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CARTULARIDADE VERSUS VIRTUALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO NO PROCESSO CIVIL ELETRÔNICO Cartularity versus virtualizated negotiable instruments in electronic judicial procedure Revista de Processo | vol. 278/2018 | p. 193 - 211 | Abr / 2018 DTR\2018\10638 Clift Russo Esperandio Mestrando em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Especialista em Direito Contratual pela PUC. Mediador Judicial formado pela Escola Superior da Advocacia. Professor da Faculdade Anhanguera de Osasco – SP. Advogado. esperandio@aasp.org.br Leonardo Felipe de Melo Ribeiro Gomes Jorgetto Mestrando em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Especialista em Direito Constitucional e Político pela FMU. Professor de Direito Público na FMU. Advogado. leonardo.jorgetto@fmu.br Marcelo Guerra Martins Doutor em Direito do Estado pela USP. Mestre em Direito Civil pela USP. Professor do Curso de Mestrado em Direito da Sociedade da Informação no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Juiz Federal em São Paulo. marcelo.guerra@fmu.br Área do Direito: Processual Resumo: O presente artigo aborda a eficiência do processo judicial eletrônico no contexto da sociedade da informação, notadamente quanto à exigência de o credor apresentar o original do título de crédito executado judicialmente, depositando-o em cartório versus a viabilidade de o título ser apresentado por meio de cópia digitalizada junto com a inicial da execução. Essa segunda hipótese faz nascer a questão de como impedir a circulação do título por meio de endosso. O tema se mostra relevante, justamente porque vive-se uma fase de transição entre o processo judicial físico, em papel, e o eletrônico, sendo certo que ainda não se consolidou entendimento judicial uniforme a respeito. O método de discussão consiste na análise bibliográfica e jurisprudencial, com enfoque qualitativo e resultado indutivo. Palavras-chave: Cartularidade – Cambial – Processo judicial eletrônico – Sociedade da informação – Direito digital Abstract: This paper discusses the efficiency of the electronic judicial procedure in the context of the information society, especially as regards the requirement for the creditor to present in the court the original of the negotiable instrument, depositing it in a notary office versus the viability of the instrument being presented through scanned copy along with the declaration. This second hypothesis raises the question of how to prevent the circulation of the instrument through an endorsement. The issue is relevant, precisely because there is a phase of transition between the physical judicial procedure, on paper, and the electronic way, being certain that a uniform judicial understanding has not yet been consolidated. The method of discussion consists of bibliographical and jurisprudential analysis, with qualitative focus and inductive result. Keywords: Cartularity – Foreign exchange – Electronic judicial procedure – Information society – Digital law Sumário: 1.Introdução - 2.Da prestação jurisdicional com eficiência e celeridade - 3.Do processo eletrônico enquanto locus alternativo de eficiência - 4.Os títulos de crédito e a cartularidade - 5.Da adequação do processo judicial ao contexto da sociedade da informação - 6.Considerações finais - 7.Referências bibliográficas Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 1 1.Introdução A sociedade contemporânea e suas constantes evoluções despertam a necessidade de os operadores do direito promoverem mudanças e ajustes em suas concepções tradicionais, de maneira a melhor compreender e operar num mundo globalizado e tecnologicamente avançado. Viver em sociedade é algo, pela própria natureza, deveras complexo, o que gera efeitos no mundo jurídico. O estudo das diversas relações existentes, fenômenos sociais, manifestações culturais e comportamentais impulsionam os avanços legislativos na criação de novos institutos jurídicos, todos amoldados ao fenômeno da sociedade da informação que, segundo Irineu Barreto Júnior, tratar-se de: Um novo paradigma tecnológico, social, cultural e comportamental estabelecido como marco analítico para qualificar o modelo de sociedade, resultado das transformações verificadas nas décadas recentes, provocadas pela formatação de um cenário mundial interligado pelo aparato tecnológico e influenciado por essa transformação nas suas mais diferentes nuances1. Com efeito, Manuel Castells relata que a “sociedade contemporânea atravessa uma verdadeira revolução digital em que são dissolvidas as fronteiras entre telecomunicações, meios de comunicação de massa e informática”2. O fato é que houve, segundo José de Oliveira Ascenção, o “surgimento das autoestradas do conhecimento, vias de fluxo rápido nas quais as informações e o conhecimento circulam em velocidades antes inimagináveis”3. Sob esse olhar, é inegável que as mudanças tecnológicas acarretam efeitos os mais diversos em todas as áreas do convívio humano, inclusive com alterações dos alicerces fundantes da sociedade, o que, evidentemente, deve ser compreendido e devidamente incorporado pelo Direito, sob pena deixar de suas normas e institutos restarem caducos e inservíveis à pacificação dos conflitos e necessidades econômicas e sociais da atualidade. Dessa forma, no que tange ao tema ora proposto, a análise centra-se no regime jurídico dos títulos de créditos virtualizados, cada vez mais utilizados na prática negocial mundial, tema ligado aos princípios basilares do Direito Civil, na abordagem “Dos Títulos de Crédito”, como a cartularidade e a circulabilidade em tempos de processo judicial eletrônico e desmaterialização dos documentos nessa era da sociedade da informação. O processo judicial eletrônico foi pensado como um remédio (ainda que não único) apto a enfrentar o problema da notória morosidade do processo tradicional de papel, em face da supressão de atos de natureza meramente burocrática como as “famosas” certidões de juntada de petições, ofícios e afins, o que se coaduna com o princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII). A tecnologia atual, com a consolidação das “superinfovias”, permitiu a implantação de um instrumento desse quilate, impensável até pouco tempo atrás. Todavia, nem sempre o direito e a tecnologia são harmônicos. Nesse sentido, um primeiro e relevante problema é a exigência legal de o credor apresentar o original (em papel) do título de crédito executado judicialmente, enquanto que a própria natureza do processo eletrônico repele a juntada de documentos físicos. Como proceder, então? E, ainda, como neutralizar à possibilidade de circulação por endosso de um título submetido à execução e juntado por cópia digitalizada? Essas e outras questões serão aqui abordadas. O método de discussão consiste na análise bibliográfica e jurisprudencial, com enfoque qualitativo e resultado indutivo, ficando desde logo consignado não ser intenção dos autores deitarem aqui verdades finais ou absolutas, sendo que críticas e sugestões Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 2 sempre são esperadas e, verdadeiramente, bem-vindas. 2.Da prestação jurisdicional com eficiência e celeridade A ineficácia ou morosidade do Poder Judiciário em dar solução definitiva aos processos em geral é algo recorrente entre os jurisdicionados. Há tempos, urge a necessidade de otimização dos serviços judiciais, da prestação jurisdicional com eficiência, com a utilização das tecnologias da computação e da informática, prumando para uma prestação jurisdicional efetiva, com eficácia e em tempo razoável. A celeridade processual como norma de direito fundamental já foi prevista no nosso ordenamento jurídico por força da ratificação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o chamado Pacto de San Jose da Costa Rica, que, em seu art. 8º, prevê “prazo razoável”para que uma pessoa seja ouvida por um tribunal, demonstrando desde então, que a celeridade processual já é considerada uma norma de direito fundamental, ainda que se discutisse a natureza jurídica do referido pacto, se de norma constitucional ou supralegal. Com efeito, prevê o aludido art. 8º: Artigo 8º – Garantias judiciais: 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Dirimindo qualquer dúvida quanto à importância da celeridade como efetivo direito fundamental, o poder constituinte reformador inseriu o inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição de 1988, por intermédio da Emenda Constitucional 45/2004, com a intenção de modificar o quadro existente, porém, não sem antes ser criticado pela pouca efetividade que tal preceito poderia trazer, posto que seria meramente uma solene declaração de princípios sem, todavia, consequências práticas, uma mera probabilidade retórica segundo Manuel Antônio Teixeira Filho4. Em que pesem as críticas relacionadas à efetivação na prática da celeridade processual, o fato é que a Emenda Constitucional 45/2004 encontrou solo fértil na atual tendência de constitucionalização do direito, significando “um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico”5. A preocupação com a celeridade do processo vem encontrando ecos no Poder Judiciário, com o seguinte destaque oriundo do Supremo Tribunal Federal: O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF (LGL\1988\3), art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei.6 Assim como a ementa trazida alhures, vários julgados do Supremo Tribunal Federal têm utilizado, de forma direta ou indireta, o novo dispositivo constitucional que coloca a celeridade processual como foco da efetivação dos direitos constitucionais7, concluindo-se que o princípio constitucional da duração razoável do processo veio para ficar, não se revelando, como no início chegou-se a pensar, como uma mera e solene declaração de direito de conteúdo prático esvaziado ou pouco eficaz. Evidentemente, há ainda muito por fazer, mas a existência de um consenso doutrinário e jurisprudencial sobre a relevância do princípio em tela é de suma importância à sua Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 3 plena concretização no futuro. 3.Do processo eletrônico enquanto locus alternativo de eficiência A utilização do processo judicial eletrônico é capaz, ao menos em tese, de otimizar o tempo e reduzir os custos ordinários do processo em papel8, o que vem ao encontro dos interesses jurisdicionados, e da sociedade como um todo, que almejam a prestação do serviço jurisdicional dentro de um tempo razoável e, sobretudo, útil. Afinal, processo é indispensável para a realização da justiça e da pacificação social. A evolução tecnológica que se aplica aos processos distribuídos em diversos tribunais de nosso país, através da efetivação do peticionamento eletrônico ou processo judicial eletrônico (PJ-e), é uma realidade inexorável, que não comporta retrocesso e que contribui para a paulatina diminuição do uso do papel, o que gera ganhos ambientais e alivia os dispendiosos custos de manutenção dos espaços físicos para armazenamento de autos processuais e documentos depositados em juízo. Como dado de realidade, o setor de estatísticas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região apurou que, no primeiro semestre de 2005, houve substancial redução no tempo médio de tramitação dos processos, consideradas as datas de distribuição e de prolação de sentença, evento positivo atribuído à implantação do projeto de informatização plena dos Juizados Especiais Federais. Segundo o estudo, a duração média de 789,51 dias dos processos autuados em meio físico foi reduzida para apenas 37,83 dias nos Juizados exclusivamente virtuais, reflexo também sentido no campo dos custos, na medida em que os autos em papel representavam despesas da ordem de R$ 20,00 (vinte reais) por unidade, muito superior ao equivalente no meio eletrônico9. Assim, se considerados os 52.854.479 (cinquenta e dois milhões oitocentos e cinquenta e quarto mil e quatrocentos e setenta e nove) processos distribuídos em todo o Brasil somente na primeira instância das três esferas da Justiça (dados do ano de 2015 referente a última estatística produzida pelo CNJ)10, ter-se-ia economizado mais de um bilhão de reais apenas com autuação dos processos. Importante mencionar que a primeira norma jurídica que expressamente permitiu a prática de atos processuais por meio da transmissão eletrônica de dados foi a Lei 9.800/99, que autorizou o Poder Judiciário a recepcionar peças processuais transmitidas por meio de fac-simile, desde que os originais fossem entregues em até 5 (cinco) dias da transmissão operada (art. 1º). Tratou-se de um avanço considerável à época, verdadeiro rompimento de paradigma em plena era dos processos materializados exclusivamente em papel. Evidentemente, a virtualização dos autos processuais é apenas um dos elementos que podem contribuir para a celeridade do processo. Há vários outros fatores que necessariamente devem ser conjugados, tais como um sistema de custas e sucumbência que efetivamente iniba a utilização do Poder Judiciário de maneira oportunistas, isso é, com finalidade diversa da que fazer valer um direito violado (v.g. caso de um devedor que, ciente da morosidade processual, embarga uma execução com finalidade exclusiva de protelar o pagamento da dívida ou com vistas a forçar o credor a realizar um acordo benevolente). 4.Os títulos de crédito e a cartularidade Tracejar a linha evolucionista dos títulos de crédito, desde a concepção doutrinária clássica até a atual era da informação de sociedade em rede globalizada, bem como conhecer e estabelecer estratégias jurídicas eficientes no mundo digital, são objetivos revelados como condições mínimas e necessárias de sobrevivência dos juristas do século XXI. A informatização tem exigido dos profissionais do direito de todas as áreas com quebras de paradigmas conceituais de fortes bases teóricas. Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 4 Às tradicionais práticas mercantis foram acrescentados os chamados e-business o e-commerce, cada vez maios frequentes na vida cotidiana de milhões de pessoas, o que acaba por influenciar as relações jurídicas que lhes são adjacentes, sendo de rigor que o direito, para não restar caduco, acompanhe essa evolução e regule satisfatoriamente esses novos fenômenos. Entre os novos desafios, encontra-se os títulos de crédito virtuais, algo impensável para a doutrina clássica que se alicerçava na cartularidade, na materialidade do título em papel. Com efeito, o princípio da cartularidade dos títulos de crédito passou a estar em xeque, notadamente a partir da previsão de virtualização ou desmaterialização dos documentos em processo judicial implementada pela Lei 11.419/2006 que, em suma, institui unicamente o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais. Dessemodo, os títulos de créditos passaram a ser meros bytes11, entidades, por própria natureza, de cunho imaterial. Segundo preleciona Marlon Tomazette, sem “o crédito, a atividade empresarial não teria chegado ao nível atual de desenvolvimento. Foi ele que permitiu a expansão e o desenvolvimento das principais atividades econômicas existentes no mundo moderno”12. A doutrina clássica, citada por Rubens Requião, traz uma forma concisa e adequada de conceituar o título de crédito ao defini-lo como “o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo, nele mencionado”13. O formalismo e a tipicidade, como atributos necessários para a validade do título de crédito, foram sedimentados pela jurisprudência,14 que entende que a ausência de algum requisito legal que prejudique a validade do título não prejudica nem induz o mesmo efeito no negócio jurídico subjacente. Assim, pode-se construir um conceito de “cártula eletrônica” como sendo a representação virtual na forma de um sistema de computação ou de tecnologia da informação que informatiza a cédula de papel, através da transferência de todos os dados e requisitos para o ambiente virtual, cujo registro e certificado digital conferem a segurança, possibilidade de fiscalização e credibilidade do meio eletrônico. Muito embora a cartularidade seja um dos princípios sedimentados na doutrina dos títulos de crédito, referido corolário vem sofrendo certa relativização, seja pela informalidade e rapidez com que os negócios comerciais são realizados, seja pelo desenvolvimento e aplicação da informática nas práticas mercantis eletrônicas, como a cada vez mais comum emissão de duplicadas eletrônicas. Cioso é observar-se a atual prática comercial da emissão de duplicatas eletrônicas, que se dá pela mesma maneira de emissão da fatura, o vendedor saca eletronicamente a duplicata correspondente ao negócio; depois, por meio de procedimento eletrônico, envia os dados do título à instituição financeira, que, por sua vez, expede um boleto bancário com os dados do título e o remete ao comprador para fins de pagamento no prazo ajustado. Se o pagamento não for realizado, os dados do título são enviados eletronicamente a protesto, por indicação, o que é perfeitamente possível pela legislação aplicada que define competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívidas15. Os Tribunais não estão (nem poderiam estar) alheios ao fenômeno da desmaterialização das cártulas, citando-se como exemplo julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo16 que considerou a desnecessidade do aceite em duplicata eletrônica, mitigando, outrossim, o princípio da cartularidade com embasamento legal no art. 15, § 2º, da Lei 5.474/68 e no art. 889, § 2º, do Código Civil (LGL\2002\400). A otimização de tempo, custos e prazos, encontra amparo na concepção de sociedade da informação, levando em conta que é organizada em virtude da produção, do tratamento Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 5 e da propagação da informação ao alcance de todos, remetendo à lição de Alain Herscovici para quem “esta transformação modifica todos os processos sociais, dos processos produtivos até as modalidades de funcionamento das instituições e de consumo dos bens culturais”17. Não se pode negar o uso do computador é prática obrigatória em todas as operações comerciais e industriais, sendo por meio da informática que os dados em suas diferentes formas (v.g. números, textos, gráficos, imagens, sons etc.) são estruturados, armazenados, transmitidos, recuperados, enfim, empregados para a finalidade a que se destinam. Segundo salienta Elena Falletti18, a internet oferece os meios necessários à construção de uma ponte entre o mundo jurídico e a vida concreta dos cidadãos, e ainda, ao difundir o acesso às fontes jurídicas, constitui instrumento a serviço da transparência na administração judiciária. Aliás, a ideia de se colocar a informática a bem e a serviço da Justiça parecia utópica até pouco tempo atrás. Nesse ponto, descreve Garcia Marques e Lourenço Martins que “o computador era considerado como um instrumento de cálculo incapaz de desempenhar uma qualquer função judiciária”19. Porém, como sabido, a realidade mudou; a tecnologia computacional se desenvolveu notavelmente permitindo a transmissão de enorme volume de dados em tempo e custos reduzidos. No âmbito do processo judicial, esses avanços foram pioneiramente regulamentados pela Lei 11.419/2006, que, entre outras medidas, previu expressamente a virtualização dos documentos processuais. Nesse novo contexto, é de fato necessário superar o mero formalismo que privilegia, ou mesmo exige como requisito de validade, a cartularidade nos títulos de crédito, de modo a aprimorar o tão relevante instituto do crédito, essencial ao desenvolvimento econômico de qualquer sociedade. É o que será aprofundado no próximo item. 5.Da adequação do processo judicial ao contexto da sociedade da informação Se a sociedade da informação ensinou ao ser humano que o tempo é um valor intrínseco, tal nova realidade não poderia ser desconhecida pelo processo judicial que, portanto, necessita incorporar as novas tecnologias com vistas a aprimorar a prestação da jurisdição. A primeira e mais óbvia providência foi a virtualização do processo que, além de economizar gastos com papel, permite que o acesso aos autos seja ultimado de maneira remota (a partir do escritório do advogado), o que é bastante vantajoso principalmente em grandes cidades com problemas de tráfego. Desse modo, num primeiro momento, muitos processos físicos foram digitalizados (ou “escaneados”) e, mais recentemente, passou-se a utilizar programas computacionais desenvolvidos especificamente para o funcionamento do processo judicial no formato eletrônico, tudo com o objetivo de dinamizar o processamento. Porém, como proceder em face do princípio da cartularidade dos títulos de crédito? Poderiam tais documentos serem digitalizados para fins de execução? Em caso positivo, o que fazer com o documento original? Deve-se depositá-lo em juízo? Poderia remanescer o título nas mãos do credor? Nesse caso, como evitar que ele eventualmente seja endossado e passe a circular no mercado? O Código de Processo Civil de 1973 (art. 614, I) estabelecia que incumbia ao credor, ao propor a execução, instruir a petição inicial com o título que lhe dava base. O mesmo mandamento é repetido pelo Código de 2015 (art. 798, I, a). Porém, como proceder quando estiver em cena o processo eletrônico? A exigência da juntada do título original aos autos é literalmente impossível. Assim, ainda sob a égide do CPC de 1973, a Lei 11.419/2006 inseriu o § 2º no art. 365 Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 6 daquele Código, com o seguinte teor: “Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar o seu depósito em cartório ou secretaria”, o que foi literalmente repetido pelo § 2º do art. 425 do CPC de 2015. Por outro lado, o Código de 1973, nos termos do seu art. 365, VI (redação dada pela Lei 11.419/2006), o que foi repetido pelo art. 425, VI, do Código de 2015, passou a determinar que fazem a mesma prova que os originais: VI – as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou particular, quando juntadas aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pela Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração. Eis que surge a questão: a partir da Lei 11.419/2006, é necessário depositar em cartório o título executado, inclusive para evitar que seja endossado e circule no mercado ou, noutro giro, basta a apresentação da respectiva cópia digitalizada? Ainda não há um entendimento jurisprudencialconsolidado a respeito, ao menos no Tribunal de Justiça de São Paulo. Uma primeira corrente entende que, em se tratando de execução fundada em título executivo extrajudicial passível de circulação, é de rigor a respectiva “juntada” no processo eletrônico do título original20. Dessa forma, a “juntada” do título deve observar o que dispõe, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o Provimento 21/2014 da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que assegura que os documentos cuja digitalização no formato “PDF” seja tecnicamente inviável devido ao grande volume, ilegibilidade, ou em razão do meio em que é originalmente produzido, ou ainda, que devam ser entregues no original, devem ser apresentados ao ofício de justiça no prazo de 10 (dez) dias, identificando o documento com o número do processo, nome das partes e a designação da Vara, arquivando-os em pastas individuais identificadas por processo, tudo certificado pelo ofício correspondente, ao qual, finda a lide, serão devolvidos às partes, após o trânsito em julgado. É o que decidiu a 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 29.06.2015, nos autos do agravo de instrumento 2069127-69.2015.8.26.0000, cuja ementa é a seguinte: Execução. Cédula de crédito bancário. Exibição de cópia digitalizada. Inadmissibilidade – Título que possui natureza cambiariforme e pode ser transferido mediante endosso em preto. Necessidade de exibição da cédula original – Inteligência do art. 28 da Lei 10.931/2004 – Recurso desprovido. Não se pode ignorar que se vive no contexto da sociedade da informação. Portanto, é preciso reconhecer que, a partir da Lei 11.419/2006, os títulos de crédito digitalizados passaram a servir como documentos probantes dotados de eficiência em transportar, para o ambiente virtual, as informações e requisitos necessários formadores do negócio jurídico realizados através do direito no campo das obrigações cambiais, conferindo à parte ex adversa, a quem o título é exibido, o dever de impugnar a exatidão do seu conteúdo e existência no campo da veracidade. Os tempos atuais requerem, pois, segundo apregoa Maria Helena Diniz, “uma nova feição do princípio da cartularidade, que, apesar disso, é preservado com a segurança eletrônica, mediante bytes e registros eletromagnéticos, suas bases físicas”21. Por isso defende-se que, salvo casos excepcionais, cujos contornos chegam a ser difíceis de imaginar, não deve o juiz determinar a entrega do título executado em juízo, sob pena da decisão destoar das necessidades da sociedade da informação no que tange à Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 7 busca da celeridade e eficiência processual colimada pelo processo digital. Nesse passo, temos que a jurisprudência deveria privilegiar a previsão do inciso VI do art. 425 do CPC (LGL\2015\1656), de modo a permitir que a execução siga mediante mera cópia digitalizada do título original. Nesse sentido, merece menção a segunda corrente jurisprudencial, com destaque para o julgamento proferido em 03.06.2014, pela 16ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no agravo de instrumento 2061359-29.2014.82.6.0000, destacando-se o seguinte trecho do voto do relator, desembargador Miguel Petroni Neto: Em que pese a fundamentação quanto a cartularidade do título de crédito em questão, em que o Juízo de primeiro grau se preocupou com a possibilidade de sua circulação por meio de endosso, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal tem entendido que o contrato bancário não está sujeito à circulação, motivo pelo qual se dispensa a juntada de via original. Nesse sentido: “Demanda executiva. Inicial instruída com cópia autenticada do título executivo extrajudicial. Contrato de empréstimo. Decisão que determina a apresentação do original, sob pena de indeferimento da inicial. Ausência de prejuízo na apresentação de cópia do instrumento particular, visto que o título não possui cartularidade. Recurso provido (Agravo de Instrumento 7.328.211-4 Rel. Desembargador Campos Melo)”. Eis, portanto, que a hermenêutica aplicada pelo Tribunal e Justiça de São Paulo nesse caso mitigou o princípio da cartularidade, em oposição ao entendimento clássico do direito cambiário clássico22, pois permitiu que o título de crédito, cuja cártula não esteja sujeita à circulação, seja digitalizada e apensada apenas virtualmente ao processo eletrônico. É importante verificar que, no caso retratado, dada a peculiaridade do contrato subjacente, o título não poderia ser endossado, não havendo riscos, pois, de sua circulação no mercado. Portanto, perfeitamente cabível a aplicação do inciso VI do art. 425 do CPC (LGL\2015\1656). Nas demais hipóteses, ou seja, quando se tratar de títulos endossáveis, há decisões que entendem ser necessária a retirada da possibilidade da respectiva circulação, o que deve se dar pela entrega da cártula em juízo. Aqui, o destaque vai para a posição adotada pela 22ª Câmara Civil em 26.03.2015, no agravo de instrumento 2023168-75.2015.8.26.0000. Conforme asseverado pelo relator, desembargador Campos Mello: O que está sendo executado é uma cédula de crédito bancário (cf. fls. 24 do instrumento). Trata-se de título que tem natureza cambial, por expressa disposição de lei. O art. 28, § 1º, da Lei 10.931/2004 prevê expressamente que ela pode ser transferida por endosso. Já o § 3º do mesmo dispositivo legal prevê também expressamente que a via do credor é negociável. Então, o que o recorrente pretende executar é título cambial. Em consequência, diferentemente de outros, em que admitida a juntada de mera cópia, a executoriedade estará necessariamente atrelada aos rigores da legislação cambial. Nessa hipótese, é mesmo de rigor a apresentação do título original, visto que é nele que está materializado o direito do credor da obrigação. É o velho princípio da cartularidade, o qual todavia subsiste em nosso Direito. A cartularidade é da essência do título de crédito. Ele deve necessariamente estar representado por um documento, o qual deverá conter os requisitos da respectiva validade. Tem existência material. Em suma, essa segunda corrente entende que o processo digital prescinde do título original retido em cartório quando não houver possibilidade de circulação, porém exige a retenção do título em cartório quando for possível o endosso. Mas, será que não haveria outra opção menos burocrática e talvez mais condizente e harmônica com a eficiência buscada pelo processo virtualizado? Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 8 O título de crédito endossável acabou por ser o grande foco de conflito entre a necessidade de maior celeridade, teoricamente proporcionada pelo processo digital, e necessidade de retirada de circulação da cártula endossável. Em pesquisa para colher mais informações a respeito do problema apresentado, chegou-se à uma engenhosa solução, aqui trazida a título de amostragem, da 3ª Vara Cível do Fórum Regional de Pinheiros-SP. Naquele Juízo, quando a execução versar sobre título de crédito, o juízo requisita ao possuidor do título que leve a cártula ao cartório para que seja certificado no original que o título é objeto de processo de execução, restringindo assim sua circulabilidade. É o que foi decidido, por exemplo, nos autos da execução 1004166-06.2015.8.26.0011: Vistos. Cuidando-se de execução de título extrajudicial, deverá o demandante, por injunção do princípio da cartularidade, apresentar à Serventia deste Juízo, em dez dias, sob pena de extinção do processo, o título de crédito original (via negociável) para vinculação ao presente processo (a Serventia, verificando que o título confere com a versão digitalizada, lançará certidão no original de que a cártula é objeto deste processo de execução, restituindo-a, em seguida, ao patrono do demandante; na sequência, certificará, nestes autos, a apresentação do original)23. Essa solução atende à praticidade e não causa prejuízode quaisquer ordens. A segurança jurídica e a boa-fé de terceiros restam preservadas, eis que o título não poderá circular no mercado, ainda que mantido na posse do credor. Trata-se, com efeito, de uma medida que desburocratiza do processo e reverencia a economia processual, sem falar que dispensa o Poder Judiciário de manter a guarda de diversos títulos de crédito submetidos à execução, transferindo essa obrigação ao credor, ou seja, para a pessoa que naturalmente já possui todo interesse em manter a integridade do título executivo. Não se encontrou no Superior Tribunal de Justiça precedentes que retratem exatamente as situações acima. O que a 4ª Turma daquela Corte já decidiu, mas provavelmente tendo em cena o processo em papel e não o eletrônico, foi que: A execução pode excepcionalmente ser instruída por cópia reprográfica do título extrajudicial em que fundamentada, prescindindo da apresentação do documento original, principalmente quando não há dúvida quanto à existência do título e do débito e quando comprovado que não circulou. Precedentes. Corte local que entendeu pela desnecessidade da apresentação do título original nesta execução por real impossibilidade material, porquanto tal documento instruía outra execução, concomitantemente em curso perante a respectiva unidade judicial (RESP 1.086.969, DJ 25.04.2014, rel. Min. Marco Buzzi). No mesmo sentido, proveniente da 3ª Turma, ressalta-se o seguinte julgado: Processo civil. Execução extrajudicial. Títulos que se apresentam por cópia. Admissibilidade. I – A execução pode excepcionalmente ser instruída por cópia reprográfica do título extrajudicial em que fundamentada, prescindindo da apresentação do documento original. II – Tal conclusão ainda mais se apresenta quando não há dúvida quanto à existência do título e do débito e quando comprovado que não circulou. Recurso Especial não conhecido (REsp 820.121, DJ 05.10.2010, rel. Min. Humberto Gomes de Barros). Ainda com atenção ao julgado acima (REsp 820.121), do voto vista do Min. Sidnei Benetti, destaca-se os seguintes argumentos, aliás, muito harmônicos com o princípio da economia processual, in verbis: É, em regra, obrigatória a juntada do título original, forte na célebre lição clássica de Vivante, definindo como título de crédito o “documento necessário ao exercício do direito Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 9 literal e autônomo que nele se contém”. A questão do caso, entretanto, coloca-se no interpretar o que seja necessário, sabendo-se, que “necessário é o que é e não pode ser de outra forma”. Para os tempos de Vivante o título era necessário porque não havia como reproduzir-se igual e porque sua posse pelo credor, originário ou circulado, era a única prova documental possível da existência da obrigação. Atualmente, contudo, a reprodução tem o mesmo valor do título e a prova documental pode ser para ser exibida a terceiro não protegido pelo princípio da abstração da causa típica do Direito Cambiário. Documento: 10907584 – Voto Vista – Site certificado Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça 3. O mais são os argumentos que se colhem nos cuidadosos votos proferidos pelos E. Ministros Ari Pargendler e João Otávio de Noronha. Não há, no caso, dúvida de existência do título e do débito, como assinalado pelo primeiro, e não por outro lado, a menor possibilidade de ter havido circulação da nota promissória, como deixado claro pelo segundo, por documentos robustos que satisfazem a descaracterização da necessidade do original. Tanto nos precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo, quanto nos do Superior Tribunal de Justiça, no que tange à instrução da execução mediante cópia do título (seja reprográfica ou digitalizada), nota-se a forte preocupação dos julgadores com a autenticidade da cártula, bem como com a possibilidade da respectiva circulação mediante endosso. Portanto, uma vez assegurados esses quesitos (autenticidade/não circulação), nenhuma censura merece o modus operandi adotado pela 3ª Vara do Foro Regional de Pinheiros. 6.Considerações finais A sociedade da informação, período histórico vivido pela humanidade, se caracteriza por uma crescente circulação de ideias, informações e conhecimento, a velocidade cada vez mais rápidas e custos decrescentes. Trata-se da em rede onde o desempenho das diversas atividades diárias, desde as mais comezinhas às complexas, depende, cada vez mais, dos meios eletrônicos e computacionais. Esse novo contexto desafia as velhas estruturas do direito que, inegavelmente, devem adaptar-se às novas realidades que se descortinam no horizonte social com grande rapidez, sob pena de tais estruturas restarem caducas e inaptas à promoverem a harmonia e a paz social, funções primordiais das normas jurídicas. Uma das áreas afetadas pela nova conjuntura foi o processo e respectiva legislação. O desenvolvimento tecnológico das últimas décadas permitiu, em termos de procedimento, o abandono do papel com a implantação a passos largos do processamento eletrônico. As vantagens dessa mudança de ambiente (do material para o virtual) se localizam na economia de recursos (papel e espaço físico) e na contribuição à celeridade processual, visto que tarefas burocráticas, como a juntada de petições, ofícios etc., não existem nos autos eletrônicos. A morosidade processual tem sido objeto de crítica e preocupação por parte dos juristas há décadas. Tanto é que o poder constituinte derivado fez inserir, por meio da Emenda Constitucional 45/2004, o inciso XXLVIII no art. 5º da Constituição de 1988, positivando o direito fundamental à duração razoável do processo. Nessa banda, o processo eletrônico é um dos caminhos (não o único, obviamente) a serem perseguidos pelos diversos Tribunais do país, cuja primeira base legal efetiva e abrangente foi a Lei 11.419/2006, incorporada em muitos aspectos pelo Código de Processo Civil de 2015, o que vem tornando o processo eletrônico realidade consolidada no Brasil, não obstante a grande maioria dos autos ainda utilizarem o papel. Um dos princípios elementares dos títulos de crédito é a cartularidade, ou seja, a materialidade em papel, o que gera um certo conflito em tempos do processo virtual, ainda mais porque o CPC (LGL\2015\1656) (art. 798, I, a) determina que nas execuções deva o título acompanhar a petição inicial. Mas como fazer isso num processo imaterial Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 10 (eletrônico)? O próprio CPC (LGL\2015\1656) encaminha soluções possíveis. Enquanto o § 2º do art. 425 determina que “Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar o seu depósito em cartório ou secretaria”, o inciso VI do mesmo dispositivo estipula que as reproduções digitalizadas de quaisquer documentos (não excluindo expressamente os títulos de crédito), quando juntadas aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares ou por quem detenha capacidade postulatória (v.g. advogados, membros do Ministério Público), fazem a mesma prova do que os originais. Diante disso, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem engendrado duas soluções possíveis: a primeira, convalida a necessidade de depósito do título original junto ao cartório, de modo a evitar a possibilidade de sua circulação por eventual endosso; a segunda, mais harmônica com os ditames da sociedade da informação, dispensa a apresentação do título original, sendo suficiente a cópia digitalizada, mas apenas nas hipóteses em que o título, por sua natureza, não comporte endosso. Porém, uma terceira via é passível de ser implantada e, com efeito, já foi empregada pela 3ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros, São Paulo. Trata-se da apresentação do título em cartório para que em seu bojo seja certificada informação de que a cártula é objeto de processo de execução, restringindo, dessa forma, sua circulabilidade. Esse tipo de providência também garante a autenticidadedo título, não causa prejuízos às partes ou a terceiros e, ainda, livra o Poder Judiciário da responsabilidade de manter a guarda dos títulos em execução: reduz-se a burocracia, reduz-se a necessidade de espaço físico. É preciso ter em mente que um dos princípios basilares do processo judicial eletrônico, desde a edição da Lei 11.419/2006, é a abolição de todo e qualquer documento em papel. Dessa forma, a certificação no título original de que o respectivo crédito está sob execução judicial é a solução que melhor se amolda aos tempos atuais de sociedade da informação. Mesmo que essa criativa solução não encontre previsão expressa na lei, como acaba por neutralizar a possibilidade de circulação por endosso, preservando o direito e a boa-fé de terceiros, nada impede que seja adotada como ferramenta que privilegia a celeridade e a economia processual. 7.Referências bibliográficas ASCENÇÃO, José de Oliveira. 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São Paulo: Paz e Terra, 2000. v. 1. p. 21. 3 ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito da internet e da sociedade da informação. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 6. 4 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio.Breves comentários à reforma do poder judiciário (com ênfase à justiça do trabalho): Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo:LTr, 2005. p. 24. 5 BARROSO, Luis Roberto.Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 240, 2005. p. 12. 6 HC 85.237, rel. Min. Celso de Mello, j. 17.03.2005, DJ 29.04.2005. 7 HC 86.915, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21.02.2006, DJ 16.06.2006; RE 569.476, rel. Min. Ellen Gracie, j. 02.04.2008, DJ 25.04.2008; RE 433.512. 8 A automação processual reduziu o tempo com preenchimento dos dados das partes no sistema, incumbência agora do advogado, remessa dos autos aos gabinetes e Tribunais, atividades burocráticas como anotações de número de folhas e juntada de documentos, o que possibilita ocupar o material humano em atividades mais qualificadas em termos Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 12 jurídicos para o desenrolar do processo. 9 GARCIA, Sérgio Renato Tejada. Processo eletrônico na justiça federal. 8º Encontro Íbero Latino Americano de Governo Eletrônico, Florianópolis, 2009. p. 40. Disponível em: [http://observatoriodoegov.blogspot.com.br/2009/06/8-encontro-ibero-latino-americano-de.html]. Acesso em: 24.07.2017. 10 Disponível em: [http://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l/PainelCNJ.qvw&host=QVS@neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT]. Acesso em: 17.07.2017. 11 Um byte (Binary Term), baite ou octeto, é um dos tipos de dados integrais em computação. É uma unidade usada para especificar o tamanho ou quantidade da memória ou da capacidade de armazenamento de um certo dispositivo, independentemente do tipo de dados. Disponível em: [https://www.significados.com.br/bit-e-byte/]. Acesso em: 17.07.2017. 12 TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: títulos de crédito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2012. v. 2. p. 1. 13 VIVANTE, Cesare.Instituições de direito comercial. 2. ed. Sorocaba: Minelli, 2007. p. 166. 14 Súmula 387 do STF: A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto. 15 Art. 8º da Lei 9.492/1997: Os títulos e documentos de dívida serão recepcionados, distribuídos e entregues na mesma data aos Tabelionatos de Protesto, obedecidos os critérios de quantidade e qualidade. Parágrafo único. Poderão ser recepcionadas as indicações a protestos das Duplicatas Mercantis e de Prestação de Serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a mera instrumentalização das mesmas. 16 Apelação 9057851-29.2009.8.26.0000, da Comarca de São José dos Campos, proferida pela 19ª Câmara de Direito Privado do TJSP, julgada em 30.07.2012. Disponível em: [https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RI000BW6E0000]. Acesso em: 24.07.2017. 17 HERSCOVICI, Alain. A sociedade em rede e a universalização do mercado: elementos de análise. Revista Electrônica Internacional de Economia de las Tecnologias de la Informacion y de lo Commercio, n. 2, jul.-ago. 2000. p. 5-6. Disponível em: [https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/ view/320/295]. Acesso em: 07.07.2017. 18 FALLETTI, Elena. E-Justice: Esperienze di diritto comparato. Milano: Giuffrè, 2008. p. 16. 19 MARQUES, Garcia; MARTINS, Lourenço. Direito da informática. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2006. p. 75. 20 Agravo de Instrumento 2069127-69.2015.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em julgamento pela 20ª Câmara de Direito Privado do TJSP, j. em 29.06.2015. 21 DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado.13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 598. 22 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva. v. I. p. 385. Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 13 23 Processo digital 1004166-06.2015.8.26.0011, 3ª Vara Cível do ForoRegional de Pinheiros, São Paulo-SP, decisão proferida pelo Juiz José Fabiano Camboim de Lima em 05.05.2015. p. 101. Disponível em: [https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=0B0013ERS0000&processo.foro=11&uuidCaptcha=sajcaptcha_2be2875517ba4166ad3455a6290dce79]. Acesso em: 24.07.2017. Cartularidade versus virtualização dos títulos de crédito no processo civil eletrônico Página 14
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