imparcialidade requerida de todo e qualquer julgador, mas sim sua neutralidade, no sentido sociológico ou cultural" (cf. Fundamentos da arbitragem do comércio internacional. São Paulo : Saraiva, l993. p. 118, com referência a diversos autores estrangeiros que também estabelecem os lindes da distinção entre os conceitos de imparcialidade e neutralidade). (4) Para os adeptos da teoria publicista da arbitragem - para quem a arbitragem é verdadeiro exercício de jurisdição - o comando contido no laudo arbitral sujeitaria as partes, independentemente de sua vontade, desde que a arbitragem houvesse sido instituída legitimamente. Isso porque a arbitragem seria uma verdadeira atividade jurisdicional. V. a respeito, Carlos Alberto Carmona. A arbitragem no..., cit. p. 32-37. O árbitro efetivamente exerce jurisdição, como bem explicita Aldo Attardi ao examinar a equiparação dos efeitos do laudo arbitral aos de sentença provenientes dos órgãos jurisdicionais estatais, no sistema italiano. Segundo o autor, "questo, in particolare, significa che il lodo arbitrale - e ci si referisce ai casi normali nei quali la pronuncia è secondo diritto - ha contenuto di ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 11 accertamento ed è, perciò, esercizio di giurisdizione in senso proprio" ( Dirito processuale civile, I, parte geral, 2. ed., Milão : Cedam, 1997. p. 45. Colhe-se da própria ressalva feita pelo autor que dúvidas poderiam pairar sobre a natureza jurisdicional de laudos proferidos com base em eqüidade; de que, contudo, não se pode partilhar no Brasil, já que em nosso sistema até mesmo os órgãos jurisdicionais estatais podem valer-se da eqüidade para a solução de demandas (na administração pública de interesses privados, ou "jurisdição voluntária", ao examinar demandas de alimentos ou valorar o agravamento do risco coberto por contrato de seguro, em causas processadas perante Juizados Especiais Cíveis e Criminais, por exemplo: v. art. 1.109 do CPC (LGL\1973\5), arts. 400 e 1.456 do CC, e art. 25 da Lei 9.099/1995). A Lei 9.307 hoje dá tratamento legal mais claro sobre a natureza da arbitragem, parecendo acatar esse entendimento. (5) Entre essas barreiras - e apenas a título exemplificativo - se encontravam a diferenciação entre os efeitos da cláusula compromissória e os do compromisso arbitral, para os contratos nacionais em geral e para os internacionais que não se subsumissem ao Dec. 21.187, de 22.03.1932, que promulgou em direito interno o Protocolo Relativo as Cláusulas Arbitrais (Genebra, 1923). Encontrava-se também como fator desestímulo para a utilização da arbitragem a necessidade de se proceder a homologação judicial dos laudos arbitrais (especialmente os produzidos fora do país, a respeito dos quais se erigiu a construção daquilo que se convencionou chamar "sistema de dupla homologação", i. e., um sistema segundo em que, para que o laudo arbitral proferido no exterior ganhasse eficácia internamente, no Brasil, seria necessário que desse entrada no país como sentença estrangeira - o que demandava a submissão desse laudo a homologação perante a jurisdição estatal do país de origem, nem sempre possível - para que depois, por meio de juízo de delibação realizado no Brasil, se pudesse a ele conferir exequatur). (6) Augusto M. Morello descreve ricamente esse perfil da advocacia perante órgãos jurisdicionais estatais, ao definir a jurisdição por eles provida como "Lenta, engorrosa, cara, hecha para el gusto de los operadores jurídicos que manejam sus técnicas sofisticadas y tremendamente formalistas, cuyos pliegues y pregliegues - interminables - ahogan la materia viva, el contenido de una disputa o controversia que debe merecer la respuesta justa: una solución útil, efectiva" ( El proceso justo - Del garantismo formal a la tutela efectiva - De los derechos. Buenos Aires : Abeledo-Perrot, 1994. p. 614, grifos do original). (7) V., por exemplo, a respeito da admissibilidade de utilização da "ação" monitória (Lei 9.079, de 14.07.1995) em face da Administração Pública, José Rogério Cruz e Tucci. Ação monitória. São Paulo : RT, 1995. p. 65-67. (8) "Do Estado na arbitragem privada", Revista de Direito Público 71, jul.-set., 1984, RT, 1984. p. 162-171. (9) IDEM, IBIDEM, P. 168. (10) Carlos Ari Sundfeld. "Princípio da publicidade administrativa (direito do cidadão, vista e intimação )", Revista de Direito Administrativo, jan.-mar., 1995, Rio de Janeiro : Renovar, p. 97. (11) Cf. Princípios fundamentais de direitoadministrativo. Rio de Janeiro : Forense, 1989. p. 95. (12) Idem, p. 476, sem grifos no original. (13) Direito administrativo brasileiro. 18. ed., São Paulo : Malheiros, p. 82, sem grifos no original. ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 12 (14) Curso de direito constitucional positivo. 5.ed., São Paulo : RT, 1989. p. 564. (15) Direito administrativo brasileiro. 13. ed., São Paulo : RT, 1987. p. 66, sem grifos no original. (16) Que não se confunde, é claro, com o de jurisdição, antes apenas sendo aplicável à jurisdição estatal. (17) Cf. "Licitação internacional. Proibição de previsão de juízo arbitral". Temas polêmicos sobre licitações e contratos. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Org.) . São Paulo : Malheiros, 1994. p. 135-137, cit. p. 136, sem grifos no original. A autora faz menção, ainda, às dúvidas doutrinárias que mesmo sob o império do Dec. 2.300/86 se levantavam em torno da utilização de arbitragem com a Administração Pública. (18) V. decisão publicada na Revista de Direito Administrativo 193, p. 341-352, sem grifos no original. (19) Cf. Manuel A. Domingues de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis. 4. ed. , Colecção Studium - Temas filosóficos, jurídicos e sociais. Coimbra : Armênio Amado, 1987, passim. (20) Cf. Francesco Ferrara. Interpertação e aplicação das leis. 4. ed., Trad. Manuel A. Domingues de Andrade. Colecção Studium - Temas filosóficos, jurídicos e sociais. Coimbra : Arménio Amado, 1987. p. 140-141, sem grifos no original. (21) Sobre o significado da expressão v. Juarez Freitas. A interpretação sistemática do direito. São Paulo : Malheiros, 1995, passim. (22) A Lei 9.074, de 07.07.1995 (sobre a outorga e prorrogação de concessões e permissões de serviço público) nada acrescenta ou inova sobre essa disposição. (23) V. Eduardo J. Couture. Interpretação das leis processuais. 3. ed. Trad. Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano. Rio de Janeiro : Forense, 1993. p. 45-46. (24) O princípio da publicidade..., cit., p. 98. (25) Enrique Vescovi explora de maneira riquíssima o significado da audiência nesse sentido de aptidão a fazer pública a matéria discutida na demanda e, com isso, reforçar a possibilidade do cidadão comum de fiscalizar os órgãos do poder: v. "Una forma natural de participación popular en el control de la justicia: el proceso por audiencia pública". Participação eprocesso. Grinover-Dinamarco-Watanabe (Coordenadores). São Paulo : RT, 1988. p. 360-379. (26) V. A RESPEITO, ALESSANDRO PIZZORUSSO. "PARTECIPAZIONE POPOLARE E FUNZIONE GIURISDIZIONALE". PARTICIPAÇÃO E PROCESSO. Grinover-Dinamarco-Watanahe (Coordenadores). São Paulo : RT, 1988. p. 24-36. V., ainda, por todos, Cândido Rangel Dinamarco. A instrumentalidade do processo. 5. ed., São Paulo : Malheiros, 1996, passim. (27) Aliás, qual seria o veículo "oficial", o arauto de tais comunicações à coletividade? (28) V. Mutatis mutandis e servatis servandis, apenas como paralelo de raciocínio útil, Márcia Walquiria Batista dos Santos ("Cláusulas exorbitantes". Temas polêmicos sobre ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 13 licitações econtratos. Maria Sylvia Zanella di Pietro (Org.). São Paulo : Malheiros, 1991. p. 130-134) onde se explora o tema da compatibilidade de disponibilidade de prerrogativas contratuais da Administração. (29) É certo, novamente, lembrar que tais regras dizem respeito à competência dentro da estrutura da jurisdição estatal, e não necessariamente à possibilidade de "escolha" dessa ou daquela jurisdição. (30) Constitui grande conquista da ciência processual moderna a concepção de que a aplicação do direito material por meio do processo jurisdicional estatal deve atender ao princípio da maior coincidência possível, segundo o qual, "na medida em que for praticamente possível, o processo deve propiciar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter" (no expressivo linguajar de Giuseppe Chiovenda, "Dell'azzione nascente del contratto preliminare". Saggi didiritto processuale civile, I, 2. ed., Roma : Fora Italiano, 1920, n. 3, esp. p. 110). Dessa afirmação feita no início do século decorreu a idéia de que o processo tem de ser efetivo no desempenho de seus escopos, e a bandeira que a representa vem sendo empunhada na Itália, entre outros, por Mauro Cappelletti, sendo encampada aqui por processualistas como Kazuo Watanabe, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco. Como decorrência natural do proclamado princípio da efetividade do processo, segue que as obrigações devem ser cumpridas tais como contratadas: "em primeiro lugar é indispensável que o sistema esteja preparado para produzir decisões que sejam capazes de propiciar a tutela mais ampla possível aos direitos reconhecidos (e, aqui, é inevitável a superposição do discurso acerca da utilidade das decisões, ao da abertura da via de acesso). Onde for possível produzir precisamente a mesma situação que existiria se a lei não fosse descumprida, que sejam proferidas decisões nesse sentido e não outras meramente paliativas. Quanto a isso, as sentenças constitutivas são de muita eficácia: elas conduzem diretamente às situações desejadas, sem dependência da conduta do demandado. Entre as constitutivas, as substitutivas da vontade de devedor dispensam qualquer manifestação da parte deste e constituem conquista do processo moderno: venceram o dogma da intangibilidade da vontade humana, mal colocado no caso, para permitir a obtenção do resultado que a declaração omitida teria produzido e, com isso, dar elevado grau de efetividade ao sistema processual. O desenvolvimento das idéias a respeito incluiu, conseqüentemente, repúdio à facilidade com que tradicionalmente se aponta a conversão em pecúnia como solução para obrigações de fazer não cumpridas. A tutela específica constitui sempre afirmação muito enérgica da autoridade do próprio ordenamento jurídico-material (cf. Cândido Rangel Dinamarco. A instrumentalidadedo processo. São Paulo : RT, 1987, p. 426-427). (31) Em que pese a equiparação da cláusula arbitral ao compromisso, pelo legislador, para o efeito de afastar a jurisdição estatal do conhecimento da demanda, não deixa ele de relembrar as já outrora repisadas destinações entre os dois institutos. O compromisso arbitral é o acordo de vontade das partes no sentido de iniciar a solução de uma pendência pela arbitragem que se iniciará, sujeitando-se (e isso é importante) à jurisdição dos árbitros e portanto aos efeitos e comandos do laudo que proferirem e do qual desde logo reconhecem a legitimidade. À previsão contratual de que os litígios nascidos de um determinado contrato, por vontade das partes, serão resolvidos por arbitragem, denominou-se chamar cláusula arbitral. Nela as partes interessadas estabelecem consensualmente, em sede contratual, que submeterão à arbitragem litígios que possam nascer dessa relação contratual. Trata-se, assim, de obrigação de fazer (obrigação de celebrar o compromisso, objeto dos parágrafos anteriores), ou de pactum de cantrahendo. Embora a Lei 9.307 tenha finalmente vindo equiparar os efeitos de ambas essas cláusulas no que toca ao afastamento da jurisdição estatal para o julgamento de mérito sobre a questão posta em juízo, é nela própria que se encontram resquícios da distinção substancial entre essas cláusulas, com a conseqüente previsão dos meios jurisdicionais estatais de que ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 14 dispõe a parte interessada para conclamar a outra a formar a cláusula compromissória. (32) Apenas para o estabelecimento de um juízo de valor e de merecimento sobre a situação de fato objeto da demanda, ou seja, para examinar-lhe o mérito, o que somente tem pertinência, tipicamente, no processo de conhecimento. Isso porque os atos de coerção ou provimentos cautelares são deixados sob o mais absoluto monopólio da jurisdição estatal (e assim esclarece a própria Lei 9.307). (33) Giuseppe Chiovenda é expresso em declarar que o compromisso implica "uma renúncia ao conhecimento de uma controvérsia por obra da autoridade judiciária" ( Instituições de direito processual civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São Paulo : Saraiva, vol. 1, p. 75-78. (34) Cf. Salvatore Satta. Diritto processuale civile. Pádua : Cedam, 1973. p. 704-705. (35) Cf. Francesco Carnelutti. Instituciones del processocivil. Trad. SantiagoSentís Melendo. Buenos Aires : Ediciones Jurídicas Europa-América, 1961. p. 31. (36) Cf. Hamilton de Moraes Barros Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5). Rio de Janeiro : Forense, 1977. vol. IX, p. 473. V. também Eliézer Rosa. Novo dicionário de processo civil. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1986. p. 8. Pontes de Miranda, porém, interpreta essa renúncia de maneira mais estrita, afirmando que teria como objeto apenas a "processualidade estatal" ( Tratado de direito privado. Rio de Janeiro : Borsoi, vol. 32, p. 3.121). (37) Cf. Flávio Luiz Yarshell. Tutela jurisdicional específica nas obrigações de declaração de vontade. São Paulo : Malheiros, 1993. p. 114, e Luiz Eulálio de Bueno Vidigal. "Da execução direta das obrigações de prestar declaração de vontade", Direito processual civil. São Paulo : Saraiva, 1965. p. 119. (38) Segundo Flávio Yarshell, a tutela específica seria inviável quando a lei expressamente a proibir. "A regra é de utilidade restrita, porque dificilmente o texto legal estabelecerá expressamente a vedação, ficando a cargo do intérprete concluir no sentido dessa vedação a partir das disposições contidas na lei, circunstância que praticamente nos leva ao ponto de partida" (cf. Flávio Luiz Yarshell. Tutela jurisdicional, cit., ibidem). (39) Cf. Flávio Luiz Yarshell. Tutela jurisdicional, cit., p. 117. (40) Não se ignora, contudo, que a imagem de tripartição dos poderes que hoje captamos culminou de esforços da doutrina liberal do século passado, pois para Montesquieu ainda via com reservas essa equiparação do juiz ao administrador e ao legislador (para que o juiz era uma espécie de subordinado aplicador da lei). (41) Cf. José Américo de Souza. "A justiça, o juiz e o direito". Estudos jurídicos em homenagem a Vicente Ráo. Péricles Prade (Org.). São Paulo : Resenha Universitária, 1976. p. 17. (42) Cf. "O Judiciário a serviço da sociedade", Revista de Direito Administrativo 202, out.-dez., 1995, Rio de Janeiro : Renovar, p. 61-68 (citação à p. 64). (43) Cf. João Baptista Cordeiro Guerra. "Uma visão do Poder Judiciário". O direito na década de 80: estudos jurídicos em homenagem a Hely Lopes Meireles. Arnoldo Wald (Org.). São Paulo : RT, 1985. p. 68. (44) Expressão que se utiliza aqui, com a consciência de que normalmente se utiliza, na ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 15 doutrina em geral, tendo com pressuposto a infringência às leis já postas, pelos juízes (v., a respeito do conceito do que seja o "Governo dos Juízes", Alípio Silveira. "A Suprema Corte na remodelagem da democracia americana", Estudos jurídicos em homenagem a Vicente Ráo, Péricles Prade (Org.). São Paulo : Resenha Universitária, 1970. p. 91-97). (45) Cf. Wellington Pacheco Barros, "Excessos de direitos", Jornal Zero Hora de 13.09.89. p. 4, apud mesmo autor, "A interpretação dos contratos". RT 660/57 (DTR\1990\179)-69. (46) Cf. Alain Goulene e Jean Baptiste Racine. "As flutuações processuais da arbitragem". A arbitragem - A nova lei brasileira (9.307/96) e a praxe internacional. São Paulo : LTr, 1997. p. 115-130. (47) Idem nota anterior, p. 119, onde também é mencionada a "irritation of the founding fathers confronted by these newcomers who permit themselves to transform the nature of arbitration by multiplying the incidence of procedure and technical appeals" (Y. Dezalay e B. Garth. "Merchant of Laws and Moral Entrepreneurs: Constructing lnternational Justice from the Competition for Transnational Business Disputes". Law &Society Review 29, n. 1, 1995. p. 57, apud Duzalay e Garth, idem, ibidem. (48) Goulene-Racine, cit., p. 120. ARBITRAGEM E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Página 16