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EMPRESARIAL - CARTULARIDADE VERSUS VIRTUALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO NO PROCESSO CIVIL ELETRÔNICO

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CARTULARIDADE VERSUS VIRTUALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO
NO PROCESSO CIVIL ELETRÔNICO
Cartularity versus virtualizated negotiable instruments in electronic judicial procedure
Revista de Processo | vol. 278/2018 | p. 193 - 211 | Abr / 2018
DTR\2018\10638
Clift Russo Esperandio
Mestrando em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das
Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Especialista em Direito Contratual pela PUC.
Mediador Judicial formado pela Escola Superior da Advocacia. Professor da Faculdade
Anhanguera de Osasco – SP. Advogado. esperandio@aasp.org.br
Leonardo Felipe de Melo Ribeiro Gomes Jorgetto
Mestrando em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das
Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Especialista em Direito Constitucional e Político
pela FMU. Professor de Direito Público na FMU. Advogado. leonardo.jorgetto@fmu.br
Marcelo Guerra Martins
Doutor em Direito do Estado pela USP. Mestre em Direito Civil pela USP. Professor do
Curso de Mestrado em Direito da Sociedade da Informação no Centro Universitário das
Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Juiz Federal em São Paulo.
marcelo.guerra@fmu.br
Área do Direito: Processual
Resumo: O presente artigo aborda a eficiência do processo judicial eletrônico no
contexto da sociedade da informação, notadamente quanto à exigência de o credor
apresentar o original do título de crédito executado judicialmente, depositando-o em
cartório versus a viabilidade de o título ser apresentado por meio de cópia digitalizada
junto com a inicial da execução. Essa segunda hipótese faz nascer a questão de como
impedir a circulação do título por meio de endosso. O tema se mostra relevante,
justamente porque vive-se uma fase de transição entre o processo judicial físico, em
papel, e o eletrônico, sendo certo que ainda não se consolidou entendimento judicial
uniforme a respeito. O método de discussão consiste na análise bibliográfica e
jurisprudencial, com enfoque qualitativo e resultado indutivo.
Palavras-chave: Cartularidade – Cambial – Processo judicial eletrônico – Sociedade da
informação – Direito digital
Abstract: This paper discusses the efficiency of the electronic judicial procedure in the
context of the information society, especially as regards the requirement for the creditor
to present in the court the original of the negotiable instrument, depositing it in a notary
office versus the viability of the instrument being presented through scanned copy along
with the declaration. This second hypothesis raises the question of how to prevent the
circulation of the instrument through an endorsement. The issue is relevant, precisely
because there is a phase of transition between the physical judicial procedure, on paper,
and the electronic way, being certain that a uniform judicial understanding has not yet
been consolidated. The method of discussion consists of bibliographical and
jurisprudential analysis, with qualitative focus and inductive result.
Keywords: Cartularity – Foreign exchange – Electronic judicial procedure – Information
society – Digital law
Sumário:
1.Introdução - 2.Da prestação jurisdicional com eficiência e celeridade - 3.Do processo
eletrônico enquanto locus alternativo de eficiência - 4.Os títulos de crédito e a
cartularidade - 5.Da adequação do processo judicial ao contexto da sociedade da
informação - 6.Considerações finais - 7.Referências bibliográficas
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
Página 1
1.Introdução
A sociedade contemporânea e suas constantes evoluções despertam a necessidade de os
operadores do direito promoverem mudanças e ajustes em suas concepções tradicionais,
de maneira a melhor compreender e operar num mundo globalizado e tecnologicamente
avançado.
Viver em sociedade é algo, pela própria natureza, deveras complexo, o que gera efeitos
no mundo jurídico. O estudo das diversas relações existentes, fenômenos sociais,
manifestações culturais e comportamentais impulsionam os avanços legislativos na
criação de novos institutos jurídicos, todos amoldados ao fenômeno da sociedade da
informação que, segundo Irineu Barreto Júnior, tratar-se de:
Um novo paradigma tecnológico, social, cultural e comportamental estabelecido como
marco analítico para qualificar o modelo de sociedade, resultado das transformações
verificadas nas décadas recentes, provocadas pela formatação de um cenário mundial
interligado pelo aparato tecnológico e influenciado por essa transformação nas suas mais
diferentes nuances1.
Com efeito, Manuel Castells relata que a “sociedade contemporânea atravessa uma
verdadeira revolução digital em que são dissolvidas as fronteiras entre
telecomunicações, meios de comunicação de massa e informática”2. O fato é que houve,
segundo José de Oliveira Ascenção, o “surgimento das autoestradas do conhecimento,
vias de fluxo rápido nas quais as informações e o conhecimento circulam em velocidades
antes inimagináveis”3.
Sob esse olhar, é inegável que as mudanças tecnológicas acarretam efeitos os mais
diversos em todas as áreas do convívio humano, inclusive com alterações dos alicerces
fundantes da sociedade, o que, evidentemente, deve ser compreendido e devidamente
incorporado pelo Direito, sob pena deixar de suas normas e institutos restarem caducos
e inservíveis à pacificação dos conflitos e necessidades econômicas e sociais da
atualidade.
Dessa forma, no que tange ao tema ora proposto, a análise centra-se no regime jurídico
dos títulos de créditos virtualizados, cada vez mais utilizados na prática negocial
mundial, tema ligado aos princípios basilares do Direito Civil, na abordagem “Dos Títulos
de Crédito”, como a cartularidade e a circulabilidade em tempos de processo judicial
eletrônico e desmaterialização dos documentos nessa era da sociedade da informação.
O processo judicial eletrônico foi pensado como um remédio (ainda que não único) apto
a enfrentar o problema da notória morosidade do processo tradicional de papel, em face
da supressão de atos de natureza meramente burocrática como as “famosas” certidões
de juntada de petições, ofícios e afins, o que se coaduna com o princípio constitucional
da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII). A tecnologia atual, com a
consolidação das “superinfovias”, permitiu a implantação de um instrumento desse
quilate, impensável até pouco tempo atrás.
Todavia, nem sempre o direito e a tecnologia são harmônicos. Nesse sentido, um
primeiro e relevante problema é a exigência legal de o credor apresentar o original (em
papel) do título de crédito executado judicialmente, enquanto que a própria natureza do
processo eletrônico repele a juntada de documentos físicos. Como proceder, então? E,
ainda, como neutralizar à possibilidade de circulação por endosso de um título submetido
à execução e juntado por cópia digitalizada? Essas e outras questões serão aqui
abordadas.
O método de discussão consiste na análise bibliográfica e jurisprudencial, com enfoque
qualitativo e resultado indutivo, ficando desde logo consignado não ser intenção dos
autores deitarem aqui verdades finais ou absolutas, sendo que críticas e sugestões
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
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sempre são esperadas e, verdadeiramente, bem-vindas.
2.Da prestação jurisdicional com eficiência e celeridade
A ineficácia ou morosidade do Poder Judiciário em dar solução definitiva aos processos
em geral é algo recorrente entre os jurisdicionados. Há tempos, urge a necessidade de
otimização dos serviços judiciais, da prestação jurisdicional com eficiência, com a
utilização das tecnologias da computação e da informática, prumando para uma
prestação jurisdicional efetiva, com eficácia e em tempo razoável.
A celeridade processual como norma de direito fundamental já foi prevista no nosso
ordenamento jurídico por força da ratificação da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, o chamado Pacto de San Jose da Costa Rica, que, em seu art. 8º, prevê
“prazo razoável”para que uma pessoa seja ouvida por um tribunal, demonstrando desde
então, que a celeridade processual já é considerada uma norma de direito fundamental,
ainda que se discutisse a natureza jurídica do referido pacto, se de norma constitucional
ou supralegal. Com efeito, prevê o aludido art. 8º:
Artigo 8º – Garantias judiciais: 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as
devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações
de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Dirimindo qualquer dúvida quanto à importância da celeridade como efetivo direito
fundamental, o poder constituinte reformador inseriu o inciso LXXVIII no art. 5º da
Constituição de 1988, por intermédio da Emenda Constitucional 45/2004, com a
intenção de modificar o quadro existente, porém, não sem antes ser criticado pela pouca
efetividade que tal preceito poderia trazer, posto que seria meramente uma solene
declaração de princípios sem, todavia, consequências práticas, uma mera probabilidade
retórica segundo Manuel Antônio Teixeira Filho4.
Em que pesem as críticas relacionadas à efetivação na prática da celeridade processual,
o fato é que a Emenda Constitucional 45/2004 encontrou solo fértil na atual tendência de
constitucionalização do direito, significando “um efeito expansivo das normas
constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por
todo o sistema jurídico”5.
A preocupação com a celeridade do processo vem encontrando ecos no Poder Judiciário,
com o seguinte destaque oriundo do Supremo Tribunal Federal:
O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não
derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu –
traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de
tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico
que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas
(CF (LGL\1988\3), art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo
ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal
representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior
àquele estabelecido em lei.6
Assim como a ementa trazida alhures, vários julgados do Supremo Tribunal Federal têm
utilizado, de forma direta ou indireta, o novo dispositivo constitucional que coloca a
celeridade processual como foco da efetivação dos direitos constitucionais7,
concluindo-se que o princípio constitucional da duração razoável do processo veio para
ficar, não se revelando, como no início chegou-se a pensar, como uma mera e solene
declaração de direito de conteúdo prático esvaziado ou pouco eficaz.
Evidentemente, há ainda muito por fazer, mas a existência de um consenso doutrinário e
jurisprudencial sobre a relevância do princípio em tela é de suma importância à sua
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
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plena concretização no futuro.
3.Do processo eletrônico enquanto locus alternativo de eficiência
A utilização do processo judicial eletrônico é capaz, ao menos em tese, de otimizar o
tempo e reduzir os custos ordinários do processo em papel8, o que vem ao encontro dos
interesses jurisdicionados, e da sociedade como um todo, que almejam a prestação do
serviço jurisdicional dentro de um tempo razoável e, sobretudo, útil. Afinal, processo é
indispensável para a realização da justiça e da pacificação social.
A evolução tecnológica que se aplica aos processos distribuídos em diversos tribunais de
nosso país, através da efetivação do peticionamento eletrônico ou processo judicial
eletrônico (PJ-e), é uma realidade inexorável, que não comporta retrocesso e que
contribui para a paulatina diminuição do uso do papel, o que gera ganhos ambientais e
alivia os dispendiosos custos de manutenção dos espaços físicos para armazenamento de
autos processuais e documentos depositados em juízo.
Como dado de realidade, o setor de estatísticas do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região apurou que, no primeiro semestre de 2005, houve substancial redução no tempo
médio de tramitação dos processos, consideradas as datas de distribuição e de prolação
de sentença, evento positivo atribuído à implantação do projeto de informatização plena
dos Juizados Especiais Federais.
Segundo o estudo, a duração média de 789,51 dias dos processos autuados em meio
físico foi reduzida para apenas 37,83 dias nos Juizados exclusivamente virtuais, reflexo
também sentido no campo dos custos, na medida em que os autos em papel
representavam despesas da ordem de R$ 20,00 (vinte reais) por unidade, muito superior
ao equivalente no meio eletrônico9.
Assim, se considerados os 52.854.479 (cinquenta e dois milhões oitocentos e cinquenta
e quarto mil e quatrocentos e setenta e nove) processos distribuídos em todo o Brasil
somente na primeira instância das três esferas da Justiça (dados do ano de 2015
referente a última estatística produzida pelo CNJ)10, ter-se-ia economizado mais de um
bilhão de reais apenas com autuação dos processos.
Importante mencionar que a primeira norma jurídica que expressamente permitiu a
prática de atos processuais por meio da transmissão eletrônica de dados foi a Lei
9.800/99, que autorizou o Poder Judiciário a recepcionar peças processuais transmitidas
por meio de fac-simile, desde que os originais fossem entregues em até 5 (cinco) dias da
transmissão operada (art. 1º). Tratou-se de um avanço considerável à época, verdadeiro
rompimento de paradigma em plena era dos processos materializados exclusivamente
em papel.
Evidentemente, a virtualização dos autos processuais é apenas um dos elementos que
podem contribuir para a celeridade do processo. Há vários outros fatores que
necessariamente devem ser conjugados, tais como um sistema de custas e sucumbência
que efetivamente iniba a utilização do Poder Judiciário de maneira oportunistas, isso é,
com finalidade diversa da que fazer valer um direito violado (v.g. caso de um devedor
que, ciente da morosidade processual, embarga uma execução com finalidade exclusiva
de protelar o pagamento da dívida ou com vistas a forçar o credor a realizar um acordo
benevolente).
4.Os títulos de crédito e a cartularidade
Tracejar a linha evolucionista dos títulos de crédito, desde a concepção doutrinária
clássica até a atual era da informação de sociedade em rede globalizada, bem como
conhecer e estabelecer estratégias jurídicas eficientes no mundo digital, são objetivos
revelados como condições mínimas e necessárias de sobrevivência dos juristas do século
XXI. A informatização tem exigido dos profissionais do direito de todas as áreas com
quebras de paradigmas conceituais de fortes bases teóricas.
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
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Às tradicionais práticas mercantis foram acrescentados os chamados e-business o
e-commerce, cada vez maios frequentes na vida cotidiana de milhões de pessoas, o que
acaba por influenciar as relações jurídicas que lhes são adjacentes, sendo de rigor que o
direito, para não restar caduco, acompanhe essa evolução e regule satisfatoriamente
esses novos fenômenos. Entre os novos desafios, encontra-se os títulos de crédito
virtuais, algo impensável para a doutrina clássica que se alicerçava na cartularidade, na
materialidade do título em papel.
Com efeito, o princípio da cartularidade dos títulos de crédito passou a estar em xeque,
notadamente a partir da previsão de virtualização ou desmaterialização dos documentos
em processo judicial implementada pela Lei 11.419/2006 que, em suma, institui
unicamente o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação
de atos e transmissão de peças processuais. Dessemodo, os títulos de créditos
passaram a ser meros bytes11, entidades, por própria natureza, de cunho imaterial.
Segundo preleciona Marlon Tomazette, sem “o crédito, a atividade empresarial não teria
chegado ao nível atual de desenvolvimento. Foi ele que permitiu a expansão e o
desenvolvimento das principais atividades econômicas existentes no mundo moderno”12.
A doutrina clássica, citada por Rubens Requião, traz uma forma concisa e adequada de
conceituar o título de crédito ao defini-lo como “o documento necessário para o exercício
do direito literal e autônomo, nele mencionado”13.
O formalismo e a tipicidade, como atributos necessários para a validade do título de
crédito, foram sedimentados pela jurisprudência,14 que entende que a ausência de
algum requisito legal que prejudique a validade do título não prejudica nem induz o
mesmo efeito no negócio jurídico subjacente.
Assim, pode-se construir um conceito de “cártula eletrônica” como sendo a
representação virtual na forma de um sistema de computação ou de tecnologia da
informação que informatiza a cédula de papel, através da transferência de todos os
dados e requisitos para o ambiente virtual, cujo registro e certificado digital conferem a
segurança, possibilidade de fiscalização e credibilidade do meio eletrônico.
Muito embora a cartularidade seja um dos princípios sedimentados na doutrina dos
títulos de crédito, referido corolário vem sofrendo certa relativização, seja pela
informalidade e rapidez com que os negócios comerciais são realizados, seja pelo
desenvolvimento e aplicação da informática nas práticas mercantis eletrônicas, como a
cada vez mais comum emissão de duplicadas eletrônicas.
Cioso é observar-se a atual prática comercial da emissão de duplicatas eletrônicas, que
se dá pela mesma maneira de emissão da fatura, o vendedor saca eletronicamente a
duplicata correspondente ao negócio; depois, por meio de procedimento eletrônico,
envia os dados do título à instituição financeira, que, por sua vez, expede um boleto
bancário com os dados do título e o remete ao comprador para fins de pagamento no
prazo ajustado.
Se o pagamento não for realizado, os dados do título são enviados eletronicamente a
protesto, por indicação, o que é perfeitamente possível pela legislação aplicada que
define competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e
outros documentos de dívidas15.
Os Tribunais não estão (nem poderiam estar) alheios ao fenômeno da desmaterialização
das cártulas, citando-se como exemplo julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo16 que considerou a desnecessidade do aceite em duplicata
eletrônica, mitigando, outrossim, o princípio da cartularidade com embasamento legal no
art. 15, § 2º, da Lei 5.474/68 e no art. 889, § 2º, do Código Civil (LGL\2002\400).
A otimização de tempo, custos e prazos, encontra amparo na concepção de sociedade da
informação, levando em conta que é organizada em virtude da produção, do tratamento
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
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e da propagação da informação ao alcance de todos, remetendo à lição de Alain
Herscovici para quem “esta transformação modifica todos os processos sociais, dos
processos produtivos até as modalidades de funcionamento das instituições e de
consumo dos bens culturais”17.
Não se pode negar o uso do computador é prática obrigatória em todas as operações
comerciais e industriais, sendo por meio da informática que os dados em suas diferentes
formas (v.g. números, textos, gráficos, imagens, sons etc.) são estruturados,
armazenados, transmitidos, recuperados, enfim, empregados para a finalidade a que se
destinam.
Segundo salienta Elena Falletti18, a internet oferece os meios necessários à construção
de uma ponte entre o mundo jurídico e a vida concreta dos cidadãos, e ainda, ao
difundir o acesso às fontes jurídicas, constitui instrumento a serviço da transparência na
administração judiciária. Aliás, a ideia de se colocar a informática a bem e a serviço da
Justiça parecia utópica até pouco tempo atrás. Nesse ponto, descreve Garcia Marques e
Lourenço Martins que “o computador era considerado como um instrumento de cálculo
incapaz de desempenhar uma qualquer função judiciária”19.
Porém, como sabido, a realidade mudou; a tecnologia computacional se desenvolveu
notavelmente permitindo a transmissão de enorme volume de dados em tempo e custos
reduzidos. No âmbito do processo judicial, esses avanços foram pioneiramente
regulamentados pela Lei 11.419/2006, que, entre outras medidas, previu expressamente
a virtualização dos documentos processuais.
Nesse novo contexto, é de fato necessário superar o mero formalismo que privilegia, ou
mesmo exige como requisito de validade, a cartularidade nos títulos de crédito, de modo
a aprimorar o tão relevante instituto do crédito, essencial ao desenvolvimento econômico
de qualquer sociedade. É o que será aprofundado no próximo item.
5.Da adequação do processo judicial ao contexto da sociedade da informação
Se a sociedade da informação ensinou ao ser humano que o tempo é um valor
intrínseco, tal nova realidade não poderia ser desconhecida pelo processo judicial que,
portanto, necessita incorporar as novas tecnologias com vistas a aprimorar a prestação
da jurisdição.
A primeira e mais óbvia providência foi a virtualização do processo que, além de
economizar gastos com papel, permite que o acesso aos autos seja ultimado de maneira
remota (a partir do escritório do advogado), o que é bastante vantajoso principalmente
em grandes cidades com problemas de tráfego.
Desse modo, num primeiro momento, muitos processos físicos foram digitalizados (ou
“escaneados”) e, mais recentemente, passou-se a utilizar programas computacionais
desenvolvidos especificamente para o funcionamento do processo judicial no formato
eletrônico, tudo com o objetivo de dinamizar o processamento.
Porém, como proceder em face do princípio da cartularidade dos títulos de crédito?
Poderiam tais documentos serem digitalizados para fins de execução? Em caso positivo,
o que fazer com o documento original? Deve-se depositá-lo em juízo? Poderia
remanescer o título nas mãos do credor? Nesse caso, como evitar que ele eventualmente
seja endossado e passe a circular no mercado?
O Código de Processo Civil de 1973 (art. 614, I) estabelecia que incumbia ao credor, ao
propor a execução, instruir a petição inicial com o título que lhe dava base. O mesmo
mandamento é repetido pelo Código de 2015 (art. 798, I, a). Porém, como proceder
quando estiver em cena o processo eletrônico? A exigência da juntada do título original
aos autos é literalmente impossível.
Assim, ainda sob a égide do CPC de 1973, a Lei 11.419/2006 inseriu o § 2º no art. 365
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
Página 6
daquele Código, com o seguinte teor: “Tratando-se de cópia digital de título executivo
extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá
determinar o seu depósito em cartório ou secretaria”, o que foi literalmente repetido pelo
§ 2º do art. 425 do CPC de 2015.
Por outro lado, o Código de 1973, nos termos do seu art. 365, VI (redação dada pela Lei
11.419/2006), o que foi repetido pelo art. 425, VI, do Código de 2015, passou a
determinar que fazem a mesma prova que os originais:
VI – as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou particular, quando
juntadas aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e
seus auxiliares, pela Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas
repartições públicas em geral e por advogados, ressalvada a alegação motivada e
fundamentada de adulteração.
Eis que surge a questão: a partir da Lei 11.419/2006, é necessário depositar em cartório
o título executado, inclusive para evitar que seja endossado e circule no mercado ou,
noutro giro, basta a apresentação da respectiva cópia digitalizada? Ainda não há um
entendimento jurisprudencialconsolidado a respeito, ao menos no Tribunal de Justiça de
São Paulo.
Uma primeira corrente entende que, em se tratando de execução fundada em título
executivo extrajudicial passível de circulação, é de rigor a respectiva “juntada” no
processo eletrônico do título original20.
Dessa forma, a “juntada” do título deve observar o que dispõe, no âmbito do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, o Provimento 21/2014 da Corregedoria Geral de Justiça
do Estado de São Paulo, que assegura que os documentos cuja digitalização no formato
“PDF” seja tecnicamente inviável devido ao grande volume, ilegibilidade, ou em razão do
meio em que é originalmente produzido, ou ainda, que devam ser entregues no original,
devem ser apresentados ao ofício de justiça no prazo de 10 (dez) dias, identificando o
documento com o número do processo, nome das partes e a designação da Vara,
arquivando-os em pastas individuais identificadas por processo, tudo certificado pelo
ofício correspondente, ao qual, finda a lide, serão devolvidos às partes, após o trânsito
em julgado.
É o que decidiu a 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em
29.06.2015, nos autos do agravo de instrumento 2069127-69.2015.8.26.0000, cuja
ementa é a seguinte:
Execução. Cédula de crédito bancário. Exibição de cópia digitalizada. Inadmissibilidade –
Título que possui natureza cambiariforme e pode ser transferido mediante endosso em
preto. Necessidade de exibição da cédula original – Inteligência do art. 28 da Lei
10.931/2004 – Recurso desprovido.
Não se pode ignorar que se vive no contexto da sociedade da informação. Portanto, é
preciso reconhecer que, a partir da Lei 11.419/2006, os títulos de crédito digitalizados
passaram a servir como documentos probantes dotados de eficiência em transportar,
para o ambiente virtual, as informações e requisitos necessários formadores do negócio
jurídico realizados através do direito no campo das obrigações cambiais, conferindo à
parte ex adversa, a quem o título é exibido, o dever de impugnar a exatidão do seu
conteúdo e existência no campo da veracidade.
Os tempos atuais requerem, pois, segundo apregoa Maria Helena Diniz, “uma nova
feição do princípio da cartularidade, que, apesar disso, é preservado com a segurança
eletrônica, mediante bytes e registros eletromagnéticos, suas bases físicas”21.
Por isso defende-se que, salvo casos excepcionais, cujos contornos chegam a ser difíceis
de imaginar, não deve o juiz determinar a entrega do título executado em juízo, sob
pena da decisão destoar das necessidades da sociedade da informação no que tange à
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
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busca da celeridade e eficiência processual colimada pelo processo digital.
Nesse passo, temos que a jurisprudência deveria privilegiar a previsão do inciso VI do
art. 425 do CPC (LGL\2015\1656), de modo a permitir que a execução siga mediante
mera cópia digitalizada do título original. Nesse sentido, merece menção a segunda
corrente jurisprudencial, com destaque para o julgamento proferido em 03.06.2014, pela
16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no agravo de
instrumento 2061359-29.2014.82.6.0000, destacando-se o seguinte trecho do voto do
relator, desembargador Miguel Petroni Neto:
Em que pese a fundamentação quanto a cartularidade do título de crédito em questão,
em que o Juízo de primeiro grau se preocupou com a possibilidade de sua circulação por
meio de endosso, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal tem entendido que o contrato
bancário não está sujeito à circulação, motivo pelo qual se dispensa a juntada de via
original. Nesse sentido: “Demanda executiva. Inicial instruída com cópia autenticada do
título executivo extrajudicial. Contrato de empréstimo. Decisão que determina a
apresentação do original, sob pena de indeferimento da inicial. Ausência de prejuízo na
apresentação de cópia do instrumento particular, visto que o título não possui
cartularidade. Recurso provido (Agravo de Instrumento 7.328.211-4 Rel.
Desembargador Campos Melo)”.
Eis, portanto, que a hermenêutica aplicada pelo Tribunal e Justiça de São Paulo nesse
caso mitigou o princípio da cartularidade, em oposição ao entendimento clássico do
direito cambiário clássico22, pois permitiu que o título de crédito, cuja cártula não esteja
sujeita à circulação, seja digitalizada e apensada apenas virtualmente ao processo
eletrônico.
É importante verificar que, no caso retratado, dada a peculiaridade do contrato
subjacente, o título não poderia ser endossado, não havendo riscos, pois, de sua
circulação no mercado. Portanto, perfeitamente cabível a aplicação do inciso VI do art.
425 do CPC (LGL\2015\1656).
Nas demais hipóteses, ou seja, quando se tratar de títulos endossáveis, há decisões que
entendem ser necessária a retirada da possibilidade da respectiva circulação, o que deve
se dar pela entrega da cártula em juízo. Aqui, o destaque vai para a posição adotada
pela 22ª Câmara Civil em 26.03.2015, no agravo de instrumento
2023168-75.2015.8.26.0000. Conforme asseverado pelo relator, desembargador
Campos Mello:
O que está sendo executado é uma cédula de crédito bancário (cf. fls. 24 do
instrumento). Trata-se de título que tem natureza cambial, por expressa disposição de
lei. O art. 28, § 1º, da Lei 10.931/2004 prevê expressamente que ela pode ser
transferida por endosso. Já o § 3º do mesmo dispositivo legal prevê também
expressamente que a via do credor é negociável. Então, o que o recorrente pretende
executar é título cambial. Em consequência, diferentemente de outros, em que admitida
a juntada de mera cópia, a executoriedade estará necessariamente atrelada aos rigores
da legislação cambial. Nessa hipótese, é mesmo de rigor a apresentação do título
original, visto que é nele que está materializado o direito do credor da obrigação. É o
velho princípio da cartularidade, o qual todavia subsiste em nosso Direito. A
cartularidade é da essência do título de crédito. Ele deve necessariamente estar
representado por um documento, o qual deverá conter os requisitos da respectiva
validade. Tem existência material.
Em suma, essa segunda corrente entende que o processo digital prescinde do título
original retido em cartório quando não houver possibilidade de circulação, porém exige a
retenção do título em cartório quando for possível o endosso. Mas, será que não haveria
outra opção menos burocrática e talvez mais condizente e harmônica com a eficiência
buscada pelo processo virtualizado?
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
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O título de crédito endossável acabou por ser o grande foco de conflito entre a
necessidade de maior celeridade, teoricamente proporcionada pelo processo digital, e
necessidade de retirada de circulação da cártula endossável.
Em pesquisa para colher mais informações a respeito do problema apresentado,
chegou-se à uma engenhosa solução, aqui trazida a título de amostragem, da 3ª Vara
Cível do Fórum Regional de Pinheiros-SP. Naquele Juízo, quando a execução versar
sobre título de crédito, o juízo requisita ao possuidor do título que leve a cártula ao
cartório para que seja certificado no original que o título é objeto de processo de
execução, restringindo assim sua circulabilidade. É o que foi decidido, por exemplo, nos
autos da execução 1004166-06.2015.8.26.0011:
Vistos.
Cuidando-se de execução de título extrajudicial, deverá o demandante, por injunção do
princípio da cartularidade, apresentar à Serventia deste Juízo, em dez dias, sob pena de
extinção do processo, o título de crédito original (via negociável) para vinculação ao
presente processo (a Serventia, verificando que o título confere com a versão
digitalizada, lançará certidão no original de que a cártula é objeto deste processo de
execução, restituindo-a, em seguida, ao patrono do demandante; na sequência,
certificará, nestes autos, a apresentação do original)23.
Essa solução atende à praticidade e não causa prejuízode quaisquer ordens. A
segurança jurídica e a boa-fé de terceiros restam preservadas, eis que o título não
poderá circular no mercado, ainda que mantido na posse do credor. Trata-se, com efeito,
de uma medida que desburocratiza do processo e reverencia a economia processual,
sem falar que dispensa o Poder Judiciário de manter a guarda de diversos títulos de
crédito submetidos à execução, transferindo essa obrigação ao credor, ou seja, para a
pessoa que naturalmente já possui todo interesse em manter a integridade do título
executivo.
Não se encontrou no Superior Tribunal de Justiça precedentes que retratem exatamente
as situações acima. O que a 4ª Turma daquela Corte já decidiu, mas provavelmente
tendo em cena o processo em papel e não o eletrônico, foi que:
A execução pode excepcionalmente ser instruída por cópia reprográfica do título
extrajudicial em que fundamentada, prescindindo da apresentação do documento
original, principalmente quando não há dúvida quanto à existência do título e do débito e
quando comprovado que não circulou. Precedentes. Corte local que entendeu pela
desnecessidade da apresentação do título original nesta execução por real
impossibilidade material, porquanto tal documento instruía outra execução,
concomitantemente em curso perante a respectiva unidade judicial (RESP 1.086.969, DJ
25.04.2014, rel. Min. Marco Buzzi).
No mesmo sentido, proveniente da 3ª Turma, ressalta-se o seguinte julgado:
Processo civil. Execução extrajudicial. Títulos que se apresentam por cópia.
Admissibilidade. I – A execução pode excepcionalmente ser instruída por cópia
reprográfica do título extrajudicial em que fundamentada, prescindindo da apresentação
do documento original. II – Tal conclusão ainda mais se apresenta quando não há dúvida
quanto à existência do título e do débito e quando comprovado que não circulou.
Recurso Especial não conhecido (REsp 820.121, DJ 05.10.2010, rel. Min. Humberto
Gomes de Barros).
Ainda com atenção ao julgado acima (REsp 820.121), do voto vista do Min. Sidnei
Benetti, destaca-se os seguintes argumentos, aliás, muito harmônicos com o princípio da
economia processual, in verbis:
É, em regra, obrigatória a juntada do título original, forte na célebre lição clássica de
Vivante, definindo como título de crédito o “documento necessário ao exercício do direito
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
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literal e autônomo que nele se contém”. A questão do caso, entretanto, coloca-se no
interpretar o que seja necessário, sabendo-se, que “necessário é o que é e não pode ser
de outra forma”. Para os tempos de Vivante o título era necessário porque não havia
como reproduzir-se igual e porque sua posse pelo credor, originário ou circulado, era a
única prova documental possível da existência da obrigação. Atualmente, contudo, a
reprodução tem o mesmo valor do título e a prova documental pode ser para ser exibida
a terceiro não protegido pelo princípio da abstração da causa típica do Direito Cambiário.
Documento: 10907584 – Voto Vista – Site certificado Página 1 de 2 Superior Tribunal de
Justiça 3. O mais são os argumentos que se colhem nos cuidadosos votos proferidos
pelos E. Ministros Ari Pargendler e João Otávio de Noronha. Não há, no caso, dúvida de
existência do título e do débito, como assinalado pelo primeiro, e não por outro lado, a
menor possibilidade de ter havido circulação da nota promissória, como deixado claro
pelo segundo, por documentos robustos que satisfazem a descaracterização da
necessidade do original.
Tanto nos precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, quanto nos do Superior
Tribunal de Justiça, no que tange à instrução da execução mediante cópia do título (seja
reprográfica ou digitalizada), nota-se a forte preocupação dos julgadores com a
autenticidade da cártula, bem como com a possibilidade da respectiva circulação
mediante endosso. Portanto, uma vez assegurados esses quesitos (autenticidade/não
circulação), nenhuma censura merece o modus operandi adotado pela 3ª Vara do Foro
Regional de Pinheiros.
6.Considerações finais
A sociedade da informação, período histórico vivido pela humanidade, se caracteriza por
uma crescente circulação de ideias, informações e conhecimento, a velocidade cada vez
mais rápidas e custos decrescentes. Trata-se da em rede onde o desempenho das
diversas atividades diárias, desde as mais comezinhas às complexas, depende, cada vez
mais, dos meios eletrônicos e computacionais.
Esse novo contexto desafia as velhas estruturas do direito que, inegavelmente, devem
adaptar-se às novas realidades que se descortinam no horizonte social com grande
rapidez, sob pena de tais estruturas restarem caducas e inaptas à promoverem a
harmonia e a paz social, funções primordiais das normas jurídicas.
Uma das áreas afetadas pela nova conjuntura foi o processo e respectiva legislação. O
desenvolvimento tecnológico das últimas décadas permitiu, em termos de procedimento,
o abandono do papel com a implantação a passos largos do processamento eletrônico.
As vantagens dessa mudança de ambiente (do material para o virtual) se localizam na
economia de recursos (papel e espaço físico) e na contribuição à celeridade processual,
visto que tarefas burocráticas, como a juntada de petições, ofícios etc., não existem nos
autos eletrônicos.
A morosidade processual tem sido objeto de crítica e preocupação por parte dos juristas
há décadas. Tanto é que o poder constituinte derivado fez inserir, por meio da Emenda
Constitucional 45/2004, o inciso XXLVIII no art. 5º da Constituição de 1988, positivando
o direito fundamental à duração razoável do processo.
Nessa banda, o processo eletrônico é um dos caminhos (não o único, obviamente) a
serem perseguidos pelos diversos Tribunais do país, cuja primeira base legal efetiva e
abrangente foi a Lei 11.419/2006, incorporada em muitos aspectos pelo Código de
Processo Civil de 2015, o que vem tornando o processo eletrônico realidade consolidada
no Brasil, não obstante a grande maioria dos autos ainda utilizarem o papel.
Um dos princípios elementares dos títulos de crédito é a cartularidade, ou seja, a
materialidade em papel, o que gera um certo conflito em tempos do processo virtual,
ainda mais porque o CPC (LGL\2015\1656) (art. 798, I, a) determina que nas execuções
deva o título acompanhar a petição inicial. Mas como fazer isso num processo imaterial
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
Página 10
(eletrônico)? O próprio CPC (LGL\2015\1656) encaminha soluções possíveis.
Enquanto o § 2º do art. 425 determina que “Tratando-se de cópia digital de título
executivo extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz
poderá determinar o seu depósito em cartório ou secretaria”, o inciso VI do mesmo
dispositivo estipula que as reproduções digitalizadas de quaisquer documentos (não
excluindo expressamente os títulos de crédito), quando juntadas aos autos pelos órgãos
da justiça e seus auxiliares ou por quem detenha capacidade postulatória (v.g.
advogados, membros do Ministério Público), fazem a mesma prova do que os originais.
Diante disso, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem engendrado duas soluções
possíveis: a primeira, convalida a necessidade de depósito do título original junto ao
cartório, de modo a evitar a possibilidade de sua circulação por eventual endosso; a
segunda, mais harmônica com os ditames da sociedade da informação, dispensa a
apresentação do título original, sendo suficiente a cópia digitalizada, mas apenas nas
hipóteses em que o título, por sua natureza, não comporte endosso.
Porém, uma terceira via é passível de ser implantada e, com efeito, já foi empregada
pela 3ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros, São Paulo. Trata-se da apresentação
do título em cartório para que em seu bojo seja certificada informação de que a cártula é
objeto de processo de execução, restringindo, dessa forma, sua circulabilidade. Esse tipo
de providência também garante a autenticidadedo título, não causa prejuízos às partes
ou a terceiros e, ainda, livra o Poder Judiciário da responsabilidade de manter a guarda
dos títulos em execução: reduz-se a burocracia, reduz-se a necessidade de espaço físico.
É preciso ter em mente que um dos princípios basilares do processo judicial eletrônico,
desde a edição da Lei 11.419/2006, é a abolição de todo e qualquer documento em
papel. Dessa forma, a certificação no título original de que o respectivo crédito está sob
execução judicial é a solução que melhor se amolda aos tempos atuais de sociedade da
informação.
Mesmo que essa criativa solução não encontre previsão expressa na lei, como acaba por
neutralizar a possibilidade de circulação por endosso, preservando o direito e a boa-fé de
terceiros, nada impede que seja adotada como ferramenta que privilegia a celeridade e a
economia processual.
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1 BARRETO JUNIOR, Irineu Francisco. Atualidade do conceito sociedade da informação
para a pesquisa jurídica. In: PAESANI, Liliana Minardi (Org.). O Direito na sociedade da
informação. São Paulo: Atlas, 2007. p. 62.
2 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e
cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2000. v. 1. p. 21.
3 ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito da internet e da sociedade da informação. Rio de
Janeiro: Forense, 2002. p. 6.
4 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio.Breves comentários à reforma do poder judiciário
(com ênfase à justiça do trabalho): Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo:LTr,
2005. p. 24.
5 BARROSO, Luis Roberto.Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito.
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, 2005. p. 12.
6 HC 85.237, rel. Min. Celso de Mello, j. 17.03.2005, DJ 29.04.2005.
7 HC 86.915, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21.02.2006, DJ 16.06.2006; RE 569.476, rel.
Min. Ellen Gracie, j. 02.04.2008, DJ 25.04.2008; RE 433.512.
8 A automação processual reduziu o tempo com preenchimento dos dados das partes no
sistema, incumbência agora do advogado, remessa dos autos aos gabinetes e Tribunais,
atividades burocráticas como anotações de número de folhas e juntada de documentos,
o que possibilita ocupar o material humano em atividades mais qualificadas em termos
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
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jurídicos para o desenrolar do processo.
9 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. Processo eletrônico na justiça federal. 8º Encontro
Íbero Latino Americano de Governo Eletrônico, Florianópolis, 2009. p. 40. Disponível em:
[http://observatoriodoegov.blogspot.com.br/2009/06/8-encontro-ibero-latino-americano-de.html].
Acesso em: 24.07.2017.
10 Disponível em:
[http://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l/PainelCNJ.qvw&host=QVS@neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT].
Acesso em: 17.07.2017.
11 Um byte (Binary Term), baite ou octeto, é um dos tipos de dados integrais em
computação. É uma unidade usada para especificar o tamanho ou quantidade da
memória ou da capacidade de armazenamento de um certo dispositivo,
independentemente do tipo de dados. Disponível em:
[https://www.significados.com.br/bit-e-byte/]. Acesso em: 17.07.2017.
12 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: títulos de crédito. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 2012. v. 2. p. 1.
13 VIVANTE, Cesare.Instituições de direito comercial. 2. ed. Sorocaba: Minelli, 2007. p.
166.
14 Súmula 387 do STF: A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode
ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto.
15 Art. 8º da Lei 9.492/1997: Os títulos e documentos de dívida serão recepcionados,
distribuídos e entregues na mesma data aos Tabelionatos de Protesto, obedecidos os
critérios de quantidade e qualidade. Parágrafo único. Poderão ser recepcionadas as
indicações a protestos das Duplicatas Mercantis e de Prestação de Serviços, por meio
magnético ou de gravação eletrônica de dados, sendo de inteira responsabilidade do
apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a mera
instrumentalização das mesmas.
16 Apelação 9057851-29.2009.8.26.0000, da Comarca de São José dos Campos,
proferida pela 19ª Câmara de Direito Privado do TJSP, julgada em 30.07.2012.
Disponível em:
[https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RI000BW6E0000].
Acesso em: 24.07.2017.
17 HERSCOVICI, Alain. A sociedade em rede e a universalização do mercado: elementos
de análise. Revista Electrônica Internacional de Economia de las Tecnologias de la
Informacion y de lo Commercio, n. 2, jul.-ago. 2000. p. 5-6. Disponível em:
[https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/ view/320/295]. Acesso em: 07.07.2017.
18 FALLETTI, Elena. E-Justice: Esperienze di diritto comparato. Milano: Giuffrè, 2008. p.
16.
19 MARQUES, Garcia; MARTINS, Lourenço. Direito da informática. 2. ed. Coimbra:
Almedina, 2006. p. 75.
20 Agravo de Instrumento 2069127-69.2015.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em
julgamento pela 20ª Câmara de Direito Privado do TJSP, j. em 29.06.2015.
21 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado.13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 598.
22 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva. v. I. p.
385.
Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito
no processo civil eletrônico
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23 Processo digital 1004166-06.2015.8.26.0011, 3ª Vara Cível do ForoRegional de
Pinheiros, São Paulo-SP, decisão proferida pelo Juiz José Fabiano Camboim de Lima em
05.05.2015. p. 101. Disponível em:
[https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=0B0013ERS0000&processo.foro=11&uuidCaptcha=sajcaptcha_2be2875517ba4166ad3455a6290dce79].
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